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Carlos R Ruiz-Miranda
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RESUMO: Este artigo abordou a caça ilegal de animais silvestres praticada em floresta
de Mata Atlântica da baixada litorânea do Rio de Janeiro. O objetivo foi analisar o
comportamento do caçador de animais silvestres, sua localização geográfica em relação
à proximidade das florestas onde atuam e as motivações que o estimulam a caçar. Estas
são questões fundamentais que auxiliam instituições de fiscalização ambiental e de
serviços de inteligência a planejarem ações de combate à caça. Entretanto, em pesquisas
científicas, quando o fenômeno investigado é de cunho ilegal, a utilização de apenas um
único método, como a entrevista, por exemplo, pode gerar incertezas quanto à validade
dos resultados. Este artigo sugere que é possível evitar este viés e como proposta para
garantir a confiabilidade dos resultados indica o método da Triangulação em pesquisa,
sendo possível, corroborar resultados obtidos a partir de métodos diferentes, e obter
uma visão mais ampla do fenômeno estudado, fortalecendo assim pesquisas de caráter
interdisciplinar.
1. Introdução
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2. Material e Métodos
Área de estudo
Figura 1. Mapa da Bacia do Rio São João, indicando a localização das Reservas Biológicas Poço das
Antas e União e Fazenda Rio Vermelho, bem como os municípios de influência (Fonte: Associação
Mico-Leão-Dourado apud Rambaldi, 2007).
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Tabela 1. Tipos de triangulação, métodos e análises utilizadas para compreensão da caça praticada na
região da baixada litorânea do estado do Rio de Janeiro, entre Fevereiro de 2008 a Novembro de 2009.
Tipo de Informações sobre
Dimensões Métodos Análises
Triangulação o método
1) Entrevistas de Cidade de Análise
profundidade residência do quantitativa.
com caçadores. caçador.
2) Evidências de Sacolas plásticas Análise
caça. de supermercados qualitativa
Cidades de descritiva
Triangulação (Pereira,
residência do
metodológica 1999).
caçador
3) Autos de
Endereço; Análise
infração do
naturalidade quantitativa.
ICMBio.(cidade e estado);
local de residência
do caçador
autuado.
1) Entrevistas de Número de Análise
profundidade caçadores qualitativa
com caçadores e envolvidos; (Gaskell,
com agentes do período sazonal 2007).
ICMBio. preferido para caça
e dias da semana.
Triangulação 2) Fotografias Número de Análise
metodológica das evidências caçadores quantitativa
Comportamento
e de caça e das fotografados nas de conteúdo
do caçador
Triangulação operações de autuações do de imagens
de dados fiscalização do ICMBio. (Bauer,
ICMBIO. 2007).
3) Autos de Dias e meses dos Análise
infração do anos registrados quantitativa.
ICMBio. nos autos; hora da
apreensão
registrada.
Triangulação 1) Entrevistas de Motivação para a Análise
metodológica profundidade caça. qualitativa
Perfil da caça e com caçadores e da (Gaskell,
Triangulação com agentes do 2007).
de dados ICMBio.
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3. Resultados e Discussão
1 1
7
Araruama
Cachoeiras de Macacu
5
Casimiro de Abreu
Macaé
21
3 Rio das Ostras
São Gonçalo
São Pedro D'Aldeia
Silva Jardim
11
2
Figura 2. Cidades fluminenses de residência de caçadores entrevistados (n=12) entre maio a novembro
de 2009 e autuados pelo ICMBio da Reserva Biológica Poço das Antas, entre 2003 a 2010 (n=39).
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Comportamento do caçador
Um dos aspectos importantes para o planejamento de operações de fiscalização é
conhecer quais são o período do ano e dias da semana preferidos por caçadores. Os
resultados obtidos apontam que a caça ocorreu com mais frequência no período de
inverno porque, de acordo com os relatos dos caçadores, esta é uma época em que não
existem muitos mosquitos na mata, e porque os animais estão com maior massa
corporal: “Maio, junho e julho é época de caça porque é a época que os bichos tão
gordos. Agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro os bichos tão magros, dando
de mamá. O único bicho que caça no verão é lagarto, porque ele tá gordo (janeiro,
fevereiro, março e abril)”, informou um caçador.
Para funcionários do ICMBio, apesar de concordarem com os caçadores que a
maior intensidade de caça ocorra no inverno, a razão é devida à baixa oferta de recursos
alimentares na mata, o que intensifica o forrageamento e deslocamento dos animais e
consequentemente, os predispõe ao encontro com caçadores: “A época mais propícia de
caça é a época que tem menos alimento na mata, maio, junho, julho, agosto, época fria
né, que eles mais caçam. Tem época que caçam menos, início de ano, janeiro, fevereiro.
A gente sabe pelos vestígios que eles [caçadores] deixam. Fora dessa época, você vê uns
gatos pingados andando, mas é menos”.
O uso da Triangulação Metodológica confirmou as informações fornecidas pelos
dois grupos de entrevistados, já que os autos de infração indicaram que os meses onde
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Figura 3. Número de autuações do ICMBio da Reserva Biológica Poço das Antas (n=39), de acordo com
os meses do ano, no período de 2003 a 2010.
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Figura 4. Número de autuações do ICMBio da Reserva Biológica Poço das Antas (n=39), de acordo com
os dias da semana, no período de 2003 a 2010.
Com relação aos dias de semana onde ocorreu a maior frequência de caça, o
estudo de Fuccio et al. (2003) relata que caçadores do estado do Acre também têm
preferência para os finais de semana e feriados, tal como no presente estudo.
A Triangulação de dados revelou que a maioria dos caçadores entrevistados
afirmou caçar com mais um companheiro ou no máximo com dois e a razão, em todos
os depoimentos foi o medo de estar só na mata. Os relatos dos funcionários do ICMBio
também indicaram que a maioria dos caçadores caçou em dupla ou em trio, e que
poucos caçadores flagrados por eles foram encontrados sozinhos. Entretanto, quatro
funcionários informaram que já autuaram caçadores em grupos formados por mais de
quatro indivíduos, o que configura crime de formação de quadrilha.
A análise das fotografias de fiscalização do ICMBio da Reserva Biológica Poço
das Antas mostra que 12 operações de fiscalização em que caçadores foram registrados
e o número de caçadores atuando juntos variou de um a 10 indivíduos (Tabela II).
Tabela II. Número de caçadores caçando juntos, flagrados em operações de fiscalização do ICMBio da
Reserva Biológica Poço das Antas, no período de 2004 a 2007 e no ano de 2009.
Número de
Operação de
Ano caçadores
fiscalização
registrados
2004 Operação 1 5
Operação 1 3
Operação 2 10
2005
Operação 3 1
Operação 4 3
2006 Operação 1 1
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Operação 2 9
Operação 3 2
2007 Operação 1 3
Operação 1 2
2009 Operação 2 3
Operação 3 2
Perfil da caça
O estudo das motivações da caça na região não permitiu que se traçasse um
único perfil da caça. O que foi possível determinar é que, por unanimidade, os relatos
dos entrevistados indicaram que na região não existe caça de subsistência: “A pessoa
fica viciada na caça, fica viciada no prazer de acertar o tiro, prazer de matar. Hoje em
dia se caça por perversidade porque não tem essa precisão de caçar, porque hoje não é
por fome, se torna um vício. Todos os caçadores sabem que é proibido caçar e aqui não
tem gente que precisa caçar pra comer”, revelou um caçador.
Dois funcionários do ICMBio forneceram mais explicações sobre a percepção de
que não existe caça de subsistência na região: “Esse negócio de caça de subsistência,
isso não existe aqui, muitos caçam pra comércio, pra fazer churrasquinho no fim de
semana, pra dar de presente porque muita gente gosta, pra fazer média com político”.
“A caça na nossa região mudou muito, se bem que acho que nunca houve caça de
subsistência aqui. Tem umas prisões que fizemos aqui dentro [de caçadores acampados]
que tinha tanta compra que parecia compra de mês. Como o cara alega que é caça de
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subsistência? Tinha muita compra, tinha arroz, feijão e coisa boa, o que me chamou a
atenção, tinha arroz Tio João que é o mais caro que tem no mercado. Quer dizer, são
pessoas que têm condição de comprar”.
Por unanimidade, todos os entrevistados relataram não haver caça de subsistência
na região. A caça de subsistência é restrita a situações de necessidade, em que pessoas
caçam animais silvestres para seu próprio consumo, para complementação nutricional e
geralmente, residem em locais isolados, distantes de centros urbanos e de difícil acesso
a outros itens proteicos (Robinson e Redford, 1991). Portanto, toda a atividade de caça
registrada no presente estudo foi ilegal, de acordo com a legislação vigente.
Os relatos de caçadores e funcionários do ICMBio permitiram estabelecer a
percepção que os entrevistados têm sobre os perfis de caça praticada na região e quais
são suas motivações. A maioria dos entrevistados citou mais de uma motivação e a
soma das motivações citadas por caçadores e funcionários do ICMBio permitiram que
fossem traçados diferentes motivações para a caça na região. A Tabela III apresenta o
número de citações para cada motivação.
Tabela III. Número de vezes em que cada motivação para a caça foi citada por caçadores e funcionários
do ICMBIO entrevitados (n=24), entre maio a novembro de 2009.
Entrevistados
Motivações para a
Caçadores Funcionários do ICMBIO Total
caça
(número de citações) (número de citações)
Comércio 5 9 14
Esporte 6 3 9
Vício 6 1 7
Coesão entre amigos 3 3 6
Cultura 3 3 6
Lazer 4 1 5
Troca de favores 1 2 3
Provar uma iguaria 2 1 3
Falta de emprego 1 1 2
Superioridade Humana 0 1 1
4. Considerações finais
Um primeiro elemento a ser destacado é que os resultados deste trabalho
demonstram que o emprego de técnicas de Triangulação deve ser estimulado em
pesquisas de Ecologia Humana, especialmente àquelas que pretendam utilizar
entrevistas como principal recurso para aquisição de dados. Desta forma, é possível
corroborar resultados obtidos a partir de métodos diferentes, e obter uma visão mais
ampla do fenômeno estudado, fortalecendo assim pesquisas de caráter interdisciplinar.
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Intermunicipal para Gestão das Bacias Hidrográficas da Região dos Lagos, Rio São
João e Zona Costeira – CILSJ, 2003.
Agradecimentos
Ao programa de Pós-Graduação em Ecologia e Recursos Naturais da Universidade
Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF), aos financiadores de pesquisa
FAPERJ E-26/150.436/2007; FAPERJ/Pensa Rio intitulado ”O mico leão dourado
como instrumento para conservação, o desenvolvimento sustentável na bacia
hidrográfica do rio São João, RJ” APQ1 E-26/110.303/2007; Lion Tamarins of Brazil
Fund (LTBF). À Associação Mico-Leão-Dourado, ICMBio das Reservas Biológicas
União e Poço das Antas.
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