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Chuva de pássaros mortos…

1 de Janeiro de 2007

UMA FORMA MUITO ORIGINAL DE DESEJAR UM

FELIZ ANO!

O fundamentalismo religioso é uma realidade que teima em


não desaparecer, mesmo nos nossos dias. As
consequências são fáceis de prever.

A abordagem de certos problemas incomoda certas religiões,


ao por em causa alguns princípios que, durante muito tempo,
se pensava estar aquém da compreensão e intervenção
humanas. Mas não é assim. As intervenções efectuadas em
embriões é uma dessas áreas.

A investigação científica pauta-se pelo cumprimento e


respeito de normas éticas, cada vez mais apertadas. Se as
mesmas forem respeitadas, não vejo razão para que os
cientistas sejam comparados a terroristas. Mas foi nestes
termos que o actual papa Ratzinger se dirigiu no seu
discurso. E não ficou por aqui, porque considerou a prática
do aborto também a terrorismo. A nossa actual lei contempla
as circunstâncias em que pode ser praticado. Lei terrorista?
Na perspectiva papal, sim.

Face às palavras do Papa como sentirão as pessoas


honestas, dotadas de sentido ético, irmanadas de
responsabilidade social e científica, cultores da paz, ao
serem comparadas a terroristas?
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Salvador Massano Cardoso

Uma forma muito original de desejar um Feliz Ano!

3 de Janeiro de 2007

“ÓPERA ROCK”

Antes do Natal passei por uma livraria para ver as últimas


novidades, comprar um livrito, utilizar um bónus na sua
aquisição e passar um bocado de tempo, já que é tão raro.

Acabei por comprar dois e, quando cheguei à caixa, a


funcionária, muito delicadamente, cumprimentou-me, dizendo
que tinha um livro especial para eu ver. Acto contínuo, retirou
um exemplar debaixo do balcão e mostrou-me. Tratava-se da
Divina Comédia de Dante, tradução de Vasco da Graça
Moura com ilustrações de Júlio Pomar, edição limitada e
assinada por ambos. Perguntou-me se estava interessado.
Disse-lhe logo que sim, não obstante o preço. Mas como a
obra sempre me agradou, tendo inclusive já lido algumas
passagens, achei que era o momento de a ler. Afinal é uma
das mais marcantes obras universais. A funcionária
aquiesceu com um simpático sorriso e perguntou-me se era
para oferta. Disse-lhe que sim, mas para mim! Uma auto
oferta natalícia.

Já li grande parte da deliciosa obra do "homem que procura o


amor".

Hoje, fui confrontado com a notícia segundo a qual o


Vaticano planeia realizar uma “ópera rock” baseada na
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Chuva de pássaros mortos…

Divina Comédia. Um padre "liberal" é responsável pelos


diferentes estilos musicais, de acordo com o momento do
poema. Assim, o rock vai ser usado no Inferno, o coro
gregoriano no Purgatório e a música clássica no Paraíso. A
obra vai ser divulgada por esse mundo fora, e acho muito
bem. Só não compreendo as razões do monsenhor Marco
Frisina ao escolher os diferentes estilos de acordo com os
três patamares, Inferno, Purgatório e Paraíso. Não pretendo
afirmar que o senhor seja preconceituoso, nada disso. Mas
seria muito mais interessante escolher a música clássica
para o Inferno, sempre tranquilizava os diabinhos que por lá
abundam e o rock para o Paraíso, ao menos alegrava e
dinamizava a rapaziada. Quanto ao canto gregoriano, não
esquecer que este estilo de música foi divulgado pelo papa
Gregório I, o mesmo que teorizou o Purgatório, é muito bem
feito para os que “andam” por estas bandas. Claro que o
canto gregoriano é bonito, mas ter que o “gramar” durante
tempos infindos, enquanto não subirem ao Paraíso, deve ser
cá um tormento!

Estou convicto que Dante e a sua amada Beatriz, na sua


jornada pelo Paraíso, iriam divertir-se com o rock, mas têm
que contentar-se com música clássica. Melhor sorte tem
Dante, sempre dá umas voltas pelo Inferno…

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Salvador Massano Cardoso

4 de Janeiro de 2007

CRIANÇAS “ETERNAMENTE” CRIANÇAS…

Ashley é uma menina de nove anos com uma idade mental


de três meses que nunca vai conseguir andar nem falar.
Sofre de uma grave encefalopatia. Precisa de muitos
cuidados. Mas se crescer vai provocar graves problemas. Se
permanecer “eternamente” com um corpo de menina, a sua
vida, e também a dos pais, ficam mais facilitadas. Deste
modo, foi solicitada autorização para que fossem efectuadas
as terapêuticas necessárias, inclusive a retirada do útero e
das mamas. Para que servem neste caso, perguntam os
pais?

Esta atitude foi objecto de debates e recebeu autorização de


um conselho de ética.

Os beneficiários da medida são os pais, mas na opinião


daqueles também a filha vai beneficiar. Carinhosamente
chamam-lhe o “Anjo do travesseiro”, porque onde a colocam
(habitualmente num travesseiro) aí fica.

Esta medida poderá ser no futuro adoptada para casos


semelhantes, nomeadamente deficientes profundos, para os
quais não há terapêutica, nem foram tomadas medidas de
prevenção. No fundo é transformá-los numa espécie de
“Peter Pan” com o encanto que todas as crianças têm,
mesmo as que apresentam graves e profundas deficiências.

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Chuva de pássaros mortos…

Recordo-me dos meus tempos de estudante de ter visitado


uma senhora da minha terra que tinha tido há poucos meses
um rapaz deficiente. Os olhos brancos, traduzindo uma
cegueira completa, causaram-me arrepios que ainda hoje
sinto. De resto, era quase, em tudo, semelhante a qualquer
bebé. Claro que a deficiência era muito mais vasta, como
mais tarde se veio a confirmar. A mãe tinha cuidados
extremos, denotando um amor ilimitado. Era jovem.
Passados muitos anos, e apesar de saber que o rumo da
doença não era dos melhores – chegaram-lhe a propor o
internamento numa instituição, que sempre recusou – vim a
saber das graves dificuldades que entretanto tinham
ocorrido. A criança tinha-se transformado num adulto com
uma força impressionante, violento, permanecendo
desnudado a todo no tempo, porque não admitia roupas,
incapaz de dizer um única palavra, permanentemente
enclausurado no seu quarto. Mesmo assim, e apesar das
limitações da idade, a mãe continua a alimentá-lo, a limpá-lo,
dando-lhe todo o conforto possível e a acarinhá-lo com a
mesma doçura de sempre, e já se passaram mais de trinta
anos.

Quando li a notícia da pequena Ashley recordei-me deste


caso e pensei que bom seria, no meio de tanta tragédia,
manter o filho num estado “permanente” de criança, mais
consentâneo com a dignidade da mesma.

Dizem que o mundo é das crianças. Mas há crianças que

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Salvador Massano Cardoso

têm o direito de nunca crescer, porque o mundo lhes deve


algo, e esse algo é mesmo muito…

5 de Janeiro de 2007

"NÃO DIGAM MAL DA BARRIGUINHA"!

A obesidade constitui um grave problema nas sociedades


ocidentais. As razões são relativamente bem conhecidas e
as consequências muito pesadas. As próprias crianças
começam a ser vítimas desta epidemia. A situação é de tal
modo perigosa que se aponta para a possibilidade de, pela
primeira vez na história da humanidade, podermos vir a
assistir a uma redução da esperança de vida. Mas há que ter
alguns cuidados na forma como se divulgam certos dados.

O convite a uma certa forma de beleza tem causado o


oposto, ou seja a morte por anorexia como tem sido relatado
com uma frequência inusitada nos últimos tempos. Mas o
objectivo desta crónica não é enveredar por esta área, mas
sim chamar a atenção para o facto de que um ligeiro excesso
de peso poder ser benéfico para a saúde. Parece uma
heresia? Pois parece. Mas já algum tempo um estudo norte-
americano apontava para o facto de que um ligeiro excesso
de peso se acompanhar de um aumento da sobrevivência.
Recordo-me de uma explicação interessante a este
propósito. O tal ligeiro aumento de peso permitiria aguentar,
actuando como reserva, os efeitos nefastos de certas
doenças. Não sei se tal explicação corresponde à verdade. O
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Chuva de pássaros mortos…

que é certo é que um estudo recente, efectuado em Israel,


envolvendo milhares de homens, acaba de confirmar aquele
achado.

Os homens com peso superior ao normal (ligeiro!) vivem


muito mais anos que os normais.

Estes resultados devem ser muito gratificantes para os


homens que transportam uma barriguinha. Quem diria! A
partir de agora, a auto estima dos "barriguinhas" vai
aumentar, e muito, justificando que tal fenómeno é, ao fim e
ao cabo, um modo de prevenir certas doenças, permitindo
viver mais.

Não sei, ainda, mas vou tentar saber, se o "sindroma de


obesidade masculina pós casamento" (será que acabei de
inventar uma nova entidade?) tem ou não um efeito promotor
da longevidade. Muitos homens, após terem dado o nó,
ganham uns quilitos nada desprezíveis. Recordo-me que
comigo se passou algo semelhante, ao ponto do meu
saudoso professor de neurologia, que eu não via, fazia algum
tempo, me ter interpelado dizendo: - Oh S. que é que lhe
aconteceu?! Está mais gordo! Acto contínuo respondi sem
pensar: - Oh senhor professor, deve ser do casamento! - Ah!
Casou-se?!

Aqui está uma boa hipótese de investigação: aumentar de


peso após o casório é uma medida saudável, fonte de maior
longevidade.

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Salvador Massano Cardoso

Para terminar, dois aspectos a assinalar: em primeiro lugar a


obesidade mata mesmo, em segundo os efeitos positivos de
um ligeiro aumento de peso só se manifesta nos homens.
Nas mulheres ainda não está comprovado. Paciência,
minhas caras!

6 de Janeiro de 2007

"SAÚDE E LAMPREIAS"...

As notícias sobre saúde, acidentes, fugas ao fisco,


inoperância tributária, violência infantil, falta de recursos e
corrupção têm andado num corrupio mais do que
estonteante, verdadeiros dramas que roubam a esperança e
a alegria de um português dito normal.

No caso da saúde, continuam a encerrar serviços, uns atrás


dos outros, com a promessa de que os excelentes resultados
acabarão, um dia, por provar as capacidades económico-
proféticas dos actuais responsáveis.

O mal do país é ser muito pequeno. E como é pequeno não


tem recursos para resolver certas situações.

Chegou-se à conclusão que parir em Badajoz é mais barato.


Viram? Aqui está. Fica mais barato! Se falharem alguns
recursos não há problemas, manda-se a criança queimada
para a Corunha ou para Madrid caso necessite de um
transplante hepático. Não é que não se faça entre nós, pelo
contrário, e com muita qualidade. O pior são os recursos,
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Chuva de pássaros mortos…

porque, como é óbvio, certas situações não podem depender


apenas de uma pessoa ou serviço por mais excelentes que
sejam, e são! Mas se falharem, qualquer que seja a causa, é
um verdadeiro desastre. Por que é que isto acontece?
Porque somos pequeninos.

O caso da não assistência atempada aos recentes náufragos


– quer estivessem ou não em situação ilegal – revela o quê?
Que somos pequeninos e, neste caso, até mesquinhos, a
testemunhar pelas declarações públicas de alguns
responsáveis.

Ficamos com os cabelos em pé quando ouvimos que o fisco


não conseguiu cobrar judicialmente, em 2005, salvo erro,
qualquer coisita como 230 milhões de euros! E o que dizer
de um ídolo do desporto que mente e foge ao fisco,
acabando por não ter que pagar os devidos impostos?
Revela que somos pequeninos. E os exemplos ficam por
aqui? Claro que não, porque nestas matérias somos,
verdadeiramente, "grandes". Mas há decisões que revelam a
faceta escondida da grande alma lusitana. Podemos
exemplificar com o facto de ter sido aprovado, ou melhor, ter
havido consenso entre as bancadas parlamentares para a
elaboração de um projecto de recomendação ao Governo
relativamente à necessidade de ser construída uma nova, e
mais eficiente, escada para os peixes do Mondego poderem
ultrapassar a ponte-açude de Coimbra. Confuso? É mesmo
assim! Deste modo, talvez se consiga encontrar uma solução
depois de, ao longo de 30 anos, se reconhecer que a actual
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Salvador Massano Cardoso

não serve aqueles propósitos. Parece ser um bom sinal para


os amantes das lampreias, as quais muito dificilmente
conseguem galgar aquele obstáculo, garantindo a satisfação
gastronómica de muitos, mormente governantes. De facto,
nada nos impede de prever que um dia, os mesmos, poderão
festejar as suas decisões, nomeadamente as relativas à
região e à cidade. Caso não sejam apreciadores, ou estejam
impedidos medicamente de as “atacar”, é difícil a um político
não engolir certas preciosidades, mesmo que sejam
jurássicas. Mas se não tirarem dividendos ou não possam
comemorar o que já nos fizeram engolir, podem, em última
análise, solenizar a nova escada de peixe, grande e
atapetada à maneira….

10 de Janeiro de 2007

"VÃO E REGRESSAM"...

Certas situações são muito incómodas e, não obstante a


frequência com que ocorrem, não vejo modos de uma
pessoa se adaptar.

Há alguns anos um vizinho adoeceu gravemente. Tratei de o


encaminhar para o serviço mais adequado de forma a
começar a terapêutica. Fiquei surpreendido com o facto de
não a ter iniciado. Durante anos o senhor manteve aquele ar
doentio e, apesar de saber que andava em consultas no
hospital, dizia que afinal não precisava do tal tratamento. Até
que, um dia, entrou num estado tal que o obrigou a começar
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Chuva de pássaros mortos…

o que devia ter iniciado há muitos anos. Acabei por saber


que recusava sistematicamente o tratamento e que,
concomitantemente, se deslocava longe do seu local para
fazer tratamentos "naturais".

Não querendo por em causa as opções de cada um, mesmo


falando de situações graves, não posso deixar de lamentar
os serviços prestados pelas ditas "medicinas" alternativas.
Muitos adeptos são capazes de testemunhar os efeitos
benéficos e milagrosos destas práticas, apesar da ausência
de evidências científicas. Também sabemos que o
medicamento mais poderoso, em termos humanos (a
homeopatia veterinária não funciona, apesar de alguns
esforços em provar o contrário), é o placebo. Mesmo na
medicina, dita convencional, o efeito placebo está sempre
presente e de que maneira! Quantas vezes utilizamos
produtos cuja eficácia é duvidosa ou, não o sendo, em doses
muito aquém do recomendado, com aquela finalidade?
Incontáveis! No entanto, as "alternativas" encerram uma
atitude bastante curiosa. Passo a explicar: se houver
sucesso, os louros são da medicina alternativa, e os seus
cultores cantam hossanas a quem os livrou de tamanhos
males que a medicina não conseguiu tratar. Em
contrapartida, caso de insucesso, a culpa não é do
tratamento. Qual quê! É do doente, por este ou aquele
motivo. Ou seja, deixam sempre no ar que, no caso de
malogro, o doente poderia ter feito mais e melhor.
Simplesmente notável! Se analisarmos os casos de

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Salvador Massano Cardoso

negligência ou pedidos de responsabilidade aos autores de


tamanhos disparates o que é que acontece? Nada! Ninguém
é acusado.

Claro que no meio de tudo isto aparecem, também, alguns


curiosos cujo enquadramento é muito difícil de fazer, em
termos de “prática clínica”! Os chamados “médicos
populares” conseguem lembrar-se de coisas que nem o
diabo é capaz e que lhes pode sair caro. Que me lembre só
um tolo de uma ilha açoriana, que fazia terapêuticas com
pesticidas para o tratamento do cancro, é que foi condenado.
E logo pesticidas que são substâncias que actuam mesmo!
Se tivesse feito diluições homeopáticas não teria tido,
provavelmente, problemas. Mas não, pensou que quanto
mais concentrado melhor. Se mata a bicheza também mata o
“bicho”! Mais valia ter utilizado urina de rapariga virgem
(mesmo que não fosse)!

Na medicina convencional, os casos de sucesso são, para


grande parte dos doentes, devidos às terapêuticas, e a Deus
(não esquecer este pequeno grande pormenor), ao passo
que, para alguns, e são cada vez mais, o insucesso é devido
à falha e "negligência" dos profissionais de saúde ou ao não
desenvolvimento da medicina. - Então, senhor doutor, a
medicina ainda não descobriu a cura para esta doença?
Afinal não está tão desenvolvida como isso! É uma pergunta-
comentário que frequentemente ouvimos como que a
desdenhar das limitações médicas, apesar do tremendo
desenvolvimento que protagonizou no último século.
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Chuva de pássaros mortos…

Eles vão e, muitos, regressam em condições lamentáveis,


mas regressam, sendo recebidos sem qualquer
recriminação, embora tarde, muito tarde mesmo, morrendo
nas nossas mãos, porque têm de morrer às mãos de
alguém...

13 de Janeiro de 2007

“PIO LATROCÍNIO”

A Suécia sofreu durante mais de vinte anos roubos


sucessivos de peças de arte sacra praticados por um
espanhol que acabou por ser detido, o intitulado "ladrão das
igrejas". Algumas peças já foram recuperadas, outras, muito
valiosas, foram adquiridas por museus espanhóis, estando
na mira da justiça a fim de serem "repatriadas",
nomeadamente um preciosíssimo relicário de Limoges do
século XIII.

Os relicários destinavam-se a colher objectos dignos de


veneração, geralmente restos humanos, objectos, ou
quaisquer outras pertenças de santos e acontecimentos
religiosos. Muito valorizadas, no contexto da altura, eram
autênticos focos de atracção de fiéis, de consolidação da fé e
do poder.

A leitura desta notícia fez-me recuar ao princípio da década


de noventa e recordar o início de uma típica noite
compostelana, com alguns colegas meus, ao fim de um dia

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Salvador Massano Cardoso

de trabalho científico. Faltava apenas o Miguens. Tardava


em aparecer e informaram-me que devia estar ainda a tomar
chá com o arcebispo. Quando ouvi a explicação pensei: - O
Miguens a tomar chá com o arcebispo!? É preciso explicar
que além de médico e escritor, é um bon vivant, a testar pelo
perímetro abdominal, solto de língua, afável, contador exímio
de anedotas, com tiradas mordazes a todo o momento. Bom,
o arcebispo escolhe os amigos que bem lhe apetece!

Passaram mais uns momentos até que finalmente apareceu


com o ar mais sorridente do mundo. - Então Miguens como é
que correu o chá com o arcebispo? - Hoje, para variar, dei-
lhe cabo da cabeça com o pio latrocínio! Coitado! Ao fim de
900 anos vai ter de devolver as relíquias roubadas à Sé de
Braga (1102). Falava do famoso roubo praticado pelo
arcebispo de Santiago de Compostela, D. Diego Gelmires,
que "levou" de Braga as relíquias de vários santos,
enriquecendo o património de Santiago de Compostela a fim
de promover a atracção "turística-religiosa" da altura. Sabia
fazer política.

De facto, passado algum tempo, a devolução das relíquias


fez-se com toda a solenidade. Não queria deixar de relatar
um pormenor muito curioso. O desagravo foi parcial, porque
só vieram metade dos ossos dos três santos, e que não eram
por aí além. Argumentaram que seria lógico que as relíquias
ficassem nos dois lugares para serem veneradas. Para
proceder à escolha dos ossos, foi chamado um médico
antropólogo, o qual procedeu à separação de ossos pares,
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Chuva de pássaros mortos…

um fémur para ti, um fémur para mim, e assim


sucessivamente. Quando os ossos não estavam
aparelhados, seleccionou-os de forma a serem
representativos de todo o corpo!

Furtos houveram sempre. Actualmente somos confrontados


com verdadeiras epidemias. Aumento dos assaltos, aumento
dos impostos, cartelização, passando por sofisticados
vigaristas que utilizam as mais altas tecnologias, publicidade
enganosa, multiplicação de políticos pouco escrupulosos, até
aos apóstolos de falsas promessas, etc.. Mas o pior de tudo
é roubarem-nos a esperança. A esperança de melhores dias,
de um futuro digno para as novas gerações, a esperança de
um "novo" país que já foi grande e que hoje está mais do que
plutonizado no contexto europeu.

No fundo, estamos perante "diabólicos latrocínios". Que


saudades do pio latrocínio de Gelmires! Hoje, o primeiro
arcebispo de Santiago não se atreveria a desviar nem uma
relíquia do nosso território, porque poderia correr riscos dos
ossos não serem "santos". Não esquecer que, actualmente,
em Portugal, o diabo anda à solta, todos os dias, e não
apenas no dia de S. Bartolomeu!

16 de Janeiro de 2007

GALINHAS DE "ESQUERDA " E DE "DIREITA"!

A terapêutica génica é altamente promissora para resolver

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Salvador Massano Cardoso

muitos problemas de saúde. Os animais começam a ser


utilizados como verdadeiras e eficientes fábricas de produtos
complexos. Modifica-se a estrutura genética dos mesmos
"obrigando-os" a produzir certos produtos, através, por
exemplo, do leite ou, como foi recentemente noticiado, de
ovos obtidos de galinhas. Para o efeito são introduzidos
genes humanos responsáveis pela produção do produto. E
funciona mesmo. Deste modo começam a ser produzidas
galinhas transgénicas ao serviço da humanidade.

A par deste fenómeno, outros, muito mais complexos, e


polémicos, têm sido objecto, desde há longos anos, de
estudo e debate. É o caso da genética comportamental, que
procura encontrar nos genes parte da explicação de muitas
atitudes sociais. São estudos complexos, mas mesmo assim
não deixam de apontar para um papel nada discipiendo.
Claro que a interacção com o ambiente é determinante,
nomeadamente a socialização nas primeiras fases da nossa
existência. Podíamos ilustrar esta afirmação através de
expressões interessante tais como: "quem sai aos seus não
degenera", "filho de gato mata rato" ou “filho de arisco nasce
matreiro”, etc.

É óbvio a dificuldade em separar o que é herdado e o que é


adquirido e qual a interacção dos dois, mas, sem sombra de
dúvida, os factores genéticos exercem um efeito muito
interessante.

Sabemos, hoje, que certos genes, através dos seus


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Chuva de pássaros mortos…

produtos, proteínas, podem condicionar o tipo de resposta a


diversas agressões ambientais, por exemplo, excesso de
stress ou traumas diversos, não produzindo certas
substâncias protectoras e, consequentemente, desencadear
depressões.

Agora, na sequência de novos estudos de genética


comportamental, procura-se saber qual o papel nas opções
ideológicas políticas. Realmente, em todas as sociedades, e
em todos os tempos, a "amplitude" ideológica é uma
constante. O papel da socialização política é indiscutível,
mas não chega para explicar o fenómeno. A variabilidade é
generalizada e deve ter tido um papel muito positivo em
termos evolutivos. É lógico que não existem genes do partido
A, B ou C. O que existe são predisposições que na
interacção com os ambientes familiar e social condicionam
determinadas opções e atitudes. Os estudos nestas matérias
são curiosos, promissores e deverão ser levados em linha de
conta, ao contribuírem para a explicação de certas atitudes,
amenizando determinados combates políticos, respeitando
as diferenças e permitir obter os melhores resultados para o
desenvolvimento a vários níveis, além de promover a
tolerância tão arredia das nossas vidas.

Feitos estes comentários, poderão perguntar "mas que raio


têm as galinhas a ver com isto"? Provavelmente nada! A não
ser que algum abelhudo se lembre de querer identificar os
genes de "esquerda" ou de "direita" nos seres humanos e
acabe por inseri-los nos genomas dos galináceos. Então, as
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Salvador Massano Cardoso

galinhas, já por si meio doidas, passariam a andar nas


capoeiras num frenesim indescritível, umas atacando à
"esquerda" e outras à "direita". E o galo? Em condições
normais já deve sentir-se mais do que aflito para “galar” todo
aquele pessoal. Com a introdução das diferenças "políticas"
o problema complicar-se-ia. Também estou convicto que as
suas opções génico-políticas seriam irrelevantes face ao seu
papel. Qual política, qual quê! Também não ficaria admirado
que alguns fundamentalistas, na altura da compra dos ovos,
seriam capazes de perguntar: - Desculpe, mas estes ovos
são provenientes de galinhas de "esquerda" ou de "direita"?
– Sabe, é por causa da minha alergia!

18 de Janeiro de 2007

“CINCO MINUTOS PARA A MEIA-NOITE E MEIA-

NOITE E CINCO”…

Acabou de ser anunciado que o simbólico relógio, criado em


1947, nos escritórios da BAS (Boletim de Cientistas
Atómicos), para “medir” o tempo que falta para que a
Humanidade desapareça, foi adiantado em mais dois
minutos, resultante das novas ameaças que pendem sobre
as nossas cabeças, sobretudo as recentes alterações
climáticas.

Inicialmente, o relógio só tomava em linha de conta as


ameaças nucleares, “magistralmente” materializadas em

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Chuva de pássaros mortos…

Hiroshima e Nagasaqui e a hora foi fixada nas 23h:53 m.


Depois, ao longo do tempo sofreu 18 “acertos”, frutos dos
diversos acontecimentos mundiais, tendo sido “estabilizada”,
em 2003, nas 23h:55m. Agora, acrescentaram mais dois
minutos, passando para as 23h:57m. Já falta pouco para
acabarmos com isto tudo, porque adiantar é fácil, atrasá-lo é
que é muito mais difícil! Mas pode ser que haja ainda
esperança, porque, em 1953, o Mundo chegou às
23h:57m:30s, quando as grandes potências faziam testes
termonucleares, uns atrás dos outros.

Tragédias ao redor da meia-noite parecem ser comuns. Uma


delas foi em Bhopal, passava cinco minutos depois da meia-
noite. Dominique Lapierre e Javier Moro escreveram um livro
notável sobre a tragédia que se abateu sobre aquela
comunidade indiana, na sequência da explosão de uma
fábrica de pesticidas. A nuvem tóxica varreu e matou por
onde passava, animais, homens, mulheres, jovens, velhos,
ricos e pobres. Passados mais de 22 anos as consequências
ainda se fazem sentir, não só nas mulheres, mas também
nas filhas entretanto nascidas que, apesar de não terem
estado expostas, são atormentadas por graves problemas de
saúde.

Fui à estante e retirei o livro “Il était minuit cinc a Bhopal”. Ao


passar os olhos por esta obra recordei o seu conteúdo e os
dramas vividos por tantas pessoas.

A falta de respeito pelas regras de segurança, pelos valores


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Salvador Massano Cardoso

e dignidade dos seres humanos estão bem patenteados


neste romance ao descrever que, para muitos, o fim do
mundo pode ocorrer não à meia-noite, mas cinco minutos
depois…

19 de Janeiro de 2007

UM VERDADEIRO TOQUE DA HUMANIDADE

Na reserva animal da Louisiana uma chimpanzé deu à luz


um bebé, Tracy. Até aqui nada de novo, excepto o facto dos
sete machos que andam por lá terem sido sujeitos a
vasectomia. Sendo assim, é muito provável que um deles,
pelo menos, não foi devidamente esterilizado. Agora vão
proceder a testes de paternidade para saber quem foi o
"atrevido", que deve andar a rir-se, e quem sabe se não já
provocou mais estragos nas "tias" lá do burgo!

A aplicação dos novos testes de paternidade tem tido um


"boom" verdadeiramente extraordinário. A sua aplicabilidade
permite resolver algumas situações bastante delicadas, mas
não deixam de causar outras.

No tempo em que não existiam estes testes, alguns pais


"ignoravam" o facto de não serem os pais biológicos dos
seus filhos!

Hoje, a incerteza da paternidade pode ser resolvida com uma


facilidade tremenda. Até pela Internet é possível resolver a
dúvida.
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Chuva de pássaros mortos…

Em termos evolutivos é citado o facto de que o investimento


na descendência exige um grande esforço e dispêndio de
energia, pelo que o pai "necessita" ter a certeza de que o
filho é mesmo seu. Na prática a "discrepância paternal" pode
oscilar ao redor de valores tão díspares como 1 a 30% de
acordo com as diferentes comunidades. No Reino Unido
atinge cerca de 4%. Desconheço, oficialmente, o que se
passa em Portugal. No entanto, segundo uma colega, que
navega nestas áreas, e com quem tive o prazer de jantar,
confidenciou-me que a discrepância paternal pode chegar,
entre nós, aos 10%! Valor verdadeiramente arrepiante!

Ponho-me a imaginar o que teria acontecido ao militar, que


foi condenado a seis anos de prisão, por ter recusado a
entregar a "sua" filha não biológica, se não houvesse esta
prática. Nunca se saberia quem era o progenitor, o senhor
não seria preso e a criança não corria quaisquer riscos de
ser ameaçada nos seus direitos. Por outro lado, a
determinação do pai social é de tal modo intensa, chegando
ao ponto de por em causa certos determinismos biológicos,
ou, então, vem provar que o verdadeiro amor é superior a
quaisquer investimentos biológicos.

Um verdadeiro toque de humanidade…

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Salvador Massano Cardoso

19 de Janeiro de 2007

“LINHAGENS”…

Em 2004, aquando da discussão sobre procriação


medicamente assistida, tive oportunidade de elaborar um
parecer sobre um dos vários projectos de lei admitidos e
nunca discutidos. A presente legislatura já resolveu o
assunto (Lei nº 32/2006 de 26 de Julho). Recordei-me desse
parecer e fui lê-lo. As razões prendem-se com uma notícia
segundo a qual um casal isrealita ganhou na Justiça o direito
de usar espermatozóides do seu filho, morto em 2002, para
inseminar uma mulher que nunca conheceu. Fiquei abismado
com a autorização. Em primeiro lugar o filho não tinha
deixado nada nesse sentido, nem um testamento. Os pais
retiraram os espermatozóides depois de morto a fim de os
utilizar mais tarde, porque o filho manifestou, desde sempre,
que queria ser pai. O desejo de ser pai e ser mãe é natural, e
perfeitamente legítimo, desde que estejam vivos!

Os Cohen procuraram mulheres que aceitassem ser


inseminadas e acabaram por escolher uma, entre mais de
200, com 25 anos.

O advogado explicou que a partir de agora “as linhagens


familiares podem sobreviver mesmo sem o prévio
consentimento do homem falecido em questão”.

Na altura, a propósito do projecto de lei que me foi atribuído,


foquei vários aspectos, nomeadamente a importância das
22
Chuva de pássaros mortos…

técnicas de procriação medicamente assistida, quais das


técnicas utilizadas e aceites não suscitavam grandes
preocupações, quais as que levantavam graves problemas
éticos e quais as que exigiam debate e reflexão mais
aprofundada. Além destes aspectos, comentei e analisei
outros relacionados com o embrião e as respectivas
implicações na investigação científica.

Um dos pontos do projecto admitia a inseminação e


fertilização post-mortem das mulheres. O sémen seria
recolhido até ao termo das 24 horas após o falecimento,
mesmo que não existisse consentimento por escrito. O
documento encerrava, inequivocamente, um excesso de
autoridade da parte da mulher como se fosse herdeira
natural dos espermatozóides do homem com quem vivia. Até
que ponto é eticamente aceitável a mulher ser herdeira de
material biológico do companheiro? O material biológico não
é susceptível de ser herdado. Pode ser doado, mas não
herdado. É eticamente aceitável que se proceda à
implantação de embriões post-mortem, dando sequência a
um projecto de vida, caso a mulher assim o deseje.

O argumento, israelita, de manter “linhagens” é patético.


Cerca de 90% da população, em qualquer momento deixa de
ter linhagem. Basta olhar para trás e “ver” quantas e quantas
linhagens desapareceram. Pela amostra das que cá andam,
ainda bem…

23
Salvador Massano Cardoso

21 de Janeiro de 2007

A PROPÓSITO DOS “CASOS” DE ODEMIRA

O meu companheiro de blog (4-R, Quarta República),


Ferreira de Almeida, escreveu uma nota intitulada “Sinais
Preocupantes” sobre os atrasos na assistência médica
prestada a dois concidadãos, no espaço de uma semana. Ao
lê-lo, fiz o seguinte comentário:

Caro Ferreira de Almeida

As suas observações são mais do que pertinentes. Viver


num interior isolado, com uma população envelhecida e,
naturalmente, cada vez mais carenciada de cuidados
médicos, obriga a repensar muito em termos de serviço
nacional de saúde.

Para mim, e não obstante as “recomendações” técnicas, os


interesses dos cidadãos estão em primeiro lugar. Adoro o
interior do país. Viver no interior e estar ligado ao mundo é
um privilégio indiscutível. Mas é preciso manter e
desenvolver apoios e condições para os fixar. A saúde é uma
delas.

O senhor ministro da Saúde usa, abusa e assenta as suas


decisões em “recomendações” técnicas. Mas sabemos,
porque não somos estúpidos, que o que está em “primeiro
lugar” ou melhor em “primeiríssimo lugar” são os euros! Claro
que vai afirmar que não. Mas há alguém que acredita na sua

24
Chuva de pássaros mortos…

bondade? Se analisarmos as atitudes tomadas ultimamente,


tudo aponta para isso. Nem vale a pena enunciar o que já fez
e, sobretudo, o que já disse. E diz cada uma! Chegou a
afirmar que ninguém estaria a mais de quarenta minutos de
um serviço de urgência de excelência! Nota-se! Depois, a
arrogância com que foca cada um dos problemas é
perturbador. A um político não basta ser conhecedor,
determinado e competente. Também tem de ser humilde, o
que não é o seu caso.

Podemos ter pouco meios, é um facto, mas com arte e


engenho é possível cobrir todo o território com o mínimo de
eficiência e de qualidade, porque face à lei todos os cidadãos
têm os mesmos direitos. O que é certo, a prática demonstra-
o, é que em Portugal começam a surgir cidadãos de segunda
e de terceira categoria.

Não tenho dúvidas de que um “enfartezito” do miocárdio num


ministro ou secretário de estado, para aquelas bandas, ou
uma traulitada no toutiço, seriam razões mais do que
suficientes para melhorar a assistência…

21 de Janeiro de 2007

“DEUS E O SENTIDO DE HUMOR…”

De vez em quando socorremo-nos da Bíblia, transcrevendo


breves passagens, para reforçar alguns conceitos ou ilustrar
certas posições. É um exercício interessante. As reacções ou

25
Salvador Massano Cardoso

comentários às mesmas não se fazem esperar devido à


profundidade das mesmas. Com um pouco de atenção até
somos capazes de detectar um certo humor divino.

Quando escrevi a nota “Come, bebe e diverte-te!...”, no blog


“Quarta República”, citei uma passagem do Eclesiastes
(8.15). Vou repeti-la: “Por isso, louvei a alegria, visto não
haver nada de melhor para o homem, debaixo do Sol, do que
comer, beber e divertir-se; é isto que o acompanha no seu
trabalho, durante os dias que Deus lhe conceder debaixo do
Sol”.

O meu amigo Pinho Cardão, profundo conhecedor do Livro,


apressou-se a perguntar: - “E quantos versos da Bíblia
cantam o amor livre de preconceitos e os prazeres da vida”?
Vai daí e transcreve um cântico do Livro de Salomão:

Ah! Beija-me com os beijos de tua boca!


Porque os teus amores são mais deliciosos que o vinho
e suave é a fragrância de teus perfumes;
o teu nome é como um perfume derramado: por isto amam-te as jovens.
Arrasta-me após ti; corramos! O rei introduziu-me nos seus aposentos. Exultaremos de
alegria e de júbilo em ti. Tuas carícias nos inebriarão mais que o vinho. Quanta razão há
de te amar!
...
meu bem-amado é para mim um saquitel de mirra, que repousa entre os meus seios;
meu bem-amado é para mim um cacho de uvas nas vinhas de Engadi.
Como és formosa, amiga minha! Como és bela! Teus olhos são como pombas.
- Como é belo, meu amor! Como és encantador! Nosso leito é um leito verdejante...

Tonibler, um dos nossos habituais comentadores, entra ao


serviço, assim como Ferreira de Almeida. É fácil perceber o
que perpassou por estas mentes “tenebrosas” rematadas
26
Chuva de pássaros mortos…

pelas tiradas de Rui Vasco!

Agora, quem diria que uma simples (como quem diz!) crise
de hemorróides, tenha descambado para o Velho
Testamento! Quando me informaram de que no primeiro livro
de Samuel havia referências a este problema, pus-me a
caminho e, realmente, lá está! Quando os filisteus roubaram
a Arca, o Senhor não gostou, o que é natural, e pregou-lhes
uma praga de ratos acompanhada de crises de hemorróides
(temperadas, pudicamente (?), nalgumas versões como
tumores) que não pouparam ninguém e cujas queixas devem
ter chegado ao céu. Nem mais, nem menos. Perante a
situação, os larápios trataram de entregar a Arca no Templo
acompanhada de cinco estatuetas de ratos e outras tantas
de “hemorróidas” em ouro.

Aqui está um bom exemplo de que Deus tem sentido de


humor. É pena que não aplique a muitas das actuais
situações, porque permitiria resolver muitos e sérios
problemas. Ah! Já agora! Podia dispensar os ratos, claro!

22 de Janeiro de 2007

- “VOVÔ! É PARA BRINCAR? – NÃO! É MESMO A

SÉRIO…”

Foi noticiado que a oferta de cheques superiores a 500 euros


tem de ser declarada ao fisco e, inclusive, nos
casosprevistos, pagar 10% do seu valor. Estou preocupado,
27
Salvador Massano Cardoso

e muito!

Tenho uma netita que acabou de fazer três anos e passei-lhe


um cheque para a sua conta-poupança. Nada de especial. O
pior é que segundo a lei em vigor, a menina, apesar de estar
isenta do pagamento, tem que preencher uma declaração
chamada de “modelo 1 do imposto do selo”.

Hoje chamei-a e disse-lhe: - Mariana, faz o favor de ires lá


baixo, às Finanças, e preencher o “modelo 1 do imposto do
selo” da doação que te fiz na altura do aniversário. Ouviste?
Olha que eu não quero chatices com aqueles senhores. O
problema é teu!

A miúda, com um olhar meio esbugalhado face a tão


solene e inesperada interpelação, perguntou-me: - Vovô! É
para brincar? – Não! É mesmo a sério.

25 de Janeiro de 2007

“A VIOLÊNCIA DA PERGUNTA…”

O inquérito que o IDT pretendia realizar sobre os hábitos de


consumo de droga, no universo estudantil do 3º ciclo até final
do secundário, comportava perguntas que não se podem ou
não se devem fazer a jovens.

Presumo que é do conhecimento geral a polémica levantada


acerca deste caso. As perguntas “sancionadas”
questionavam os alunos “sobre se o pai, ou o substituto
28
Chuva de pássaros mortos…

insultava, agredia ou obrigava a mãe a fazer vida sexual com


ele e contra a sua vontade”.

Parece que este inquérito é a repetição de um outro


efectuado em 2001! Agora, o responsável máximo do IDT
admite que as perguntas sobre a violência doméstica tinham
uma formulação infeliz e que em última análise a
responsabilidade é sua. Pode dizer o que lhe apetece, mas
há uma coisa que não pode ser escamoteada, quem fez o
inquérito ou quem o idealizou deve ser mesmo incompetente
ou manifesta novas formas de violência! De facto, não
podemos esquecer que a estrutura de um inquérito tem de
obedecer a regras e princípios bem definidos.

Como é possível que uma entidade tão importante legitime e


envereda por certas áreas tipo “elefante em loja de cristais”?
Quem faz investigação, elabora e aplica inquéritos, sabe
muito bem que o facto de desejar conhecer certos aspectos,
que podem ser muito importantes, não legitima que se
pergunte tudo e de qualquer maneira, muito menos da forma
“agressiva” como é o caso presente.

Hoje, existem medidas de controlo e de fiscalização para a


realização de diferentes tipos de estudo. Questiono-me como
foi possível este inquérito ter conseguido “furar” a comissão
de ética? Partindo do pressuposto de que tenha sido
submetido.

A submissão às Comissões de Ética e à Comissão Nacional

29
Salvador Massano Cardoso

de Protecção dos Dados, assim como as necessárias


declarações de consentimento dos inquiridos ou dos seus
tutores, são indispensáveis à prossecução de estudos,
salvaguardando os direitos dos cidadãos.

A este propósito, recordo-me de um colega, em tempos, ter


sido multado pela Comissão de Protecção de Dados, na
sequência de uma denúncia, segundo a qual havia perigo de
não confidencialidade. O inquérito era correcto, não continha
perguntas anómalas ou agressivas, foi apreciado e aprovado
por uma comissão de ética, mas o simples facto de poder
ocorrer perda de confidencialidade levou à tal penalização e
destruição dos inquéritos.

Voltando à vaca fria, modo de questionar os problemas, um


colega, presidente de uma comissão de ética de um grande
hospital do país, informou-me que anda preocupado com o
crescente pedido de inquéritos por parte de pessoal não
médico e até mesmo de estudantes. A forma como
apresentam os inquéritos é “chocante”, como se fosse
permitido perguntar tudo e de qualquer maneira. Um dos
últimos pedidos era oriundo de uma escola secundária em
que alunos do 11º ou 12º anos queriam fazer um inquérito no
hospital aos doentes com cancro para saberem o que
sentem!!!...

Enfim, há qualquer coisa que não bate certo, traduzindo


nãosó um défice cultural como, também, uma
insensibilização a certos valores.
30
Chuva de pássaros mortos…

26 de Janeiro de 2007

O MUNDO É DOS "BRUTOS"...

As notícias sobre a violência são uma constante do nosso


quotidiano. Abrimos um jornal ou escutamos o noticiário e
aparece, inexoravelmente, a violência.

"Violência" nas escolas.

"Violência" desportiva.

"Violência" da polícia.

"Violência" sobre a polícia.

"Violência" dos tribunais.

"Violência" política.

"Violência" religiosa.

"Violência" económica.

"Violência" cultural.

"Violência" publicitária.

"Violência" sexual.

"Violência" rodoviária.

"Violência" moral.

"Violência" jornalística.

"Violência" sobre as crianças.

"Violência" sobre as mulheres.

"Violência" doméstica.
31
Salvador Massano Cardoso

"Violência" racial.

"Violência" laboral.

"Violência" científica.

Enfim, violência!

Faz parte da nossa natureza. É um facto. Mas os diferentes


mecanismos criados e desenvolvidos ao longo da nossa
existência, enquanto espécie, não têm conseguido
domesticá-la. Bem pelo contrário, a criação de novas áreas,
quase diria novas arenas, alarga a expressão da violência
inata. No fundo, comportamo-nos ao velho estilo paleolítico,
com a inevitável moca ou fémur de mamute a esborrachar o
crânio do parceiro.

A palavra, as atitudes e o comportamento de alguns


responsáveis são brutalmente lesivas da integridade de
muitos seres humanos, provocando estupefacção e
sentimento de revolta, alimentando mal-estar e, nalguns,
desencadeando mesmo reacções de brutalidade.

O mundo é dos "brutos"...

27 de Janeiro de 2007

“QUE BRUTOS!”

Os momentos de lazer são cada vez mais raros. Sempre que


posso, consumo cada momento livre como se tratasse de
uma laranja, ou seja, espremo-o ao máximo para lhe retirar o

32
Chuva de pássaros mortos…

sumo, fonte prazer e de forças para os inúmeros embates


que a idade e a responsabilidade acarretam.

Aos Sábados de manhã refugio-me no pequeno café-


esplanada da Ponte da Praça de Santa Comba. Hoje, cumpri
o ritual. Agasalhado, como um autêntico diabo a viajar pelos
pólos, entrei dentro do estabelecimento, já que era
impossível ficar cá fora. Sentei-me diante de uma das duas
janelas panorâmicas e comecei a bisbilhotar as notícias dos
jornais. O café é pequeno e quando entrei só estava a jovem
empregada. Passado algum tempo, entraram duas senhoras
bem vistosas, uma na casa dos quarenta, a outra acabada
de entrar na dos trinta, transportando um "cestinho" com um
bebé de poucas semanas, não por tê-lo visto, já que vinha
cortinado por uma pequenina manta, mas pelo ar meio parido
da mais nova. Sentaram-se à minha frente e colocaram a
criancinha junto da janela para a “aquecer”. Passado dois
minutos, se tanto, ambas raparam de cigarros sem qualquer
cerimónia. Fiquei abismado. O miúdo (vim a saber depois o
sexo, no decurso da conversa) começou a ser “acarinhado”
pelo fumo. Entretanto três cavalheiros entraram e dirigiram-
se à mesa. O mais velho, olhando para o quadro, disparou: -
A fumarem! E com o bebé ao lado! Resposta, não da mãe,
mas, da outra senhora: - Não há problema. O menino tem a
mantinha a cobri-lo! O senhor de mais idade olhou-me e
deve ter reparado na minha concordância com a sua
observação.

Alguns minutos depois, entra uma jovem mãe, ainda na casa


33
Salvador Massano Cardoso

dos vinte, com outro “cestinho” de bebé, também coberto


com uma pequena mantinha. Pensei: - E vão dois! O que
pensará esta mãe ao ver que os vizinhos ao lado estão a
fumar! Rapidamente deu-me uma resposta esclarecedora.
Também começou a fumar. Incrível. Mais uma. Já não
conseguia ler as notícias. Entretanto, dois dos cavalheiros
que acompanhavam as senhoras sentadas à minha frente
começaram a fumar. Um deles devia ser o pai. Eis que
repente o jovem marido da mãe mais jovem que se tinha
sentado na mesa à minha esquerda entrou no café e zás:
puxou também de um cigarro. Logo a seguir entrou uma
senhora sem “cestinho”, bem cuidada que se senta na mesa
entre as das duas mamãs e catrapus: puxou também de um
cigarro. Ou seja, num curto espaço de tempo, o ambiente
agradável do café foi atacado por sete pessoas em nove com
boa dose de fumo de tabaco. O ar do pequeno café tornou-
se desagradável, obrigando-me a sair e ir para casa a
resmungar. Como é possível que ocorram casos desta
natureza, mães e pais que não têm respeito pelos outros e,
sobretudo, pelos próprios filhos de tenra idade?

Mais uma forma de violência! Violência contra os direitos dos


outros e da saúde e bem-estar dos próprios filhos!

Que brutos! E o ministro da saúde é outro! Já teve tempo

mais do que suficiente para “botar” cá para fora a tal lei... É o


“botas”!

34
Chuva de pássaros mortos…

29 de Janeiro de 2007

“AFFLUENZA”

Em Hamlet, a frase, “Há algo de podre no Reino da


Dinamarca”, proferida por um dos oficiais de guarda,
aquando da aparição do fantasma, traduz a existência de um
mistério que ameaça a sobrevivência do Reino. Hoje,
podemos afirmar que “Há algo de podre fora do Reino da
Dinamarca”! Enquanto a organização social na Dinamarca é
mais equilibrada, menos desigual e, consequentemente,
mais feliz, noutros povos é precisamente o contrário. Um
novo e terrível “vírus”, denominado “affluenza”, está a atingir
as pessoas de muitos países ricos. A sua virulência não se
compara, em termos de mortalidade, com a “futura” variante
humana do vírus de influenza H5N1, mas, em contrapartida,
é altamente contagioso, levando as pessoas a um consumo
patológico. Nesses povos, as pessoas são convidadas “a
ganhar mais, a gastar mais, a querer mais”. Querem ser mais
ricos que os vizinhos. Olham permanentemente sobre o
ombro para saberem se já foram ultrapassados. Começam a
sofrer doenças do foro comportamental cada vez mais
graves, entre as quais se conta a depressão. Inicialmente
surgem o descontentamento e a inveja. Depois emerge a
patologia social e, nas situações mais extremas, explodem
graves patologias mentais.

Nos países desenvolvidos, há uma nítida correlação entre as


doenças mentais e as elevadas disparidades dos

35
Salvador Massano Cardoso

rendimentos económicos. Quando aumenta o gradiente


socioeconómico, aumenta a patologia mental. Os mais
jovens são mais sensíveis ao “vírus da affluenza”. Em
contrapartida, as comunidades rurais são menos propensas
que as urbanas, assim como as comunidades não
industrializadas versus as industrializadas.

Muito provavelmente, o vírus provoca desequilíbrio entre o


“Ter” e o “Ser”, a favor do primeiro, confundindo o querer
com as necessidades.

O endividamento patológico das famílias portuguesas é uma


realidade, denunciando que o “vírus da affluenza” está de
pedra e cal na nossa sociedade. Os comportamentos de
muitos responsáveis, apelando ao consumo desenfreado
numa perspectiva hedonística e ao criar estereótipos sociais,
favorecem o propagar desta pandemia.

As preocupações com a prevenção de várias doenças


constituem uma realidade, embora muitas vezes sem
aplicação prática, ficando-se pela simples retórica.

A vacinação contra o vírus da influenza – falando apenas da


gripe “banal” – é uma forma muito eficaz de prevenção. As
autoridades promovem-na e ainda bem! Agora, gostaria de
ver um bocadinho de mais atenção para a vacinação contra o
“vírus da affluenza” por parte dos nossos responsáveis. Não
deve ser muito difícil encontrar vacinas eficazes. O mais
complicado é desenvolvê-las ou, melhor, ter vontade nesse

36
Chuva de pássaros mortos…

sentido.

O desenvolvimento cultural, o combate ao abandono escolar,


o estabelecimento de novos valores sociais, o combate aos
novos preconceitos consumistas e a manutenção de velhos-
novos valores éticos e comportamentais são urgentes, são
vitais para evitar que este nosso pobre reino apodreça ainda
mais...

31 de Janeiro de 2007

“SANGRAR O ÁLCOOL DAS VEIAS NACIONAIS”...

A história do álcool confunde-se com a história do próprio


homem. Desconhece-se o momento em que se materializou
este encontro de uma forma consciente e hedonística. Cedo,
descobriu as virtudes e o prazer veiculados sob diferentes
formas de bebida.

Praticamente, nenhuma civilização, povo ou tribo deixou de


produzir e desenvolver as suas variantes de bebidas
alcoólicas, mesmo os que hoje as proíbem.

Desde cedo, foi possível verificar que o uso excessivo se


acompanhava de graves problemas de saúde.

No livro “Arte de Conservar a Saúde dos Príncipes e das


Pessoas de Primeira Qualidade como também das nossas
Religiosas”, publicado por Ramazzini no início do século
XVIII, é visível a preocupação em termos de prevenção e de

37
Salvador Massano Cardoso

moderação devido aos efeitos do álcool. Além de


interessantes referências a autores da antiguidade, este
brilhante médico de Modena afirma a certo passo: “Porém
não há cousa, que tão clara, ou ocultamente seja mais
contrária à saúde dos Príncipes, ou outros grandes, como é o
uso do vinho imoderadamente; e o que mais é, que não só
padece a sua saúde, senão a sua reputação, e glória.

É certo que o vinho em pequena quantidade, e com


moderação, fortifica o corpo; mas da mesma sorte é
certamente sem ela muito nocivo e prejudicial”.

Palavras que actualmente poderão ser subscritas por


qualquer um, agora alargadas, não só aos príncipes e às
pessoas de primeira qualidade, mas a qualquer cidadão.
Palavras cheias de modernidade. O que nos distingue e
separa, nestes três séculos, são os conhecimentos de
natureza fisiológica, patológica e metabólica, entretanto
desenvolvidos.

A massificação do consumo de bebidas alcoólicas varia de


povo para povo, e cada um tem o seu próprio perfil. Os
portugueses são considerados como um dos principais povos
consumidores de álcool, a nível mundial. Facto que não nos
orgulha, além de constituir fonte de doença, de morte, de
violência, de conflitos laborais e de pobreza nacional, a todos
os níveis. Curiosamente, nem sempre fomos assim. A
análise dos relatos de viajantes estrangeiros no século XVIII,
revela facetas pouco agradáveis dos nossos antepassados,
38
Chuva de pássaros mortos…

mas, no que toca ao consumo do álcool, são positivos. Os


relatos apontam para a seguinte conclusão: “Na Europa do
século XVII e meados do século XVIII, não há povo que
menos se entregue ao vício indesculpável da bebida”.
Saussure chega a afirmar que “em geral o português é
sóbrio, quer na bebida quer na comida. Um inglês, à sua
conta, come mais carne de açougue e bebe mais vinho que
quatro ou cinco portugueses juntos…”

Algo se passou, entretanto. A partir dos finais do século XVIII


observou-se uma viragem completa dos nossos hábitos:
influência estrangeira, novos interesses económicos
emergentes, condições sociais desfavoráveis, mal-estar
colectivo, são alguns factores que, facilmente, promovem a
união entre o homem e a bebida.

As causas subjacentes aos excessos do consumo de álcool


são variadas e bem conhecidas. No entanto, na prática não
se tem observado mudanças significativas, facto que nos
deve preocupar.

A notícia segundo a qual o álcool é responsável por 36% das


mortes ocorridas nas nossas estradas não abona nada a
nosso favor. A informação e a formação são necessárias
mas não são suficientes. Medidas de carácter legislativo,
mais “apertadas”, são imperiosas. Só é preciso coragem....

39
Salvador Massano Cardoso

1 de Fevereiro de 2007

“PUBLICIDADE DOS ALIMENTOS”

A publicidade enganosa é uma realidade que nos afecta a


todos.

A área da alimentação é particularmente sensível e


apetecível. Vejam-se os anúncios a alimentos que fazem
bem à saúde, combatem a osteoporose, baixam o colesterol,
regularizam os intestinos, ricos em vitaminas, sem açúcar,
sem colesterol, sem gordura, além de outros, do género
“light” e companhia.

Os apelos constantes à credulidade dos consumidores


constituem uma violação dos seus direitos que importa
disciplinar e regulamentar. Já ouvi anunciar pão sem
colesterol, como se houvesse algum com este tipo de
gordura, ou manteiga com baixo teor de gorduras! A
publicidade das propriedades terapêuticas dos alimentos, do
género, por exemplo, ajuda ao desenvolvimento das crianças
é uma fraude, se não estiver devidamente fundamentado.
Enfim, é preciso acabar com estes disparates.

O novo regulamento europeu propõe a tomada de medidas


que evitem afirmações pseudo científicas.

O caso das bebidas alcoólicas, nomeadamente o vinho, não


podem ser objecto de quaisquer afirmações sobre o seu
carácter protector cardiovascular, conceito tão amplamente

40
Chuva de pássaros mortos…

divulgado nos últimos tempos, e muito bem aproveitado


pelos produtores vinícolas. Só faltava “enriquecer” os rótulos
das garrafitas com frases do género: “Beba um ou dois copos
desta pomada. O seu coração agradece”.

Esta atitude, face à publicidade dos alimentos, tem que ser


tomada a sério, rapidamente, de modo a contribuir, de forma
inequívoca, para a saúde e bem-estar das comunidades.

Os nossos vizinhos espanhóis não dormem em serviço e,


através do Ministério da Saúde, anunciaram que vão tomar
medidas de modo a defender os direitos dos consumidores.
Os cidadãos espanhóis passarão a receber informação
verídica sobre os alimentos, quer na sua publicitação, quer
na rotulagem dos mesmos.

E pelas nossas bandas? Até ao momento não ouvi nada


neste sentido, o que é pena, já que estamos perante uma
área de grande interesse em termos de saúde pública.
Espero que não sejamos o último dos países comunitários a
legislar. Mas é o mais certo!

Convém relembrar que, em Portugal, o “engano” é muito


comum. Não se restringe apenas à publicidade, estende-se
por muitas outras áreas que não são passíveis, infelizmente,
de quaisquer regulamentos...

41
Salvador Massano Cardoso

8 de Fevereiro de 2007

“MEDICAMENTO REAL”

Quando procuramos conhecer a origem dos fenómenos


esbarramos, quase sempre, com lendas e mitos. Sempre é
uma forma muito humana de cunhar o nascimento de algo e
localizá-lo na nossa lenta, complexa e longa evolução.

O vinho deve ter “nascido” lá para as bandas da Ásia Menor,


já que as uvas selvagens são apreciadoras do clima
mediterrânico. Mas, o melhor é atribuir o seu nascimento ao
lendário rei persa, Jamshheed, que gostava de comer uvas
todo o ano. Para o efeito, eram armazenadas em jarras,
potes ou tonéis, enfim, num qualquer contentor da época.

Um dia, as uvas retiradas de um desses potes estavam


amargas, além da presença de um líquido com estranho
aroma. Foi considerado como veneno. Uma das jovens da
corte, concubina ou esposa, tudo depende da versão
escolhida, dada à tristeza e à depressão, resolveu aproveitar
o tal líquido classificado como veneno para por fim à vida. E
se assim pensou, melhor o fez. Ao consumir o líquido
começou a sentir-se feliz e bem-disposta, não obstante ter
bebido tamanha quantidade, já que acabou por “adormecer”.
Ao amanhecer, sentiu-se diferente e comunicou ao rei os
poderes de cura de tão milagroso líquido – presumo que os
efeitos da ressaca não a deverão ter incomodado muito! O
rei experimentou, gostou, deu a beber aos seus súbditos e

42
Chuva de pássaros mortos…

proclamou o dito como “medicamento real”.

Assim nasceu o vinho! Como um medicamento que evitou


um suicídio! Nada melhor para fazer a sua entrada na vida
dos homens.

Mas a história deverá ter sido outra, não tão “poética”!

Existem elementos que provam a produção rudimentar de


vinho no neolítico. Neste período há indícios de “cozinhas” e
de vários utensílios que provam o armazenamento de grãos
e de vinho. A produção de bebidas alcoólicas não se cingia
apenas a este último, já que há, também, evidências de
cerveja.

A revolução culinária deste período deverá ter dado origem à


nouvelle cuisine neolítica. À noite debicariam os diferentes
pratos acompanhados de um tinto, cuja qualidade
desconhecemos, mas que, ingerido em excesso, decerto,
não deixaria de provocar alguns conflitos. De qualquer modo
as ressacas neolíticas não deveriam ser muito diferentes das
de hoje, e as complicações sociais e familiares do abuso,
também não. Transformar um “medicamento” num “veneno”
social e biológico é típico dos homens....

43
Salvador Massano Cardoso

4 de Fevereiro de 2007

“AUTOMÓVEIS, POLUIÇÃO E ENFARTE DO

MIOCÁRDIO”...

As evidências científicas, a propósito do efeito da poluição


atmosférica na saúde das pessoas, têm vindo a avolumar-se
de forma consistente e muito preocupante.

Dois estudos recentes confirmam os efeitos negativos


resultantes da poluição atmosférica.

Num deles, os meninos que viviam perto das auto-estradas


corriam mais riscos de virem a sofrer de asma e de outras
perturbações respiratórias. A função pulmonar diminuiu
substancialmente, comparativamente aos que viviam mais
afastados das vias rápidas. Todos os outros factores, que
poderiam explicar a diminuição da função pulmonar, caso do
tabaco, por exemplo, foram descartados.

Deste modo, e segundo este estudo, os meninos que vivem


junto das auto-estradas, quando atingirem a vida adulta,
sofrerão mais, não só de doenças pulmonares, mas,
também, de doenças cardíacas.

O fumo dos carros é um dos principais contribuintes da


poluição atmosférica, a par das actividades industriais.

O outro estudo (baseado no Women's Health Initiative)


analisou 66.000 mulheres em 36 cidades norte-americana

44
Chuva de pássaros mortos…

durante nove anos. Foi possível detectar um risco acrescido


da mortalidade cardíaca, duplo nas zonas mais poluídas.

As partículas com diâmetro inferior a 2,5 micra são


consideradas como as principais responsáveis, a par de
alguns poluentes gasosos.

Tudo aponta para que, além dos naturais e crescentes


problemas respiratórios, a poluição atmosférica passe a
constituir um importante factor de risco cardiovascular,
conjuntamente com os tradicionais e clássicos, tais como,
colesterol elevado, hipertensão arterial, consumo de tabaco,
diabetes e obesidade, entre outros.

Deste modo, as medidas de carácter preventivo deverão


promover a redução da poluição atmosférica. Para o efeito, o
sector industrial terá de tomar em linha de conta a
localização, o uso de combustíveis menos poluentes e de
filtros. Por outro lado, o tráfico automóvel deverá ser sujeito a
redução acentuada, limitando o acesso às grandes cidades,
favorecendo a compra de veículos mais ecológicos,
estimulando a pesquisa de combustíveis não tão poluentes,
reorganizando a circulação urbana, além de um melhor
ordenamento do parque habitacional e uma mais eficaz
monitorização da qualidade do ar.

Um dia destes, passaremos a aconselhar os doentes de alto


risco cardiovascular dizendo-lhes: - Não fume! Não coma
gorduras! Não beba tanto! Não ingira tanto sal! Faça

45
Salvador Massano Cardoso

exercício! Fuja dos centros da cidades! Fuja das chaminés


das fábricas! Não viva junto de vias rodoviárias! Fuja dos
automóveis! O seu coração agradece...

Ah, já me esquecia! Apesar de não estar ainda provado (um


bom tema para investigar): – Fuja de certos políticos! O seu
coração e a sua mente agradecem...

10 de Fevereiro de 2007

"CUIDADO! ELES NÃO BRINCAM..."

No decurso de um colóquio sobre doença crónica, em que


foram apresentados vários temas, tive a necessidade de
intervir - além da minha própria comunicação - a propósito de
opiniões discriminatórias no acesso aos cuidados de saúde.

Face aos crescentes custos económicos resultantes do


aumento da prevalência das doenças crónicas, e dos meios
necessários ao seu controlo e terapêutica, um dos
convidados falou da necessidade em “aumentar” e
“responsabilizar” os cidadãos quanto aos seus deveres.
Dever de manter e preservar a sua saúde. Claro que
qualquer um tem essa obrigação, devendo ser feitos todos os
esforços na educação e promoção da saúde. Mas o
problema não se centra neste ponto, mas sim no facto de,
pelo menos em alguns países, muitos cidadãos começarem
a não ter direito à assistência caso sejam cultivadores de
certos comportamentos. Uma das participantes chegou

46
Chuva de pássaros mortos…

mesmo a afirmar que caso um doente fosse, por exemplo,


fumador, e necessitasse de cuidados de saúde
diferenciados, deveria comparticipar nos custos finais, mais
caros, pagando o excedente atribuído à doença em termos
de GDH (grupos de diagnóstico homogéneo). Esta tabela
contempla o “valor” de cada doença (financiamento do
sistema público).

Vamos ver se entendemos a posição da senhora. Um sujeito


qualquer precisa de ser hospitalizado. A sua condição de
fumador (um exemplo entre muitos outros) constitui um factor
de agravamento levando-o a permanecer mais tempo no
hospital e a exigir mais cuidados, logo, mais custos. O
senhor em questão não pagaria nada (excepto as tais novas
taxas de hospitalização à “Correia de Campos”) se não
tivesse aquele comportamento. Mas como fuma, a diferença
entre o que está estabelecido e o efectivamente gasto teria
de ser suportado por ele!

Até me arrepiei! Credo! Como é possível ter tamanho


atrevimento? E, não estava a brincar, dizia mesmo que é
uma corrente que está a chegar. Isso sei eu. Esta atitude foi
“profetizada” há já alguns anos pelo falecido Petr Skrabanek,
considerado como um verdadeiro enfant terrible, ao
denunciar o advento da medicina coerciva e do fascismo da
saúde. Dizia este médico checo, que escapou à Primavera
de Praga por se encontrar na altura em Dublin e que não
regressou ao seu país, porque sabia o que lhe poderia
acontecer, que a discriminação na saúde seria um perigo a
47
Salvador Massano Cardoso

tomar em consideração, com consequências muito nefastas


em termos de ordem social.

Os regimes democráticos têm mecanismos para evitar


qualquer espécie de totalitarismo, mas não conseguem fazer
com que desapareçam. As tendências existem e, claro está,
aproveitam tudo o que esteja ao seu alcance para se
imporem. Não podemos esquecer que, até hoje, todos os
regimes totalitários começaram com a mesma intenção: “A
bem do povo...”

Neste momento, a área da saúde é propícia a ideias


totalitárias. Dizer às pessoas que o acesso a certas práticas
poderá depender dos seus comportamentos, privilegiando os
“melhores comportados”, é muito perigoso.

Vejamos os seguinte cenários:

- O senhor Silva fuma? Desculpe, mas tem de ir para o fim


da lista. Os que não fumam têm prioridade.

- O senhor Pereira bebe? Desculpe, mas tem de ir para o fim


da lista. Os que não bebem têm prioridade.

- Oh senhora Maria! Gorda como está, nem pensar, tem que


ir lá para o fundo. Olhe, aproveite para emagrecer, até,
porque a fila já está muito longa...

- Senhor Marques, senhor Marques! Quantas vezes o


informaram que não podia andar nas farras? Quantas?! De
acordo com as informações que tenho são mais do que
48
Chuva de pássaros mortos…

suficientes para o por na fim da lista.

- Bem-vinda senhora Felisberta! Amanhã vai ser operada. A


senhora não bebe, não fuma, não está gorda e tem-se
portado muito bem. Sim senhora! – Como? não tem nada!?
Não faz mal, vai ser operada na mesma. Não me diga que
quer desperdiçar esta oportunidade?!

Claro que há excepções, caso do menino Carlos que, sendo


toxicodependente, tem acesso a seringas, a substitutivo da
droga, a um qualquer suplemento económico, a salas de
“chuto” e, até, “prioridade” no acesso a cuidados, em caso de
doença, porque pertence a uma minoria e os direitos das
minorias são para respeitar!

É preciso ter tino, e muito, para evitar quaisquer


discriminações na área da saúde, porque constituem portas
abertas para outras formas de desequilíbrio social.

Da minha parte, ao perfilhar e comungar das preocupações


de Skrabanek, tudo farei para defender os direitos de
qualquer um, seja fumador, bebedor, “fornicador compulsivo”,
obeso, guloso, sedentário refractário que, embora corra
riscos acrescidos, em função do seu comportamento, deverá
ter os mesmíssimos direitos dos “bem” comportados.

Cuidado! Eles não brincam...

Não esquecer que, um dia destes, poderemos ser


rotuladosde qualquer coisa com “interesse” para os decisores

49
Salvador Massano Cardoso

políticos nos colocarem na cauda de uma qualquer lista...

15 de Fevereiro de 2007

“AS MENINAS DO PAPÁ”...

As mudanças sociais e culturais ocorridas nas últimas


décadas têm encrencado aquilo que nunca foi fácil: educar
as crianças e os jovens. Os pais preocupam-se com as
novas tecnologias, com os novos conceitos, entretanto
criados, com a saúde, segurança e bem-estar dos seus filhos
numa perspectiva que é tão antiga como o homem, só que
agora um pouco mais complicada. Mais complicada, porque
a velocidade de maturação biológica está acelerada,
sobretudo nas raparigas.

Uma das formas de avaliar o desenvolvimento das garotas é


através da idade da menarca. Há 150 anos ocorria,
geralmente, ao redor dos 17 anos. Agora, aos 12 anos, e até
menos, muitas são confrontadas com a primeira
menstruação. Os factores citados para explicar este
fenómeno são, habitualmente, de natureza alimentar. No
entanto, parece que existem outros, não menos importantes
e pouco conhecidos.

Há alguns anos, psicologistas desenvolveram uma teoria


psicossocial, segundo a qual as raparigas, que sofrem
experiências stressantes nas fases precoces das suas vidas,
adoptam, perante um hipotético futuro com dificuldades,

50
Chuva de pássaros mortos…

estratégias reprodutivas aceleradas, das quais se destacam


o início mais cedo da puberdade, gravidez precoce e
relações de curto prazo. É curioso verificar que a ausência
do pai biológico constitui um factor de precocidade. Em
contrapartida, em ambientes mais estáveis, a puberdade é
mais tardia, assim como o início da actividade sexual, além
de maior solidez nas relações.

O stress familiar pode acelerar o início da menarca ao redor


de seis meses. Pode parecer pouco, mas tem implicações
interessantes, já que após aquele marco, a fertilidade não é
total, ou seja, as meninas não ovulam todos os meses. Mas
se a menarquia for precoce a ovulação é mais rápida. No
caso de ocorrer antes dos 12 anos é preciso um ano para
que 50% dos ciclos se acompanhem de ovulação, mas se
ocorrer depois dos 13 anos são precisos 4,5 anos para que
tal aconteça! Pequeníssimas alterações podem ter impactos
muito importantes em termos de fertilidade e de
consequências sociais.

Hoje, sabe-se relativamente bem como é que o stress actua


ao acelerar a puberdade, estimulando a produção de
hormonas.

Um estudo efectuado recentemente revela que as filhas,


cujos pais estão presentes, tendem a pubescer e a terem a
primeira relação sexual mais tarde do que as que não têm
pai ou esteja ausente. É muito provável que as raparigas
desenvolvam capacidades de adaptação ao ambiente social,
51
Salvador Massano Cardoso

adoptando diferentes estratégias reprodutivas de acordo com


as circunstâncias em que crescem. As sociedades mais
pobres são caracterizadas por puberdades mais tardias em
virtude de falta de alimentos, mas, nalgumas, o efeito é o
oposto, ou seja: se o risco de morte prematura for muito
elevado, devido a violência, infanticídio ou doença, as
raparigas alcançam rapidamente a puberdade de forma
idêntica ao observado nas sociedades ocidentais. Adoptam
uma estratégia que lhes permita reproduzir o mais
precocemente possível.

O desfasamento entre uma puberdade precoce e a


maturação intelectual e emocional gera conflitos delicados
nas nossas sociedades, embora, em termos evolutivos, não
deixe de apresentar vantagens...

17 de Fevereiro de 2007

“ESCOLHAM AS ROLIÇAS!”

As gorduras ómega 3 desempenham funções muito


importantes, entre as quais se destacam a protecção
cardiovascular e um bom desenvolvimento neuronal do feto.
Sendo os peixes e os mariscos ricos neste tipo de gorduras é
lógico que a sua ingestão, no decurso da gravidez, se
acompanhe de efeitos positivos. A recomendação para que
as mulheres ingiram estes produtos é aconselhável,
contrariando medidas propostas por alguns investigadores
que advertem para o perigo resultante da contaminação,
52
Chuva de pássaros mortos…

sobretudo, por metais pesados. De facto, a poluição marinha


e fluvial é uma realidade muito penosa com efeitos nefastos
na saúde pública.

Outro fenómeno que tem vindo a preocupar as comunidades


tem a ver com a crescente obesidade. As mudanças dos
hábitos alimentares ocorridas nas últimas décadas têm sido
responsabilizadas por esta praga, assim como constituem
um forte contributo para o início de uma puberdade cada vez
mais precoce.

Investigadores da Universidade da Califórnia verificaram que


a quantidade de gordura acumulada na metade inferior do
corpo é a chave. Ou seja, a menarca ocorre quando as
raparigas armazenam determinadas quantidades nas
nádegas e coxas, enquanto que as que armazenam mais no
abdómen têm tendência para iniciar mais tardiamente. O que
é interessante é o facto das gorduras depositadas nas coxas
e rabiosque serem particularmente ricas nas tais gorduras
ómega 3, as que são indispensáveis para o desenvolvimento
cerebral no decurso da prenhidão. Além desta característica
há uma outra que importa realçar: esta gordura não é
utilizada no dia a dia, fica depositada como se tratasse de
“dinheiro a prazo” que só pode ser “levantada” em caso de
gravidez.

As crianças cujas mães não lhes propiciaram um adequado


suporte destas substâncias, durante a gestação, apresentam
“menor coeficiente de inteligência, pouco controlo motor fino
53
Salvador Massano Cardoso

e menos competências sociais”, fazendo eco da notícia


publicada sobre o assunto.

Os portugueses e portuguesas são tradicionalmente bons


devoradores de peixe, talvez um dos povos que mais
consome. Sendo assim, seria de esperar que o nosso
“coeficiente de inteligência” fosse dos mais elevados do
mundo. E, já agora, umas breves palavras para as
apreciáveis, genericamente falando, dimensões das coxas e
rabiosque das mulheres portuguesas. Em primeiro lugar,
quando fazem dietas, sabem, perfeitamente, quão difícil é a
redução por aquelas bandas. Tomara! Se constituem um
depósito a prazo de gorduras especiais que só podem ser
mobilizadas para garantir um bom desenvolvimento intra-
uterino, somente com a prenhez é que pode ser reduzida. E,
atendendo às formas vantajosas, podem engravidar as vezes
que quiserem, porque não correm riscos de virem a
defraudar o desenvolvimento cerebral dos fetos, por falta de
ómega 3. E até se podem dar ao luxo de não comerem
marisco ou peixe durante o processo gestacional, evitando
eventuais riscos de toxicidade por metais pesados.

Com base nestes estudos é possível “compreender” as


razões de tamanhas e brilhantes mentes que pululam neste
país à beira-mar plantado.

Escolham as roliças, “naturalmente ricas em ómega 3”...

54
Chuva de pássaros mortos…

18 de Dezembro de 2007

ÍNDIA!

O “valor” da mulher varia de região para região e de cultura


para cultura.

A Índia, considerada a maior democracia do mundo, e que


alberga um potencial muito poderoso, constituindo por esse
facto um foco de atenção e de atracção para muitos países,
entre os quais Portugal, como se pode provar pela recente
visita presidencial, encerra aspectos verdadeiramente
escandalosos. Todos os anos ocorrem dois milhões e meio
de feticídios e assassinatos de meninas. As razões prendem-
se com o diminuto valor da mulher, a “necessidade” de
fornecer dotes e o elevado estatuto social dos rapazes. A
facilidade em recorrer às ecografias, para determinação do
sexo, tem agravado esta situação. O mais curioso é o facto
deste fenómeno ter maior expressão nos estados e nas
comunidades mais ricas e melhor alfabetizadas!

As autoridades indianas anunciaram agora que irão criar


berçários pelo país apelando aos pais para que não matem
as meninas.

Uma vergonha internacional que merece repulsa, denúncia,


intervenção a todos os níveis, perante um verdadeiro
“genocídio de género”! Mas os responsáveis internacionais
“esquecem-se” destes “pequenos pormenores”,
incompatíveis com o valor e a dignidade dos seres humanos.
55
Salvador Massano Cardoso

Valor e dignidade que não deixam de invocar nos seus


domínios, como se houvesse fronteiras nestas matérias!

A Índia cresce 9% ao ano, mas cresce igualmente em


miséria humana, provavelmente até com valores superiores.
Mas o que chama mais a atenção é o primeiro, alvo dos
maiores encómios. Quanto ao segundo, moita-carrasco!

22 de Fevereiro de 2007

“IN VINO VERITAS”

A ministra da saúde de Espanha, Elena Salgado, tem tido


uma actividade muito interessante. Um dos múltiplos
aspectos que a tem preocupado prende-se com o consumo
excessivo de bebidas alcoólicas, sobretudo, por parte dos
adolescentes. Por este motivo, começou há já algum tempo a
trabalhar na lei anti-álcool, com o nobre objectivo de travar o
consumo por parte dos menores, os quais, em Espanha, se
embebedam a um ritmo alucinante. Calcula-se que trinta por
cento sofram pelo menos uma bebedeira em cada dez dias!

Aparentemente tudo estava a ir muito bem. Mas eis que


entra em jogo o lóbi do vinho que queria ficar de fora do
alcance da lei! Ou seja, invocavam a qualidade de o vinho
ser considerado como um “alimento”. Se assim fosse, a
cerveja, que tem um teor alcoólico inferior, também teria de
ficar de fora. Mas o verdadeiro motivo, são os votos, e os
lobistas sabem muito bem como os controlar, facto que a

56
Chuva de pássaros mortos…

obrigou a abandonar a iniciativa legal, e o chefe do governo,


“naturalmente”, aceitou ou “pressionou” a decisão. Isto de
votos tem muito que se diga, sobretudo quando faltam
menos de cem dias para as eleições municipais e
autonómicas.

Esta legislação encerrava essencialmente preocupações de


saúde e não económicas, visando proteger os jovens, mas o
sector vitivinícola considerou estar perante um ataque.

Sabemos hoje que metade dos jovens que começa a beber


antes dos 14 anos vai ficar dependente. São várias as
complicações, mas as lesões cerebrais são preocupantes e
muito mais graves relativamente aos cérebros dos adultos,
perturbando as funções cognitivas e a memória. Os
mecanismos de protecção neurológica contra o álcool estão
limitados nos mais jovens, agravando a situação.

Neste momento, não há quaisquer dúvidas, o consumo


excessivo de álcool na adolescência acarreta gravíssimas
consequências cognitivas a longo prazo. Estamos perante
uma situação urgente, que nos faz recordar o momento em
que foi declarado o perigo de beber durante a gravidez.

A senhora Salgado estava a ir bem mas teve que arrepiar


caminho face aos votos e ao lóbi do vinho.

O poder politico e o poder económico são suficientes


“persuasivos” para mandarem às urtigas os bons planos e as
boas intenções.
57
Salvador Massano Cardoso

Ponho-me a imaginar o que faria o “nosso” ministro da saúde


face a uma situação desta natureza. Às tantas, e
preventivamente, não esboçaria qualquer projecto, porque
teria de o deixar cair em menos de 24 horas, evitando
manifestações perante o seu ministério ou o Parlamento.
Não se pode irritar certos sectores...

É do conhecimento geral que sob a acção do vinho prevalece


a verdade, donde a expressão “In vino veritas”. Sendo assim,
poderíamos abrir uma excepção. Os políticos, que já não são
adolescentes, deveriam ser sujeitos a uma ligeira e suave
“tortura” vinícola antes de tomarem uma decisão politica! Os
resultados seriam muito diferentes...

23 de Fevereiro de 2007

A SAÚDE PÚBLICA PREJUDICA OS POLÍTICOS?”

Um artigo de opinião publicado hoje, no El País, chamou-me


a atenção por causa do título: “Perjudica la salud pública a
los políticos?”

O articulista faz uma análise sobre a lassidão, por parte das


comunidades autónomas, na vigilância da aplicação da lei
antitabágica, o não respeito das sentenças judiciais que
pretendem proteger os cidadãos das agressões acústicas, e
a recente “queda” da proposta de lei para proteger os jovens
do consumo do álcool.

Claro que as razões são fáceis de identificar: “interesses


58
Chuva de pássaros mortos…

económicos e pressões inconfessáveis”!

Muitos problemas que afectam as comunidades são do


âmbito da saúde pública: tabaco, álcool, poluição, consumo
excessivo de produtos alimentares, aditivos, contaminantes,
enfim, uma panóplia bem conhecida de “causas e efeitos”
mas que escapam a um controlo e intervenção efectivos,
porque a saúde pública, sendo benéfica para a população,
pode ser perniciosa para os políticos. E com a saúde destes
não se brinca….

27 de Fevereiro de 2007

“A VIDA SEXUAL”

Há dias, após ter participado num júri na Universidade do


Porto, tirei o resto da tarde para vasculhar nalguns
alfarrabistas e livrarias que, diga-se em abono da verdade,
são de muita boa qualidade naquela cidade. O dia cinzento e
chuvoso reforçou ainda mais o convite. Comprei mais uns
bons exemplares. Um deles, “A Vida Sexual”, da autoria do
prémio Nobel Egas Moniz, segunda edição, em muito bom
estado, de 1904, foi uma das preciosidades. Nem hesitei,
claro. Ao lê-lo – convém relembrar que na altura o escritor
deveria rondar os trinta anos – fiquei deliciado com a
qualidade e profundidade com que Egas Moniz se dedicou a
tão interessante tema. É óbvio que algumas passagens
transpiram um pouco do pensamento da época, mas, mesmo
assim, descontando certos pormenores, o autor faz uma

59
Salvador Massano Cardoso

descrição e análise em linguagem escorreita e cativante, até


para um leigo.

Associei a minha aquisição à notícia de hoje, no D.N.,


segundo a qual a “Educação Sexual continua ainda longe
das escolas”. Continua e vai continuar!

Ao longo das últimas décadas tem sido feito muito esforço


nesta matéria, mas a prática revela-se quase sempre
inconclusiva. Ou seja, boas vontades não faltam, materializá-
las é que se torna complicado.

Durante a minha passagem pela AR fui envolvido nesta


temática e tentei, porque pensava que era óbvio, dar um
contributo para resolver tão importante problema. Depressa
verifiquei que não era simples, muito pelo contrário. Forças
doutrinárias não “permitem” nem “toleram” que este assunto
seja abordado. Na própria lei de bases da educação, que foi
aprovada e depois vetada pelo Presidente Jorge Sampaio,
um famoso artigo deu água pelas barbas, porque
contemplava que as crianças e jovens deveriam ter
educação sexual, embora com a ressalva, obedecendo a
convenções internacionais, de que assistia o direito aos pais
a recusa da mesma. Mas os opositores (internos da
coligação, não a oposição propriamente dita) admitiam que
fosse facultativa, ou seja, seriam os pais a requerer a
educação sexual para os seus filhos. Foi muito dura a luta,
com peripécias de vária ordem. Acabou por vencer a posição
inicial, mas, posteriormente, o veto presidencial acabou por
60
Chuva de pássaros mortos…

ajudar os opositores.

Recordo-me de um dia, no final da reunião com várias


associações de pais, onde fui criticado de forma inesperada
e despudorada, um dos responsáveis ter dito o seguinte: -
Sabe senhor professor (até dispensou o tratamento de
deputado a que tinha direito), nestas coisas de sexo só o pai
é que deve falar com o filho e a mãe com a filha!

Existem fortes movimentos doutrinários e filosóficos que têm


como objectivo impedir a educação sexual nas escolas. É um
facto. Tive a oportunidade de o verificar. Lamentável, porque
traduz uma total falta de tolerância.

Ao ler “A Vida Sexual”, logo nas primeiras páginas, ao falar


de crenças e do seu papel, é possível verificar que as suas
influências ainda se fazem sentir, apesar de toda a evolução
entretanto verificada. O autor cita S. Paulo e São Jerónimo.
Segundo o primeiro, “as mulheres devem ser submetidas aos
maridos, a mulher deve temer o homem”, já São Jerónimo,
mais atrevido, afirmou o seguinte: “a mulher é a porta de
Satanás e o caminho da injustiça”! Quanto à frase de
Proudhon: “chez les âmes d´élite, l´amour n´a pas
d´organes”, Egas Moniz considera-a, e muito bem, falsa.

Lidar com a sexualidade é um tremendo incómodo para


muitos. Convém relembrar que os dois motores da vida são
precisamente a alimentação e a sexualidade. As regras a
seguir deverão ser as mais adequadas à nossa condição de

61
Salvador Massano Cardoso

humanos, sem que ocorram “castrações” ou “jejuns”


despropositados....

6 de Março de 2007

“AI QUE EU VOU MORRER!”

Hoje, li um resumo sobre o papel dos suplementos


vitamínicos que me fez recuar muitos anos e recordar o
comportamento de um tio. Antes de contar as suas histórias,
convém afirmar que o uso de suplementos vitamínicos é um
“perigo” já que aumenta a mortalidade. A análise de 68
estudos clínicos, envolvendo mais de 250.000 pessoas,
demonstrou um risco acrescido, nada discipiendo, ao ponto
do autor concluir pela total ausência de benefícios por parte
dos suplementos. Claro que os produtores vieram a terreiro,
afirmando que as pessoas morrem mais, não por causa das
vitaminas, mas por serem mais doentes. O autor do trabalho
retorquiu, afirmando que setenta por cento eram pessoas
saudáveis. Aliás, esta técnica não é nova. Recordo que a
indústria do tabaco afirmou durante muito tempo (nem sei se
ainda continua) que não havia provas científicas dos
malefícios do tabaco, porque nunca tinha sido feito um
estudo experimental sobre a matéria. Ou seja, obrigar
pessoas a fumar versus não fumadores, como se fosse uma
experiência animal! De facto nunca foi realizado, nem será,
como é óbvio.

Voltando ao meu tio, recordo uma pessoa magra, com fácies


62
Chuva de pássaros mortos…

esquálida, usando uns óculos com lentes rectangulares, e


muito grossas, voz metálica e ar aristocrático. Quando ia a
sua casa, em Lisboa, tinha de ter maneiras, cuidado com a
linguagem, sentar com aprumo à mesa, olhando ao redor
para saber quando poderia começar a comer. Duas coisas
me chamavam sempre a atenção: o ritual de esmigalhar as
pedrinhas de sal com a faca, colocando um montinho à frente
dos pratos, junto dos talheres de sobremesa, e, depois, com
uma minúscula colher de café, ia retirando pequenas
quantidades, introduzindo-as na boca; e as cápsulas e
drageias de várias cores, no lado direito, em fila indiana. À
medida que comia, retirava uma, depois outra e ainda outra e
outra. Não percebia bem aquilo tudo. Mas à medida que ia
crescendo comecei a verificar que só “sabia” falar de
doenças, perguntando se lá pela terra fulano ou sicrano
ainda eram vivos. O pior é que não sabia quem eram as tais
pessoas, mas como insistia, de vez em quando dizia que
achava que o dito tinha morrido. Era um tormento quando lhe
dizia isso. Ficava em pulgas e muito admirado dizendo: - O
quê! O F. já morreu? Não me digas, ai que a seguir sou eu! E
zás, lá enfiava mais uma drageia. Acabei, com o tempo, e à
medida que ia crescendo, por verificar que se tratava de um
genuíno hipocondríaco com crises de agorafobia. Tinha que
aguentar, pachorrentamente, palestras sobre as virtudes das
suas vitaminas que mamava a um ritmo avassalador com o
objectivo de prolongar a vida e evitar as maleitas. Quando
entrei para a Faculdade de Medicina é que as coisas se
complicaram, e logo no primeiro ano, pensando que já
63
Salvador Massano Cardoso

dominava a ciência hipocrática, fazia perguntas e mais


perguntas verdadeiramente embaraçadoras, ficando
impaciente com as minhas pobres e estúpidas respostas. Lá
ia fazendo das tripas conhecimentos compatíveis com o
conteúdo das mesmas! E engolia as respostas com uma
sofreguidão semelhante às múltiplas e coloridas vitaminas.
Então, quando cheguei ao quinto ano deveria pensar que era
o mais ilustre e experimentado médico deste mundo. Com a
mania de que deveria ter um aneurisma, levou-me, um dia
em que tive de ir à capital, a passear pelos arredores de
Lisboa, num passeio que poderia ter sido muito agradável, já
que desconhecia aquela zona. Para um agorafóbico, retirar o
carro da garagem e fazer uma viagem destas é obra.
Lembro-me dos lugares por onde passei, dos quais destaco
Colares, Sintra e outras localidades. Durante todo o périplo o
“chato” do tio bombardeou-me com tantas e tantas
perguntas, às quais tinha que responder como se fosse um
experimentado cirurgião cardiotorácico. Mas as vitaminas e
as suas virtudes vinham sempre ao de cima como se fosse
panaceia para todos os males, e para provar lá ia retirando
uma atrás de outra, enfiando-as pela goela abaixo. A sua
fezada levou-o inclusive a obter uma representação qualquer
em que não faltava a geleia real.

Se na altura soubesse destes efeitos, era capaz de lhe


atormentar a paciência dizendo: - Oh tio! Então não é que se
concluiu que os suplementos vitamínicos encurtam a vida?!
Claro que dizer isto no meio da serra não seria uma boa

64
Chuva de pássaros mortos…

ideia. Estou mesmo a vê-lo, com ar meio esgazeado, travar


bruscamente o carro, soltar o seu riso característico, e
dizendo : - Ai que eu vou morrer!! Por acaso ainda viveu mais
alguns anos, mas se soubesse deste estudo era capaz de ter
ido mesmo mais cedo, “provando” que as vitaminas encurtam
a existência...

12 de Março de 2007

“CÓDIGOS DE ÉTICA”!

O sector da saúde privado está num crescendo imparável. O


negócio da saúde é uma mina de ouro e, como tal, é objecto
de investimentos muito significativos. Nada a opor ao papel
do privado que pode ter um papel supletivo e favorecer a
competição entre os diferentes sectores.

As novas instituições começam a definir regras de


funcionamento que merecem algumas considerações. As
unidades de saúde do grupo Mello, por exemplo, não
permitem a prática de vários actos, tais como os
relacionados com a procriação medicamente assistida,
laqueação de trompas, esterilização definitiva do homem e
uso da pílula do dia seguinte

Deduz-se facilmente que abortamentos nem pensar, como é


óbvio. Realça desta posição condutas e formas de estar
facilmente identificáveis. Muitos dirão, mas qual o problema?
Só procuram estas unidades quem quer. Claro, e quem

65
Salvador Massano Cardoso

pode, mas isso é outra conversa.

O recrutamento de pessoal para estas instituições deverá ser


feito de forma muito selectiva. Nos tempos que correm, os
que não estão de acordo com estes princípios, e que
necessitam de concorrer a um posto de trabalho, deverão
"estar calados" a fim de não comprometerem as suas
posições

É aceitável, e perfeitamente compreensível, que um


profissional de saúde seja objector de consciência, mas,
mesmo assim, tem que conduzir o seu doente para um outro
serviço ou colega de modo a que o seu problema seja
resolvido. O facto de uma instituição colocar restrições é um
pouco mais delicado, embora tenha legitimidade para tal.

Os códigos de ética destas unidades têm como objectivo não


executar certas práticas que, embora permitidas por lei, não
se encaixam em determinadas correntes de pensamento.

Os responsáveis pela criação destas instituições fazem


negócios de vulto, nomeadamente no sector bancário. Seria
interessante saber se põem em causa, por exemplo,
depósitos provenientes de negócios menos “éticos”, alguns
relacionados com a venda da "pílula do dia seguinte" ou com
actividades de procriação medicamente assistida! Claro que
se pode levantar algumas dúvidas ao financiamento destas
actividades, e dai talvez não, já que o dinheiro não tem
cheiro, não é verdade? Mesmo assim, poderão invocar, caso

66
Chuva de pássaros mortos…

conheçam as suas “origens”, que têm a "obrigação" de


transformar dinheiro impuro em actividades "puras",
contribuindo para a erradicação do “pecado”.

Ponho-me a imaginar outras instituições de saúde, cada uma


elaborando o seu código, umas vezes mais restritivo, outras
menos, cobrindo variados aspectos, que não se limitam aos
já enunciados, susceptíveis de desencadearem ou poderem
desencadear reflexões ou preocupações éticas, as quais
estão em permanente ebulição.

A publicidade das diferentes instituições deverá ser


acompanhada do respectivo "manual ético" sobre o que
fazem ou deixam de fazer. O pior que pode acontecer a
alguém é enganar-se na atrapalhação da escolha...

18 de Março de 2007

SONO E “JULGAMENTO MORAL”...

O número de pessoas que procuram os médicos por


problemas relacionados com o sono, não pára de aumentar.
Uns afirmam que não conseguem adormecer, outros que
dormem muito pouco. São múltiplas as razões subjacentes a
estes problemas. Pondo de parte as situações patológicas,
parece que a quantidade de sono que cada um necessita é
determinada por factores genéticos. Realmente, as queixas
de pessoas que afirmam dormir muito pouco ocorrem com
mais probabilidade dentro das famílias. De um modo geral,

67
Salvador Massano Cardoso

estamos programados para dormir cerca de oito horas, mas


há pessoas que conseguem fazer a sua vida normal com
apenas três ou quatro, como é o caso da ex-primeira ministra
britânica.

O “gene do relógio” determina as diferenças, que são mais


marcadas entre as 4 e as 8 horas da manhã, com efeitos
particulares na memória e atenção, podendo explicar uma
maior susceptibilidade para os acidentes e doenças.

A par destes factos, outros, mais recentes, vêm levantar a


possibilidade de perturbações na avaliação de certas
situações, quando somos privados do sono, quer em
consequência de opções individuais, ou por imposição de
situações específicas.

Não dormir pode influenciar o “julgamento moral”. Em


condições experimentais foi possível verificar lentidão e
modificações nas deliberações.

Os achados são importantes na medida em que podem


condicionar as decisões de certos profissionais, caso dos
médicos, agentes de segurança e de socorro. Os autores
realçam o facto de que os achados não são sinónimos de
diminuição da “moralidade” ou das crenças morais, mas que
podem provocar prejuízos avultados em terceiros, com base
nas modificações operadas, devidas à falta de sono, sempre
que são solicitados a resolver certos problemas.

Resta saber se os que dormem “geneticamente” pouco


68
Chuva de pássaros mortos…

estarão ou não abrangidos por estas alterações. É certo que


para alguns dormir três ou quatro horas é suficiente para
satisfazer as suas necessidades, enquanto para outros as
oito não chega, necessitando mesmo, o grupo de
dorminhocos, “consumir” onze horas!

Deste modo, os tradicionais “julgadores” ou “críticos”


deveriam, no final das suas crónicas, comentários ou
entrevistas, declarar quantas horas dormiram na noite
anterior, no caso de terem dormido, e qual o seu padrão
habitual de sono! Sempre ajudaria a relativizar as
declarações, sobretudo as mais negativas, como é óbvio!

(Padrão normal de sono : sete a oito horas. Última noite: nove


horas)

21 de Março de 2007

“TURBO-PADRES”...

Hoje de manhã, ao ler as notícias chamou-me a atenção uma


referente a um padre. Num dos jornais lia-se na primeira
página: “Padre de Santa Comba tem bólide dos diabos”. O
quê! Será que o padre Ricardo ensandeceu? Não acredito.
Ainda estive com ele na semana passada, quando,
conjuntamente com mais dois padres, acolitou o senhor
Bispo de Viseu na cerimónia dos trinta anos da Escola
Secundária e para a qual fui convidado na minha qualidade
de presidente da Assembleia Municipal. Ao lê-la verifiquei

69
Salvador Massano Cardoso

que era outro padre do concelho, responsável por três


freguesias. Mais novo, fiquei a saber que era um dos três
que tinham estado na cerimónia. O outro jornal cá do burgo
apresentava a notícia sob o título: “Padre Rodrigues a 200 à
hora em Santa Comba Dão”.

Ora bem! Não tenho nada contra os padres, nem mesmo


quando são dados a desportos radicais ou procuram
emoções fortes (tudo depende do tipo de emoções, claro!).
No entanto, o veículo em causa, e que está na base do
artigo, parece ser “único a circular nas estradas civis”, topo
de gama – Fiesta 2000 ST - com 150 cavalos, capaz de
atingir velocidades loucas. Segundo o pároco, o veículo irá
“facilitar uma aproximação aos jovens” (!) e, por isso, é de
“grande importância na missão pastoral de um padre”. Além
do mais, como tem três freguesias, e tem de correr de um
lado para o outro, precisa de uma boa máquina para as
curvas, ultrapassagens e chegar a tempo, porque os
paroquianos gostam que o padre chegue a horas. Aqui, fiquei
de boca aberta. Como conheço muito bem, como as minhas
mãos, todas as freguesias do concelho de Santa Coma Dão
e respectivas vias, pus-me a ver onde é que o padre podia
puxar pela máquina. O raio do homem não encontra mais do
que meia dúzia de troços com trezentos metros onde pode
dar noventa à hora! Nos restantes troços tem que respeitar
os limites de velocidade impostas para as localidades, para
não falar das inúmeras e perigosas curvas. O tipo não deve
regular bem da cabeça! Apresentar a justificação de que tem

70
Chuva de pássaros mortos…

pouco tempo para chegar às freguesias (não são tão


distantes, como isso), que existem muitas curvas e tem que
fazer ultrapassagens rápidas, não colhe. Posso afiançar que
um velho Fiat 600 é mais do que suficiente para dar as
voltitas com tempo e, sobretudo, com segurança. O que ele
deve gostar é de emoções fortes, pelos vistos. Se ele julga
que está protegido pelo “Alto”, então o perigo é ainda maior.
Não sei se isto de paixões pelos automóveis não tenha o que
se lhe diga. Recordo-me de outros padres perfeitamente
loucos por máquinas. Um deles, com o ar mais cândido e
sorumbático do mundo (com suspeitas de crises de
epilepsia), disse-me uma vez na consulta, entre duas
queixas, que fazia o trajecto Santa Comba – Coimbra em 25
minutos e que já tinha feito em 20! Fiquei sem fala. Como?! -
Eu faço o trajecto (cerca de 50 km) todas as semanas e
demoro 35! – Pois é senhor doutor! É preciso confiar no
Senhor!

Se esta moda de turbo-padres pegar, não me admiraria


muito que um dia destes os senhores bispos passem a
conduzir veículos de competição ou, então, a promover rallys
“eclesiásticos”... Pilotos já hão. Pode ser uma forma de
estimular as vocações!

24 de Março de 2007

CONTAGIUM ANIMATUM

Há dias, numa das minhas esporádicas visitas a


71
Salvador Massano Cardoso

alfarrabistas, deparei-me com uma interessante biografia de


Robert Koch publicada em 1944. Ao folhear algumas páginas
perpassou-me várias imagens e recordações. As lições dos
meus professores de microbiologia e de anatomia patológica,
a imagem austera de um cientista que revolucionou a
investigação médica, um filme sobre a sua vida e a
descoberta do bacilo da tuberculose, a placa com o seu
nome na parede da instituição berlinense, na qual praticou e
fez notáveis descobertas, e com a qual acidentalmente
esbarrei na primeira estadia em Berlim, as histórias de
familiares isolados compulsivamente para o vizinho
Caramulo, as escrófulas nos pescoços de colegas da escola,
e o medo e a vergonha associados a uma palavra maldita
capaz de afugentar qualquer cristão e até os próprios cães.

Num dia chuvoso da Primavera de 1882, no Instituto de


Fisiologia de Berlim, um homem de boa apresentação, pêra
curta e lunetas de ouro a rondar os 40 anos, fez uma
comunicação perante uma selecta assistência, em que
ponteava o próprio Virchow, o mais reconhecido e influente
cientista e politico, que marcou uma mais brilhantes eras da
ciência médica e da higiene, e que agora iria assistir ao
nascimento de uma outra mais sofisticada, e
substancialmente diferente, provocando-lhe um profundo
desconforto traduzido na violência e desprezo com que
mimoseou Koch. Na mesa alinhavam-se vários microscópios,
com os respectivos preparados, esperando o momento em
que o cientista iria convidar os presentes a testemunhar os

72
Chuva de pássaros mortos…

seus achados. – Vede e convencei-vos! – Consegui


descobrir o agente da tuberculose, o bacilo da tuberculose –
exclamara o orador.

Esta afirmação foi feita no final da sua conferência, no dia 24


de Março de 1882, há, precisamente,125 anos.

No dia seguinte, e apesar das limitações da comunicação, o


mundo encheu-se da sua fama, da Terra do Fogo à Sibéria.

A vida deste médico é uma das mais ricas que se conhece.


Médico do interior, exercendo as funções de físico municipal,
pagando do bolso as suas próprias experiências, obcecado
pelas descobertas e, inicialmente, pelas viagens, as quais lhe
foram negadas por amor da sua futura mulher, obrigam-nos a
reflectir sobre uma doença que na altura se desconhecia a
causa e que matava aos poucos uma em cada sete pessoas.

Muito se alterou desde então, mas não o suficiente para


travar a propagação de uma afecção que ainda hoje é
sinónimo de estigma social a relembrar outros tempos.

As terapêuticas não têm evoluído, a resistência às mesmas


está a aumentar, e é de tal forma grave que poderemos
afirmar a possibilidade de podermos entrar num período
idêntico ao que antecedeu à descoberta dos primeiros
tuberculostáticos. A existência de doenças favorecedoras à
sua propagação, as más condições sociais, alimentares e de
higiene que imperam em muitas regiões do globo, e até em
bolsas nas próprias sociedades desenvolvidas, envergonham
73
Salvador Massano Cardoso

a humanidade e não respeita o notável esforço e a


esperança de um homem que abriu uma nova era: a
investigação biomédica, a importância da aplicabilidade das
medidas sociais e a esperança de erradicar certas doenças.

O que diria Robert Koch, hoje, 125 anos após a


apresentação pública do bacilo que ainda hoje porta o seu
nome?

25 de Março de 2007

LOMBRIGAS, PIPERAZINA E DROGAS

“RECREATIVAS“...

Quando era pequeno bebi “litradas” de um xarope horrível,


com rótulo amarelo, prescrição habitual do médico lá da
terra. As razões eram as lombrigas e os oxiúros a que não
conseguia escapar devido às brincadeiras ao ar livre,
mexendo em tudo o que era terra e animais. Claro,
parasitoses era uma constante e o “castigo” era de ter de
beber aquele xarope com periodicidade. A minha mãe
apertava-me o nariz com uma mão, a boca abria-se na
sofreguidão de um golo de ar que invariavelmente se
misturava com aquela mistela. Depois, à cautela, ficava a
olhar durante alguns minutos, não fosse expeli-la e ter que
repetir a operação. Durante alguns dias tinha de aguentar o
martírio. No final de cada sessão acabava por receber uma
boa gemada, para tirar o mau gosto.

74
Chuva de pássaros mortos…

A razão que me levou a recordar estes episódios prende-se


com uma notícia, segundo a qual, a piperazina, o composto
usado no “xarope para as lombrigas”, estar a ser utilizado
como droga “recreativa” na Grã-Bretanha. De facto, o
produto, cujo efeito vermicida é inquestionável, actua como
um estimulante, com efeitos idênticos às das anfetaminas,
podendo provocar tonturas, vómitos, taquicardia, reacções
alérgicas, consequências indesejáveis conhecidas há muito
tempo.

As autoridades de saúde estão muito preocupadas com este


fenómeno e várias lojas já retiraram o produto de circulação.

Olhando para este quadro, acabo por concluir que já fui


“drogado” em miúdo. Atendendo aos efeitos anfetamínicos,
tudo leva a crer que os inúmeros disparates, atribuídos à
idade, poderão ser explicados, pelo menos em parte e a
posteriori, por ter tomado o medicamento! Claro que naquele
tempo a terapêutica maternal era invariavelmente a mesma:
umas boas palmadas no rabiosque. Resumindo: duplamente
vítima das lombrigas! Tinha que tomar o xarope, ficava
eléctrico, temporariamente livre de lombrigas, cometia
disparates e ainda por cima acabava por levar umas boas
tareias, como efeito secundário da terapêutica antiparasitária.
Há cada uma... Afinal fui uma vítima! Vá lá, não fiquei
dependente daquela mistela, também era difícil. Se os jovens
britânicos tomassem o “velho xarope de piperazina”, em vez
dos actuais comprimidos, decerto que não corriam riscos...

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Salvador Massano Cardoso

28 de Março de 2007

“ BUÇO, DESEJO SEXUAL E SORRISOS”...

Um dos quadros mais famosos do mundo, Mona Lisa, tem


sido objecto de análises e de diferentes interpretações
quanto à pessoa em causa e o significado do tal sorriso. Ao
longo dos anos, a quantidade de notícias sobre este tipo de
assuntos - que não se esgotam, como é óbvio, neste quadro
- faz pensar que milhares de pessoas deverão tirar um
enorme prazer em vasculhar o passado. Acho que fazem
muito bem! Matar a curiosidade é uma forma preciosa de dar
vida ao tempo.

Voltando ao quadro de Leonardo da Vinci, ainda me arrisco a


tornar-me num “perito”. Já aprendi a técnica do “sfumato”,
que a senhora, graças à vestimenta, tinha dado à luz, ou
estaria prestes, que o pintor “desmasculinizou” a mão
esquerda, enfim, uma catrefada de informações que não
perco. Mas há uma que me levou a esta curta e
despretensiosa nota: a existência de buço. Bem tentei ver se
a senhora tinha ou não, mas tirando o quadro que Marcel
Duchamp desenhou, provocadoramente, em 1919, aqui sim,
com uma “bigodaça à maneira”, tive alguma dificuldade em
comprovar.

Como todos sabemos, muitas senhoras são portadoras de


alguma pilosidade facial, ligeira, designada por buço. Hoje
em dia, graças às novas tecnologias da cosmética, é

76
Chuva de pássaros mortos…

relativamente fácil eliminá-lo, o que não acontecia há


algumas décadas. Olhando para trás, recordo-me dos
comportamentos das raparigas, sobretudo das que entravam
na idade casadoura, a tentar solucionar aqueles
“atraentes”(!) pelinhos, na maioria das vezes, com água
oxigenada. Um verdadeiro disfarce, já que arrancá-los,
diziam, era pior, pois os seguintes, ao nascerem, vinham
mais duros e grossos!

Mas qual a razão dos tais pelinhos? A testosterona, claro! As


mulheres também têm a tal hormona masculina, embora em
doses baixas, graças a Deus, mas mesmo assim o suficiente
para explicar as diferenças da pilosidade. E estas pequenas
doses da testosterona são um encanto para as senhoras já
que contribuem, biologicamente, para o chamado “desejo
sexual”. De facto, quando ocorre, por exemplo, uma
menopausa precoce, a maioria das vezes devido a
intervenção cirúrgica, com ablação dos ovários, o risco das
senhoras virem a sofrer uma diminuição da libido é enorme,
com todas as consequências em termos de saúde sexual.
Importa, pois, resolver este problema o que é possível graças
a utilização de um "adesivo" impregnado de uma pequena
dose de testosterona, a qual, ao libertar-se “conserta” o
desequilíbrio, permitindo a recuperação das mulheres.

Neste momento, o serviço de saúde pública britânico vai


disponibilizar às pacientes o tal "adesivo", permitindo
contribuir para a resolução de um grave problema que afecta
inúmeras mulheres.
77
Salvador Massano Cardoso

Evidentemente que não se pode resolver todos os casos de


“não desejo” através desta terapêutica, já que estamos
perante um fenómeno complexo. De qualquer modo, abre-se
a perspectiva de uma nova vida a muitas mulheres que de
outro modo iriam sofrer e fazer sofrer.

Afinal, aquela percepção dos nossos antepassados, ao


preferirem mulheres com buço (mas não bigode!), tinha, e
tem, razão de ser, a tal ponto que muitos adágios populares
jogam com os tais pelinhos como sinónimo e garantia de
parceira com desejo sexual funcional! Sendo assim, e tendo
a Mona Lisa buço, quem sabe se o tal enigmático sorriso não
traduz qualquer malandrice por parte da senhora!

Convém, no entanto, não esquecer que “mulher de buço,


nem qualquer lhe apalpa o pulso”...

5 de Abril de 2007

“CHUVA DE PÁSSAROS MORTOS”....

Na Austrália, numa pequena cidade portuária, curiosamente


chamada Esperança(!), os habitantes começaram a observar
um estranho fenómeno: os pássaros tombavam mortos dos
céus, sem que houvesse um ataque maciço de chumbadas
por parte dos caçadores! Como a hipótese de morte súbita
por enfarte do miocárdio não foi colocada, os habitantes,
alarmados, denunciaram a situação às autoridades, exigindo
que as mesmas dessem explicações. As autoridades de

78
Chuva de pássaros mortos…

saúde afiançaram que não tinham que se preocupar, mesmo


depois de terem encontrado níveis elevados de chumbo e
níquel nos tanques de água da chuva, a principal fonte
naquelas paragens. Nalgumas amostras os níveis
ultrapassavam em 130 vezes os limites. Milhares de
pássaros morreram envenenados por chumbo.

Esperança é um porto através do qual são exportados níquel


e carbonato de chumbo para a Ásia.

Agora interromperam as operações depois do chumbo ter


poluído o ar, a água e o mar.

As populações estão indignadas, e muito preocupadas, pelo


facto das autoridades terem demorado meses a esclarecer a
situação, com a mais perfeita e despudorada arrogância de
quem detêm o poder, apesar das evidências terem tido início
em Dezembro!

Pensava eu que só no nosso terceiro-mundismo comunitário


é que seria possível observar uma inoperância desta
natureza, mas afinal também ocorre em países mais
desenvolvidos do que o nosso.

Para esclarecer o problema criaram uma comissão (os


mecanismos são os mesmos).

O ministro da saúde considera a situação preocupante, em


termos de saúde pública, mas, logo a seguir, o responsável
técnico do departamento de saúde australiano vem afirmar

79
Salvador Massano Cardoso

que os níveis de chumbo no sangue das pessoas não é


assim tão elevado, em muitas pessoas. Logo, a causa não
está perfeitamente esclarecida!

Entre nós não há registo, felizmente, de pássaros a caírem


do céu. Mas as afirmações de que as incineradoras no meio
da cidade são a “coisa” mais natural do mundo, ou que a
emissão de poluentes provenientes da combustão de
resíduos industriais perigosos é inferior aos combustíveis
habituais dá que pensar.

Em síntese, os responsáveis não são muito dados a respeitar


os direitos dos cidadãos. Austrália ou Portugal, qual a
diferença?

6 de Abril de 2007

QUE CHATICE!

Quando era miúdo gostava muito de ir às feiras. O buliço


feirante, as múltiplas e coloridas barracas, os chamamentos
dos vendedores, o constante regatear, a compra de umas
botas ou de um boné, a oferta de um doce ou de um malga
de tremoços, deixam-me saudades.

Havia, também, os vendedores da “banha da cobra”. Ficava


seduzido por aquela verborreia. Começavam com as virtudes
dos conteúdos de pequenos frascos. Serviam para as dores
de todos os tipos, sarampo, impigens, trasorelho, mau-
olhado, espinhela caída, cravos, verrugas, e sei lá que mais!
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Chuva de pássaros mortos…

Depois começavam com um valor muito alto, porque o


produto tinha sido obtido de genuínos e muito raros animais.
Logo a seguir, começavam a baixar, a um ritmo alucinante,
os valores e, na parte final, acabavam por oferecer não um,
não dois, mas mais três frascos pela compra de um! Era um
corrupio ver as pessoas a largar as moedas e notas para
adquirir o produto miraculoso. Até se atropelavam!

A última vez que vi um vendedor da “verdadeira” banha da


cobra foi na feira de Vale de Açores – Mortágua, à qual tinha
ido com o meu avô.

Recordei-me destes episódios quando li hoje o suplemento


“Saúde Pública” do Expresso. O título “Água e fibras ajudam
a controlar o peso” levou-me de imediato a ler o artigo que,
diga-se, em abono da verdade estava muito bem feito e sem
grandes incorrecções. Mas uma leitura mais cuidadosa
denunciava facilmente os interesses de uma marca de água
minero-medicinal enriquecida com fibras solúveis que,
cientificamente, ajuda a reduzir o apetite após oito semanas!
Andei à procura do artigo científico para o analisar, mas não
o encontrei.

Na mesma edição é possível ler o “especial cerveja e saúde”.


As virtudes miraculosas de várias substâncias existentes na
cerveja são de bradar aos céus. Muitas delas conferem
protecção contra o cancro, contra as doenças do coração e
contra a osteoporose... Nem sabia que havia um Instituto de
Bebidas e Saúde que tem financiado vários projectos de
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Salvador Massano Cardoso

investigação, mediante a atribuição de bolsas. É certo que


muitas substâncias em estudo, e que se encontram, também,
em outras bebidas e produtos, poderão ter, e algumas até
têm, efeitos interessantes, mas, o que salta aos olhos de
qualquer um é a promoção da mesma, não obstante o
conselho de que se deve beber com moderação! O limite é
curioso, “ a ingestão diária que não ultrapasse os 200 ml de
vinho ou 400 ml de cerveja (presumo que por dia), parece
acompanhar-se de benefício para a saúde cardiovascular”.
As afirmações são acompanhadas de uma infografia
interessante (valorizando a “loirinha”) do género: cerveja -
103 Kcal/250 ml; sumo de maçã -120 Kcal/250 ml; leite -134
Kcal/250 ml e iogurte fruta - 205 Kcal/250 ml! Logo, viva a
cerveja!

Claro que não podia deixar de passar em claro o anúncio do


leite “fibresse”, “physical”, “digest” e “plus ómega 3”!

Enfim! Ao anúncio: “Beba água enriquecida em fibras, porque


ajuda a perder o apetite” (comprovado cientificamente!),
podemos perguntar: mas não reduz o apetite para beber
cerveja, pois não? É que se assim for, lá se vai o efeito
protector cardiovascular da cerveja, para não falar do efeito
anti-osteoporótico e anti-carcinogénico...

Que chatice!

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Chuva de pássaros mortos…

9 de Abril de 2007

GRAVATAS

A história recente da gravata tem a ver com os mercenários


croatas que, ao serviço do rei de França, no decurso da
Guerra dos Trinta Anos, usavam curiosos xailes de vários
tipos ao redor do pescoço.

Rapidamente, os franceses aderiram “à moda croata”,


espalhando-a pelo mundo. Daqui, a designação “cravate”,
oriunda da expressão “à la croate”, transformando-a num
símbolo de cultura e de elegância.

Hoje em dia, é ainda muito utilizada, sobretudo em


determinadas circunstâncias, mas há os que se opõem ao
seu uso, quer por uma questão de gosto pessoal ou, então,
por motivos ideológicos. É certo, e sabido, que determinadas
correntes esquerdistas, invariavelmente, se recusam a
colocar aquele adereço que, nas suas opiniões, são típicas
da “burguesia” e dos “direitistas”.

Tive a oportunidade de constatar, aquando da minha


passagem no Parlamento, que certos deputados não usavam
gravata, facto que lhes devia ser particularmente gratificante,
sobretudo no decurso do Verão, em que o maldito ar
condicionado teimava em não funcionar, impedindo
neutralizar os calores dos holofotes e dos debates. Mas,
também, havia alguns que, não sei se por manifesta falta de
gosto, ou com intenção provocatória, faziam preceder, nas
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Salvador Massano Cardoso

suas entradas tardias, garridas gravatas, tipo amarelo-


torrado com bolas vermelhas, descansando em camisas azul
eléctrico.

Também há os que, não gostando nada destes adereços,


têm, por motivos sociais, que os usar em certos momentos.
Mas encontraram uma solução universal para o efeito. Usam
sempre a mesma gravata, sacando-a do bolso do casaco,
onde permanece em períodos variáveis de hibernação. Dão-
lhe uma ou duas esticadelas e colocam-na à volta do
pescoço, e, assim que termina a cerimónia, passa
imediatamente para o seu recanto. Anda nestas bolandas
uma vida inteira.

Social e profissionalmente muitos homens têm que a usar,


muitas vezes por imposição das administrações, mas, ao
longo dos últimos tempos, tem sido possível descartá-la às
sextas-feiras.

As empresas da “Nova Economia” foram as principais


responsáveis pelo abandono dos códigos de vestuário,
aliviando a tensão dos dias precedentes, prevendo o
desejado fim-de-semana, e possibilitando uma interacção
mais intensa entre todos. Estamos a falar do “Casual Friday”,
verdadeira moda que nasceu nos finais da década cinquenta
e cultivada em muitas empresas.

Claro que a facilitação introduzida também levou os que têm


interesse nos negócios das roupas a “exigirem” o regresso à

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Chuva de pássaros mortos…

tradição, demonstrada pela afirmação recente do porta-voz


do Círculo de Economia: - “Voltamos à gravata!”-, numas
jornadas realizadas na Catalunha.

Por vezes, estes problemas até sobem aos tribunais, como


aconteceu no Reino Unido, onde o uso de quase verdadeiras
fardas era uma tradição exigida aos súbditos de Sua
Majestade. Considerando uma forma de discriminação, face
às mulheres, acabaram por ganhar na justiça o direito a usar
as roupas que mais lhes convém.

Se avançarmos para a análise das criticas ao seu uso, na


maioria das vezes por questões ideológicas, podemos dar
mais alguns argumentos tais como o facto de contribuir para
a perda de visão (aumentando a pressão intra-ocular) ou, no
caso dos médicos, poderem contribuir para transmitir
microrganismos aos doentes. Levar com uma gravata de um
médico pode ser perigoso! Mas há mais vantagens,
nomeadamente a nível ambiental. Não usar gravatas pode
contribuir para a redução do aquecimento global. De facto, os
japoneses foram convidados a trocar o ar condicionado pelo
não uso de gravatas e de casaco no local do trabalho,
sujeitando-se, no entanto, a trabalhar com 28, ou mais, graus
centígrados. Curiosamente, esta medida foi proposta pelo
próprio primeiro-ministro japonês que deu o exemplo, num
pais onde foi assinado em 1997 o famoso Protocolo de
Quioto. A medida, numa escala de 1 a 10, situa-se no 6, é de
aplicação imediata, e acompanha-se de boa sensação com
um elevado 9. O que é certo, é que num Verão, foi possível
85
Salvador Massano Cardoso

reduzir a emissão de CO2 em 71.700 toneladas!

Entre nós, já começamos a ver alguns dirigentes políticos de


direita, em público, sem gravata. Não sei se é por quererem
contribuir para o não aquecimento global ou se é devido ao
aquecimento que as palavras e actos desencadeiam entre os
beligerantes. Mas também não é preciso chegar ao ponto de
andar a alardear os pelos do peito...

17 de Abril de 2007

“SONHOS”

A avidez do nosso cérebro estende-se ao seu próprio


funcionamento. Cada dia que passa, avolumam-se
conhecimentos sobre o modo de pensar, de agir, de
conhecer e de sonhar. Relativamente a este último aspecto,
sabe-se, desde há mais de um século, que as lesões de
certas zonas cerebrais se acompanham da perda da
capacidade de sonhar conjuntamente com problemas na
visão. O quadro ficou conhecido pela síndrome de Charcot-
Wilbrand.

Recentemente, foi possível identificar a parte do cérebro


onde os sonhos são “criados”.

A síndrome é rara e mais ainda quando atinge apenas os


sonhos.

A necessidade de sonhar é uma realidade, embora se

86
Chuva de pássaros mortos…

discuta muito como são criados os sonhos e qual a utilidade


dos mesmos. Há quem afirme que se trata de uma forma de
alerta e de “aprendizagem”, com interesse evolutivo, reforça
a memória, enquanto outros abordam-nos na esfera
psicanalítica de que é testemunha a célebre obra de Freud,
”A Interpretação dos Sonhos”.

Seja como for, presumo estar perante uma das palavras mais
utilizadas pelos seres humanos. Quem é que nunca falou dos
seus “sonhos”? Quem é que nunca os teve? Quem é que
nunca desejou “bons sonhos”? Todos. Até mesmo os
assassinos de sonhos!

Também há os sonhos maus, os pesadelos. Alguns


persistem ao longo da vida, reemergindo, em determinadas
circunstâncias, com a mesma aparência e intensidade,
criando angústia e mal-estar. Claro que há também os
outros, belos, apetecíveis e reconfortantes. São tão
desejados ao ponto de um empresa japonesa inventar uma
máquina que permite às pessoas criarem os seus próprios
sonhos. Ainda está numa fase experimental, mas, quem
sabe se um dia o “Yumeni Kobo” (fábrica de sonhos) não se
tornará uma realidade, disponível como um vulgar micro-
ondas? Interessante aquisição para efeitos de uma eventual
campanha eleitoral. Aos sonhos prometidos pelos candidatos
ficaria sempre “assegurado” a produção de sonhos, à
vontade do eleitor!

A par dos sonhos biológicos, os outros “sonhos”, sinónimo de


87
Salvador Massano Cardoso

aspirações, são muito fortes, ao ponto de dois em três jovens


homens, de acordo com um inquérito realizado no Reino
Unido, afirmarem que trocariam as suas namoradas pelo
carro dos seus sonhos! Os dados não podem, nem devem,
generalizar-se a outros povos, porque britânicos são
britânicos, como é óbvio!

Diz o poeta que “o sonho comanda a vida”, e ainda bem. O


que seria de nós se perdêssemos essa capacidade. No
entanto, na prática, podemos constatar que muitos dos
nossos concidadãos começam a perder a capacidade de
sonhar, adoecendo de um mal social, equivalente ao citado
síndroma de Charcot-Wilbrand, o que é mau, mesmo muito
mau. As discrepâncias e as desigualdades sociais, aliadas à
diminuição de expectativas de futuro para os mais jovens
causam angústia, mal-estar, inibindo a capacidade de
sonhar.

A este propósito, ao ler a obra do chileno Luís Sepúlveda, “ O


Poder dos Sonhos”, confrontei-me com a seguinte
passagem: “Creio que não há sonho mais belo do que um
mundo onde o pilar fundamental da existência seja a
fraternidade, onde as relações humanas sejam sustentadas
pela solidariedade, um mundo onde todos compartilhemos da
necessidade de justiça social e actuemos com coerência”.

Ainda vale a pena sonhar, mesmo que “Life is but a dream


within a dream”...

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Chuva de pássaros mortos…

21 de Abril de 2007

CANCRO DA MAMA

As descobertas na área da medicina têm sido


verdadeiramente impressionantes. No entanto, as
expectativas ao redor de certas doenças, caso do cancro,
não tiveram o mesmo sucesso relativamente a outras.
Apesar de conquistas notáveis na área da oncologia estamos
longe de atingir o patamar atingido em muitas outras
situações.

Ultimamente foi noticiado que “em muito pouco tempo” a


“solução” do “cancro” será alcançada. Deus queira! Embora
tenha algumas dúvidas.

A etiologia do cancro é complexa e multifactorial. Os


denominados factores de risco podem explicar muito, mas há
outro tanto que não se consegue explicar.

Dentro deste grupo, o cancro da mama constitui um dos


principais, atingindo muitas mulheres. Muitas são as causas
apontadas: factores genéticos, idade, álcool, tipo de
alimentação, poluição, disruptores endócrinos, não ter filhos
ou tê-los tardiamente, não amamentar e tratamentos
hormonais, entre outros.

Para reduzir a incidência é preciso conhecer todos estes


aspectos. Para reduzir a mortalidade é preciso diagnosticar

89
Salvador Massano Cardoso

o mais rapidamente possível e efectuar a terapêutica mais


adequada.

Desde há alguns anos que se suspeitava de que os


tratamentos hormonais poderiam constituir um factor de risco
importante. Agora, provou-se que é uma realidade a
associação entre este tipo de tratamento e uma maior
incidência do cancro. Tal facto leva-nos a meditar sobre as
consequências e vantagens de certas terapêuticas. Mesmo
que os riscos sejam pequenos, atendendo ao elevado
número de mulheres “medicadas”, o número final atinge
expressão particularmente grave. O estudo recentemente
publicado veio confirmar a associação. Sendo assim, terá de
haver muitos cuidados com as novas terapêuticas, não
obstante toda a investigação subjacente à sua introdução.

Nos últimos anos observou-se, nos E.U.A., uma redução da


incidência e da mortalidade por cancro da mama e, também,
da terapêutica hormonal, factos muito positivos e
animadores.

Sabemos a facilidade com que se criam mitos ao redor de


certas doenças. E o cancro da mama também não foge à
regra. Em 1995 foi publicado o livro “Dressed to Kill”. De
acordo com os autores, o uso regular do soutien constituiria
um risco acrescido. E chegaram a propor o seguinte
mecanismo: “a drenagem linfática ficaria comprometida pela
compressão, fazendo com que as toxinas ficassem retidas no
tecido mamário”. É óbvio que esta justificação não foi aceite
90
Chuva de pássaros mortos…

pela comunidade científica. De qualquer modo, esta


“explicação” urbana traduz uma certa frustração face ao não
adequado conhecimento das causas da doença, permitindo
que as pessoas não pensem muito sobre contraceptivos ou
terapêuticas hormonais de substituição, mas mais em
pesticidas, desodorizantes e soutiens...

21 de Abril de 2007

A MULHER DO CHAPÉU-DE-CHUVA

Volta e não volta sou confrontado com pedidos de ajuda por


parte de algumas pessoas que se sentem prejudicadas pelas
radiações electromagnéticas. As razões prendem-se com
pareceres que já tive oportunidade de elaborar e, até, de um
projecto de resolução apresentado sobre o assunto na IX
Legislatura.

Os efeitos na saúde têm sido objecto de vários relatórios, uns


apontando para efeitos perniciosos, outros nem por isso. De
qualquer modo, existe evidência de algum perigo,
nomeadamente nas crianças, caso de um ligeiro risco
acrescido de certas formas de leucemia, por exemplo.

A polémica tem os seus altos e baixos. Veja-se o caso


recente de terem sido apontadas como responsáveis pelo
estranho desaparecimento das abelhas com consequências
ecológicas difíceis de quantificar.

Perante esta situação, as atitudes das pessoas poderão


91
Salvador Massano Cardoso

classificar-se em quatro grupos: as que não manifestam


qualquer interesse ou preocupação, as que tentam estudar o
problema e contribuir para a minimização de eventuais
impactos, as que negam quaisquer efeitos negativos e um
quarto grupo que, embora pequeno, apresenta
manifestações comportamentais muito sérias.

A propósito das radiações, e de certos comportamentos,


recordei-me de um episódio ocorrido há muitos anos.

Nos meus tempos de estudante o local de trabalho favorito


eram os cafés. O meu café de estudo preferido era o Café
Sofia, situado na rua com o mesmo nome. Rua central e
muito movimentada. Com o tempo acabámos por conhecer
muitas pessoas. Uma delas era uma senhora de idade,
baixa, meio-obesa, não arranjada, cabelos desgrenhados e
que usava invariavelmente um chapéu-de-chuva fizesse
chuva, fizesse sol, fosse dia ou fosse noite. Ao princípio,
justifiquei o seu comportamento com algum tipo de cuidado
especial, mas, rapidamente, concluí que a senhora não era
boa da cabeça. Não incomodava ninguém. Tinha os seus
hábitos e um horário certinho, acabando por entrar na sua
habitação, instalada num dos velhos colégios da rua, através
de umas escadas escuras e íngremes. Era conhecida pela
“mulher do chapéu”. Ninguém sabia o seu nome nem nunca
lhe tinham ouvido a sua voz.

Passados uns anos, e na qualidade de jovem médico interno,


encontrava-me no serviço de urgência dos velhos HUC. A
92
Chuva de pássaros mortos…

primeira sala, verdadeira sala de choque, era reservada aos


mais novos, os quais tinham que fazer a triagem. A noite já ia
um pouco avançada, quando de repente entra a “mulher de
chapéu” muito agitada e ofegante. Conhecia-a de imediato.
Olhando para o seu estado pensei que poderia estar perante
um problema respiratório ou cardíaco grave e comecei a
interrogá-la nesse sentido. Perguntei-lhe se tinha falta de ar
ou dores no peito. Respondeu-me que não. – Mas o que é
que a senhora sente? Olhava para todos os lados com um
ar muito ansioso mas não respondia. Repeti-lhe mais do que
uma vez a pergunta, tentando chamar a atenção, até que me
disse, muito baixinho: - São os russos! – São o quê?! – São
os russos, senhor doutor! – Andam atrás de mim e lançam
radiações sobre a minha cabeça. Querem matar-me!– Mas
eu protejo-me. – Mas como é que a senhora se protege? –
Com o meu chapéu, claro! Foi então que comecei a deslindar
o mistério do chapéu-de-chuva. – A senhora usa sempre o
chapéu-de-chuva? – Claro! – Mas em casa não o usa, pois
não? – Uso pois! Então não sabe que os russos vivem por
cima de mim? – Mas a senhora não traz o chapéu! – Pois
não, roubaram-mo, e foram os russos! Neste ponto a
agitação acentuou-se e o delírio tornou-se mais do que
evidente, o que me levou a chamar o psiquiatra de serviço
que, muito contrafeito e com a arrogância típica de um sénior
incomodado por um novato, lá a levou para a última sala, a
do fundo, a da psiquiatria, onde a examinou e fez a
terapêutica injectável apropriada à situação. Passado alguma
tempo, ao sair, sem abrandar o passo, e sem me olhar,
93
Salvador Massano Cardoso

disse-me entre os dentes que a senhora ia dormir umas


horas e depois poderia ir para casa. A minha vontade foi
mandá-lo à outra banda.

Pela madrugada, felizmente calma, com os colegas a


dormirem em posições muito pouco ortodoxas, encontrava-
me na sala de entrada, reclinado numa cadeira, sem dormir,
porque se dormisse durante a noite, ao acordar sentia um
embrutecimento mental que me impedia de raciocinar.
Assim, preferia não cair no mundo de Orfeu e manter uma
lucidez suficiente, evitando fazer asneiras. Eis que,
subitamente, me aparece a “mulher do chapéu” visivelmente
mais calma a olhar para mim. – Então, está melhor? Vai para
casa? A senhora olhava para a porta, especada e disse-me: -
Eu ia, mas... Foi então que tive uma ideia. Como tinha o
carro estacionado muito perto da entrada das urgências,
levantei-me e fui buscar um chapéu-de-chuva que guardava
sempre no porta-bagagens. Em menos de um minuto ofereci-
lhe o meu chapéu. Os olhos dela riram-se e comentou: -
Agora sim, estou salva, posso ir para casa. Os malditos
russos já não me podem fazer mal! E foi-se embora.

Durante algum tempo, e apesar de já não frequentar o meu


café de estudante, ainda tive oportunidade de a ver, algumas
vezes, na rua da Sofia com o meu chapéu-de-chuva.

94
Chuva de pássaros mortos…

22 de Abril de 2007

“SENHOR DOUTOR! SENHOR DOUTOR!”

Na sequência da minha última nota, “a mulher do chapéu-de-


chuva”, recordei-me de um outro episódio por causa da
problemática levantada a propósito das habilitações do
senhor primeiro-ministro. Na sua entrevista televisiva, entre
muitos aspectos, registei a explicação para o tratamento de
engenheiro: “mero tratamento social”!

Nos finais da década de sessenta, aquando da minha


entrada na Universidade, nos meados de Novembro, ensaiei,
pela primeira vez, estudar num café. Marrrar aqueles
calhamaços de anatomia em casa, punha-me a dormir.
Escolhi o café Império, que ficava a poucos metros da casa
onde habitava. Uma noite, depois do jantar, agarrei no
primeiro volume do Testut e desloquei-me ao café. Subi por
umas escadas estreitas ao primeiro andar, habitualmente
“reservado” aos estudantecos, já que no rés-do-chão não era
permitido ocupar as mesas, e pude escolher à vontade uma,
já que estavam todas às moscas. O empregado, passado
algum tempo, dirigiu-se-me nos seguintes termos: - O que é
que o senhor doutor vai tomar? Fiquei de boca aberta, até
porque não estava mais ninguém naquela sala. Pensei: - O
homem deve estar maluco. A chamar-me doutor! O que é
certo é que repetiu a pergunta e respondi que queria um
café. Continuei a pensar, por que raio é que chamariam
doutor a um caloiro, que teve o atrevimento de começar a

95
Salvador Massano Cardoso

estudar, logo na primeira quinzena de Novembro, desafiando


a praxe, já que depois das seis horas não nos era permitido
andar na rua? Mas como habitava perto, sentia-me seguro.
Só se podia ser praxado na rua e numa correria louca
depressa ficava outra vez debaixo de telha.

Ao princípio este tratamento incomodava-me, mas ao fim de


quinze dias deixei de ligar e aceitei naturalmente a cortesia
social da cidade.

Passados uns anos, andava no quarto ou no quinto ano, já


não me recordo, deixei no café Sofia, que há muito tinha
substituído o Império, os meus livros, porque tive que ir a
casa tratar de uns assuntos. Eis que de repente ouço alguém
a gritar numa das ruas mais movimentadas da cidade: -
Senhor doutor! Senhor doutor! Posso afiançar que a maioria
das pessoas que circulavam na altura aquela artéria
pararam, virando-se para o gritador. Até um cão, rafeiro e
meio esquálido, que lentamente ia à minha frente, parou,
virando-se para a origem do tratamento do “Oh senhor
doutor”. Mas depressa retomou a sua marcha lenta,
pensando que deveriam estar a chamar um outro colega
seu...

24 de Abril de 2007

OVO OU GALINHA!

As notícias sobre a relação entre galinhas e dinossauros têm

96
Chuva de pássaros mortos…

atraído a atenção de muitos, nomeadamente o recente facto


de serem aparentados em termos de proteínas. Quem diria
que a besta de um Tirannosaurus rex estaria na origem de
galinhas estúpidas e neuróticas, mas responsáveis por belos,
perfeitos e saborosos objectos: os ovos, com os quais se
fazem omeletas. A questão sobre quem surgiu primeiro, se o
ovo ou a galinha, está longe de ser resolvida. Há os que
apontam para o ovo, já que os répteis e dinossauros os
punham, e, muito provavelmente, através de qualquer
mutação, deverão ter sofrido alterações. Uma perspectiva
evolucionista, rapidamente desmontada pelos criacionistas
que, ao socorrerem-se da Bíblia, afiançam que foi a galinha:
Deus criou todos os seres vivos. Relativamente à primeira
hipótese melhor seria afirmar "ovo com galinha". Exacto! O
primeiro ovo tinha de ter uma galinha dentro. A este
propósito tive uma estranha experiência, há muitos anos,
quando numa tarde de calor ao beber uma cerveja lembrei-
me de pedir um ovo cozido. Depois de o descascar, cortei-o
em duas partes. Surpresa: tinha "galinha" dentro. Perguntei
ao empregado se com o pinto o preço era o mesmo ou se
era mais caro! A lembrança deste episódio tem a ver com as
discussões evolucionistas e criacionistas que se geram ao
redor de um apetecível ovo cozido! Apesar de não
concordarem, são unânimes quanto ao prazer em ingeri-los.
Enfim, tudo aponta para que este intrigante problema
continue a despertar inúmeras discussões. O que interessa
é que as galinhas não deixem de por ovos, senão estamos
tramados, porque não se podem fazer as nutritivas omeletas.
97
Salvador Massano Cardoso

O Ministério da Saúde anda a pôr poucos ovos (ou a tirá-los


para colocá-los sob outras galinhas) ou a evitar que os
ponham, cortando na ração, e pondo em stress os próprios
animais, os quais, ao contrário dos seus antepassados, os
dinossauros, são muito sensíveis. Mas, por arte mágicas,
acabou por descobrir o ovo de Colombo. A recente demissão
do PCA dos HUC, por não lhe garantirem as verbas
necessárias ao normal funcionamento de uma instituição
com aquelas características - recusou-se a assinar o
contrato-programa com o presidente do conselho directivo da
ARSC - permitiu que este último, ao assumir a nova
administração do hospital, não tenha de por qualquer entrave
na assinatura. Está aceite! Um verdadeiro ovo de Colombo,
ou então está em vias de nascer, através de uma mutação
(política), uma nova espécie: administradores-pintainhos! A
melhor receita criacionista para tratar da saúde dos patos-
bravos, ou, caso preferirem, iniciar a descendência do
Tyranossaurus campus...

27 de Abril de 2007

“PINTARROXOS”!

Quando andava na escola primária divertia-me,


conjuntamente com os meus colegas, andar a espiolhar os
ninhos. Quem descobrisse mais ninhos era respeitado. O
risco que corríamos era mais do que suficiente para sermos
repreendidos e, até, castigados pelo professor. Uma das

98
Chuva de pássaros mortos…

lições que aprendíamos era não mexer nos ninhos dos


pássaros. O próprio padre também considerava como
“pecado” a nossa conduta. Ouvíamos e esquecíamos logo de
seguida sempre à descoberta de novos ninhos, dos ovos,
dos filhotes e da espécie em questão.

Mas também não deixávamos de apanhar pássaros com as


nossas armadilhas e construir toscas gaiolas para os
albergar, quase sempre os mais pequenos e indefesos. O
que é certo é que ao fim de algum tempo acabavam por
morrer, facto que interpretávamos com sendo resultante da
acção deliberada dos pais que, ao ouvirem os gritos dos
filhotes, preferiam a sua morte.

Alguns pássaros eram intocáveis, caso das andorinhas ou


dos pintarroxos, por exemplo. Os pardais e os melros, pelo
contrário, levavam na perna, à pedrada, à fisgada ou com os
costilos. Recordo-me de um “puto” mais novo querer fisgar
um pintarroxo. Levou logo no cachaço! – Então não sabes
que não se pode fazer mal a este pássaro? E lá lhe
explicámos que a mancha vermelha no peito era devido a
uma gota de sangue de Cristo quando quis tirar um espinho
da coroa que se tinha enterrado na cabeça do Senhor,
durante a Via-sacra. O puto, com cara de parvo, ficou de
boca aberta, e só deverá ter aprendido que não ia meter-se
mais com pintarroxos, porque senão levava no cachaço.

Nessas alturas os pintarroxos tinham uma vida flauteada,


cantando ao amanhecer, embora não seja nada de especial,
99
Salvador Massano Cardoso

atraindo parceiros, marcando território e espantando


inimigos. Enfim, ritual típico de tantas e tantas espécies de
aves.

Acontece que devido à poluição sonora estas aves começam


a ter comportamentos diferentes, passando a cantar de noite,
devido ao facto de os níveis de ruído diurnos serem
elevados. Dizem os entendidos que “nos pássaros, a cantoria
nocturna por espécies normalmente diurnas pode ser uma
forma de minimizar a interferência de barulho ambiente
urbano”. Aqui está mais um dado, a juntar a tantos outros,
apontando para o papel negativo dos efeitos ambientais nos
comportamentos das diferentes espécies. Coitados dos
pintarroxos, cantam de noite, não dormem e não cumprem os
seus rituais.

Outros estudos sugerem que algumas espécies, a residirem


nas grandes cidades, adaptam-se à poluição sonora através
do aumento do volume dos seus sons, ou então chegam
mesmo a modificar o estilo, versus os seus primos rurais,
optando por um estilo “rap”!

As modificações operadas no canto poderão provocar


situações novas, dificuldades em marcar território e no
acasalamento, além de permitir ataques dos inimigos.

As mudanças do comportamento das aves poderão constituir


um sinal evidente dos efeitos negativos da poluição, neste
caso concreto, sonora. A origem humana do ruído é mais do

100
Chuva de pássaros mortos…

que conhecida, e como estão a provocar os pintarroxos, que


tal um valente cachaço nos poluidores?!

28 de Abril de 2007

- OBESO? - FAÇA DIETA! DEPOIS, LOGO SE VÊ....

Os portugueses estão cada vez mais obesos e,


consequentemente, correm riscos acrescidos de diabetes e
de doenças cardiovasculares, entre muitas outras doenças.

As causas radicam fundamentalmente em três aspectos:


predisposição genética, aporte excessivo de alimentos e
redução do exercício. Se quanto ao primeiro não há nada a
fazer (por enquanto), já o mesmo não acontece com os
outros dois. É preciso educar as pessoas a alimentarem-se,
mas é muito difícil, e muito moroso, já que está relacionado
com factores sociais, económicos e culturais bastante
complexos. Quanto ao exercício, apesar da lógica em
queimar os excessos, as condições de trabalho e da vida em
geral contribuem para um sedentarismo crescente.

Face a esta realidade, que não é só nossa, estão criadas


condições para várias indústrias que pretendem retirar lucros
(nada pequenos). Ginásios, piscinas, aparelhos para fazer
exercícios, alguns são mesmo mirabolantes, prometem
corpos esculturais. A par destes, surgem os promotores e
vendedores de dietas. Já se perdeu o conto às dietas e
técnicas alimentares para perder peso. O que é certo é que

101
Salvador Massano Cardoso

vendem, e muito bem, porque as pessoas querem ser


saudáveis e bonitas.

Mas será que as dietas funcionam mesmo? Aparentemente,


e durante algum tempo, funcionam! Provavelmente não há
ninguém que não conheça pessoas que perderam quilos e
quilos, a tal ponto que nem conseguíamos reconhecê-las!
Basta recuar uns anitos e recordar a “epidemia de
emagrecimento” provocada por um célebre médico espanhol
que queria evitar o afundamento do território nacional devido
às centenas de milhares de toneladas de gordura que
carregavam. Mas, passado algum tempo, as vítimas de
terapêuticas agressivas, e até perigosas, recuperavam o
peso inicial.

Inicialmente perdem peso, mas ao fim de alguns anos, a


maior parte volta ao “normal” ou ainda fica mais “pesada”!
Esta percepção, com o tempo, acabou por ser provada
cientificamente. Entretanto, os “vendedores” da magreza têm
o futuro garantido, porque bojudos e palonços é coisa que
não falta.

Importa, sim, efectuar uma alimentação moderada,


acompanhada de práticas que exijam exercício físico.

A par deste conceito, também é aconselhável denunciar o


conceito de ingestão de água em excesso. A água é fonte da
vida, devemos ingeri-la em quantidades adequadas, mas a
informação e aconselhamento para beber verdadeiras

102
Chuva de pássaros mortos…

“litradas” é um perfeito disparate que pode fazer mal à saúde


das pessoas. A ideia de que o excesso, ao ser eliminada,
arrasta consigo as toxinas do organismo, como já ouvi
advogar por especialistas (?) tem de ser denunciada. A
quantidade de água a ingerir tem de ser proporcional ao peso
corporal, ao tipo de trabalho e às condições climáticas.

A água em excesso, ao ser eliminada pelos rins, arrasta


consigo sódio, potássio, magnésio, minerais valiosos que, na
sua falta, podem comprometer o funcionamento do
organismo.

Quem é que ainda não reparou em jovens raparigas que


andam sempre com uma garrafa na mão ou na carteira?
Decerto todos. Importa destacar que este fenómeno tem
mais adeptos no sexo feminino, porque são alvos
preferenciais de certas campanhas publicitárias. Além disso,
o facto de muitas manifestarem ansiedade, quando ficam
com as garrafas vazias, aliadas ao facto de utilizarem a água
como substituto de alimentos, pode constituir, em casos
extremos, um sinal de anorexia-bulimia ou levar a graves
estados de nutrição.

Mas, atendendo à forma, quase que diria despudorada,


pseudo-científica ou notoriamente interesseira, como certos
responsáveis focam estes problemas e apresentam soluções
– basta ver certos programas televisivos, revistas e livros – é
muito pouco provável que haja qualquer inversão em certos
conceitos....
103
Salvador Massano Cardoso

2 de Maio de 2007

“NÃO AOS SACOS DE PLÁSTICO”

Já tive oportunidade de escrever sobre a problemática da


poluição provocada pelos plásticos. De facto, os oceanos, e
não só, estão cheios de produtos à base deste material, os
quais constituem focos de atracção para várias espécies
marinhas. Ao ingeri-los acabam por sofrer consequências
muitas vezes mortais. Tartarugas, golfinhos, baleias e muitas
aves, nomeadamente albatrozes, são vítimas deste grave
atentado ambiental.

Dentro do “mundo plástico”, os sacos que utilizamos no dia a


dia, e que começaram a ser introduzidos na década de
setenta, constituem uma das principais fontes. Basta dizer
que globalmente utilizamos entre 500 mil milhões a um trilião
por ano, qualquer coisa como 150 sacos por pessoa, ou seja
a um ritmo de um milhão de sacos por minuto. Não esquecer
que o tempo médio de vida de um saco de plástico é
bastante miserável, cerca de 12 minutos, o que contrasta
com a sua permanência no meio ambiente que se pode
contabilizar por dezenas e mesmo centenas de anos! Tudo
isto, porque degradam-se muito lentamente. A natureza não
previu que um dia aparecessem coisas “estranhas” e,
consequentemente, não desenvolveu mecanismos
adequados à sua destruição.

Há que interromper este ciclo. O facto de começarem a surgir

104
Chuva de pássaros mortos…

movimentos contra o uso sacos de plástico, estimulando o


uso de materiais biodegradáveis é de louvar e de encorajar.

A este propósito, a cidade Modbury, na Grã-Bretanha,


passou a constituir o primeiro local a abolir os sacos de
plástico nas compras. Todos os 43 comerciantes desta
localidade passarão a receber sacos de papel reciclável ou
sacos reutilizáveis feitos de algodão, de juta e de outros
materiais biodegradáveis.

A ideia partiu da fotógrafa Rebeca Hosking que, numa


viagem ao Havai, acabou por verificar que os albatrozes, e
sobretudo os seus filhotes, morriam devido ao facto de se
alimentarem com tudo o que era plástico que encontravam
nas suas longas peregrinações em busca de alimentos. Tudo
o que brilha à superfície é interpretado como alimento, é
“pescado” e ao fim de centenas e centenas de milhas,
pensando que carregam alimentos para os filhotes, acabam
por lhes enfiar nas goelas brinquedos, plásticos variados e
até isqueiros. Claro que os animais morrem e os seus corpos
ao degradarem-se revelam as causas já que no meio das
carcaças surgem os tais plásticos prontos a serem
novamente “pescados” ou engolidos por outras espécies,
perpetuando a morte.

Chocada com este quadro, Rebeca conseguiu convencer os


comerciantes de Modbury a associarem-se a este projecto.
Não importa se é ou não a primeira localidade a assumir este
comportamento, até, porque São Francisco na Califórnia
105
Salvador Massano Cardoso

acabou, muito recentemente, por tornar-se na primeira


cidade a proibir o uso de sacos de plástico nos grandes
supermercados e farmácias. Apesar de todo o processo
legislativo ainda não estar completo, os envolvidos
manifestaram o seu acordo e não deve haver grandes
problemas (supermercados com facturação superior a dois
milhões de dólares por ano e farmácias com mais de cinco
filiais).

A necessidade em promover a reciclagem não é nova. Até o


próprio Bangladesh, pais paupérrimo, já proibiu o uso de
sacos de plástico, quando se descobriu que o sistema de
esgotos do país ficava entupido, contribuindo para o
agravamento de inundações tão comuns naquela parte do
globo.

Aqui está uma medida simples, perfeitamente acessível,


capaz de contribuir para um ambiente melhor e estimular a
consciência ambiental dos cidadãos, preservando um planeta
que tem sido tão mal tratado. Uma medida simples arrasta
outras medidas simples.

Alguns supermercados começam a tomar medidas,


utilizando, por exemplo, materiais recicláveis. Um bom
princípio, mas manifestamente insuficiente sem o concurso
dos restantes operadores, comerciantes e clientes.

E se Coimbra aderisse a um projecto desta natureza?


Bastaria que os comerciantes da nossa cidade, com a ajuda

106
Chuva de pássaros mortos…

dos responsáveis locais e com a “anuência” do cidadão


anónimo aceitassem. Com tanta discussão ao redor dos
perigos ambientais, bem poderíamos mostrar que também
somos capazes de os evitar...

4 de Maio de 2007

A BRUXA DE T...

Tenho, ao longo da minha vida, feito vários estudos


epidemiológicos com o objectivo de conhecer a realidade
nacional de vários problemas relacionados com a saúde e,
ao caracterizá-los, contribuir para melhorar os diferentes
tipos de intervenção que estão ao nosso alcance, tentando
comprometer os educadores, os médicos e, como é óbvio, a
própria população.

Posso afirmar que dispomos de técnicas e meios muito


importantes, altamente eficazes, que poderiam dar um
contributo substancialmente superior ao que está a acontecer
na prática, desde que fossem devidamente aplicados pelos
médicos e aceites pelas pessoas. Esta afirmação traduz uma
realidade caracterizada pelo subaproveitamento dos recursos
existentes. Os médicos, ao conhecerem a realidade, são
confrontados com algo que não esperavam e, naturalmente,
acabam por rever a sua actuação aperfeiçoando-a. Óptimo.
É uma satisfação poder contribuir para esta mudança.

Um dos últimos trabalhos teve a ver com a diabetes mellitus,

107
Salvador Massano Cardoso

com os diferentes tipos de terapêuticas, crises de


hipoglicémia graves, controlo adequado da mesma, entre
muitos outros aspectos que dispenso de comentar. O que é
certo é que estamos longe de um controlo eficaz da mesma.
Os responsáveis por esta situação são os médicos, claro, e
também os doentes, como é óbvio. Quanto aos primeiros, irá
ocorrer uma melhoria significativa na sua actuação. Quanto
aos segundos as coisas são mais complicadas, porque
envolve muitas variáveis de cariz social, cultural e económica
que são difíceis de ultrapassar, sobretudo nos tempos mais
próximos. A adesão às terapêuticas é de uma complexidade
extrema que tem de ser abordada de uma forma muito
atenciosa por parte dos responsáveis. No entanto, não vejo
grande interesse por esta área. Às tantas sou eu que ando
distraído!

Toda esta retórica esconde um desejo desde o princípio:


contar uma pequena história.

Há muitos anos, mais de vinte, um casal procurou-me. O


marido, baixo, calvo, de meia idade, não obeso, vinha
acompanhado de uma matrona, bem constituída, na fase
final dos quarenta ou princípio dos cinquenta, dotada de um
olhar estranho, profundo e brilhante, coscuvilhando tudo o
que fazia, sem abrir a boca, esboçando um sorriso que não
soube interpretar. Enquanto interrogava e examinava o
marido, palrador dos diabos, mas respondendo sempre
coisas diferentes às minhas perguntas, o que me punha
nervoso, a mulher mudava constantemente de posição,
108
Chuva de pássaros mortos…

perturbando ainda mais a consulta. As queixas do homem


eram cansaço e mais cansaço, mas não na língua. Ao fim de
muito tempo acabou por dizer que era diabético, depois de
ter feito, logo no início, e mais do que uma vez, essa
pergunta. Fiquei mesmo irritado. E, ainda por cima, saca de
umas análises comprovativas de grave descontrolo.
Perguntei-lhe há quanto tempo era diabético e o que é
tomava. – Há muitos anos senhor doutor! E tomo chás. –
Chás?! Chás de quê? O senhor não toma medicamentos
para a diabetes? - Oh senhor doutor, então o senhor acha
que há melhor medicamento do que chás para a diabetes? E
dizia isto, rindo com uma satisfação dos diabos. A mulher,
claro, abanava a cabeça com aquele sorriso enigmático que
me punha cada vez mais nervoso. A conversa descambou
para a necessidade urgente de terapêutica hipoglicemiante e
inclusive insulina, face à gravidade do problema. O homem,
numa superioridade meio patética, disse logo que ia recusar
tudo o que estava a sugerir, afirmando que os seus chás iam
resolver a situação. – Ai vão!? Então como explica que o
senhor tenha chegado a este estado? Perguntei. Respondeu
que tinha acabado de receber novos lotes de misturas
especiais. Bem tentei ajudá-lo e até lhe cheguei a dizer-lhe: -
O senhor acredita em bruxas? O homem e a mulher
entreolharam-se, perdendo, momentaneamente, o tal sorriso
estranho e o riso verdadeiramente patético. E continuei: -
Pois eu não! Mas de acordo com o ditado espanhol, que as
há, há! Daqui até ao fim da consulta foi um ápice, que não
soube interpretar.
109
Salvador Massano Cardoso

No final do dia, a empregada, entra no consultório e disse: -


O senhor doutor está muito bem cotado! – O quê?! Bem
cotado?! – Sim, claro, até a bruxa de T... e o marido, o dono
de várias herbanárias, já vêm à sua consulta. – A bruxa de
T...!? – Oh meu Deus, agora já entendo tudo. Depois, bom,
não me contive, e ri às gargalhadas! Nunca mais vi a
senhora, e muito menos o marido....

5 de Maio de 2007

“ATENTADOS CONTRA A LIBERDADE!

A preocupação com a liberdade não é de hoje, e, apesar de


todas as conquistas entretanto verificadas, é fácil identificar
muitos atropelos a um dos principais pilares da condição
humana.

Entre nós, começam a surgir evidências ou, no mínimo,


suspeitas de controlo da liberdade de imprensa. O que é
certo é que as pessoas encolhem-se cada vez mais, sempre
que desejam exprimir os seus pensamentos, com receio de
virem a ser objecto de vários tipos de represálias. Até a
própria justiça entra neste fandagar, ao dar razão a certas
queixas, facto que não deixa de nos espantar, porque acabar
nas mãos da justiça – mesmo que sejamos absolvidos - pode
ser um tormento capaz de provocar úlceras de stress e muito
mais!

Mas, apesar de tudo, nada se compara com as notícias que

110
Chuva de pássaros mortos…

vêm lá de fora. Vejam-se certas proibições tradutoras de


verdadeiras formas de terrorismo, impensável no mundo
moderno.

O presidente iraniano deu um beijo na mão, ou melhor, na


luva, de uma senhora de idade, encasacada, e foi logo
criticado pelo beijo “indecente”! A senhora tinha sido a sua
professora primária e o acto em si revela respeito e ternura
por quem lhe ensinou as primeiras letras. A crítica chegou ao
ponto de ser considerada uma “acção contrária à lei islâmica
(sharia). Os teólogos daquelas bandas, que permitem que
um homem possa casar com várias mulheres, e que chegam
a oferecer um batalhão de virgens no paraíso a quem
mostrar pressa em lá chegar, por exemplo, através de
suicídios religiosos, são mentores de formas de terrorismo
que cerceiam a liberdade humana.

Mas esta forma de atentado à liberdade, sob a capa de


princípios religiosos, não é apanágio daquelas bandas,
porque na Irlanda, a uma jovem de 17 anos, grávida e
portadora de um feto com graves anomalias, anencefalia,
malformação cem por cento fatal nas primeiras 48 horas
após o parto, foi-lhe negada a possibilidade de ir ao Reino
Unido para abortar. Como é sabido, na República da Irlanda,
é proibido o aborto, mesmo nestas circunstâncias! De acordo
com a notícia, a adolescente está à guarda do serviço de
saúde irlandês!, melhor seria dizer que está “detida” por um
serviço que deveria respeitar a saúde dos cidadãos e não
castigá-la de forma a perigar a sua saúde. Em qualquer pais
111
Salvador Massano Cardoso

civilizado (não esquecer que mesmo entre nós, antes da


actual alteração à legislação da lei do aborto, já era permitida
a solução deste grave problema) esta situação já teria sido
resolvida.

Afinal, o direito à liberdade e ao respeito pela dignidade


humana carecem de muitas lutas e combates, de modo a
eliminar certos “princípios” que se revelam perniciosos,
traduzindo fortes interesses capazes de controlar as leis ou
comportando-se como tal.

Parece que o assunto foi parar ao Supremo Tribunal de


Dublin. Esperemos que a decisão de conceder o direito à
jovem de viajar livremente para fora do território irlandês seja
dada o mais rapidamente possível. Esperemos...

6 de Maio de 2007

AFONSO “CAPORRO”

Há pouco tempo fui convidado para escrever e coordenar um


relatório sobre alcoolismo juvenil, fenómeno complexo e
actual com graves consequências pessoais e sociais. Não
obstante o muito que se diz e o que se faz, e o que já se
disse e o que se fez, sobre este flagelo, o que é certo é que
continua a atormentar os responsáveis incapazes de
encontrarem soluções eficazes a uma efectiva redução e
prevenção. A adopção de comportamentos, tipo "binge
drink", por exemplo, com o objectivo de sentir os efeitos

112
Chuva de pássaros mortos…

imediatos de uma súbita hiperalcoolémia, vem reforçar as


nossas preocupações.

O fenómeno do alcoolismo é muito antigo e a sua faceta


juvenil também.

Quando andava na escola, os bêbados abundavam em


qualquer lugar. Ao fim da manhã e princípio da tarde já eram
visíveis alguns ébrios antevendo o festival dos fins de tarde e
noites.

Marcou-me uma cena ocorrida uma manhã, particularmente


fria de Inverno, na minha escola primária. Devia andar na
segunda classe. O professor chamou o Afonso, "Caporro" de
apodo, para ir ao quadro. De calções e alpergatas, a tiritar de
frio, o "Caporro" lá se arrastou. O professor mandou-lhe
montar uma conta simples, e com o giz tentou escrever algo,
mas não conseguiu. Apoiava-se com o ombro esquerdo no
quadro e face voltada em sentido contrário à secretária. O
mestre-escola, baixo, careca, e meio obeso, saltou com uma
agilidade felina, acompanhado da sua maldita arma, a
tenebrosa régua, e colou a cara à do rapaz, insultando-o. Até
aqui, nada de novo, o pior foi quando lhe disse: - Mas, tu
estás bêbado! Cheiras a aguardente! E vai dai dá-lhe um
valente pontapé no traseiro. O Afonso nem um ai disse.
Dobrou-se em dois e acabou por estatelar-se no chão sem
conseguir soerguer-se. O professor olhou para a turma,
encolerizado, e gritou: - Todos lá para fora! Vão fazer um
intervalo! E fomos mais cedo que o habitual.
113
Salvador Massano Cardoso

Fiquei a saber que o pequeno-almoço do Afonso tinha sido


aguardente. Sabia que os mais velhos bebiam copos logo de
madrugada antes de arreigarem ao trabalho, mas crianças
não sabia. Era comum, sempre que íamos a casa de
algumas pessoas, beber um "refresco" feito de água, vinho e
açúcar. Confesso que não desgostava! Mas aguardente não
nos davam.

Muitos anos mais tarde, tive de apanhar o comboio, o


“rápido” das sete, para Coimbra. A estação estava apinhada
de muitas pessoas, entre os quais soldados que iam para os
seus quartéis. Era Domingo. O comboio chegou e corremos
para as carruagens para ver se conseguíamos um lugar
sentado. Qual quê! Tive que ir em pé como era habitual.
Ainda fui às carruagens da frente, mas nada. Olho pela
janela da porta e vejo um soldado deitado no chão. Agitado,
vomitado, totalmente descomposto, convulsivo, como se de
um epiléptico se tratasse, sem ninguém ao redor. Como o
comboio tardava em começar a marcha, tive tempo mais do
que suficiente para analisar tão desconfortante situação.
Quem seria aquele jovem? Depressa vi que era o Afonso. -
O Afonso! Bêbado que nem um cacho, deitado na gare de
uma estação. Aquela imagem colou-se de tal forma na retina
que nem reparei que o comboio já ia a caminho. Durante
toda a viagem não pensei noutra coisa. O que é lhe iria
acontecer? Provavelmente não iria durar muitos anos e sabe-
se lá com que sofrimento para si e familiares.

Muitos anos mais tarde, numa tarde de campanha eleitoral


114
Chuva de pássaros mortos…

para as autárquicas, calcorreei várias aldeias e lugarejos do


meu concelho. Numa das tardes, de repente, chamou-me a
atenção um senhor aparentando meia idade, com pouco
cabelo, vestido com um fato escuro, aspecto limpo, mas com
um semblante grave, digno, a fazer lembrar uma
personagem tipo pastor de uma qualquer igreja protestante.
Cruzámo-nos, cumprimentou-me com uma delicada
saudação de “boas-tardes”, à qual respondi e, mais à frente,
perguntei ao meu amigo de infância, que me acompanhava
na campanha: - Olha lá, o que foi feito do Afonso "Caporro"?
Ele vivia por estas bandas. E recordei-me de muito episódios
do passado. Foi então que ouvi uma gargalhada. - O
Afonso?! Então ainda agora acabaste de cruzar com ele. -
Quem? Aquele senhor era o Caporro? Mas ele bebia que
nem um desalmado, desde os bancos da escola! - Pois foi,
mas desistiu. Tornou-se, há alguns anos, numa pessoa
respeitável, faz a sua vidinha, tem uma família composta e
nunca mais tocou numa gota de álcool.

Quando acabou de me dizer isto senti uma sensação de


felicidade e, sobretudo, um grande alívio...

9 de Maio de 2007

REGISTO DOS ERROS MÉDICOS

O “erro médico” é uma realidade que preocupa todas as


sociedades. O seu conceito é muito vasto, indo de pequenas
perturbações a situações de grave negligência, felizmente
115
Salvador Massano Cardoso

pouco frequentes, mas, mesmo assim, objecto de natural


atenção por parte da comunicação social e angústia e
sofrimento dos intervenientes. Relativamente a este último
aspecto, negligência, faz todo o sentido que se
desencadeiem os mais diversos mecanismos a fim de apurar
responsabilidades e evitar novos casos.

No entanto, ocorrem por vezes erros que não resultam de má


prática ou negligência, devendo ser considerados com
resultados de intervenções probabilísticas. De facto, a
medicina está, e estará, ainda longe de ser uma ciência
exacta, já que das inúmeras variáveis em jogo muitas
escapam ao nosso conhecimento, comprometendo o
resultado final. Também é certo que o ponto de corte, que
separa o erro “admissível” da negligência, varia de acordo
com a situação clínica, o local da sua prática, os meios
técnicos disponíveis, o momento, enfim um conjunto de
variáveis.

Certos especialistas, em direito biomédico, afirmam que “até


agora o número de médicos condenados por erros é
pequeníssimo em Portugal, quando comparado com os
restantes países da Europa”. É verdade.

A fim de evitar o tal crescendo de queixas, com todo o cortejo


de litígios e mal-estar entre a comunidade e a classe médica,
susceptíveis de fazerem perigar a confiança e a relação
médico-doente, e favorecer uma aplicação excessiva de
meios defensivos, com prejuízos facilmente previsíveis a
116
Chuva de pássaros mortos…

todos os níveis, deveria ser incentivado o “registo do que


correu mal”. Não é uma confissão de culpa mas de
reconhecimento de algo que merece ser analisado e
interpretado à luz dos conhecimentos científicos. Ao mesmo
tempo que o erro é reconhecido, as autoridades de saúde, do
qual dependem os médicos, ou os próprios, através de
seguros apropriados, deveriam compensar civilmente os
prejuízos causados, no mais curto prazo, de modo a evitar
que as vítimas ou os seus familiares tivessem que correr a
penosa e longa via sacra da justiça portuguesa. Quanto às
situações de negligência o curso natural é a justiça.

10 de Maio de 2007

“PÍLULAS FREI GALVÃO”!

Não tenho nada contra os santos, muitos deles até são


interessantes, indo de encontro às necessidades das
populações, dos seus mitos e anseios. Há santos para todos
os gostos e feitios. Nos últimos tempos foram promovidos a
esta categoria inúmeras pessoas, a ponto de haver quem
diga que estamos perante uma verdadeira “fábrica” dos
mesmos.

Não sou especializado em “santidade”, longe disso,


confesso, mas reconheço que muitas pessoas são
verdadeiros santos e santas, pela forma como conduzem as
suas vidas e enfrentam as vicissitudes e dramas que o
“destino” lhes pregou, embora não tenham feito “milagres”
117
Salvador Massano Cardoso

segundo o conceito “oficial”.

É interessante verificar que os milagres quase sempre dizem


respeito a questões de saúde. Quando não se encontram
explicações para um evento, à base dos conhecimentos
científicos, é declarado o milagre. De facto, a medicina está
longe, e muito longe, de ser considerada totalmente
cientificada, se é que algum dia isso possa acontecer.

Dentro das diferentes áreas do conhecimento humano foi a


última a ser influenciada pela Revolução Científica dos
séculos precedentes. Mas, apesar de tudo, houve sempre
uma preocupação racional em explicar as doenças, as suas
causas e interferir na sua evolução. A escola hipocrática é
considerada como o berço da medicina. Através dos
inúmeros escritos que nos chegaram até hoje, é possível
verificar a procura e interpretação racional dos fenómenos.
Afinal, dados recentes apontam para os egípcios que, mais
de 1500 antes dos gregos, deverão ser considerados como
os fundadores da “medicina racional e não de um ritual
mágico aplicado ao acaso”. É notável a existência de uma
“estrutura medicinal e de um método farmacêutico para lidar
com a doença”. Muitas plantas foram usadas
especificamente para o tratamento de muitas maleitas e,
hoje, passados 3.500 anos, verificamos quão correctas eram
essas iniciativas. Notável!

Ao analisar estes aspectos, não pude deixar de recordar um


brilhante médico português do século XVI, Garcia da Orta,
118
Chuva de pássaros mortos…

cantado pelo próprio Camões, que, através dos seus estudos


e da sua obra, Colóquio dos Simples e Drogas da Índia, deu
um contributo extraordinário ao mundo cientifico de então.
Verdadeiro milagre da ciência, pago na altura, não pela
santidade, mas, pelo julgamento post mortem, e condenação
dos seus restos mortais ao fogo purificador da Inquisição!

Quanto ao contributo para a resolução dos problemas de


saúde, o que dizer do primeiro santo brasileiro, frade
franciscano António de Sant´Anna Galvão, que, ainda hoje,
século XXI, consegue curas assombrosas, através das
denominadas “pílulas Frei Galvão”. Em que consiste estas
pílulas? Simples. Basta engolir papelinhos (três!) escritos
com uma oração. Parece que é bom para gravidezes e
partos.

Os médicos que estudaram os “milagres” de frei Galvão


afirmaram que os casos “são inexplicáveis à luz dos
conhecimentos científicos actuais”. Seria interessante fazer
uma revisão do passado, e não é preciso ir muito atrás, para
verificar se os argumentos, então invocados na altura, não
seriam explicados à luz dos conhecimentos científicos
actuais. O conhecimento biomédico, nos últimos anos, anda
quase à velocidade da luz, mas, mesmo assim, estaremos
sempre aquém do conhecimento científico total e, por este
motivo, estarão, à partida, garantidos novos milagres no
futuro.

É pena que os milagres não sejam alargados ao ambiente,


119
Salvador Massano Cardoso

ao regresso de espécies extintas, à economia, à educação, à


paz, à solidariedade e respeito humano. Mas não pode ser,
porque trata-se de matéria de fé e, como tal, só diz respeito
ao indivíduo.

Se não fosse a medicina o que seria dos santos?

12 de Maio de 2007

TURISMO RELIGIOSO

Respeito muito a fé das pessoas, independentemente da


religião ou crença, e presumo que não há nenhum ser
humano que não a tenha, mesmo os que dizem não acreditar
ou professar determinados valores espirituais. Recordo ter
lido algures que os que negam esse valor fazem-no, apenas,
enquanto tiverem saúde, depois...

O fenómeno religioso tem expressões próprias, variando de


região para região.

Entre nós, é possível ver nesta época do ano peregrinos a


deslocarem-se para Fátima. Cruzamos diariamente com eles.

Admiro-os.

O que me causa um certo constrangimento é o facto de


Fátima estar a tornar-se num centro de turismo religioso. No
entanto, foram feitas críticas ao facto do turismo religioso não
estar "incluído entre os dez produtos seleccionados para

120
Chuva de pássaros mortos…

integrar o Plano Estratégico Nacional para o Turismo


(PENT). Deste modo quem fica de fora tem mais dificuldade
em se impor, e sem obter apoios financeiros aos
investimentos privado e público".

Não consigo compreender esta visão que até pode ser


importante do ponto de vista económico, contribuindo,
eventualmente, para a redução do défice.

Há qualquer coisa que não bate bem. Talvez seja


insuficiência minha, mas esta simbiose entre fé, economia e
turismo não será uma forma menos correcta de respeitar as
pessoas e suas motivações? Claro que tem que haver
condições, e até algum conforto para as pessoas, mas
construir basílicas faraónicas transmite uma ideia que eu não
consigo compreender. Repito, devo sofrer de alguma
insuficiência grave "facilmente explicada" pelos
responsáveis, como é óbvio!

Conheci e conheço várias pessoas que sempre tentaram


esconder as suas "fraquezas" dando-se ares de fortes e
superiores a matérias de fé, mas que deixavam escapar,
muitas vezes, de forma ingénua, e inconsciente, sinais de
profunda espiritualidade.

Não deixam de fazer as suas peregrinações, recolhendo-se


nas suas basílicas virtuais.

Na descrição da nova igreja feita pelo Reitor do Santuário de


Fátima, chamou-me a atenção, entre outros aspectos, o altar
121
Salvador Massano Cardoso

da nave principal. Além da pedra arrancada ao túmulo de


São Pedro, fazendo valer o simbolismo das pedras sagradas
que se perdem na noite dos tempos, o eclesiástico descreve
um crucifixo com 7,5 metros de altura, com uma imagem de
Cristo não sofredora, mas mais ligada à iconografia
bizantina. As críticas às imagens dolorosas de Cristo já tinha
sido denunciada por Miguel de Unamuno ao afirmar as
diferenças entre os povos português e espanhol. Do lado de
lá privilegiavam a dor, a tristeza e o sofrimento. Do lado
português, o povo preferia um Jesus menino, sorridente e
brincalhão. Não é que não haja registos de Cristos
sofredores entre nós. A este propósito, um dia, um colega
israelita, mais velho do que eu, quis vir a Portugal de férias
com a filha, viúva, e o seu neto. Recebi-os e mostrei o
melhor que havia na região e na Universidade, claro está.
Ficaram deslumbrados com o nosso património, do qual se
destaca a biblioteca joanina. Apesar de conhecer bem a
Universidade, desconhecia um pequeno museu de arte sacra
da Universidade, que aproveitei para visitar. Diabo, esqueci-
me que eram judeus! Mas como eram intelectualmente
superiores, fiquei descansado, porque fariam apenas uma
interpretação estética das imagens, mas tive que acelerar a
visita, quando a judia fez uma afirmação perturbadora. Como
é possível admirarem e adorarem imagens que transmitem
tanta dor e sofrimento?

Compreendi o seu sentido e tive vontade de lhe dizer que eu


tinha um crucifixo, comprado numas velharias, em que o

122
Chuva de pássaros mortos…

Cristo não apresentava aquele ar de sofrimento, bem


anafadinho, não obstante os braços presos e esticados, mas
mais parecia estar a espreguiçar-se do que a sofrer e que
não lhe provocaria aquela sensação de mal-estar, pelo
contrário. Chamo-lhe o " Cristo Rechonchudo". Mas não lhe
disse...

14 de Maio de 2007

“TRABALHADORES DE TALENTO”

Julie Roberts foi a protagonista do filme “Erin Brockovich -


Uma mulher de talento“ - que trata de uma das maiores
indemnizações (333 milhões de dólares em 1996) obtida
numa batalha judicial a propósito da contaminação da água
de bebida por crómio hexavalente ocorrida na cidade de
Hinkley na Califórnia.

O crómio hexavalente é tóxico e carcinogénico.

Erin Brockovich recolheu elementos sobre várias doenças,


cancros da mama e do útero, malformações congénitas,
abortos, doenças auto-imunes, e correlacionou-as com o
agente químico.

É certo que os seus achados foram contestados, e


continuam ainda hoje, ao ponto de ser posto em causa a
correlação, já que, por exemplo, o crómio hexavalente é
carcinogénico se for inalado, ao passo que por via oral é
duvidoso. De qualquer modo, e não obstante algumas
123
Salvador Massano Cardoso

dúvidas, as 600 vítimas da cidade de Hinkley acabaram por


ser indemnizadas, demonstrando, mais uma vez, a eterna
história de David contra Golias.

Os ex-trabalhadores das minas de urânio da Urgeiriça


renovam, de tempos a tempos, a exigência para que o
Governo realize exames médicos periódicos e que seja feita
a monitorização da contaminação radioactiva naquela região.

O relato de vários casos de cancro, que atingiram, e


continuam a atingir, muitos ex-trabalhadores, começou há
muitos anos. Não deixa de ser curioso o facto da população
demonstrar uma percepção do risco. Percepção essa que
tem sido comprovada pelos estudos efectuados pelos
técnicos.

Em 2001 a Assembleia da República aprovou um Projecto de


Resolução (nº34/2001) com o objectivo de estudar a situação
de saúde da comunidade em questão.

Os relatórios, entretanto já produzidos, apontam para a


existência de vários riscos acrescidos para as populações
locais, nomeadamente os trabalhadores do empreendimento
mineiro.

Como é possível arrastar este processo durante tanto


tempo? Será que o Governo ainda não tem evidências
científicas para responder aos anseios e aspirações desta
comunidade? Tão célere a fechar maternidades, tão eficiente
a fechar as “urgências nocturnas” de certos centros de
124
Chuva de pássaros mortos…

saúde, tão preocupado em “obrigar” à prescrição de certos


medicamentos a nível hospitalar, tão “racional” em controlar
os custos – tudo isto com base em relatórios técnicos - e tão
esquecido em solucionar, ou minimizar o sofrimento de uma
população! Como é possível a Direcção-geral de Saúde
afirmar que “está à espera da divulgação dos resultados
finais do projecto MiNurar para avançar com exames aos
antigos trabalhadores”? Mas é preciso um relatório final para
actuar?

Se não tivesse lido, não acreditava.

Os trabalhadores das minas da Urgeiriça são homens e


mulheres de “talento” e devem ser respeitados e
indemnizados adequadamente pelo crime ambiental a que
foram sujeitos.

Em Hinkley, Califórnia, por muito menos, a situação foi


resolvida e a reparação feita atempadamente.

19 de Maio de 2007

BULLYING POLÍTICO

Intimidar parece estar novamente na “moda”. O relato de


bullying, segundo o qual uma criança doente com cancro
está a ser vítima por parte dos seus colegas, e a inoperância
das autoridades escolares em resolver o assunto, assusta-
me. Assusta-me, porque esta forma de comportamento
começa a tomar foros de epidemia com consequências
125
Salvador Massano Cardoso

graves nas vítimas e também nos próprios autores que,


muito naturalmente, caso não sejam corrigidos, acabarão,
mais tarde, por ter atitudes que reflictam essas tendências
infantis ou juvenis. O problema não é só nosso, ocorre em
grande parte do mundo e na sua génese estão muitos
factores, tais como, perda da autoridade dos pais e dos
educadores, entre outros.

No meu tempo de criança também havia alguns comparsas


que manifestavam essas tendências, mas as coisas
solucionavam-se de várias maneiras, ou por uma natural
briga que, de um modo geral, não deixava grandes sequelas,
já que passado pouco tempo, às vezes no mesmo dia, ou no
dia seguinte, se retomava a amizade, ou, então, outras
vezes, os mais velhos envergonhavam os pequenos
“facínoras” relembrando-lhes que não era justo tratar assim
os indefesos. Em caso de não acatarem estes conselhos, era
certo e sabido que umas palmadas no cachaço eram mais do
que suficientes para arrefecer os seus entusiasmos
cobardes. Mas uma coisa era certa, tocar, ofender ou tratar
mal alguém doente ou com incapacidade era impensável.

Recordo-me do irmão mais novo de um colega da minha


turma que adoeceu gravemente com uma doença do sangue.
Na altura, foi-nos dito que ia morrer. Ficámos chocados e
muito tristes. Não havia noite em que não rezássemos por
ele. Regressou muito tempo depois à escola e rejubilámos.
Hoje, passados mais ou menos quarenta e cinco anos, está
vivo e bem de saúde, graças à medicina!
126
Chuva de pássaros mortos…

Outro aspecto relacionado com a intimidação tem a ver com


o dizer mal. Nessa mesma altura, recordo-me do meu pai,
meio esbaforido a tentar encontrar alguém que fosse à
estação de Treixedo, a última antes de Santa Comba, para
ver se conseguia avisar um colega ferroviário, proveniente de
Viseu, de que a policia estava à sua espera para o prender
na estação. Ouvi a conversa e pressenti angústia nos
demais. Atrevidote, perguntei-lhe por que é que o queriam
prender? O que é que ele tinha feito? Nervoso e para
despachar-me disse: - Porque anda a dizer mal do Salazar!
Mas está calado, ouviste?

Claro que fiquei calado, mas comecei a pensar porque é que


se prendiam pessoas por dizer mal. De facto, a partir de
então, comecei a ver que muitas criaturas, quando falavam
de certos assuntos, nomeadamente do presidente do
conselho, olhavam para os lados e baixavam a voz de tal
forma que era impossível ouvi-las.

Hoje, parece que também não se pode dizer mal do primeiro-


ministro, pelo menos no horário do expediente dos serviços
públicos. Puxa! Outra vez?

Voltando à história do ferroviário em perigo, um carregador


da CP agarrou a sua bicicleta e foi até à estação vizinha
tentar alertá-lo. Entretanto, a minha curiosidade infantil levou-
me a ver quem eram os tais policias e vi dois senhores de
chapéu à espera do “rápido” de Viseu que terminava a
marcha naquele ponto. Quando chegou, olharam para todos
127
Salvador Massano Cardoso

os que iam saindo do velho comboio fumarento, até que


ladearam uma pessoa que eu conhecia muito bem, já que
era frequentador da sua casa. Falaram durante breves
instantes. Em seguida, encaminharam-se para fora da
estação. Ao deslocarem-se, o meu amigo, com o ar mais
tranquilo do mundo, sorriu e acenou-me com uma das mãos.
Os outros, com ar esquisito, não disseram nada. Acenei-lhe e
pensei, mais uma vez: - Então, uma pessoa é presa por dizer
mal de outra! Mas nesta terra o desporto favorito das
pessoas é dizer mal uma das outras e não vão presas...

24 de Maio de 2007

TUBARÕES...

As declarações de alguns ministros começam a ser


perturbantes, caso de Mariano Gago e a defesa do “bom
exemplo” do PM para os jovens, o da Economia, Manuel
Pinho, com as suas “explicações”, o das Obras Públicas da
OTA com o seu discurso verdadeiramente desbragado, a da
Educação, que com o ar mais angelical do mundo, pede a
Deus e a todos os santos que o Charrua seja mesmo
culpado (será que a Senhora acredita mesmo?), o da
Presidência do Conselho de Ministros que considera as
frases de alguns colegas como meros episódios, o da Saúde,
que agora anda um pouco mais contido, mas não se sabe
até quando, enfim, os senhores ministros andam mesmo
stressados.

128
Chuva de pássaros mortos…

Sendo assim, têm que fazer algum tratamento para que


consigam aguentar até ao fim do mandato, se é que
mereçam lá chegar!

No entanto, poderiam ensaiar uma nova receita que foi


apresentada por uma empresa italiana para executivos:
ficarem face a face com um tubarão verdadeiro! Claro que
ficam protegidos dentro de uma gaiola apropriada de modo a
não serem alvo daquelas bocarras.

Parece que esta técnica ajuda os executivos a “aumentar as


suas possibilidades de desenvolvimento pessoal, com um
reforço da capacidade de liderança e da possibilidade de
ultrapassar limites”.

Para não terem de ir a Itália, podiam importar alguns


tubarões, colocá-los no Oceanário, enfiar no mesmo os
“escafrandistas” ministeriais e esperar...

Claro que há o risco dos tubarões entrarem em stress, mas


isso é outro problema. Porque para tubarão, tubarão e
meio...

26 de Maio de 2007

NOTÍCIAS OU PUBLICIDADE?

Gostaria que me explicassem como é que certas “notícias”


chegam à redacção dos telejornais. São tão despropositadas
a ponto de sentir arrepios. Quase que me obrigam a pensar

129
Salvador Massano Cardoso

na existência de algum negócio escondido. De facto, como é


possível dar tempo de antena, num telejornal das oito, a uma
firma de franceses que, por mero quatrocentos euros (!),
possibilita fazer perder 4 a 5 quilos em duas semanas,
utilizando técnicas de substituição da flora intestinal? Antes
era o sotaque espanhol, agora passamos a sotaque francês!
Sempre à volta da gordura. A reportagem publicitária vai
provocar, nas próximas semanas, uma afluência de milhares
de pessoas à clínica, para substituir a reles flora intestinal
lusa, obesógena, por outra mais preciosa, tipo parisiense,
mais fina, mais elegante!

Mas como uma notícia é pouco, que tal uma segunda logo a
seguir? De facto, parece que há uma romaria à Ucrânia para
tratar casos de cegueira. Verdadeiros milagres, a recordar os
milagres da medicina cubana. Agora viraram-se para o leste.
Famílias gastam dinheiro, fazem peditórios e aí vão eles à
procura da cura. Uma das pessoas fez tal apologia da
oftalmologia ucraniana ao ponto de afirmar que “até uma
pessoa com vista de vidro veio de lá a ver”!

Mas será que as redacções não têm consultores científicos


capazes de analisar estas notícias, evitando que muitos
crédulos possam cair no conto do vigário?

130
Chuva de pássaros mortos…

26 de Maio de 2007

“2015 - ODISSEIA EM PORTUGAL”...

António Câmara, vencedor do Prémio Pessoa 2006, afirmou


o seguinte: "Portugal, em 2015, é o local mais vibrante para
viver, estudar e trabalhar no Continente Europeu".

Fiquei de boca aberta, porque não me tinha passado pela


cabeça que seria possível, um dia, um “milagre” tão
grandioso.

Sempre imaginei qual seria a sensação de viver num período


áureo. Já os tivemos e como fomos educados nessa
grandeza histórica não deixamos de sentir uma ponta de
inveja.

Nascer e viver num país que, apesar do desenvolvimento


entretanto verificado, não consegue atingir os níveis dos
mais evoluídos, ir parar a uma cidade e a uma universidade
que já viveram períodos muito mais proeminentes, transmite-
nos a noção de passar pela vida num plano descendente.
Agora, a leitura desta frase fez-me renascer a esperança de
ainda ver e participar na tal sociedade de primeiríssima
ordem. Claro que é preciso muito esforço, determinação,
solidariedade e fé.

Diz o premiado que "para lá chegar, teremos de apostar em


cidades criativas e reformar as universidades". Concordo.
Mas não é suficiente, também é necessário que sejam

131
Salvador Massano Cardoso

afastados determinadas individualidades que têm minado e


corrompido a nossa sociedade, desde políticos, passando
por dirigentes desportivos, agentes económicos meio-
manhosos até aos cancerosos comissários de todas as cores
e facções.

É preciso, igualmente, premiar e estimular os melhores. Dar-


lhes atenção e, sobretudo, ensinar os nossos concidadãos a
respeitá-los, participando nas suas descobertas e vitórias
como se fossem nossas. E não deixam de ser, já que
contribuímos directa ou indirectamente para o seu sucesso.
Mas, tirando os casos desportivos, que de um modo geral até
são bem aceites, podemos constatar a tal pontinha de inveja
ou de maledicência sempre que alguém se destaca. Esta
última análise fez-me recordar Luís Stau Monteiro que, há
muitos anos, numa entrevista, disse mais ou menos o
seguinte: "Os portugueses são como os pardalitos. Sempre
que um levanta voo há alguém entretido a deitá-lo abaixo!"
Importa, pois, que seja dada a respectiva informação e
divulgação dos feitos técnicos, científicos, artísticos e
culturais de muitos jovens artistas e cientistas nacionais de
uma forma estruturada e contínua.

São tantos, mas tantos, os que manifestam criatividade e


originalidade que mereciam mais primeiras páginas, mais
tempo de antena, substituindo grande parte da inutilidade
bacoca que inunda os jornais e televisões. Os seus nomes
deveriam ser memorizados, as suas obras escrutinadas e
divulgadas o mais abundantemente possível, protegendo-os
132
Chuva de pássaros mortos…

e evitando que lhes aconteça o que já aconteceu com muitos


portugueses no passado, em que as suas descobertas e
conquistas foram apropriadas por outros, acabando por
enriquecer cientificamente os seus países. Veja-se o que
aconteceu com Cid dos Santos, por exemplo, cuja
descoberta foi objecto de “usurpação” por um cirurgião norte-
americano, e hoje as pessoas poderão passar a conhecê-lo
pelo facto do Eusébio ter beneficiado da sua pioneira técnica
cirúrgica!

É preciso que sintamos orgulho e nos identifiquemos com os


melhores. Eles estão entre nós. As suas descobertas
também são nossas. Conhecê-los, respeitá-los, incentivá-los
e dar-lhes o protagonismo que merecem é um passo de
gigante que pode motivar muitos outros, relegando para
planos secundários muita da pobreza que nos invade através
das diferentes formas de comunicação social.

Mas tem que ser feito o mais rapidamente possível, porque


2015 está à porta...

29 de Maio de 2007

PROBLEMA DE “CONSCIÊNCIA”?!

Foi noticiado que alguns estabelecimentos de saúde não


“aceitaram” jovens para efeitos de planeamento familiar,
apesar da lei assim o exigir. As razões foram variadas,
destacando-se a recusa por não pertencerem à área da

133
Salvador Massano Cardoso

residência, o que é um absurdo, porque ao procurarem


confidencialidade é justo que recorram a outros locais.

Alguns centros foram mesmo reprovados, porque se


esqueceram de falar sobre o preservativo e as doenças
sexualmente transmissíveis. Uma perfeita necedade!

Em 14 visitas não foram oferecidos contraceptivos, porque


não os tinham! Efeitos da poupança governamental? Não é
preciso ir tão longe!

Como não acredito que o governo português dê prioridade ao


uso de preservativos – atendendo aos vários problemas que
o aflige de momento – compete às autoridades de saúde
locais ou regionais entrar em contacto com o presidente Lula,
perguntando-lhe se a medida que quer concretizar no seu
país, não poderia ser alargada a Portugal. Como somos
povos irmãos, até poderíamos beneficiar da sua iniciativa
que consta na oferta de preservativos e pílulas com 90% de
desconto. Vão ser distribuídos 50 milhões de preservativos
ao preço unitário de 0,4 real (qualquer coisa como 15
cêntimos).

O problema da gravidez na adolescência e das doenças


sexualmente transmissíveis preocupa o presidente brasileiro
que pretende estimular e fomentar o planeamento familiar.

A atitude de Lula foi considerada como um desafio à


Conferência Episcopal Brasileira que o criticou pelo facto de
preocupar-se mais com os assuntos sexuais e menos com as
134
Chuva de pássaros mortos…

dificuldades dos mais pobres em serem atendidos nos


hospitais públicos.

De qualquer modo é preciso respeitar a lei e permitir que os


jovens tenham acesso aos diferentes estabelecimentos de
saúde para receberem informação, formação e material
contraceptivo. O facto de algumas unidades não o terem feito
é preocupante e nem mesmo a afirmação de uma
responsável da Direcção-Geral de Saúde, segundo a qual
“as administrações regionais a as sub-regiões de saúde
podem chamar a atenção, mas acredito que os próprios
centros de saúde vão ter consciência de que não estão a
cumprir a lei”, é suficiente para tranquilizar os cidadãos. Não
se trata de um problema de consciência, mas do não
cumprimento de boas práticas superiormente
regulamentadas.

31 de Maio de 2007

“PRESERVATIVOS E AQUECIMENTO GLOBAL”...

O aquecimento global é uma preocupação que dificilmente


encontra opositores, a não ser alguns cépticos.

As causas são variadas, muitas de origem antropogénica


que, por sua vez, podem despertar fontes naturais,
verdadeiros reservatórios de gases com efeito estufa.

A notícia, segundo a qual a forma mais económica para


combater este fenómeno é a redução de nascimentos
135
Salvador Massano Cardoso

merece algumas observações.

A Optimum Population Trust afirma que “o crescimento


populacional é amplamente reconhecido como uma das
principais causas da mudança climática, mas ainda assim os
políticos e os ambientalistas raramente discutem isso com
medo de provocar polémica”. De acordo com esta ONG, a
eventual redução de 60% de CO2 até 2050 será anulado pelo
crescimento populacional. O acréscimo de 2,5 mil milhões de
pessoas corresponderá à emissão de 11 mil milhões de
toneladas a mais por ano!

Baseando-se neste princípio uma redução da natalidade


seria benéfico.

Como um britânico “emite” o equivalente a 750 toneladas de


CO2 durante a sua vida, o que equivale a cerca de 600 voos
de ida e volta entre Londres e Nova Iorque!, os responsáveis
por esta ONG fizeram contas, concluindo que as mesmas
equivaleriam a qualquer coisa como 45.000 euros em termos
de emissão do gás. Sabendo que o preço de um preservativo
pode ficar aquém de um euro, os entendidos acabam por
concluir que o potencial de retorno pelo seu uso é
perfeitamente espectacular, da ordem dos 9.000.000%!

Quem diria que alguém acabasse por concluir pelo carácter


ecológico dos preservativos!

Preservativos “verdes” para combater o aquecimento global?!


Parece que sim, desde que não estejam furados...
136
Chuva de pássaros mortos…

ÍNDICE

UMA FORMA MUITO ORIGINAL DE DESEJAR UM FELIZ ANO! 1


“ÓPERA ROCK” 2
CRIANÇAS “ETERNAMENTE” CRIANÇAS… 4
"NÃO DIGAM MAL DA BARRIGUINHA"! 6
"SAÚDE E LAMPREIAS"... 8
"VÃO E REGRESSAM"... 10
“PIO LATROCÍNIO” 13
GALINHAS DE "ESQUERDA " E DE "DIREITA"! 15
“CINCO MINUTOS PARA A MEIA-NOITE E MEIA-NOITE E CINCO”… 18
UM VERDADEIRO TOQUE DA HUMANIDADE 20
“LINHAGENS”… 22
A PROPÓSITO DOS “CASOS” DE ODEMIRA 24
“DEUS E O SENTIDO DE HUMOR…” 25
- “VOVÔ! É PARA BRINCAR? – NÃO! É MESMO A SÉRIO…” 27
“A VIOLÊNCIA DA PERGUNTA…” 28
O MUNDO É DOS "BRUTOS"... 31
“QUE BRUTOS!” 32
“AFFLUENZA” 35
“SANGRAR O ÁLCOOL DAS VEIAS NACIONAIS”... 37
“PUBLICIDADE DOS ALIMENTOS” 40
“MEDICAMENTO REAL” 42
“AUTOMÓVEIS, POLUIÇÃO E ENFARTE DO MIOCÁRDIO”... 44
"CUIDADO! ELES NÃO BRINCAM..." 46
“AS MENINAS DO PAPÁ”... 50
“ESCOLHAM AS ROLIÇAS!” 52
ÍNDIA! 55
“IN VINO VERITAS” 56
A SAÚDE PÚBLICA PREJUDICA OS POLÍTICOS?” 58
“A VIDA SEXUAL” 59
“AI QUE EU VOU MORRER!” 62
“CÓDIGOS DE ÉTICA”! 65
SONO E “JULGAMENTO MORAL”... 67
“TURBO-PADRES”... 69
CONTAGIUM ANIMATUM 71
LOMBRIGAS, PIPERAZINA E DROGAS “RECREATIVAS“... 74
“ BUÇO, DESEJO SEXUAL E SORRISOS”... 76
“CHUVA DE PÁSSAROS MORTOS”.... 78
QUE CHATICE! 80
GRAVATAS 83
“SONHOS” 86

137
Salvador Massano Cardoso

CANCRO DA MAMA 89
A MULHER DO CHAPÉU-DE-CHUVA 91
“SENHOR DOUTOR! SENHOR DOUTOR!” 95
OVO OU GALINHA! 96
“PINTARROXOS”! 98
- OBESO? - FAÇA DIETA! DEPOIS, LOGO SE VÊ.... 101
“NÃO AOS SACOS DE PLÁSTICO” 104
A BRUXA DE T... 107
“ATENTADOS CONTRA A LIBERDADE! 110
AFONSO “CAPORRO” 112
REGISTO DOS ERROS MÉDICOS 115
“PÍLULAS FREI GALVÃO”! 117
TURISMO RELIGIOSO 120
“TRABALHADORES DE TALENTO” 123
BULLYING POLÍTICO 125
TUBARÕES... 128
NOTÍCIAS OU PUBLICIDADE? 129
“2015 - ODISSEIA EM PORTUGAL”... 131
PROBLEMA DE “CONSCIÊNCIA”?! 133
“PRESERVATIVOS E AQUECIMENTO GLOBAL”... 135
ÍNDICE 137

138

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