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Revista do Instituto Humanitas Unisinos
Nº 389 - Ano XII - 23/04/2012 - ISSN 1981-8769

Caatinga:
um bioma
exclusivamente
brasileiro... e o
mais frágil

Marcos Haroldo João Arthur


Antonio Schistek: Seiffarth:
Caatinga, um bioma Semiárido, o bioma
Drumond: desconhecido e a
Bioma rico em mais diverso do
“Convivência com o mundo
diversidades Semi Árido”
E MAIS

Castor Bartolomé Ricardo Abramovay: Gerhard Overbeck:


Ruiz: Repensar a economia. O
Objetivação e governo Campos sulinos: os
desafio do século XXI desafios da conservação
da vida humana
da biodiversidade
Caatinga: um bioma exclusiva-
Editorial

mente brasileiro... e o mais frágil

O
único bioma exclusivamen- nambuco, frisa que muitas são as es- mia tendo em vista a crise ambiental
te brasileiro, segundo os pécies vegetais da Caatinga utilizadas com que nos defrontamos.
pesquisadores, a Caatinga, como medicamentos fitoterápicos. Gerhard Overbeck, engenheiro
é também o mais frágil. Já o biólogo Rodrigo Castro, co- ambiental, professor do Departamen-
Este bioma é analisado e debati- ordenador da Aliança da Caatinga e a to de Botânica da Universidade Fe-
do na edição desta semana da revista Associação Caatinga, avalia que o bio- deral do Rio Grande do Sul – UFRGS,
IHU On-Line. ma só será valorizado se sua biodiver- analisa a questão dos Campos suli-
Ao analisar a biodiversidade, sidade for mais conhecida. nos e os desafios da conservação da
pouco conhecida e explorada do bio- Maria Tereza Bezerra Farias Sa- biodiversidade.
ma, diversos pesquisadores contri- les, geóloga, coordenadora do Projeto José Luiz Bica de Melo, sociólo-
buem com suas pesquisas e militância Mata Branca, no Ceará, relata que a go, professor da Unisinos, comenta
nesta edição. produção com fibras de palhas, ce- alguns aspectos do filme 5x Favela –
Haroldo Schistek, agrônomo, râmicas, bordados com registros de agora por nós mesmos.
idealizador do Instituto Regional da espécies da fauna e flora e artefatos Pedro Tonon Zuanazzi, estatísti-
Pequena Agropecuária Apropria- oriundos de material reciclável tam- co da Fundação de Economia e Esta-
da – IRPAA, com sede em Juazeiro, bém são destaques do bioma. tística – FEE e mestrando na Universi-
afirma que a situação da Caatinga é Ulysses Paulino de Albuquer- dade do Rio Grande do Sul – UFRGS,
catastrófica. que, biólogo, professor da Universi- reflete sobre a contribuição oferecida
João Arthur Seyffarth, coordena- dade Federal Rural de Pernambuco pela demografia ao desenvolvimento
dor do Núcleo do Bioma Caatinga da – UFRPE, analisa a diversidade de econômico do Rio Grande do Sul.
Secretaria de Biodiversidade e Flores- plantas medicinais existentes no lugar. “Por dispositivos legais sobre a
tas do Ministério do Meio Ambiente Por fim, Lúcia Helena Piedade transmissão de eventos esportivos” é
– MMA, diz que a Caatinga é o bioma Kiill, bióloga, explica que a Caatinga o tema do artigo de Anderson David
semiárido mais biodiverso do mundo. não é um ecossistema homogêneo, G. dos Santos, mestrando no Progra-
Por sua vez, Marcos Antonio pelo contrário, trata-se de Caatingas. ma de Pós-Graduação em Ciências da
Drumond, pesquisador da Empresa Contribui com esta edição, ainda, Comunicação da Universidade do Vale
Brasileira de Pesquisa Agropecuária Castor Bartolomé Ruiz, com o artigo do Rio dos Sinos – Unisinos e Regina
– Embrapa, constata que o bioma é “Objetivação e governo da vida huma- Catarina de Alcântara, coordenadora
como uma verdadeira farmácia viva na. Rupturas arqueo-genealógicas e do curso e Nutrição da Unisinos, narra
na qual a maioria das espécies é des- filosofia crítica”. alguns aspectos da sua vida familiar e
tacada por inúmeras utilizações na Ricardo Abramovay, professor acadêmica.
medicina caseira e outras. titular do curso de Economia da Uni-
Rejane Magalhães de Mendon- versidade de São Paulo – USP, discute A todas e todos uma ótima sema-
ça Pimentel, botânica, professora da as possibilidades de uma outra econo- na e uma excelente leitura!
Universidade Federal Rural de Per-
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Instituto Humanitas
REDAÇÃO Colaboração: César Sanson,
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André Langer e Darli Sampaio,
Diretor de redação: Inácio
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Schneider (jacintos@unisinos.br).

2
Tema de Capa
Índice
LEIA NESTA EDIÇÃO
TEMA DE CAPA | Entrevistas
05 Conheça a Caatinga
06 Haroldo Schistek: Caatinga, um bioma desconhecido e a “Convivência com o Semi
Árido”
09 João Arthur Seyffarth: Semiárido, o bioma mais diverso do mundo
11 Lúcia Helena Piedade Kiill: Caatinga, ecossistema heterogêneo
13 Marcos Antonio Drumond: Bioma rico em diversidades
18 Rejane Magalhães de Mendonça Pimentel: Plantas medicinais, riquezas do bioma
20 Rodrigo Castro: Educação ambiental, valorização de diversidades
24 Maria Tereza Bezerra Farias Sales: Produtos artesanais compõem o cenário de
biodiversidade da Caatinga
25 Ulysses Paulino de Albuquerque: Plantas com potencial alimentício em evidência

DESTAQUES DA SEMANA
28 ENTREVISTA DA SEMANA: Ricardo Abramovay: Repensar a economia.
O desafio do século XXI
35 Memória: Gilberto Velho (1945-2012): Um adeus ao pai da “antropologia
da cidade na cidade”
37 COLUNA DO CEPOS: Luciano Gallas: governos, políticas públicas e comunicação
39 DESTAQUES ON-LINE

IHU EM REVISTA
40 Agenda da semana
42 Castor Bartolomé Ruiz – Objetivação e governo da vida humana. Rupturas arqueo-
genealógicas e filosofia crítica –
49 Entrevistas de Eventos: Gerhard Overbeck – Campos sulinos: os desafios da
conservação da biodiversidade
53 Entrevistas de Eventos: José Luiz Bica de Melo – Retratos coloridos e em preto e
branco. Os muitos mundos da favela
55 Entrevistas de Eventos: Pedro Tonon Zuanazzi – Retratos coloridos e em preto e
www.ihu.unisinos.br
branco. Os muitos mundos da favela
58 IHU REPÓRTER: Regina Catarina de Alcântara

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3
Tema
de
Capa

Destaques
da Semana
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IHU em
Revista
4 SÃO LEOPOLDO, 00 DE XXX DE 0000 | EDIÇÃO 000
Tema de Capa
Conheça a Caatinga

Caatinga (do tupi: caa (mata) e secos. A Caatinga ocupa uma biomas brasileiros. O uso insus-

+ tinga (branca) = mata branca) área de cerca de 850.000  km², tentável de seus solos e recursos

é o único bioma exclusivamen- cerca de 10% do território nacio- naturais ao longo de centenas

te brasileiro, o que significa que nal, englobando de forma contí- de anos de ocupação, associado

grande parte do seu patrimônio nua parte dos estados do Mara- à imagem de local pobre e seco,

biológico não pode ser encon- nhão, Piauí, Ceará, Rio Grande fazem com que a Caatinga esteja www.ihu.unisinos.br
trado em nenhum outro lugar do do Norte, Paraíba, Pernambuco, bastante degradada. Entretanto,

planeta. Este nome decorre da Alagoas, Sergipe, Bahia (região pesquisas recentes vêm revelan-

paisagem esbranquiçada apre- Nordeste do Brasil) e parte do do a riqueza particular do bioma

sentada pela vegetação durante norte de Minas Gerais (região em termos de biodiversidade e

o período seco: a maioria das Sudeste do Brasil). fenômenos característicos.

plantas perde as folhas e os tron- Ocupando cerca de 850 mil

cos tornam-se esbranquiçados Km2, é o mais fragilizado dos

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Tema de Capa
Caatinga, um bioma
desconhecido e a “Convivência
com o Semi Árido”
“A Caatinga ocupa 11% do território nacional e mereceria, sem dúvida, um enfoque
apropriado para a área que engloba. Esta área corresponde às superfícies da
Alemanha e França juntas”, constata o idealizador do Instituto Regional da Pequena
Agropecuária Apropriada – IRPAA, com sede em Juazeiro, BA Por Graziela Wolfart

Por Thamiris Magalhães

“A
Caatinga é o bioma mais frágil que contribuído muito para espalhar uma imagem
temos no Brasil. A ciência, identifi- de inviabilidade econômica, feiura e morte”,
cando sua fauna e flora, nos mostra diz.
que não existe uma Caatinga só, mas muitas Haroldo Schistek����������������
é teólogo pela ���������
Universi-
formas, criadas pela interação de seus seres dade de Salzburgo, Áustria, agrônomo pela
vivos com o conjunto edafoclimático local. O Universidade de Agricultura em Viena e tem
clima é Semi Árido, com uma estação chuvosa Faculdade de Agronomia do Médio São Fran-
curta e longos meses sem chuva, onde a eva- cisco em Juazeiro, na Bahia. É idealizador do
poração potencial supera a precipitação prati- Instituto Regional da Pequena Agropecuária
camente em todos os meses do ano”, constata, Apropriada – IRPAA, com sede em Juazeiro,
em entrevista concedida por e-mail à IHU On- fundado em 1990. Trabalha com assessoria re-
-Line, Haroldo Schistek. Segundo ele, defen- lacionada a recursos hídricos, desenvolvimento
sor do paradigma “Convivência com o Semi- rural, beneficiamento de frutas nativas, ques-
-Árido”, a “Caatinga ocupa 11% do território tões agrárias, entre outras áreas. É elabora-
nacional e mereceria, sem dúvida, um enfoque dor de apostilas, livros, relatórios. Além disso,
apropriado e políticas públicas feitas exclusiva- acompanha e coordena programas junto de
mente para a área que engloba”. agricultores, dentro do conceito da Convivên-
Schistek avalia ainda que não se pode cia com o Semi Árido. Atualmente integra a
pensar o Semi Árido Brasileiro com seu bioma Coordenação Coletiva do IRPAA como coorde-
Caatinga de forma isolada, com propostas se- nador administrativo.
toriais. “A educação escolar tradicional tem Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como podemos nesta proposta se resume no paradig- Haroldo Schistek – Infelizmente,
definir a atual situação da Caatinga? ma da “Convivência com o Semi Ári- preciso insistir num fato que todos
Quais os avanços e dilemas que ainda do”. A Caatinga ocupa 11% do territó- preferem não mencionar, por ser in-
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preocupam as populações que vivem rio nacional e mereceria, sem dúvida, cômodo, por tocar em privilégios de
no local e os pesquisadores que estu- um enfoque apropriado e políticas uma minoria e de ser perigoso e, em
dam o bioma? públicas feitas exclusivamente para a muitos casos, até mortal. Trata-se da
Haroldo Schistek – A situação da área que engloba. Esta área corres- questão da terra, ou melhor, do ta-
Caatinga é catastrófica. Esse bioma ponde às superfícies da Alemanha e manho dela. A Embrapa Semi Árido
continua sendo o mais desconhecido França juntas! – imagine quantas po- afirma que na grande região da De-
do Brasil – embora seja caraterístico líticas localizadas regionalmente po- pressão Sertaneja1 uma propriedade
nosso, só existe no nosso país. Cien- demos encontrar nesses dois países
tificamente tem-se avançado, mas os e aqui não temos, até o momento, 1 A Depressão Sertaneja - São Francisco
políticos que tomam a decisão não nenhuma política consistente para a é uma unidade geoambiental localizada
querem reconhecer sua fragilidade e área toda. no Nordeste brasileiro e centro-oeste de
Minas Gerais. Ocorre em grande parte
realizar as propostas da sociedade ci- do estado do Ceará, e grandes áreas do
vil que, de um lado, poderiam garantir IHU On-Line – De que maneira Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas,
a sua preservação e, de outro lado, podemos pensar formas de preserva- Sergipe, Bahia e centro-oeste de Minas
Gerais. Na Bahia, ocupa toda a calha do
poderiam garantir uma renda estável ção da Caatinga? rio São Francisco até a região de Pirapora.
para a população humana. A essência (Nota da IHU On-Line)

6 SÃO LEOPOLDO, 23 DE ABRIL DE 2012 | EDIÇÃO 389


Tema de Capa
necessita de até 300 hectares de terra Caatinga pensada de forma
para ser sustentável, sendo a atividade micro IHU On-Line – No que consiste
principal a criação de caprinos e ovi- O que se precisa é uma mudan- e qual a importância da produção
nos. Assim, a principal forma de pre- ça de percepção em relação à Caa- adaptada e das formas de captação
servar a Caatinga é dotar as famílias tinga: devemos deixar de pensar esta e armazenamento de água para o
de um tamanho de terra adequado às região em termos macro – Brasil. Em bioma?
condições de semiaridez. Quanto mais vez disso, pensá-la em termos micro. Haroldo Schistek – Devemos ab-
seca a região, mais terra se precisa. E Tendo em vista unicamente a Caatinga dicar da ideia que o fornecimento de
qual é a realidade? Propriedades de e sua população humana, encontran- água para as famílias e suas criações
dois, três, dez hectares, enquanto no do soluções sustentáveis, estaremos possa trazer algum benefício à Caa-
outro lado da cerca uma única pes- beneficiando o bioma, os homens e tinga. À primeira vista, a água parece
soa possui dois ou três mil hectares. mulheres e, em última consequência, o fator limitante quando, na verdade,
E não falo de reforma agrária, mas de o Brasil – macro. é a capacidade de produzir forragens
“adequação fundiária”, pois as famílias para os animais e alimento para os hu-
possuem terra, são da terra, mas só IHU On-Line – Quais as principais manos. Ela continua mantendo popu-
precisam dela em tamanho suficiente características da Caatinga? lações humanas e rebanhos em áreas
para ter uma produção estável, poder Haroldo Schistek – A Caatinga é reduzidas. Mas, fornecendo água, há
acumular reservas e assim suportar as o bioma mais frágil que temos no Bra- somente uma maior pressão sobre o
instabilidades climáticas. Se for assim, sil. A ciência, identificando sua fauna e bioma já fragilizado.
poderemos esquecer para sempre os flora, nos mostra que não existe uma Em relação à produção adaptada,
programas famigerados como Bolsa Fa- Caatinga só, mas muitas formas, cria- defendemos a manutenção ou reesta-
mília, carros-pipa e cestas de alimentos. das pela interação de seus seres vivos belecimento da vegetação nativa, pois
com o conjunto edafoclimático local. a “Caatinga em pé vale mais do que
IHU On-Line – Existe a possibili- O clima é Semi Árido, com uma esta- a Caatinga derrubada”. Somente em
dade de recuperação de áreas do bio- ção chuvosa curta e longos meses sem pequenas áreas, especialmente para
ma em alguns casos? O que falta para chuva, onde a evaporação potencial o consumo local e utilizando todos
que isso aconteça? supera a precipitação praticamente os preceitos agronômicos de preser-
Haroldo Schistek – O grande mal em todos os meses do ano. Em Jua- vação da umidade e da estrutura do
que se fez à Caatinga não vem de ago- zeiro da Bahia, temos, por exemplo, solo, pode-se pensar em plantios de
ra, deste ou do século passado. Vem cerca de 550 mm de chuva, mas a roças, utilizando plantas adaptadas às
desde a primeira ocupação pelos por- evaporação potencial atinge até 3.000 irregularidades climáticas.
tugueses e tem alguma coisa a ver mm por ano. Os solos são, em sua
com a monocultura de cana de açúcar maioria, rasos e de baixa fertilidade. IHU On-Line – No que consiste o
no litoral nordestino. O gado, indis- Então, pode-se perguntar: o que fazer recaatingamento e de que forma ele
pensável para o manejo da cana de com um pedaço do Brasil desse jeito, pode ser uma solução para os proble-
açúcar e para a alimentação da popu- uma vez que quase não chove, e, mui- mas enfrentados no bioma?
lação humana, num certo momento, tas vezes, os solos são inapropriados? Haroldo Schistek – O próprio ter-
numa época que não existia o arame Além disso, em 80% da região não mo já quer chamar atenção de que o
farpado, não podia mais ficar próximo existe lençol freático, pois a natureza desafio é diferente. Poderíamos ter
às plantações e foi por decreto gover- nos oferece uma resposta muito clara. chamado de “reflorestar a Caatinga”.
namental mandado para o interior. E Porém, na Caatinga há uma diversida- Mas Caatinga não é uma floresta, não
já em 1640 se estabeleceu o primeiro de de plantas e animais maior que em é estepe, nem savana – é Caatinga
curral para gado bovino no médio São outros biomas do Brasil. Existem plan- mesmo. Também não se trata de criar
Francisco, dando assim início a uma se- tas e animais que aprenderam a convi- uma reserva do tipo Ibama. Temos www.ihu.unisinos.br
quência até hoje mantida: uma política ver de maneira perfeita com esse tipo um caso deste na região de Juazeiro-
concebida fora da região, introduzindo de chuva e de solo e que descansam -Sobradinho. Querem expulsar todos
algo não adaptado ao clima, servindo a durante os oito meses em que não há os moradores para criar um parque de
interesses estranhos. Não demorou e chuva, para resplandecer de manei- preservação natural. Para proteger a
se formaram dois imensos latifúndios ra inacreditável depois das primeiras Caatinga. E quem protege as famílias
que ocuparam toda a região desde o chuvas numa explosão de cores, per- que têm sua base de vida há gerações
Maranhão até Minas Gerais: os morga- fumes, frutas e sementes. A convivên- nestas áreas? Ademais, podemos afir-
dos da Casa da Torre e outro da Casa cia com o Semi Árido consiste nisto: mar com toda certeza que estas áreas
da Ponte. Para o povo, só existia lugar aprender com a natureza a realizar as que se pretendem proteger são pre-
como vaqueiro, que mantinha sua ro- atividades; criar plantas e animais aos servadas assim até hoje, pois foram
cinha para alimentar a família, mas ele quais ela dá suporte e não insistir em utilizadas no sistema de Fundo de
nunca poderia ser dono daquele peda- algo que não possui a maleabilidade Pasto.
ço de chão. Essa é a origem da agricul- genética – como é o caso do milho e
tura familiar na região. do gado bovino.

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Tema de Capa Recaatingamento abundantes roupas de folhas e flores. Com isso eles evitam superpastoreio e
O recaatingamento é um proces- Ou seja, precisamos de uma educação garantem animais bem alimentados.
so complexo, pois inclui amplas medi- contextualizada, que leve o contex- Organizando dessa maneira a terra,
das educativas e aprofundamento em to da vida dos alunos, das plantas da de forma coletiva, a área necessária
conhecimentos sobre a natureza para Caatinga, da sua casa de adobe, para por família pode ser bem menor, mes-
as populações. Não se trata de trazer dentro da sala de aula. Tivemos expe- mo na Depressão Sertaneja: entre 80
um agente de fora, que cerque uma riências magníficas nesse sentido com e 100 hectares. A área do Fundo de
área e plante mudas. No bioma, for- os alunos preservando atenção de ma- Pasto fica sob a responsabilidade de
mam-se pessoas. Portanto, é neces- neira inacreditável, sendo as faltas às uma associação, dos próprios donos.
sário que cada uma seja convencida aulas quase não registradas. Materiais Temos belos exemplos de como essa
do valor da Caatinga em pé, que seja nesse sentido já existem. Precisamos forma organizacional eleva a consciên-
o plantador e cuidador das plantas e que o Ministério da Educação e Cul- cia ambiental e proteje a Caatinga.
cercas nos anos seguintes. tura faça uma volta de 180 graus em
Quem se interessar pode acessar: termos de políticas educacionais, pois
http://www.recaatingamento.org.br/. não é somente necessário que exista Diversidades
material didático apropriado. É indis- Além da criação de animais, exis-
IHU On-Line – Quais as principais pensável que a formação de professo- tem grandes riquezas extrativistas,
ameaças que a Caatinga enfrenta? res nas universidades seja no sentido como o umbu ou a maracujá do mato
Haroldo Schistek – Podemos di- da contextualização e que a formação que, beneficiado em forma de geleia,
zer que a principal ameaça é o cami- continuada do corpo docente acom- doce e compota, até já conquistaram
nho econômico (equivocado!) tomado panhe a proposta. A “Lei de Diretrizes o paladar europeu. Encontramos tam-
pelo Brasil nos últimos anos. Nosso e Bases da Educação Nacional” nos dá bém, como em nenhum bioma brasi-
país se tornou campeão mundial em cobertura total nesse sentido. leiro, uma grande diversidade de plan-
exportação de commodities, e as áre- tas medicinais, com uso industrial,
as da Caatinga se tornaram objetos de ainda não explorada ou apenas de ma-
cobiça para grandes empreendimen- Criação de animais neira irregular. Já o potencial lenheiro
tos. Depois de alguns anos de maior A Caatinga representa um pas- é duvidoso e, a nosso ver, não deve ser
calma, está agora recrudescendo a gri- to nativo de grande valor nutritivo, cogitado em se tratando de Caatinga.
lagem de terra e o assassinato de agri- muito apropriado para a criação de
cultores familiares e de seus represen- animais de médio porte – menos para IHU On-Line – Gostaria de
tantes, quando resistem ao roubo de gado bovino, que pouco aproveita o acrescentar algum aspecto não
suas terras. No bioma, querem fazer pasto, consome muita água e causa questionado?
de tudo: usina nuclear, grandes bar- ainda erosão no solo, por causa de seu Haroldo Schistek – O Semi Árido
ragens para hidroelétricas, interminá- maior peso. No entanto, faz-se neces- Brasileiro era algo desconhecido para
veis áreas irrigadas para, por exemplo, sário evitar o superpastoreio, através a percepção geral e o IRPAA desmistifi-
produção de etanol, mineração, par- da análise criteriosa de capacidade de cou isso. Sempre se falava “no Nordes-
ques eólicos, criação industrializada suporte e de fornecimento de alimen- te tem seca”. Mas Nordeste é Mara-
de caprinos e bovinos, entre outros. to suplementar na segunda metade nhão com sua região pré-amazônica; é
dos meses secos. Mas é preciso ficar a região com as chuvas de Belmonte
IHU On-Line – De que maneira atento à forma organizacional. da Bahia com seus 3.000 mm por ano
ela pode ser utilizada de forma sus- e do oeste baiano com chuva tão regu-
tentável? Qual o papel da população lares que parece que tem um contrato
nesse sentido? Característica da chuva na com São Pedro. Isso foi parte da nossa
Haroldo Schistek – Não se pode Caatinga campanha nos primeiros dez anos de
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pensar o Semi Árido Brasileiro com seu A característica da chuva é irregu- existência do IRPAA: dizer que a região
bioma Caatinga de forma isolada, com lar em dois sentidos: no tempo e no da “seca” é o Semi Árido que fica na
propostas setoriais. A educação esco- espaço geográfico. Quer dizer, nunca maior parte no Nordeste, mas abrange
lar tradicional tem contribuído muito se sabe quando se terá outra chuva também parte de Minas Gerais.
para espalhar uma imagem de inviabi- nem em que área ela cairá. Essa ir- Programas para o Semi Árido
lidade econômica, feiura e morte. Ain- regularidade é muito acentuada. O Fiquei contente quando Dilma,
da recentemente, encontrei um livro Fundo de Pasto, forma tradicional de em seu discurso de posse, falou em
didático, no capítulo sobre os biomas posse de terra no Semi Árido, remo- programas específicos para o Semi
brasileiros, que mostrava uma foto to desde as Sesmarias, atende a esta Árido e não mais Nordeste. Para dar
da Caatinga nos meses da estiagem, característica. As áreas de pasto não visibilidade, criamos o nome “Semi
com a legenda inacreditável: “Caatin- são individualizadas, não possuem Árido Brasileiro”, como iniciais em
ga morta”. Na verdade, os arbustos e cercas para separar cada propriedade. maiúsculo. Então, devemos distinguir
árvores retratados somente estavam Os animais de todos os proprietários quando se fala de uma região semiári-
em hibernação, cheios de seiva e nu- pastam livremente em toda a área, da ou quando fala do Semi Árido Bra-
trientes, esperando apenas a primeira deslocando-se sempre para aquelas sileiro. Até a sigla criada – SAB – já se
chuva para se vestirem novamente em manchas onde choveu recentemente. popularizou.

8 SÃO LEOPOLDO, 23 DE ABRIL DE 2012 | EDIÇÃO 389


Tema de Capa
Semiárido, o bioma mais diverso
do mundo
Trata-se de um bioma adaptado às condições semiáridas e se localiza nos nove
estados do Nordeste e no norte de Minas Gerais, ocupando 11% do território nacional
Por Thamiris Magalhães

“A
Caatinga é o bioma semiárido mais “sendo 318 endêmicas, que só ocorrem no
biodiverso do mundo, sendo extre- bioma. Existem 12 tipos de vegetações na Ca-
mamente distinto em espécies ani- atinga, que vão das mais abertas, como as ca-
mais, vegetais, em paisagens e sob o ponto atingas arbustivas e arbustivo-arbóreas, até as
de vista genético”, frisa o biólogo João Arthur mais florestais, como as florestas estacionais”.
Seyffarth, em entrevista concedida por e-mail João Arthur Seyffarth é biólogo, mestre
à IHU On-Line. E continua: “também muito rico em ecologia e coordenador do Núcleo do Bio-
é o conhecimento tradicional associado a esta ma Caatinga da Secretaria de Biodiversidade
biodiversidade, que pode ser explorado para e Florestas do Ministério do Meio Ambiente
seu uso sustentável e para o desenvolvimento – MMA.
sustentável do país”. Segundo Seyffarth, a Ca- Confira a entrevista.
atinga tem identificadas 932 espécies vegetais,

IHU On-Line – Como pode IHU On-Line – Que tipos conhecimento científico sobre
ser definido sistematicamente o de biodiversidades a Caatinga sua biodiversidade, que resulta
bioma Caatinga? Quais áreas ele oferece? dos poucos centros de pesquisa e
abrange? Equivale a quantos por João Arthur Seyffarth – A Ca- universidades instaladas em seu
cento do território nacional? atinga é o bioma semiárido mais território. Tudo isso também gera
João Arthur Seyffarth – A Ca- biodiverso do mundo, sendo ex- pouco interesse da mídia em di-
atinga é o único bioma exclusiva- tremamente diverso em espécies vulgar o bioma, o que só começou
mente brasileiro. Ela é composta animais, vegetais, em paisagens a mudar nos últimos anos.
por oito ecorregiões e vários tipos e sob o ponto de vista genético.
de vegetação de savana e flo- Também muito rico é o conheci- IHU On-Line – Quais são as
restais. É um bioma adaptado às mento tradicional associado a esta riquezas vegetais que o bioma
condições semiáridas e se locali- biodiversidade, que pode ser ex- oferece?
za nos nove estados do Nordeste plorado para seu uso sustentável e João Arthur Seyffarth – A Ca-
e no norte de Minas Gerais, ocu- para o desenvolvimento sustentá- atinga tem identificadas 932 es-
pando 11% do território nacional vel do país. pécies vegetais, sendo 318 endê-
(844.453 km²). micas, que só ocorrem no bioma.
IHU On-Line – Por que moti- Existem 12 tipos de vegetações na www.ihu.unisinos.br
IHU On-Line – Como pode ser vo a Caatinga é um dos biomas Caatinga, que vão das mais aber-
caracterizado o clima no bioma? menos conhecidos do país? tas, como as Caatingas arbusti-
João Arthur Seyffarth – O cli- João Arthur Seyffarth – O vas e arbustivo-arbóreas, até as
ma da Caatinga é semiárido, com bioma Pampa é ainda menos co- mais florestais, como as florestas
temperaturas anualmente entre nhecido do que a Caatinga. O estacionais.
25°C e 29°C, em média. A esta- desconhecimento da Caatinga e
ção de seca é em geral de 7 a 10 do seu potencial para o desenvol- IHU On-Line – Tem dados de
meses, podendo ficar até 12 me- vimento do país decorre de vários quantas espécies de animais vi-
ses sem chover em certas regiões, fatores. Dentre eles estã o menos- vem no bioma? O que isso repre-
sendo que as estiagens podem prezo por biomas que não sejam senta para o país?
durar mais do que dois anos em florestais, vistos como pobres em João Arthur Seyffarth – Em
algumas regiões. Em geral, a pre- biodiversidade e potencial econô- torno de 1.487 espécies nativas de
cipitação anual não passa de 800 mico; o fato de a Caatinga estar animais vivem na Caatinga, sendo
mm em áreas de planície e fica situada longe dos principais cen- 178 de mamíferos, 591 de aves,
entre 800 e 1.200 mm nas áreas tros do país, em termos econô- 177 de répteis, 79 de anfíbios,
mais elevadas. micos e populacionais; e o pouco 241 de peixes e 221 de abelhas.

EDIÇÃO 389 | SÃO LEOPOLDO, 23 DE ABRIL DE 2012 9


“Cerca de 60% das
Tema de Capa Essa diversidade ajuda a preservar ridó-RN, Cabrobó-PE e Irauçuba-
uma série de serviços ambientais -CE), que são as áreas mais afe-
importantes para a região e o país,
como a polinização, sem a qual
áreas susceptíveis tadas pelo processo. Além dessas,
existem muitas áreas do bioma já
não existe agricultura, e mantém
a diversidade das plantas, já que
à desertificação afetadas de forma grave ou mui-
to grave por esse processo. Dessa
elas dependem da fauna para se
reproduzirem, dispersarem suas
no país estão na forma, promover a conservação,
por meio de ações de conservação
sementes e para a ciclagem de
nutrientes. As abelhas nativas são Caatinga” de paisagem (por exemplo, cria-
ção e consolidação de Unidades de
uma fonte de rendimentos para um Conservação) e de espécies (con-
grande número de pessoas e são servação de espécies ameaçadas,
utilizadas em produtos industriais. as regiões do Seridó-RN e Baixo controle de invasoras) bem como
Tal diversidade também pode ser Jaguaribe-CE). o uso sustentável (manejo madei-
explorada, com grandes benefícios reiro e não madeireiro, manejo
econômicos para o país, na utili- IHU On-Line – Qual a situação agrosilvopastoril) e a recuperação
zação de seus recursos genéticos, social e econômica das pessoas de áreas degradadas neste bioma
desde que devidamente autoriza- que residem na área da Caatinga? é o mesmo que combater a deser-
dos, para os mais diversos fins, tan- João Arthur Seyffarth – O tificação, a mitigação e adaptação
to na indústria farmacêutica como semiárido brasileiro ainda apre- às mudanças climáticas.
na alimentícia, dentre outros. senta os piores índices de desen-
volvimento humano do país. Em IHU On-Line – Gostaria de acres-
IHU On-Line – Tem dados de geral, isso se repete para os de- centar algo?
quantos por cento da área do mais índices sociais e econômicos. João Arthur Seyffarth – É im-
bioma já foi alterada? No entanto, a região vem nos últi- portante destacar as ações que
João Arthur Seyffarth – Em mos anos crescendo mais do que a vêm sendo realizadas pelos go-
torno de 46% do bioma já foram média nacional e os índices sociais vernos estaduais e federal bem
desmatados, segundo dados do vêm melhorando, fruto do maior como por inúmeras organizações
Projeto de Monitoramento dos investimento público na região e da sociedade civil em prol do bio-
Biomas Brasileiros, do Ministério das políticas sociais destinadas aos ma, o que tem aumentado a área
do Meio Ambiente – MMA/Ibama, menos favorecidos. protegida por unidades de con-
sendo que grande parte dos rema- servação, e os projetos voltados
nescentes foram alterados e são IHU On-Line – Em que sen- para o manejo sustentável da sua
utilizados para várias atividades tido a conservação da Caatinga biodiversidade para diversos usos.
humanas, como criação de bovi- está intimamente associada ao Destaca-se que alguns fundos têm
nos, caprinos e ovinos, bem como combate da desertificação? investido no bioma, como o Fundo
para a retirada de lenha para fo- João Arthur Seyffarth – Cer- Socioambiental da Caixa Econômi-
gões domésticos e fornos indus- ca de 60% das áreas susceptíveis ca, o Fundo de Conversão da Dívi-
triais, principalmente nos polos à desertificação no país estão na da Americana e o Fundo Clima. Es-
gesse iro (Chapada do Araripe –CE/ Caatinga, incluindo três núcleos ses últimos sob a responsabilidade
PI/PE) e cerâmicos (por exemplo, de desertificação (regiões do Se- do MMA.
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10 SÃO LEOPOLDO, 23 DE ABRIL DE 2012 | EDIÇÃO 389


Tema de Capa
Caatinga, ecossistema
heterogêneo
Na verdade, este bioma é formado por várias fitofisionomias e, por isso, alguns
autores já utilizam a denominação no plural “as Caatingas” brasileiras, diz Lúcia
Helena Piedade Kiill

Por Thamiris Magalhães

“E
  m minha opinião, para se minimi- sentam diversos potenciais que, se manejados
zar os impactos sobre a Caatinga, de forma sustentável, poderiam se tornar uma
a sensibilização de agentes multi- alternativa para o desenvolvimento da região.
plicadores e a educação ambiental seriam os A flora da Caatinga apresenta espécies de po-
meios mais indicados para se divulgar a ri- tencial frutífero, medicinal, aromático, melífe-
queza e a importância da sua biodiversidade”, ro, forrageiro, ornamental, que podem ser con-
pontua Lúcia Helena Piedade Kiill, em entrevis- sideradas como uma alternativa sustentável
ta concedida por e-mail à IHU On-Line. Para para a região”.
a bióloga, diante dos cenários das mudanças Lúcia Helena Piedade Kiill possui graduação
climáticas globais, as plantas e animais da em Ciências Biológicas pela Faculdade de Filo-
Caatinga constituem um patrimônio biológi- sofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Uni-
co de valor incalculável. “Essas espécies estão versidade de São Paulo – USP e mestrado em
totalmente adaptadas às condições locais, Biologia Vegetal pela Universidade Estadual de
apresentando estratégias para conviver com a Campinas – Unicamp. Nessa instituição, con-
escassez de água, a irregularidade das chuvas, cluiu o doutorado em Biologia Vegetal.
as altas temperaturas, etc.” E completa: “além Confira a entrevista.
da importância biológica, essas espécies apre-

IHU On-Line – Como avalia a processos ecológicos e, consequente- acreditamos que este número pos-
devastação e o desaparecimento de mente, de ações para minimizar esses sa ser muito maior. Entre as famílias
plantas e animais na Caatinga? impactos. botânicas, as cactáceas se destacam
Lúcia Helena Piedade Kiill – A de- como o grupo com maior número de
vastação e o desaparecimento da Ca- IHU On-Line – Quais são as ár- espécies sob ameaça. Quanto à fauna,
atinga podem ser considerados como vores e espécies brasileiras conside- a lista está sendo atualizada. Para a
um dos impactos ambientais mais re- radas ameaçadas de extinção na Ca- Caatinga, as aves e os mamíferos po-
levantes para o semiárido brasileiro. atinga? Como podemos definir esta dem ser considerados como os grupos www.ihu.unisinos.br
Hoje, a degradação e fragmentação situação no bioma? mais ameaçados, principalmente pela
de ambientes naturais são considera- Lúcia Helena Piedade Kiill – Por caça e venda de animais silvestres.
das como uma das principais causas ser considerado como um bioma ain-
de extinção, pois, além de reduzirem da pouco estudado, torna-se difícil IHU On-Line – Qual a importân-
os habitats disponíveis para a fauna e quantificar as espécies ameaçadas cia das espécies endêmicas para o pa-
flora locais, aumentam o grau de iso- de extinção e quantas já foram extin- trimônio biológico do bioma?
lamento entre suas populações, o que tas antes de serem conhecidas. Atu- Lúcia Helena Piedade Kiill – Dian-
pode acarretar perdas de variabilida- almente a lista de espécies da flora te dos cenários das mudanças climá-
de genética. Por ser tratar de um bio- ameaçadas de extinção divulgada pelo ticas globais, as plantas e animais da
ma de ocorrência exclusivamente no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente Caatinga constituem um patrimônio
território brasileiro, a Caatinga possui e dos Recursos Naturais Renováveis - biológico de valor incalculável. Essas
flora e fauna endêmicas da região, ou Ibama - contempla cerca de 50 espé- espécies estão totalmente adaptadas
seja, que não ocorre em nenhum ou- cies de ocorrência na Caatinga. Porém, às condições locais, apresentando es-
tro bioma. O desaparecimento dessas como já se sabe que mais de 60% da tratégias para conviver com a escassez
espécies, mesmo antes de serem es- área do bioma encontra-se de alguma de água, a irregularidade das chuvas,
tudadas, dificulta o entendimento dos forma alterada pela ação antrópica, as altas temperaturas, etc.

EDIÇÃO 389 | SÃO LEOPOLDO, 23 DE ABRIL DE 2012 11


Tema de Capa Além da importância biológica,
essas espécies apresentam diversos “A devastação e o Lúcia Helena Piedade Kiill – O co-
nhecimento da ecologia reprodutiva
potenciais que, se manejados de for-
ma sustentável, poderiam se tornar desaparecimento das plantas, a exemplo da fenologia,
dos processos de polinização das flo-
uma alternativa para o desenvolvi-
mento da região. A flora da Caatinga da Caatinga res e de dispersão das sementes, é es-
sencial para se conhecer as interações
apresenta espécies de potencial fru- entre flora e fauna de um ecossiste-
tífero, medicinal, aromático, melífero, podem ser ma e como os impactos causados um
forrageiro, ornamental, que podem grupo pode refletir direta ou indireta-
ser consideradas como uma alternati- considerados mente sobre o outro. Para que uma
va sustentável para a região. espécie possa ser utilizada de forma
IHU On-Line – Como podemos como um sustentável, sem comprometer essas
caracterizar as diversidades florísticas associações, estudos de sua ecologia
encontradas na Caatinga? dos impactos reprodutiva são fundamentais para
Lúcia Helena Piedade Kiill – A que possamos, a médio e longo prazo,
Caatinga não é um ecossistema ho-
mogêneo. Na verdade, este bioma é
ambientais mais usá-la sem comprometer seus proces-
sos ecológicos.
formado por várias fitofisionomias e,
por isso, alguns autores já utilizam a
relevantes para IHU On-Line – Quais são as plan-
tas encontradas no bioma que ser-
denominação no plural “as Caatingas”
brasileiras. Essa variação na composi-
o semiárido vem de uso medicinal?
Lúcia Helena Piedade Kiill – Vá-
ção vegetal está relacionada a vários
fatores, destacando-se tipo de solos,
brasileiro” rios são os exemplos de plantas da
Caatinga que apresentam potencial
volume das precipitações, altitude e medicinal. A literatura lista mais de
as próprias associações entre as plan- 40 espécies entre árvores, arbustos,
tas. De modo geral, a Caatinga pode borboletas, moscas, besouros, aves, cipós e herbáceas, cujas folhas, raízes,
ser caracterizada como um complexo morcegos etc.) e os frutos servem de cascas ou sementes são utilizadas no
vegetal rico em espécies lenhosas e alimento para aves, mamíferos e rép- preparo dos medicamentos caseiros.
herbáceas, sendo que as primeiras ge- teis. Além disso, seus troncos e galhos Dentre essas espécies, destacamos a
ralmente perdem as folhas na estação são utilizados como locais de nidifica- aroeira do sertão, baraúna e umbura-
seca, e as segundas apresentam ciclo ção, havendo estreita relação entre es- na de cheiro, espécies arbóreas consi-
anual. pécies vegetais e determinadas espé- deradas ameaçadas de extinção.
IHU On-Line – Qual o papel das cies de abelhas, por exemplo. Quanto IHU On-Line – Gostaria de
árvores, com suas folhas, flores e fru- ao sertanejo, como comentando an- acrescentar algum aspecto não
tos, para a alimentação dos animais e teriormente, a Caatinga apresenta questionado?
da população no bioma? plantas consideradas medicinais e já Lúcia Helena Piedade Kiill – Sim.
Lúcia Helena Piedade Kiill – A consagradas pelo uso popular. Outras, Em minha opinião, para se minimizar
flora da Caatinga desempenha impor- a exemplo do umbuzeiro, são impor- os impactos sobre a Caatinga, a sen-
tante papel na relação com a fauna e tantes fontes de renda para a comuni- sibilização de agentes multiplicadores
com o sertanejo. No primeiro caso, as dade local, que se mantém pelo extra- e a educação ambiental seriam os
plantas podem ser consideradas como tivismo de seus frutos. meios mais indicados para se divul-
fonte forrageira para animais silves- IHU On-Line – De que maneira gar a riqueza e a importância da sua
tres e domésticos. As flores fornecem a ecologia reprodutiva da flora pode biodiversidade.
néctar, pólen, óleos e resinas para di- contribuir para o uso racional dos re-
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versos grupos de visitantes (abelhas, cursos disponíveis na Caatinga?

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12 SÃO LEOPOLDO, 23 DE ABRIL DE 2012 | EDIÇÃO 389


Tema de Capa
Bioma rico em diversidades
Produções florísticas, faunísticas, frutíferas, de plantas medicinais e madeireiras
são alguns exemplos do que pode ser encontrado no único bioma exclusivamente
brasileiro

Por Thamiris Magalhães

“V
  ejo a Caatinga com uma parti- camente, diante de estudos pormenorizados,
cularidade ímpar. E esta beleza especialmente explorando os princípios ativos
excepcional do bioma reside na de cada uma dessas espécies para a indústria
diversidade de paisagens e o contraste visual farmacológica”, diz.
proporcionado pelas estações seca e chuvosa”, Marcos Antonio Drumond é pesquisador da
comenta, em entrevista concedida por e-mail à Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
IHU On-Line, Marcos Antonio Drumond. Segun- – Embrapa desde 1978. É graduado em Enge-
do ele, após um episódio de chuva na Caatin- nharia Florestal pela Universidade Federal de
ga seca, em poucos dias surge uma vegetação Viçosa, com mestrado em Engenharia Flores-
exuberante, sugerindo uma verdadeira ressur- tal pela Escola Superior de Agricultura Luiz de
reição da vegetação, “como se fosse uma pá- Queiroz/USP e doutorado em Ciências Flores-
gina acinzentada que, quando virada, dá lugar tais pela Universidade Federal de Viçosa. Tem
ao verde com várias tonalidades mescladas experiência nas áreas de fitossociologia, mane-
com o amarelo e branco e outras cores das flo- jo florestal, agrossilvicultura, recuperação de
res do referido bioma”. áreas degradadas, florestas energética e ainda
Quando aborda a questão das plantas me- com a seleção e manejo de plantas oleaginosas
dicinais, Drumond afirma que a Caatinga é dos gêneros Jatropha, Ricinus e Helianthus. É
como uma verdadeira farmácia viva na qual “a responsável pela introdução de diversas espé-
maioria das espécies é destacada por inúme- cies arbóreas de múltiplos usos na região do
ras utilizações na medicina caseira e outras”. semiárido. Drumond é ainda professor no cur-
Como exemplo, ele cita a aroeira, baraúna, an- so de pós-graduação em Engenharia Florestal
gico, pelo alto teor de tanino; pau-ferro, mar- da Universidade Federal de Campina Grande,
meleiro, quebra-faca e outras. “Vale destacar Campus de Patos.
que toda a diversidade de espécies do bioma Confira a entrevista.
poderia ser mais bem aproveitada economi-

IHU On-Line – Por que motivo passa por pelo menos seis meses de são elevadas em torno de 27°C, com
muitas vezes a Caatinga é vista como estiagem ao ano, alguns mecanismos precipitações médias anuais em tor-
uma área seca e quente, com uma ve- de adaptação foram desenvolvidos no de 500 mm, com insolação média
getação formada por cactus e arbus- como espinhos, folhas pequenas e ca- de 2.800 horas.ano-1, e evaporação www.ihu.unisinos.br
tos contorcidos? ducifólias, mecanismos que reduzem em torno de 2.000 mm.ano-1. Essas
Marcos Antonio Drumond – a transpiração excessiva. A vegetação características bioedafoclimáticas
Como a Caatinga é um tipo de vege- herbácea é temporária e presente são determinantes para as áreas de
tação constituída especialmente de apenas no período chuvoso. Sob a domínio das Caatingas. Totalmente
árvores e arbustos de pequeno porte, vegetação de Caatinga, os solos são coberto pela vegetação de Caatinga,
folhas miúdas e caducifólias2 e que geralmente rasos e, às vezes, com o semiárido brasileiro é um dos mais
afloramentos rochosos. Em geral, a densamente povoados do mundo e,
temperatura é alta, com baixos índices em função das adversidades climá-
2 Em botânica, caducifólia, caduca ou
decídua é o nome dado às plantas que, pluviométricos, marcada pela irregu- ticas, associadas aos outros fatores
numa certa estação do ano, perdem suas laridade na distribuição das chuvas no históricos, geográficos e políticos que
folhas, geralmente nos meses mais frios e tempo e no espaço. Seus índices plu- remontam centenas de anos, abriga a
com chuva (outono e inverno). É a forma
que as plantas encontram para não perder viométricos são bastante irregulares, parcela mais pobre da população do
água pelo processo de evaporação, pelas variando de 250 a 1.000 mm por ano país.
folhas. Às vezes, ficam só os galhos e o e, geralmente, concentradas de dois
caule. Desta forma, elas armazenam a
água sem perder praticamente nada pela a três meses. Devido à proximidade IHU On-Line – Quais riquezas da
evaporação. (Nota da IHU On-Line) do Equador, as temperaturas médias fauna e flora a Caatinga oferece?

EDIÇÃO 389 | SÃO LEOPOLDO, 23 DE ABRIL DE 2012 13


Tema de Capa Marcos Antonio Drumond – Es- versidade desse ecossistema. Porém, Espécies madeireiras
tas riquezas já foram temas de inú- assim como as plantas, os animais As espécies madeireiras são
meros trabalhos científicos. Dentre também desenvolveram adaptações aquelas responsáveis pelo abasteci-
tais trabalhos, os inventários da flora às condições climáticas da região, a mento energético de usos domésti-
demonstram que o estoque madeirei- exemplo de hábitos noturnos e com- co, comercial e industrial em peque-
ro da Caatinga é baixo quando compa- portamento migratório. nas, médias e grandes indústrias de
rado a outros biomas, podendo variar transformação. Muitas espécies, pelo
conforme as condições edafoclimá- IHU On-Line – Quais são as con- elevado valor energético ou por gran-
ticas locais. Algumas espécies são de tribuições frutíferas, medicinais e ma- de concentração de tanino nas suas
grande importância econômica, es- deireiras do bioma? cascas, foram bastante exploradas no
pecialmente para os agricultores da Marcos Antonio Drumond – Den- passado. Atualmente, com a demanda
região, como é o caso de Spondias tu- tre as principais espécies frutíferas na- por produtos orgânicos para curtição e
berosa3, Anadenanthera macrocarpa4, tivas, o maior destaque recai sobre o produção do couro orgânico, a procu-
Schinopis brasiliensis5, Miracroduon umbuzeiro, por ele ser responsável ra por essas espécies vem se intensifi-
urundeuva6, Mimosa caesalpiniifolia7, pela sustentação econômica de mui- cando, trazendo grande preocupação
Tabebuia impetiginosa8, Bursera lepto- tas famílias que vivem do seu extrati- com as ameaças a esses patrimônios
phloeos9. Além dessas, temos a Ambu- vismo, nos períodos de safra. O estado genéticos. Dentre as espécies mais
rana cearenses10, considerada espécie da Bahia é o maior produtor extrativis- procuradas, pode-se citar: Miracrodun
nobre, como S. brasiliensis, M. urun- ta do umbuzeiro e é o maior consumi- urundeuva, Anadenanthera macrocar-
deuva, que já se encontram de alguma dor nacional desse fruto, consumido pa, Schinopis brasiliensis e as do gêne-
forma protegidas, portanto, proibidas in natura e nas formas de sucos, um- ro Mimosa, especialmente a Mimosa
de exploração para fins energéticos buzadas, doces variados, geleias, além tenuiflora. Dentre as espécies nativas,
pelo Código Florestal Brasileiro, para dos picles dos xilopódios das mudas apenas a sabiá – Mimosa caesalpi-
evitar sua extinção. (Portaria do Ibama de até 20 cm de altura. Dentre outras niifolia – é plantada comercialmente
n. 37, de 3 de abril de 1992.) espécies frutíferas alternativas para os para produção de estacas.
Quanto à fauna, ela é diversifi- agricultores familiares, podemos citar
cada e rica em endemismo embora o maracujá-do-mato (Passiflora cincin-
haja, de forma geral, informações in- nata Mast. – Passifloraceae); os arati- Características das principais
suficientes para a maioria dos grupos cuns (Anona sp. – Annonaceae), com espécies madeireiras da
estudados e, por isso, os números en- sete espécies listadas no Nordeste; o Caatinga
contrados ainda subestimam a real di- murici (Byrsonima spp. – Malpighia- Angico Anadenanthera macro-
ceae), presente nas dunas às margens carpa Benth. é uma árvore da família
do rio São Francisco; o mandacaru Mimosaceae, com porte mediano,
3 Umbuzeiro ou Imbuzeiro. (Nota da IHU (Cereus jamacaru P. DC. – Cactaceae) atingindo até 15 m de altura, depen-
On-Line)
4 Mais conhecido como Angico, localiza- e outras cactáceas; o cambuí (Euge- dendo da região. A casca é grossa e
se na floresta estacional semidecídual, nia crenata Vel.), a goiabinha ou araçá muito rugosa. As folhas são compostas
floresta ombrófila densa, Cerrado e (Psidium spp. – Myrtaceae) e o croa- bipinadas e pequenas, com 10-25 pi-
Caatinga. (Nota da IHU On-Line)
5 Baraúna. (Nota da IHU On-Line) tá (Bromelia corata Linn. – Bromelia- nas, com 20 a 80 folíolos. As flores são
6 A urundeúva é também conhecida como ceae). Todas podem ser encontradas alvas, dispostas em capítulos globosos,
aroeira, aroeira-preta, aroeira-do-sertão, sendo comercializadas em feiras livres axilares. Os frutos são vagens achata-
uriunduba, aroeira-do-campo e aroeira-da-
serra. (Nota da IHU On-Line) nas regiões da Caatinga. das, finas, compridas e de cor escura.
7 Sabiá. (Nota da IHU On-Line) As folhas são tóxicas ao gado, porém,
8 Ipê-roxo, pau-darco-roxo. (Nota da IHU quando fenadas ou secas juntamente
On-Line)
9 Imburana, Amburana, espinho, Amburana Plantas medicinais com os ramos novos, constituem exce-
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de cambao, entre outros. Cientificamente, Quanto às plantas medicinais, a lente forragem para bovinos, caprinos
recebeu o nome científico de Bursera Caatinga é como uma verdadeira far- e ovinos; a resina exudada dos troncos
leptophloeos, pertencendo à família
Burseraceae, a mesma da Amescla de mácia viva em que a maioria das es- é hemostática, depurativa, adstringen-
cheiro. Árvore com espinhos; folhas opostas pécies é destacada por inúmeras uti- te e é utilizada na medicina caseira em
e pinadas. Suas flores em cachos florescem lizações na medicina caseira e outras. infusão e em xarope. A casca, muito
nos meses de novembro e dezembro.
Possui fruto do tipo drupa, acre doce, Podemos citar a aroeira, baraúna, an- rica em tanino, é utilizada na indústria
mas comestível, quando bem maduro; os gico, pelo alto teor de tanino; pau-fer- do curtume; e na medicina popular é
frutos da Imburana aparecem nos meses ro, marmeleiro, quebra-faca e outras. utilizada como expectorante (chá) ou
de janeiro, março, abril e dezembro,
geralmente. (Nota da IHU On-Line) Vale destacar que toda a diversidade cicatrizante (infusão). A madeira serve
��� Amburana cearensis é uma árvore de espécies do bioma poderia ser mais para estacas, mourões, lenha e carvão
pequena na Caatinga, de 4 a 10 m e de bem aproveitada economicamente, de elevado poder calorífico.
20 m na mata pluvial, caducifólia. A casca
é vermelho-pardacenta, lisa suberosa e diante de estudos pormenorizados es- Aroeira Miracroduon urundeuva
fina, com 7 mm de espessura, descamando pecialmente explorando os princípios é uma árvore da família Anacardia-
em lâminas delgadas. A ramificação é ativos de cada uma dessas espécies ceae, de porte mediano, chegando a
dicotômica. Copa achatada e curta na
Caatinga e alta, larga e umbeliforme na para a indústria farmacológica. atingir 10 m de altura e 30 cm de di-
floresta. (Nota da IHU On-Line) âmetro. Apresenta fuste linheiro, ma-

14 SÃO LEOPOLDO, 23 DE ABRIL DE 2012 | EDIÇÃO 389


Tema de Capa
deira dura de cor bege-roseado quan-
do verde e roxo escuro quando seco. A “Quanto à flora, IHU On-Line – Quais são as prin-
casca é castanho escuro, subdivididas cipais espécies forrageiras encontra-
em placas escamiformes, rica em tani- são registradas das no bioma?
no (cerca de 15%), e são utilizadas na Marcos Antonio Drumond – O
indústria do curtume. Na medicina po- cerca de 1.500 potencial das espécies forrageiras po-
pular, a casca é utilizada no tratamen- dem variar em função das variações
to das vias respiratórias e urinárias. As espécies para a edafoclimáticas. Entre as diversas
folhas quando maduras servem como espécies da Caatinga com potencial
forrageiras. A resina exudada dos tron-
cos é utilizada no preparo da goma
região” forrageiro, pode-se destacar a mani-
çoba (Manihot pseudoglaziovii Pax&
arábica. A madeira serve para obras K. Hoffm.), o angico (Anadenanthera
externas, mourões, vigas, construções colubrina (Vell.) Brenan), o pau fer-
rurais, estacas, dormentes e carvão de madeira serve para estacas, lenha e ro (Caesalpinia ferrea Mart), a catin-
elevado poder calorífico; a densidade carvão de elevado poder calorífico. gueira (Caesalpinia pyramidalis Tul),
básica da madeira é superior a 0,66g/ Sabiá – Mimosa caesalpiniaefo- a catingueira rasteira (Caesalpinia mi-
cm3, o rendimento gravimétrico de lia Benth., pertencente à família Mi- crophylla Mart), a favela (Cnidoscolus
carbonização é 38,4% a 420±200C, o mosaceae, ocorre naturalmente nos quercifolius Pax & K. Hoff.), a canafis-
teor de carbono é de 72%, teor de cin- estados do Rio Grande do Norte, Piauí tula (Senna spectabilis (DC.) Irwin et
za é de 4,8, obtidos através da análise e Ceará, parte do Maranhão e de Per- Barn), o marizeiro (Geoffroea spinosa
química imediata do carvão em base nambuco, na chapada do Araripe, di- Jacq.) o mororó (Bauhinia sp.), o sabiá
seca. visa com o Ceará. Foi introduzida com (Mimosa caesalpiniifolia Benth.), o
Baraúna Schinopsis brasiliensis êxito em regiões úmidas dos estados rompe gibão (Pithecelobium avaremo-
Engl. é uma árvore da família Ana- do Rio de Janeiro e São Paulo, sendo temo Mart.), o juazeiro (Ziziphus joa-
cardiaceae, típica do sertão nordes- que nesses locais a espécie é conheci- zeiro Mart.), a jurema preta (Mimosa
tino, geralmente, encontrada em da como sansão-do-campo. É uma ár- tenuiflora Willd ), o engorda-magro
grupamentos em certas áreas e desa- vore de pequeno porte, atingindo fase (Desmodium sp), a marmelada de ca-
parecendo em outras. Árvore de porte adulta, até 8 m de altura e cerca de 20 valo (Desmodium sp), o feijão bravo
mediano chegando a atingir 12 m de cm de diâmetro à altura do peito; o (Phaseolus firmulus Mart), a camaratu-
altura e 30 cm de diâmetro. A casca tronco apresenta acúleos que desapa- ba (Cratylia mollis Mart), o mata pasto
é escura, rugosa e também rica em recem com a idade. Já os ramos jovens (Senna sp) e as urinárias (Zornia spp),
tanino, utilizada na indústria do cur- apresentam um grande número de entre as espécies arbóreas, arbustivas
tume. Na medicina popular, a casca acúleos. Tem crescimento cespitoso, e semiarbustivas. Destacam-se ainda
é utilizada como analgésico digestivo. ou seja, de um mesmo ponto na base as cactáceas forrageiras como, por
As folhas são verdes e permanecem da planta partem vários fustes. Cresce exemplo, o facheiro (Pilosocereus pa-
durante quase todo ano, podendo preferencialmente em solos profun- chycladus Ritter) e o mandacaru (Ce-
ser utilizadas no tratamento da gri- dos e férteis, podendo, a partir do ter- reus jamacaru DC.). Entretanto, des-
pe e pressão alta. A resina exudada ceiro ao quarto ano, já poder fornecer tacamos ainda o umbuzeiro, que pode
dos troncos é utilizada no preparo da madeira para estacas de cercas. Tem ter suas folhas utilizadas como opção
goma arábica. A madeira é muito dura apresentado bom desenvolvimento alimentar para caprinos, ovinos, bovi-
e de elevada densidade, servindo para também em solos mais pobres, po- nos e muares como pastejo direto no
obras internas, pilão esteios, vigas, es- rém, nesses casos, é importante suprir período chuvoso e/ou fenadas, espe-
tacas, mourões, lenha e carvão de ele- as plantas por meio de adubação orgâ- cialmente, no período de seca.
vado poder calorífico. nica ou química. A espécie se destaca www.ihu.unisinos.br
Jurema preta Mimosa tenuiflora como uma das principais fontes de es- IHU On-Line – Existem espécies
(Willd.) Poiret., pertencente à família tacas para cercas no Nordeste, em es- na Caatinga que não são encontradas
Mimosaceae, é uma árvore de peque- pecial no estado do Ceará. A madeira em nenhum outro lugar do planeta?
no porte de até 7 m de altura, com também é utilizada para energia, apre- Isso dá destaque ao bioma?
acúleos esparsos nas partes mais no- sentando peso específico em torno de Marcos Antonio Drumond – Sim.
vas, às vezes, podendo ser encontrada 0,87 g cm-3 e um teor de carbono de O único bioma exclusivamente brasi-
inermes naturalmente na Caatinga. As aproximadamente 73%. Essas carac- leiro abriga fauna e flora com muitas
folhas são compostas, alternas e bipi- terísticas qualificam a espécie como espécies endêmicas, ou seja, que não
nadas. As flores são alvas, dispostas uma boa opção para a produção de são encontradas em nenhum outro
em espigas e melíferas. Os frutos são lenha e carvão. Atualmente, nas áreas lugar do planeta. Daí a importância
pequenas vagens pluriarticuladas. As irrigadas do Vale do Rio São Francisco, desse que é considerado patrimônio
folhas são forrageiras para os caprinos no semiárido nordestino, as estacas biológico de valor incalculável. Dentre
e bovinos e as cascas são sedativas, têm sido amplamente comercializa- elas podemos destacar o umbuzeiro
narcóticas, adstringentes e amargas, das e utilizadas principalmente como (Spondias tuberosa Arruda), pela sua
sendo utilizadas como cicatrizantes, tutores para apoio e sustentação das expressão econômica, geradora de
digestivas e na curtição de couro. A videiras. emprego e renda para o sertanejo,

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“Totalmente
Tema de Capa que é uma espécie arbórea de ocor- Apesar de a Caatinga ser consi-
rência natural exclusiva do semiárido derada um importante centro de en-
brasileiro, e um dos recursos genéticos
mais importantes para a produção de
coberto pela demismo para aves sul-americanas, a
distribuição, a evolução e a ecologia
frutos destinados ao consumo in na-
tura e à industrialização, além de ser
vegetação da avifauna continuam ainda muito
pouco investigadas quando compa-
importante alternativa econômica e
recurso de subsistência para comuni-
de Caatinga, radas com o esforço feito para ou-
tros ecossistemas, sendo esse grupo
dades rurais no semiárido do nordeste
brasileiro nos períodos de safra. o semiárido o mais representativo, com cerca de
510 espécies registradas, das quais
IHU On-Line – Quais são as ri-
quezas e diversidades vegetais que brasileiro é um dos aproximadamente 92% se reprodu-
zem na região, estimando-se que cer-
a Caatinga oferece? Tem dados de
quantas espécies vegetais e animais mais densamente ca de 15 espécies e 45 subespécies
sejam endêmicas desse bioma. Entre-
vivem no bioma? O que esses dados tanto, o grupo das aves é considerado
representam? povoados do mais vulnerável, sendo listadas mais
Marcos Antonio Drumond – de 20 espécies ameaçadas, dentre elas
Quanto à flora, são registradas cerca mundo” a ararinha-azul (Cyanopsitta spixii) e
de 1.500 espécies para a região, sen- a arara-azul-de-lear (Anodorbynchus
do as famílias Leguminosae (18,4%), leari).
Convolvulaceae (6,82%) Euphorbia-
ceae (4,83%), Malpighiaceae (4,7%) e Fauna
Poaceae (4,37%) consideradas as mais Quanto à fauna, a Caatinga é Mamíferos
ricas em número de espécies. De en- pobre em espécies e em número de O grupo dos mamíferos, em ge-
dêmicas, são 20 gêneros e mais de 300 animais por espécie, porém rica em ral, é de pequeno porte e ainda exis-
espécies. endemismo; em espécies migrató- tem lacunas no conhecimento da
Algumas famílias apresentam rias; em animais de hábitos noturnos diversidade do grupo, mas é rica em
grande diversidade no bioma. A famí- e com adaptações fisiológicas. A he- diversidade: 148 espécies com ende-
lia Leguminosae é a mais diversa, com terogeneidade ambiental associada à mismo para 19 espécies, podendo ser
293 espécies em 77 gêneros, das quais singularidade de certos locais permite maior após estudos com roedores e
144 são endêmicas da Caatinga. Es- supor a possibilidade de a fauna de morcegos. Os primeiros são os mais
pécies de muitos gêneros de Legumi- invertebrados da Caatinga ser riquíssi- abundantes.
nosae contribuem para a constituição ma em diversidade e endemismo. Po-
dos extratos arbóreo e arbustivo que rém, o conhecimento do grupo ainda IHU On-Line – Em que sentido a
dão a feição característica da Caatin- é pequeno para uma quantificação. pecuária tem modificado a vegetação
ga, como Mimosa, Acacia, Caesalpinia Os insetos, as abelhas, as formigas e do bioma?
e Senna. Outra família floristicamen- os cupins são os representantes mais Marcos Antonio Drumond – Com
te importante é Euphorbiaceae, com estudados, onde a apifauna da Caatin- relação à pecuária, a capacidade de
grande diversidade de espécies dos ga está representada por cerca de 190 suporte da Caatinga é de oito a 13
gêneros: Croton, Cnidoscolus e Jatro- espécies, sendo registrada uma predo- hectares por bovino e de 1 a 1,5 ha/
pha. As Cactáceas constituem um im- minância de abelhas raras e elevado caprino. O Nordeste possui 10,4 mi-
portante elemento da paisagem, com percentual de endemismo. lhões de caprinos, o que corresponde
seus caules suculentos, desprovidos Sobre a biota aquática, os conhe- a 88% do rebanho brasileiro, e a ovi-
de folhas e cobertos por espinhos. Fo- cimentos são ainda incipientes, sendo nocultura responde por 39%, com 7,2
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ram registradas para o referido bioma os peixes os mais estudados: 240 es- milhões de ovelhas. Como alternativa
58 espécies das quais 42 são endêmi- pécies de peixes das quais, aproxima- alimentar, vem crescendo a formação
cas da Caatinga. Outros gêneros ca- damente, 57% são endêmicas deste de pastos de capins exóticos. A deso-
racterísticos são Cereus, Pilosocereus, bioma; as informações também são bediência dessa relação da capacida-
Melocactus e Tacinga, sendo este últi- pontuais, destacando-se o grande de de suporte da Caatinga, que é a su-
mo endêmico do bioma. A família Big- número de peixes registrado para o perlotação de animais nas áreas, tem
noniaceae é bem representada, espe- Médio São Francisco. A herpetofauna causado impactos indesejáveis tanto
cialmente com espécies de lianas dos também é pouco conhecida, sendo para vegetação como para os solos,
gêneros Arrabidaea, Adenocalymma e esta representada por 47 espécies de pela compactação do pisoteio intenso
Piriadacus, o último endêmico da Caa- lagartos, dez anfisbenídeos, 52 espé- de animais. Essa degradação dos solos
tinga. Vale destacar que o número de cies de serpentes, quatro quelônios, reflete diretamente de forma quanti-
espécies arbóreo-arbustivas é peque- três crocodilos e 48 anfíbios, dos quais tativa e qualitativa a cobertura vegetal
no com predominância do extrato her- existe um endemismo de 15%. das áreas.
báceo, sendo a maioria temporárias.
IHU On-Line – Como avalia o
Avifauna fato de uma grande concentração

16 SÃO LEOPOLDO, 23 DE ABRIL DE 2012 | EDIÇÃO 389


Tema de Capa
de indústrias, como a de gesso nos O modelo predatório, contudo, causa
municípios pernambucanos da Cha- “O estado preocupação. Devido à exploração indis-
pada do Araripe, utilizarem-se dos criminada da vegetação, especialmente
recursos florestais da Caatinga, neste da Bahia é o para fins energéticos, já se observam
caso, como suprimento energético? perdas irrecuperáveis da diversidade
Marcos Antonio Drumond – A maior produtor florística e faunística, aceleração do pro-
Chapada do Araripe, inserida no se- cesso de erosão, declínio da fertilidade
miárido brasileiro, estende-se por extrativista do do solo e da qualidade e quantidade da
mais de 76 mil km2, ocorrendo em água pela sedimentação, desencadea-
103 municípios, dos quais 25 se en-
contram no estado do Ceará, 18 em
umbuzeiro e é das por práticas inapropriadas.
Outros fatores que contribuem
Pernambuco e 60 no Piauí.
Em aproximadamente 18 mil
também o maior de forma significativa para a ampla
degradação ambiental e, consequen-
km2, que corresponde a 20% do ter-
ritório pernambucano, está concen-
consumidor temente, para a perda da diversidade
biológica da Caatinga são métodos
trada a maior reserva de gipsita em
exploração do Brasil. É a maior área
nacional desse tradicionais de manejo e exploração
intensiva da vegetação arbóreo-ar-
de produção da América Latina e a
segunda do mundo, abastecendo o
fruto” bustiva para obtenção de madeiras,
implantação de culturas irrigadas e
mercado nacional com 95% do ges- pastagens, aliados às precariedades
so consumido. A indústria do gesso é climáticas.
responsável por 93% de todo consu- IHU On-Line – De que maneira Pelo elevado valor energético e
mo de energéticos florestais na área pode ser realizado o uso sustentável pela grande concentração de tanino
do polo gesseiro. Estima-se que apro- dos recursos naturais na Caatinga? nas suas cascas, espécies como o angi-
ximadamente 65% da área da Chapa- Marcos Antonio Drumond – Re- co foram exploradas de modo signifi-
da do Araripe foram desmatadas até comenda-se adotar o manejo susten- cativo no passado. Atualmente, com a
2009. tável da Caatinga, que seria uma inter- procura de produtos naturais para cur-
A demanda atual de energéticos venção na vegetação, com a finalidade tição e produção do couro orgânico, a
de base florestal para o polo gessei- de introduzir modificações na estru- exploração vem se agravando. Com
ro do Araripe ultrapassa dois milhões tura e na composição de espécies de isso, a preocupação de uma erosão
de mst.ano-1 (incluindo os consumos sua cobertura florestal. Em uma aná- genética do patrimônio vegetal vem
industrial, comercial e domiciliar). lise mais generalizada, esse manejo sendo reforçada. Nesse sentido, a falta
Ressalta-se ainda que as atividades do sustentável do bioma implicaria uma de tradição do segmento florestal na
polo gesseiro concorrem de maneira mudança de perspectiva onde não é região, o ensino e as práticas voltadas
determinante para o agravamento dos mais suficiente apenas o manejo, con- ao monocultivo bem como a inexis-
problemas ambientais da região por forme o princípio do rendimento sus- tência de pesquisas que quantifiquem
consumir, quase que exclusivamente, tentável, mas também o manejo obje- e qualifiquem as melhores alternativas
a vegetação nativa em seus fornos tivando outros benefícios múltiplos de agroflorestais, por zona agroecológica,
de desidratação do minério – a gipsi- sustentabilidade, entre os quais: eco- entre outros, são fatores limitantes ao
ta. Isso representa, numa superfície nômicos, sociais e ambientais. desenvolvimento de sistemas agroflo-
de corte sob manejo florestal, entre Para as áreas degradadas, reco- restais no bioma Caatinga.
9.500 ha.ano-1 (ciclo de rotação com menda-se a realização das ativida-
13 anos) e 11.885 ha.ano-1 (ciclo de des de recuperação de acordo com IHU On-Line – Gostaria de
rotação de 15 anos), considerando-se o seu estágio sucessional, utilizando acrescentar algum aspecto não www.ihu.unisinos.br
estoques médios de lenha entre 160 e espécies de uso múltiplo de rápido questionado?
200 mst.ha-1, respectivamente. crescimento, especialmente visando Marcos Antonio Drumond – Vejo
Nesse contexto, a lenta recupe- torná-las produtivas e, consequente- a Caatinga com uma particularidade
ração da Caatinga devastada é ainda mente, contribuir para a redução da ímpar. E esta beleza excepcional do
mais preocupante, já que são necessá- pressão sobre a vegetação nativa ain- bioma reside na diversidade de pai-
rios pelo menos de 13 a 15 anos para da existente. sagens e o contraste visual proporcio-
que a vegetação nativa cortada volte a nado pelas estações seca e chuvosa.
recompor o estoque original. Isso im- IHU On-Line – De que forma re- Após um episódio de chuva na Caa-
plica dizer que, com o desmatamento cursos como água, solo, fauna e flora tinga seca, em poucos dias surge uma
de 21 ha para obtenção de 5.250 mst. estão sendo utilizados no bioma? vegetação exuberante, sugerindo uma
dia-1 de madeira da floresta nativa, a Marcos Antonio Drumond – De verdadeira ressurreição da vegetação,
área do bioma só voltará a alcançar maneira exaustiva. Atualmente a uti- como se fosse uma página acinzen-
volume de produção semelhante após lização da Caatinga ainda se funda- tada que, quando virada, dá lugar ao
ser deixada sem uso algum ao longo menta em processos meramente extra- verde com várias tonalidades mescla-
de 15 anos. tivistas para obtenção de produtos de das com o amarelo e branco e outras
origens pastoril, agrícola e madeireira. cores das flores do referido bioma.

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Tema de Capa
Plantas medicinais,
riquezas do bioma
Muitas são as espécies vegetais da Caatinga ampla e tradicionalmente utilizadas como
medicamentos fitoterápicos e é crescente o número e os efeitos causados pelo uso
dessas plantas, explica Rejane Magalhães de Mendonça Pimentel

Por Thamiris Magalhães

“É
  bastante considerável o número “sem controle e segurança, podendo ocasionar
de plantas com efeitos medicinais sérios riscos à saúde ou, até mesmo, à vida de
no bioma Caatinga que contribuem quem utiliza estas plantas”.
e que poderão contribuir para um melhor tra- Rejane Magalhães de Mendonça Pimen-
tamento e alívio de sintomas indesejáveis re- tel é graduada em Ciências Biológicas pela
lacionados a diferentes enfermidades, tanto Faculdade de Filosofia do Recife – UFPE. Pos-
para a população humana como para a ani- sui mestrado em Botânica pela Universidade
mal”. Essa é a avaliação de Rejane Magalhães Federal Rural de Pernambuco – UFRPE e dou-
de Mendonça Pimentel, em entrevista conce- torado em Botânica pela mesma instituição.
dida por e-mail à IHU On-Line. Segundo ela, a Atualmente é Professora Associada II da Uni-
forma mais adequada para sua utilização na versidade Federal Rural de Pernambuco, onde
indústria farmacêutica se dá como resposta a coordena as atividades no Laboratório de Fito-
estudos desenvolvidos por pesquisadores de morfologia Funcional. Tem experiência na área
diferentes especialidades, como botânicos, far- de Botânica, com ênfase em Ecologia Vegetal,
macêuticos, químicos, médicos, entre outros, especialmente em Fitomorfologia Funcional,
“os quais, em conjunto, informarão desde uma aplicando informações da Morfologia e Ana-
segura identificação da espécie botânica, tipo tomia Vegetal. É membro do Corpo Editorial
e doses de substâncias, até formas de uso e/ dos periódicos: Revista de Geografia (Recife),
ou aplicação”. Rejane afirma ainda que a po- Revista Brasileira de Geografia Física e Journal
pulação, de modo geral, utiliza as plantas me- of Hyperspectral Remote Sensing.
dicinais a partir do conhecimento passado por Confira a entrevista.
familiares, a famosa indicação “boca a boca”,

IHU On-Line – Como pode- com grande quantidade de plantas es- Rejane Magalhães de Mendonça
mos definir didaticamente o bioma pinhosas (exemplo: leguminosas), en- Pimentel – A Caatinga se caracteriza
Caatinga? tremeadas de outras espécies como as por apresentar vegetação sob estresse
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Rejane Magalhães de Mendonça cactáceas e as bromeliáceas. ambiental, especialmente associado


Pimentel – Podemos definir o bioma à falta de água, excesso de luminosi-
Caatinga como uma formação vegeta- IHU On-Line – Qual a maior bio- dade e temperatura. Como resposta
cional constituída por um conjunto de diversidade que o bioma oferece? a extremos desses fatores, as plantas
paisagens caracterizadas por uma ve- Rejane Magalhães de Mendonça desenvolvem mecanismos de defesa
getação que perde suas folhas duran- Pimentel – A maior biodiversidade do que estão associados à produção de
te longos períodos de estiagem e volta bioma Caatinga está nos tipos de ve- “princípios ativos”, os quais apresen-
a ficar verde após curtos períodos de getação existentes: a xerofítica – plan- tam efeitos farmacológicos e, por isso,
chuva. A Caatinga é dominada por ti- tas secas, espinhosas, de porte baixo, são utilizados na produção de medica-
pos de vegetação com características sem folhas em épocas secas e muitas mentos. Muitas são as espécies vege-
xerofíticas – formações vegetais secas, suculentas. tais da Caatinga ampla e tradicional-
que compõem uma paisagem cálida e mente utilizadas como medicamentos
espinhosa – com estratos compostos IHU On-Line – Quantas e quais fitoterápicos e é crescente o número
por gramíneas, arbustos e árvores de são as diversidades de plantas que a e os efeitos causados pelo uso dessas
porte baixo ou médio (3 a 7 metros de Caatinga oferece? Elas podem servir plantas.
altura); caducifólias (folhas que caem), como medicamentos em alguns casos?

18 SÃO LEOPOLDO, 23 DE ABRIL DE 2012 | EDIÇÃO 389


Tema de Capa
IHU On-Line – Há um número tas Medicinais e Fitoterápicos dentro Resultados
considerável de plantas medicinais do Sistema Único de Saúde – SUS, des- Os resultados obtidos são divul-
no bioma? Elas podem contribuir no de dezembro de 2008, tem estimulado gados através de meios de divulgação
tratamento de algumas doenças? De um maior número de pesquisas com variados, como eventos científicos e
que maneira elas podem auxiliar para as plantas medicinais. acadêmicos em diferentes institui-
uma melhor utilização farmacêutica? ções de ensino no país e de revistas
Rejane Magalhães de Mendon- IHU On-Line – Por que afirma especializadas em diferentes campos
ça Pimentel – É bastante considerá- que neste ecossistema os indivíduos de interesse. Os mais relevantes para
vel o número de plantas com efeitos passam por períodos de déficit hídri- uso da população local são relativos à
medicinais no bioma Caatinga que co? Em que isso consiste? segurança no uso da planta que verda-
contribuem e que poderão contribuir Rejane Magalhães de Mendonça deiramente possui aquelas substân-
para um melhor tratamento e alívio Pimentel – A região nordeste do Brasil cias chamadas de “princípios ativos” e
de sintomas indesejáveis relacionados é caracterizada pelos climatologistas que são responsáveis pelas respostas
a diferentes enfermidades, tanto para por apresentar longos períodos de positivas aos sintomas indesejáveis
a população humana como para a ani- estiagem, o que, consequentemente, causados por doenças. O de maior
mal. A forma mais adequada para sua causa deficiência hídrica nos indiví- destaque está sendo enviado para
utilização na indústria farmacêutica se duos que ali vivem, especialmente à publicação e está relacionado a uma
dá como resposta a estudos desenvol- vegetação. Os organismos vivos estão planta que comprovadamente tem
vidos por pesquisadores de diferentes constituídos por mais de 80% de água efeitos antiasmáticos e que é utilizada
especialidades, como botânicos, far- e a vegetação depende da disponibi- pela população local como xarope.
macêuticos, químicos, médicos, entre lidade da água presente no solo ou
outros, os quais, em conjunto, infor- proveniente de chuvas para realizar a IHU On-Line – Gostaria de acres-
marão desde uma segura identifica- fotossíntese e produzir seu próprio ali- centar algo?
ção da espécie botânica, tipo e doses mento. Os efeitos da escassez ou falta Rejane Magalhães de Mendon-
de substâncias, até formas de uso e/ de água são sentidos em diferentes es- ça Pimentel – Nosso Laboratório de
ou aplicação. calas, desde a simples queda prema- Fitomorfologia Funcional – LAFF da
tura de folhas até a morte das plantas, UFRPE deseja registrar nossos agra-
IHU On-Line – De que maneira especialmente aquelas mais jovens e decimentos pelo apoio recebido do
as plantas medicinais da Caatinga que não possuem estruturas de reser- Departamento de Biologia da UFRPE e
são utilizadas pela população local do va de água que podem ser utilizadas de órgãos de fomento como a Funda-
ecossistema? durante os períodos de estiagem. ção de Amparo à Ciência e Tecnologia
de Pernambuco – FACEPE e ao Con-
Rejane Magalhães de Mendonça IHU On-Line – A senhora tem selho Nacional de Desenvolvimento
Pimentel – De modo geral, a popu- realizado inúmeras pesquisas refe- Científico e Tecnológico – CNPq pela
lação utiliza as plantas medicinais a rentes às plantas na Caatinga. Nesse concessão de bolsas de estudo e de
partir do conhecimento passado por sentido, quais foram os principais re- pesquisador, além de recursos finan-
familiares, a famosa indicação “boca a sultados obtidos em seus trabalhos e ceiros que possibilitaram a melhoria
boca”, sem controle e segurança, po- de que maneira eles podem auxiliar a na qualidade, ampliação de tipos de
dendo ocasionar sérios riscos à saúde população que reside no local? análises e o desenvolvimento de abor-
ou, até mesmo, à vida de quem utiliza Rejane Magalhães de Mendonça dagens tecnológicas de maior relevân-
estas plantas. Pimentel – A pesquisa realizada por cia para a qualidade de nossos resul-
nós, no Laboratório de Fitomorfologia tados. Além disso, registramos nossos
IHU On-Line – A senhora acredi- Funcional – LAFF do Departamento agradecimentos aos pesquisadores
ta que a Caatinga é o bioma menos de Biologia/Botânica da Universidade de outros departamentos da UFRPE www.ihu.unisinos.br
estudado do Brasil? A que se deve Federal Rural de Pernambuco – UFR- de outras instituições do país, espe-
esse fato? PE, está voltada para as plantas esta- cialmente àqueles da UFPE, pela cola-
Rejane Magalhães de Mendonça belecidas em diferentes biomas do boração e parceria, sem os quais não
Pimentel – Não diria que o bioma Ca- Nordeste, como a Mata Atlântica, a teríamos avançado adequadamente
atinga é o menos estudado no Brasil, Restinga, o Manguezal e a Caatinga. em nossas pesquisas. Enfatizamos
mas necessita de maiores incentivos Dentre esses biomas, a Caatinga tem que todos eles, órgãos de fomento e
para a pesquisa, especialmente em recebido atenção especial no que se pesquisadores, foram fundamentais
virtude de sua grande riqueza quanto refere às estruturas morfoanatômicas para atingirmos um de nossos maio-
à biodiversidade e potencial econô- e suas aplicações funcionais, especial- res objetivos, enquanto professora
mico em diferentes áreas. A pesqui- mente relacionadas à fotossíntese, de uma instituição de ensino superior
sa com espécies de valor medicinal é transporte de água no interior das no Nordeste brasileiro, que é a forma-
uma delas; é uma das linhas que des- plantas, resposta ao ataque de micror- ção de recursos humanos, muitos dos
perta maior interesse público em di- ganismos como fungos e bactérias, e quais já estão atuando em diferentes
ferentes países, destacando-se Cuba. plantas de interesse e/ou uso medici- setores de nossa sociedade, garantin-
No Brasil, a utilização de fitoterápicos nal pela população local. do a disseminação dos conhecimentos
através do Programa Nacional de Plan- adquiridos.

EDIÇÃO 389 | SÃO LEOPOLDO, 23 DE ABRIL DE 2012 19


Tema de Capa
Educação ambiental,
valorização de diversidades
Se o bioma for mais valorizado, teremos investimentos. Tendo mais investimentos
em tecnologias e em políticas públicas em áreas protegidas, a Caatinga conseguirá
enfrentar de cabeça erguida o grande desafio que é o aquecimento global e a
desertificação, explica Rodrigo Castro

Por Thamiris Magalhães

A
educação ambiental tem um importan- se tornar, efetivamente em setembro, o masco-
te papel para a Caatinga, pois tem a te da Copa do Mundo”.
capacidade de valorizar cada vez mais Rodrigo Castro é biólogo. Tem mestrado
as diversidades que podem ser encontradas no em Ciências do Desenvolvimento. Participa de
bioma. “Quer dizer, ele ainda hoje é visto, no diversas redes nacionais e internacionais volta-
imaginário predominante da sociedade, como das para a questão da conservação ambiental.
um ambiente sem valor, atrelado a questões Fundou e coordena a Aliança da Caatinga e a
de escassez, de falta, sofrimento. Ou seja, não Associação Caatinga, que são movimentos de
existe viabilidade ou sustentabilidade na Caa- instituições que se unem para trabalhar algu-
tinga”, lamenta o biólogo Rodrigo Castro, em mas questões do bioma, no intuito de unir es-
entrevista concedida por telefone à IHU On- forços, buscando ampliar a proteção e o nível
-Line. Essa é uma visão que, segundo ele, se de conservação da Caatinga. Além disso, busca
acumulou devido à questão das grandes secas trazer um novo olhar para o semiárido brasilei-
históricas desde o século XIX. “Além disso, no ro, preservando a flora e a fauna e fomentan-
imaginário popular, fixou-se a ideia de que o do o desenvolvimento sustentável do entorno
bioma é sinônimo de sofrimento e de que nele das reservas particulares. Rodrigo criou ainda
é difícil sobreviver. Essa é uma faceta que não a primeira Reserva Particular do Patrimônio
devemos subestimar. Porém, em muitos as- Natural – RPPN do país no bioma Caatinga.
pectos, não se deu espaço para falar de uma É pioneiro na implantação do Selo Município
Caatinga rica, com grande potencial para o Verde, programa de certificação ambiental de
desenvolvimento, com uma enorme biodiversi- municípios do Brasil reconhecido pelo Ministé-
dade, a ser conhecida e descoberta, e de um rio do Meio Ambiente. Desde 1998, beneficiou
bioma que tem muitos exemplos de desenvol- mais de 50 mil pessoas que vivem nas proximi-
vimento viável”, completa. E lança uma novi- dades das 50 reservas criadas em nove estados
dade: “recentemente, a Associação Caatinga do Nordeste e no norte de Minas Gerais. Além
lançou uma campanha nacional de valorização disso, participou da fundação da Associação
para atrair o interesse da sociedade no intui- dos Proprietários de RPPNs do Ceará, a Asa
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to de conhecer melhor a Caatinga e por que é Branca, e esteve à frente, como diretor durante
importante cuidar dela. Trata-se da campanha três anos, até o ano de 2011, da Confederação
do tatu-bola para mascote da Copa do Mun- Nacional de RPPNs, movimento nacional de
do. Lançamos essa campanha em janeiro deste proprietários e proprietárias. Atualmente são
ano. A Fifa recebeu a proposta e achou muito 1.072 em todos os biomas do Brasil.
interessante. Então, o tatu-bola concorre para Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como podemos vido a questões ligadas à topografia, IHU On-Line – Por que a Caatinga
descrever a Caatinga? Quais as pecu- ao clima, a estrutura dos solos, entre representa um dos biomas brasilei-
liaridades do bioma? outros. Então, trata-se de um conjun- ros mais alterados pelas atividades
Rodrigo Castro – A Caatinga é de- to de fatores que criam as condições humanas?
terminada por aspectos de clima, rele- para que exista a Caatinga como co- Rodrigo Castro – Na verdade, a
vo, de regimes de chuvas etc. Ela tem nhecemos, que é um bioma que está Caatinga é uma região com alta den-
as características que conhecemos de- inserido em todos esses atributos. sidade populacional. Ou seja, muitas

20 SÃO LEOPOLDO, 23 DE ABRIL DE 2012 | EDIÇÃO 389


Tema de Capa
pessoas vivem no bioma, desenvol- visão que se acumulou devido à ques- bioma para o comércio, seja através
vem suas atividades no local, sejam tão das grandes secas históricas des- do desenvolvimento de atividades ex-
elas agrícolas ou econômicas. Então, de o século XIX. Além disso, no imagi- trativistas tanto com a carnaúba como
essa relação do homem com o bioma, nário popular, fixou-se a ideia de que com a exploração de abelhas nativas
bem como a ocupação deste último o bioma é sinônimo de sofrimento e de forma racional, que fornecem mel
pelo homem, é muito antiga. O que de que nele é difícil sobreviver. Essa é de altíssima qualidade e de alto valor
nós vivenciamos atualmente é um uma faceta que não devemos subesti- agregado de mercado. Além disso, o
processo de muito tempo de modifi- mar. Porém, em muitos aspectos, não investimento em artesanato, em ati-
cação do ambiente devido às ativida- se deu espaço para falar de uma Caa- vidades em que se explora a Caatin-
des humanas. Temos como resultado tinga rica, com grande potencial para ga com menos impactos e que possa
de tudo isso um nível de degradação. o desenvolvimento, com uma enor- gerar renda, é de suma importância.
O que vemos é um acumulado do pro- me biodiversidade, a ser conhecida e Então, a questão das tecnologias sus-
cesso de ocupação desordenado, de descoberta, e de um bioma que tem tentáveis é fundamental.
certa forma muito predatório, que leva muitos exemplos de desenvolvimento
à situação de agonia da Caatinga. Estu- viável. Desde o norte de Minas Ge-
dos indicam que metade da cobertura rais até o centro sul do Piauí existem
original do bioma já foi desmatada e Políticas públicas
degradada. Porém, trata-se de dados A outra vertente é criar políticas
conservadores, uma vez que sabemos
que esse número é mais elevado. A es- “A estimativa, públicas da nossa região que sejam
voltadas a oferecer incentivos para
timativa, hoje, é a de que pelo menos quem protege, preserva, utiliza de
65% da Caatinga tenha sido destruída. hoje, é a de que forma racional e trabalha a Caatinga
com uma nova proposta, mais inteli-
IHU On-Line – Quais são os pelo menos 65% gente e contemporânea, de explorar
principais fatores que contribuem os recursos sem exterminar as suas
para esse cenário de constante da Caatinga tenha bases. E tudo isso precisa de incen-
degradação? tivo, reconhecimento público. Para
Rodrigo Castro – A ocupação an- sido destruída” isso, precisamos de políticas públicas
tiga e a densidade populacional eleva- que possam premiar quem tem boas
da são uns dos principais fatores. Ou- atitudes, ações produtivas mais sus-
tra questão muito importante é o uso tentáveis. Isso na forma de incentivos
da Caatinga como fonte de energia de financeiros, redução de impostos para
forma ainda não muito sustentável. No exemplos e experiências exitosas de propriedades que possuam manejo
bioma, os estudos indicam que pelo convivência com o semiárido e com a adequado da Caatinga etc. Então, exis-
menos 1/3 de toda a energia utilizada Caatinga, de exploração mais racional tem muitas formas.
provém da queima de madeira, lenha e de condições de melhoria de vida de
ou carvão, que são extraídos, na gran- muitas populações.
de maioria das vezes, de forma não Ampliação de áreas protegidas
planejada, sem plano de manejo flo- A terceira vertente seria criar
restal, sem uma atividade ordenada e Tecnologias sustentáveis condições para que haja a ampliação
planejada. Então, temos hoje um gran- A educação ambiental tem um das áreas protegidas no bioma. Que
de território que precisa de energia e a papel fundamental na valorização possa se investir de maneira forte na
mais barata ainda é a da lenha. Porém, para aproximar as pessoas a enxerga- criação de Unidades de Conservação
trata-se de uma energia explorada de rem a Caatinga como um todo e, prin- em áreas protegidas. Precisamos pre- www.ihu.unisinos.br
forma irracional. E isso, ao longo de cipalmente, esses aspectos positivos servar áreas sensíveis e frágeis, como
muito tempo, causou um processo de que não são vistos. Na verdade, o que topos de morros, encostas, áreas de
degradação muito grande. não se conhece é muito difícil valori- nascentes na Caatinga para continuar
zar. Porém, a educação ambiental não garantindo a segurança hídrica; para
IHU On-Line – De que maneira a é o suficiente para reverter o quadro que continue existindo água em um
educação ambiental pode contribuir de degradação que predomina. Além bioma onde o déficit hídrico e a es-
para a conservação do bioma? de uma educação para o meio am- cassez de água são grandes. Se não
Rodrigo Castro – Ela tem uma biente, tem que se trabalhar três ou- preservarmos áreas estratégicas, que
vertente fundamental que é a valori- tros aspectos fundamentais: acesso ao produzem água, que controlam as pra-
zação da Caatinga. Quer dizer, o bio- conhecimento (chamamos isso de Tec- gas e a erosão, há um maior incentivo
ma ainda hoje é visto, no imaginário nologias Sustentáveis), que serve para ao processo de desertificação, porque
predominante da sociedade, como um trabalhar a Caatinga explorando-a de quanto mais se desmata mais cresce
ambiente sem valor, atrelado a ques- forma mais sustentável, seja o manejo a desertificação. E, com as áreas pro-
tões de escassez, de falta, sofrimento. das florestas, manejo de espécies ou tegidas, há uma forma de enfrentar e
Ou seja, não existe viabilidade ou sus- silvicultura, plantando espécies com não deixar que o processo de desertifi-
tentabilidade na Caatinga. Essa é uma grande valor econômico de árvores do cação possa expandir. Então, trabalhar

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Tema de Capa de maneira forte a criação de Unida- semiárida e muitas áreas do semiárido
des de Conservação e fazer com que
aquelas existentes sejam bem geridas
“A estimativa, na Caatinga poderão se tornar áridas.
E áridas são áreas que têm clima de
dá condições de trazer mais sustenta-
bilidade para o bioma.
hoje, é a de que deserto, onde é muito difícil encontrar
água, viver e onde a adaptação das so-
pelo menos 65% ciedades e das localidades se tornará
cada vez mais difícil.
Criação de Unidades de
Conservação da Caatinga tenha IHU On-Line – De que forma o
É importante frisar que a criação
de Unidades de Conservação vai de sido destruída” incentivo ao ecoturismo pode cola-
borar para a conservação de áreas
encontro com a visão de promover o da Caatinga, bem como à consciência
desenvolvimento regional na Caatinga ambiental da população?
dentro de uma lógica de zoneamento, protegido em forma de Unidade de Rodrigo Castro – O ecoturismo
onde existem áreas para a preserva- Conservação de Proteção Integral e parte do princípio de que você vai
ção, produção, pecuária e a possibi- menos de 8% está protegido em qual- fazer visita a áreas naturais, de paisa-
lidade de desenvolver o potencial de quer forma de Unidade de Conserva- gens preservadas, bonitas; bicicleta,
cada uma, não esquecendo que algu- ção. Em comparação com outros bio- trilha, alguns esportes radicais tam-
mas delas devem permanecer sendo mas, realmente a Caatinga é o bioma bém entram nesse segmento. Há, na
preservadas para o bem da humanida- menos protegido por Unidade de Con- verdade, a possibilidade de uma vi-
de, para o equilíbrio do ecossistema e servação. E o mais ameaçado é porque vência na natureza que seja positiva e
da manutenção das espécies que são nós estamos diante de um fenômeno prazerosa. Para que isso aconteça, tem
importantes para nós. mundial, que é a questão do aqueci- que haver um ambiente que ofereça
mento global, que acontece dentro essas condições. Ou seja, um ambien-
IHU On-Line – Por que o senhor do processo das mudanças climáticas. te preservado. Aqui se insere nova-
afirma que a Caatinga assume a posi- Isso vem trazendo novos desafios para mente a questão das áreas protegidas
ção do bioma brasileiro menos prote- a Caatinga. O bioma é um território das Unidades de Conservação como
gido do país e o mais ameaçado? semiárido, onde já existe o fenômeno um alvo fundamental dentro de uma
Rodrigo Castro – Trata-se de uma da desertificação bastante acentuado. estratégia de fortalecer o ecoturismo
questão de estatística que está dispo- Então, as áreas que estão desertifica- na Caatinga ou, na verdade, o turis-
nível nos levantamentos do Ministério das continuarão, e crescem, principal- mo de maneira geral, uma vez que o
do Meio Ambiente, que é um levan- mente devido ao aquecimento global. potencial de beleza cênica, das cha-
tamento que mostra qual o nível de Ademais, com a temperatura média padas, das serras, do sertão é imenso,
proteção legal dos biomas brasileiros. crescendo no bioma nos próximos bem como o potencial de paisagem.
Na Caatinga, nós temos a seguinte si- 50, 100 anos, existe um cenário não Além disso, existem muitas Unidades
tuação: menos de 2% do bioma está muito favorável porque a região já é de Conservação belíssimas no bioma.
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Tema de Capa
Apesar de serem poucas ainda, as que proteção de nascentes que abastecem Mascote como símbolo de
existem são extremamente bonitas e mananciais e abastecimento huma- valorização do bioma Caatinga
representativas. Ademais, é necessá- no urbano ou semiurbano; colabora, Esse exemplo resume muito bem
ria ainda uma série de fatores de in- quando o proprietário tem interesse, a nossa filosofia de trabalho na Asso-
fraestrutura e logística para que o eco- recebendo as escolas, trabalhando ciação Caatinga, que é trabalhar pela
turismo possa chegar até à Caatinga. A com a educação, recebendo turismo. valorização desse bioma com as tec-
riqueza é indiscutível, existe de sobra. Então, as RPPNs conseguem mobilizar nologias e políticas públicas, tentan-
Mas ainda falta muita infraestrutura vários segmentos. Mas devo frisar que do fomentar incentivos. Além disso, o
para viabilizar esse ecoturismo. Mas, depende muito do perfil e do interes- tatu-bola simboliza uma espécie rara,
este, atrelado às áreas protegidas, se do proprietário. Este cria uma RPPN muito ameaçada, inusitada, surpre-
conseguiria exatamente oferecer às para conservação da biodiversidade. endente, que vem essencialmente da
pessoas a possibilidade de conhecer Ele não é obrigado a ter um programa Caatinga e de alguns lugares do Cer-
esse ambiente de perto, vivenciá-lo e educacional e/ou turístico. Isso é opta- rado. Ademais, para nós, tem repre-
poder enxergar o que realmente exis- tivo. Ele cria uma RPPN com o objetivo sentado uma grande bandeira, desde
te de positivo não apenas na internet, de preservar aquela paisagem e aque- o começo deste ano, de o tatu-bola
nos sites ou nas publicações. Assim, as le ambiente. Se tiver interesse, a lei o ser o nosso mensageiro para uma Caa-
pessoas terão uma visão mais comple- autoriza a desenvolver atividades de tinga sustentável e preservada. Se ele
ta, realista, do que é a Caatinga. pesquisa, com parcerias com universi- se tornar o mascote, iremos trabalhar
dades, por exemplo, e outras institui- para tentar ver como a Copa do Mun-
IHU On-Line – Como as Reservas ções de ensino ou pesquisa; além de do pode trazer um legado ambiental
Particulares do Patrimônio Nacional – poder fazer um projeto de educação para a preservação da Caatinga; que
RPPNs podem auxiliar as populações ambiental e realizar atividades de vi- as pessoas no Brasil e no mundo pos-
locais que trabalham diretamente sitação turística ou educativa. No en- sam enxergar que o tatu-bola é uma
com elas? tanto, isso depende da visão do pro- espécie que vem da Caatinga. E pos-
Rodrigo Castro – Podem-se fo- prietário com a sua respectiva RPPN, o sam perguntar: “o que é a Caatinga
mentar, junto à população local, ati- que busca desenvolver e qual tipo de mesmo? Vamos conhecer!”
vidades de turismo, que podem gerar atividade almeja realizar. Então, para nós, essa campanha
renda para uma cozinheira que traba- de mobilização da sociedade em torno
lha no seu receptivo para um guia, que IHU On-Line – Gostaria de acres- da valorização da Caatinga toma uma
conduzirá os turistas nas trilhas etc. centar algo? dimensão e um rumo grande e acredi-
Então, tudo isso está ligado ao ecotu- Rodrigo Castro – Sim. Recente- tamos que, se o tatu-bola for escolhi-
rismo e às RPPNs que já existem e que mente a Associação Caatinga lançou do, nós teremos uma grande repercus-
acabam gerando emprego localmente. uma campanha nacional de valoriza- são para a Caatinga e para o esforço de
A outra vertente é gerar conhecimen- ção para atrair o interesse da socie- valorização do bioma. Para nós, esse
tos sobre a Caatinga com pesquisa- dade no intuito de conhecer melhor momento está sendo muito interes-
dores dentro da área que podem ter a Caatinga e por que é importante sante, porque nunca tantas pessoas
desdobramentos para fora dos limites cuidar dela. Trata-se da campanha falaram sobre a Caatinga como ago-
das RPPNs, e muitas vezes têm. Uma do tatu-bola para mascote da Copa ra, devido a essa discussão da Copa
última questão é a de envolver a rede do Mundo. Lançamos essa campanha do Mundo. Se a Caatinga for mais co-
educacional local para que as escolas em janeiro deste ano. A Fifa recebeu nhecida será mais valorizada. E se for
tenham a oportunidade de se confron- a proposta e achou muito interessan- mais valorizada, teremos mais investi-
tar com a Caatinga e se deixar surpre- te. Então, o tatu-bola concorre para se mentos. Tendo mais investimentos em
ender com o que o bioma possui. E isso tornar, efetivamente em setembro, o tecnologias e em políticas públicas em
tem dado resultados impressionantes. mascote da Copa do Mundo. áreas protegidas, a Caatinga consegui- www.ihu.unisinos.br
Ademais, o proprietário de RPPN con- rá enfrentar de cabeça erguida o gran-
tribui para a sustentabilidade do mu- de desafio que é o aquecimento global
nicípio; coopera, muitas vezes, para a e a desertificação.

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Tema de Capa
Produtos artesanais compõem
o cenário de biodiversidade da
Caatinga
Produção com fibras de palhas, cerâmicas, bordados com registros de espécies da fauna
e flora e artefatos oriundos de material reciclável também são destaques do bioma
Por Thamiris Magalhães

“A
credito que somente o processo educativo e co- Unidades de Conservação de uso sustentável; assegurar
ercitivo dos gestores ambientais não é suficien- recursos para pagamentos por serviços ambientais e pro-
te para estimular a população. São necessários mover a integração da política ambiental com os demais
projetos e linhas de financiamentos acessíveis aos usuá- setores econômicos (turismo, agricultura, indústria), edu-
rios de produtos e serviços ambientais de forma gradativa, cação e extensão”.
face às especificidades regionais”, esclarece Maria Tereza Maria Tereza Bezerra Farias Sales é coordenadora do
Bezerra Farias Sales, em entrevista concedida por e-mail Projeto Mata Branca, no Ceará. Possui graduação em Ge-
à IHU On-Line, ao ser questionada sobre a dificuldade ologia pela Universidade Federal do Ceará – UFCE e Mes-
em mobilizar as pessoas para a preservação da Caatinga. trado em Geologia Ambiental pela mesma Universidade. É
Maria Tereza diz, ainda, que um dos desafios que o bioma autora de Geologia da Estação Ecológica de Aiuaba - Cea-
enfrenta atualmente é o de criar Unidades de Conserva- rá. Fortaleza: UFC, 1988 (Geologia).
ção de proteção integral: “adotar modelos de cogestão em Confira a entrevista.

IHU On-Line – No que consiste o entre Estados e iniciativa privada e/ou IHU On-Line – Qual o potencial
Projeto Mata Branca? Quais as contri- terceiro para assegurar o turismo em madeireiro que o bioma oferece?
buições que ele oferece à Caatinga? Unidades de Conservação. Maria Tereza Bezerra Farias Sales
Maria Tereza Bezerra Farias Sa- – O potencial madeireiro encontra-se
les – Consiste em promover a gestão IHU On-Line – A senhora acredi- em fase de diagnóstico pelo Ministério
sustentável da Caatinga nos estados do ta que é difícil mobilizar as pessoas do Meio Ambiente e estado do Ceará,
Ceará e da Bahia por meio de um plano para a preservação do bioma? realizado ainda na década de 1990. É
de capacitação para atores sociais diver- Maria Tereza Bezerra Farias Sa- crescente o uso para fins energéticos
sos, envolvendo tomadores de decisão, les – Acredito que somente o proces- e produtos de móveis e demais sub-
comunidades locais e terceiro setor. so educativo e coercitivo dos gestores produtos. Portanto, o potencial pode
Prioriza a implementação de projetos ambientais não é suficiente para es- estar comprometido em algumas regi-
ambientais sustentáveis com agregação timular a população. São necessários ões do estado, o que reflete também
de melhoria de renda, inserindo aspec- projetos e linhas de financiamentos na diminuição de espécies da fauna.
tos culturais e tecnologias limpas. acessíveis aos usuários de produtos e
serviços ambientais de forma gradati- IHU On-Line – Quais os maio-
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IHU On-Line – Quais são as contri- va, face às especificidades regionais. res desafios que a Caatinga enfrenta
buições artesanais que a Caatinga tem? atualmente?
Maria Tereza Bezerra Farias Sa- IHU On-Line – Como avalia o des- Maria Tereza Bezerra Farias Sales
les – Produção com fibras de palhas, matamento na Caatinga? – Um deles é aumentar o percentual
cerâmicas, bordados com registros de Maria Tereza Bezerra Farias Sa- de áreas manejadas. Outro seria criar
espécies da fauna e flora e artefatos les – Este problema somente na últi- Unidades de Conservação de proteção
oriundos de material reciclável. ma década passou a ser considerado integral: adotar modelos de cogestão
relevante para fins de implementação em Unidades de Conservação de uso
IHU On-Line – De que maneira é de políticas públicas e monitoramen- sustentável; assegurar recursos para
possível gerar um pensamento de va- to deste bioma. Portanto, agrava-se pagamentos por serviços ambientais e
lorização da Caatinga com atividades à medida que a implementação de promover a integração da política am-
diferentes das agrícolas? planos, programas e incentivos ainda biental com os demais setores econô-
Maria Tereza Bezerra Farias Sales representam iniciativas pontuais em micos (turismo, agricultura, indústria),
– A partir arranjos produtivos de pro- face de dimensão do bioma da e por- educação e extensão.
dutos envolvendo os atrativos naturais centagem da população que sobrevive ”
para estimular o turismo rural e cien- de produtos oriundos dele.
tífico; adotar modelos de cogestão
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Tema de Capa
Plantas com potencial
alimentício em evidência
Muitas espécies arbóreas da Caatinga são utilizadas no setor domiciliar para o
cozimento de alimentos, pontua Ulysses Paulino de Albuquerque


A Caatinga apresenta uma grande diversi- é exuberante!”
dade de plantas medicinais”. A afirmação Ulysses Paulino de Albuquerque concluiu
é do professor associado da Universidade o doutorado em Biologia Vegetal pela Univer-
Federal Rural de Pernambuco – UFRPE Ulysses sidade Federal de Pernambuco – UFPE, com
Paulino de Albuquerque, em entrevista conce- realização de estágio no laboratório de etno-
dida por e-mail à IHU On-Line. Segundo ele, botânica da Universidade Nacional Autônoma
estima-se que hoje mais de 500 espécies, entre do México sob a supervisão do Dr. Javier Ca-
nativas e exóticas, são usadas para fins medici- ballero. É professor associado da Universidade
nais por comunidades tradicionais e locais. “No Federal Rural de Pernambuco – UFRPE onde
que tange aos recursos madeireiros, o bioma coordena o Laboratório de Etnobotânica Apli-
tem uma forte vocação no fornecimento de cada. Foi presidente da Sociedade Brasileira de
plantas para fins energéticos: carvão e lenha. Etnobiologia e Etnoecologia (2005-2008), sen-
Além disso, muitas espécies arbóreas da Caa- do atualmente vice-presidente. Ainda foi vocal
tinga são utilizadas no setor domiciliar para o internacional da Sociedade Latino-Americana
cozimento de alimentos”. Albuquerque avalia, de Etnobiologia. Publicou vários artigos em pe-
ainda, que o aspecto mais fascinante da Caa- riódicos especializados e trabalhos em anais de
tinga é a chamada sazonalidade climática. Ao eventos. Atua na área de botânica e antropo-
ser questionado a respeito de o bioma ser as- logia ecológica, com ênfase em etnobotânica.
sociado à imagem de seca, ao gado magro e Tem interesse especial voltado para a com-
à fome, responde o seguinte: “as chuvas apre- preensão dos fatores que modulam a relação
sentam uma distribuição irregular ao longo do entre pessoas e plantas na interface ecologia e
ano, concentrando-se em poucos meses. Como processos evolutivos.
a estação seca é a mais duradoura, a imagem Confira a entrevista.
de seca persiste fortemente no imaginário”. E
diz contente: “na estação chuvosa, a Caatinga

IHU On-Line – Quais as contribui- IHU On-Line – Por que o bioma é adversidades ambientais. Na estação
ções medicinais e madeireiras que a associado à imagem de seca, ao gado chuvosa, a Caatinga é exuberante! www.ihu.unisinos.br
Caatinga oferece? magro e à fome? IHU On-Line – Quais as diversi-
Ulysses Paulino de Albuquerque Ulysses Paulino de Albuquerque dades de plantas e animais que a Ca-
– A Caatinga apresenta uma grande di- – Na verdade, o aspecto mais fascinan- atinga oferece?
versidade de plantas medicinais. Hoje te da Caatinga é a chamada sazonali- Ulysses Paulino de Albuquerque
estimamos que mais de 500 espécies, dade climática. As chuvas apresentam – Antigamente, acreditava-se que a
entre nativas e exóticas, são usadas uma distribuição irregular ao longo Caatinga era muito pobre em termos
para fins medicinais por comunidades do ano, concentrando-se em poucos de biodiversidade. Hoje esse concei-
tradicionais e locais. No que tange aos meses. Como a estação seca é a mais to mudou completamente, pois foi
recursos madeireiros, o bioma tem duradoura, a imagem de seca persiste construído com base em um banco de
uma forte vocação no fornecimento de fortemente no imaginário. É claro que dados pobre, oriundo de poucos es-
plantas para fins energéticos: carvão e existem dificuldades e pobreza na re- tudos. Na verdade, o bioma é rico em
lenha. Além disso, muitas espécies ar- gião, mas as populações humanas que endemismos e com um grande poten-
bóreas da Caatinga são utilizadas no habitam a Caatinga estão adaptadas a cial econômico que precisa ser explo-
setor domiciliar para o cozimento de esta sazonalidade e têm desenvolvido rado em uma base sustentável.
alimentos. várias estratégias para contornar as

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Tema de Capa IHU On-Line – Quais as contribui- “Na estação chuvosa, a Caatinga como as indústrias de curtume de
ções que as plantas nativas da Caatin- couro e o consumo de lenha para cal-
ga podem oferecer à população que é exuberante!” cinação, por exemplo.
reside no bioma? Que produtos elas
nos fornecem? IHU On-Line – Como percebe o
Ulysses Paulino de Albuquerque futuro do bioma? O que podemos fa-
– Plantas medicinais, combustíveis alimentício, algumas das quais com zer para conservar a Caatinga?
para construções rurais, entre outros. interessantes qualidades nutricionais. Ulysses Paulino de Albuquer-
Mas a Caatinga tem um grande po- que – Apesar do aumento no número
tencial no fornecimento de plantas IHU On-Line – Quais são as ativi- de estudos, infelizmente os cientistas
alimentícias. Infelizmente, são poucos dades econômicas mais importantes de diferentes áreas do conhecimento
os estudos a respeito. A Dra. Viviany na Caatinga? pouco dialogam entre si. Não será pos-
Nascimento, da Universidade Estadu- Ulysses Paulino de Albuquerque sível conservar a Caatinga sem consi-
al da Bahia, em parceria com o nosso – De modo geral, a agricultura e a pe- derar todas as dimensões associadas
grupo de pesquisa, catalogou uma boa cuária. Todavia, os usos dos recursos à sua conservação e uso sustentável:
diversidade de plantas com potencial naturais do bioma estão fortemen- biológica, social e econômica.
te ameaçados por outras atividades,
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27 EDIÇÃO 000 | SÃO LEOPOLDO, 00 DE 00 DE 0000 SÃO LEOPOLDO, 00SÃO
DE LEOPOLDO,
XXX DE 000000
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DE XXX DE
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Entrevista da Semana
Destaques da Semana

Repensar a economia.
O desafio do século XXI
“Não se trata de contestar o crescimento econômico por si só. Trata-se de fazer a
pergunta que a ciência econômica habitualmente não faz: crescer para quê, para
produzir o quê, para ter qual resultado na sociedade?”, questiona o professor titular
do Curso de Economia da Universidade de São Paulo – USP

Por Patricia Fachin, Luana Nyland, Natália Scholz

E
  mbora tenha sido possível produzir bens sárias, a partir da ideia de limites e luta contra as
de consumo emitindo 21% a menos de ga- desigualdades”.
ses de efeito estufa e consumindo 23% me- Antes do evento, Abramovay conversou com
nos materiais, o crescimento econômico mundial IHU On-Line pessoalmente e falou sobre o que
foi tão expansivo, nas últimas duas décadas, que significa repensar a economia e os desafios inte-
os esforços econômicos e ambientais não surti- lectuais e políticos que envolvem essa discussão.
ram efeito. Com base nessas informações, e par- Segundo ele, o momento atual exige mudanças
tindo de uma posição moderada, nem pessimista decisivas especialmente “nos propósitos da vida
nem otimista demais, o professor da USP, Ricardo econômica. (...) Para a ciência econômica (a Eco-
Abramovay (foto abaixo), destaca que, no atual nomics) o sentido da vida econômica não é algo
período de transição para uma economia de bai- que deva ser questionado: porque cada indivíduo
xo carbono, os desafios para o planeta atingir a vai cuidar de si e o resultado vai ser o melhor para
sustentabilidade perpassam por mudanças não só todo mundo. Isso talvez fosse verossímil em um
na forma de produzir bens de consumo e serviço, mundo de três bilhões de pessoas. Mas em um
mas também de repensar a Ciência Econômica. mundo tão desigual e rumando para 10 bilhões
Essas foram as discussões centrais da palestra de habitantes, temos que nos perguntar para
que Abramovay ministrou na Unisinos, na última que se produz e quais são as finalidades da vida
quarta-feira, 12-04-2012, participando do Ciclo econômica. É nesse sentido que penso que preci-
de palestras Rio+20, promovido pelo Instituto Hu- samos ir além da economia, ou seja, repensar a
manitas Unisinos – IHU. Apesar de ser favorável economia com base nas suas origens, como uma
ao conceito de economia verde, um dos temas ciência organicamente integrada à questão do
centrais a ser abordado na Rio+20, ele é enfático: bem viver e da ética. E não como uma mecânica
“Reconhecer a importância das inovações tecno- dos interesses individuais de cuja interação resul-
www.ihu.unisinos.br

lógicas embutidas na ideia de economia verde taria, de forma não intencional, não voluntária,
não significa dizer que a economia verde e, muito maior riqueza e, portanto, supostamente, maior
menos o suposto crescimento verde, são capazes bem-estar”, esclarece.
de resolver os problemas do século XXI”. Para ele, Ricardo Abramovay é graduado em Filosofia,
a desconfiança que os diferentes participantes da mestre em Ciência Política e doutor em Sociolo-
Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvi- gia. É professor titular do curso de Economia da
mento Sustentável têm em relação à efetividade Universidade de São Paulo – USP. Para acompa-
da economia verde “tem razão de ser”. E esclare- nhar as publicações do pesquisador, acesse sua
ce: “Essa desconfiança só será atenuada caso se home page abramovay.pro.br, ou pelo Twitter @
consigam associar as inovações tecnológicas da abramovay.
economia verde – que são importantes e neces- Confira a entrevista.

28 SÃO LEOPOLDO, 23 DE ABRIL DE 2012 | EDIÇÃO 389


Destaques da Semana
IHU On-Line – Quais serão os tudo isso é largamente insuficiente andares superiores da pirâmide social
temas mais críticos para o Brasil na para enfrentar os grandes problemas mundial continuem com seu atual
Rio+20, considerando a agenda am- socioambientais do século XXI. Então, consumo de recursos na expectativa
biental brasileira? reconhecer a importância das inova- de que a economia verde seja capaz
Ricardo Abramovay – A grande ções tecnológicas embutidas na ideia de propiciar que todas as pessoas te-
dúvida é que papel o Brasil, como li- de economia verde não significa dizer nham acesso a esse mesmo patamar.
derança global, vai exercer na Rio+20. que ela (a economia verde) e, muito As contas não fecham: não há energia
Esse papel será o de se adaptar à des- menos, o suposto crescimento verde e materiais suficientes para fazer isso.
confiança que os temas ambientais são capazes de resolver os problemas
veem suscitando cada vez mais no que temos pela frente. IHU On-Line – Como os toma-
G-77, como se eles fossem sinônimo Para resolver essas questões, dores de decisão econômica ten-
de protecionismo por parte dos países faltam duas coisas. A primeira delas dem a se apropriar desse conceito
desenvolvidos, como se fossem anta- resulta do fato de que, por mais que de economia verde? Corre-se o risco
gônicos às grandes metas do desen- a economia verde tenha avançado, de novamente mercantilizar a ques-
volvimento? Ou, ao contrário, o Brasil isto é, por mais que sejamos capazes tão ambiental, como aconteceu na
tentará mostrar para os outros países de produzir cada dólar, euro, yuam Revolução Verde, em que se aumen-
do G-77 que, submeter o comércio ou real emitindo menos por unidade tou a produção de alimentos, mas
mundial a regras civilizatórias referen- de dólar e usando menos material até hoje não se resolveu o problema
tes ao trabalho e à manutenção dos por unidade de dólar, isso não é sufi- da fome, sem falar na ampliação do
serviços dos ecossistemas, dos quais ciente para dar conta dos problemas uso de agrotóxicos? As aspirações do
dependemos, pode ser um fator fun- ambientais do planeta. Nos últimos mercado e das corporações são as
damental não só para a sociedade, 20 anos a economia global produziu mesmas daqueles que querem um
mas também para a própria prosperi- emitindo 21% a menos de gases de planeta sustentável? As empresas es-
dade dos negócios? efeito estufa por dólar, e consumindo tão dispostas a fazer transformações
Trata-se de dois caminhos an- 23% menos de materiais (relativamen- sociais?
tagônicos, e os documentos até aqui te a cada unidade de valor levada ao Ricardo Abramovay – As empre-
produzidos (o Rascunho Zero e o docu- mercado) do que há duas décadas. Só sas agem por interesse. O interesse
mento brasileiro) flertam com a ideia que o crescimento da economia mun- delas é, antes de tudo, sobreviver. Mas
de que temas ambientais são formas dial foi tão espantoso que as emissões dizer simplesmente que as empresas
usadas para impor barreiras comer- em termos absolutos, nesses 20 anos, visam somente o lucro e não estão
ciais não tarifárias. Essa ideia traz um aumentaram 39%, e o consumo de preocupadas com as questões socio-
prejuízo muito forte para o avanço da materiais aumentou 41%. Isso mostra ambientais é ingênuo. Sobretudo, no
discussão global sobre o desenvolvi- que é redondamente falsa a expectati- que se refere às grandes corporações,
mento sustentável. va de que se pode continuar com o pé porque elas fazem estudos prospec-
no acelerador do crescimento e, por tivos relativos ao que será o mundo
IHU On-Line – Você tem uma vi- outro lado, que se possam introduzir nos próximos 50 anos e procuram se
são otimista da economia verde, mas inovações tecnológicas que mudariam organizar estrategicamente em função
essa percepção não é um consenso a composição e os métodos produti- disso. Então, o que domina hoje o am-
entre ambientalistas, pesquisadores, vos para prosseguir no ritmo atual de biente corporativo – se não domina ao
líderes políticos e empresas. Alguns expansão da economia mundial. menos tem uma forte influência – é a
alegam que se trata de uma mercanti- ideia de que estamos transitando de
lização das questões ambientais pela IHU On-Line – Os líderes polí- um mundo no qual o básico na ino-
economia, e outros veem na econo- ticos têm consciência de que não é vação é melhorar a produtividade do
mia verde a alternativa para pensar mais possível crescer dessa maneira? trabalho e do capital para um mundo www.ihu.unisinos.br
um mundo sustentável. Como deba- Ricardo Abramovay – Deveriam onde o mais importante desafio da
ter e avançar na Rio+20, se cada uma ter, porque esses dados que citei se inovação é melhorar a quantidade e a
das partes tem uma compreensão di- encontram nos principais documentos qualidade de bens de consumo e ser-
ferente do que seja economia verde? internacionais produzidos pelas Na- viço que se consegue obter da mesma
Ricardo Abramovay – As críticas ções Unidas e pelas mais importantes quantidade de matéria e de energia,
feitas por países como Cuba, Bolívia, consultorias globais. emitindo e poluindo menos.
Venezuela, Equador e alguns países do Portanto, a desconfiança dos Por que as empresas estão pre-
Caribe, na reunião da Comissão Econô- países que mencionei anteriormente ocupadas com isso? Por razões du-
mica para a América Latina e o Caribe com relação à economia verde tem ra- plamente materiais: por causa do seu
– Cepal em novembro de 2011, sobre zão de ser. Essa desconfiança só será “próprio bolso”; e também pela cons-
a Rio+20, são procedentes. Por mais atenuada caso se consigam associar ciência – e isso é inédito – de que ma-
que se consigam avanços tecnológicos as inovações tecnológicas da econo- téria, recursos bióticos e energia não
no sentido de melhorar o uso dos re- mia verde – que são importantes e são infinitos e, portanto, os critérios e
cursos ecossistêmicos dos materiais e necessárias – a dois elementos decisi- parâmetros para seu uso terão de ser
da energia, e por mais que se avance vos: limites e luta contra as desigual- mudados. Além disso, tem uma ques-
em direção de energias renováveis, dades. Não é possível imaginar que os tão adicional que é a influência da so-

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Destaques da Semana ciedade civil sobre as empresas. Essa triais brasileiros e a presidente Dilma. IHU On-Line – Como imagina que
influência foi muito importante com O único momento em que a questão seria a lógica de funcionamento das
relação à indústria do tabaco, cuja im- ambiental apareceu foi quando o re- indústrias da economia de baixo car-
portância tende a declinar em função presentante da Vale se queixou da len- bono, considerando que hoje há mui-
da imensa pressão social. De certa for- tidão no licenciamento ambiental. ta pobreza no entorno das regiões
ma, a indústria automobilística, cada Ou seja, o Brasil fez algo muito nas quais estão instalados os portos,
vez mais, também é vista dessa for- importante do ponto de vista do cli- as mineradoras e as hidrelétricas? No
ma. As pessoas que vivem nos centros ma, que foi reduzir o desmatamento, caso da construção de um campo de
metropolitanos se sentem mais feli- que era de 24 mil km² em 2004 para energia eólica, poder-se-ia criar um
zes quando conseguem organizar sua sete mil km² hoje. Mas temas como bolsão de pobreza também?
vida sem automóvel em comparação a questão urbana, a mobilidade e o Ricardo Abramovay – Hoje uma
a quando conseguem acesso ao ele. A crescimento industrial estão comple- das grandes preocupações das mine-
indústria agroalimentar também não tamente dissociados da economia ver- radoras, por pressão da sociedade, é
poderá manter a atitude predominan- de. É como se a economia verde fosse como será possível extrair minérios
te até aqui de produzir alimentos que uma espécie de tema florestal. Nesse – porque eles são necessários – de
geram obesidade e tentar compensar sentido, o Brasil está muito aquém do maneira não predatória. Isso depende
isso colocando nos bairros pobres, necessário para um país que será sede menos da vontade das empresas do
quadras de esportes para as pessoas da Rio+20. que do ambiente em que elas estão
fazerem exercícios. atuando. O Brasil tem uma tendência a
IHU On-Line – Pode citar alguns fazer uma mineração cada vez menos
IHU On-Line – De que manei- exemplos das iniciativas que visam predatória. Nos países andinos, minha
ra a economia de baixo carbono alcançar maior eficiência energética impressão é que os problemas socio-
poderia fomentar a indústria na- e material, gerando menos poluição ambientais da mineração são bem
cional e interferir no processo de e impactos ao meio ambiente, que já mais graves do que no Brasil. Ainda
desindustrialização? estão sendo implantadas na China e é cedo para saber que regime de tra-
Ricardo Abramovay – Foi anun- na Coreia do Sul? balho fazendas de energia eólica irão
ciada uma medida segundo a qual o Ricardo Abramovay – O ritmo glo- implantar. Mas no Nordeste brasileiro,
Brasil levará para a Rio+20 a ideia de bal da transição para a economia verde por exemplo, elas já estão sinalizando
que as compras públicas em todo o é muito mais lento do que deveria ser. algo positivo que são novas fontes de
mundo devem ser pautadas por crité- Em todo caso, há exemplos importan- renda para agricultores familiares em
rios de sustentabilidade. Isso é um ele- tes nos carros elétricos, em residências cujas terras vão se instalar.
mento positivo. Mas quando se obser- que não só consomem menos energia
va o que está acontecendo em termos que o habitual, mas chegam a fornecer IHU On-Line – Quando o econo-
de política industrial desde o início energia para a rede e nos investimen- mista francês Serge Latouche1 esteve
do atual governo, e quando se consi- tos em eólica e solar, sobretudo vin- na Unisinos, disse que não conhecia
dera que estamos no ano da Rio+20, dos da China. O planejamento urbano o termo economia de baixo carbono,
percebe-se que há distância entre de- também recebeu sinais positivos, com mas sim pós-carbono. De todo modo,
senvolvimento sustentável e as pre- cidades sendo pensadas em função das
ocupações com relação à desindus- pessoas, e não dos carros. Esse é um 1 Serge Latouche: economista, sociólogo
trialização. Cito um exemplo: o jornal dos elementos mais importantes para e antropólogo, professor na Universidade
de Paris-Sul e presidente da Associação
Valor Econômico publicou, no início se conseguir compatibilizar a vida so- Linha do Horizonte. É autor de, entre
de março, um balanço das ações do cial com os ecossistemas. Cidades sus- outros, Les Dangers du marché planétaire
governo federal para atenuar o qua- tentáveis são uma grande esperança de (Os perigos do mercado planetário.
Paris: Editora Presses de Sciences, 1998).
dro de desindustrialização pelo qual o que os limites não sejam destrutivos no Latouche concedeu uma entrevista à
www.ihu.unisinos.br

Brasil está passando. Nessa página do sentido de bloquear as realizações das IHU On-Line n.º 100, de 10-05-2004,
Valor há uma tabela com 16 medidas pessoas. Pelo contrário, espera-se que Como salvar o planeta e a humanidade?
Decrescimento ou desenvolvimento
que foram tomadas desde o início do o enfrentamento desses limites traga sustentável?, disponível para download em
governo, e seis medidas que foram para os indivíduos as maiores possibi- http://bit.ly/n1Zh6T. Confira, também,
prometidas. Dessas 22 medidas, ne- lidades de eles viverem uma vida que a edição nº 56 dos Cadernos IHU Ideias,
intitulado O decrescimento como condição
nhuma tem relação com a economia vale a pena ser vivida, uma vida melhor de uma sociedade convivial, disponível
verde. As medidas do governo, por e não pior. Ou seja, uma vida em que para download em http://bit.ly/qGBHiJ.
outro lado, são de incentivar o crédito, uma pessoa não fique três horas para- Latouche foi conferencista do evento Ciclo
de Palestras: Economia de Baixo Carbono.
conceder isenções fiscais, subsídios, do dentro de um carro, em que as pes- Limites e Possibilidades, de 22 a 25-11-
etc. e, como sempre, com forte ênfase soas possam trabalhar proximamente 2011, na Unisinos. Confira a programação
no setor automobilístico. de suas residências para que conheçam completa em http://migre.me/69uxi.
Confira ainda, as seguintes publicações de
O Brasil está na contramão de as pessoas do seu bairro e que vivam Latouche no IHU: Cadernos IHU Ideias 164,
países como a China, Coreia do Sul e num circulo local e, ao mesmo tempo, intitulado Será o decrescimento a boa nova
EUA. Duas semanas depois da publi- cosmopolita. Isso porque as pesso- de Ivan Illich?; Precisamos ultrapassar a
economia e sair dela. Entrevista especial
cação dessa reportagem, houve um as estão conectadas, ligadas às redes com Serge Latouche, disponível em http://
encontro entre os 28 principais indus- sociais. bit.ly/vt9QHJ. (Nota da IHU On-Line)

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Destaques da Semana
ele argumenta que para resolver os buscando produzir cada vez mais bem- que o planejamento econômico na
problemas ambientais era preciso -estar. Quando se fala de ir além da Polônia nos anos 1950 era baseado
atuar além da economia. O senhor economia, do que se está falando? De no ábaco, um antigo instrumento de
concorda com essa percepção? A re- ir além do mercado? Sim, isso é neces- cálculo. Imagine as possibilidades de
solução da questão ambiental pas- sário. Mas o que isso significa? Ir além planejamento que os dispositivos digi-
sa pela economia ou está para além do mercado para fazer um planeja- tais contemporâneos oferecem. Ainda
dela? Pensar em uma economia de mento central? Duvido que Latouche mais que são descentralizados e estão
baixo carbono é significativo para concorde com essa ideia. Se é ir além nas mãos das pessoas. A compatibi-
as transformações necessárias nes- do mercado no sentido de que o cres- lidade entre planejamento e descen-
te momento, ou é preciso ir além da cimento não pode ser a orientação tralização é muito maior do que já foi
economia? geral, segundo a qual se norteia o uso na história humana. Na tradição mar-
Ricardo Abramovay – Nas lín- dos recursos, aí então a concordância xista, o planejamento seria descen-
guas latinas, a palavra economia ser- com esta ideia é, felizmente, crescente tralizado porque haveria assembleias,
ve para dizer coisas que em inglês são e atinge segmentos do próprio mains- conselhos com pessoas participando,
diferentes. Ir além da economia pode tream da ciência econômica. que emitiriam sinais sobre o que a
significar ir além da Ciência Econômica sociedade quer, etc. Só que isso não
(Economics). Isso sem dúvida é verda- IHU On-Line – Qual seria, então, funciona, resulta em autoritarismo; é
de, porque a Ciência Econômica pade- um novo projeto para a economia? ineficiente. Mas é claro que os preços
ce de um duplo vício. De um lado ela, Os Estados ainda precisam interferir não podem ser os únicos vetores in-
afirma-se como ciência à medida que mais no mercado financeiro? formativos sobre o que é a demanda
se separa da ética, porque as decisões Ricardo Abramovay – Imaginar social. E os processos cooperativos
dos atores são tomadas em função de que os Estados sejam capazes de dar aos quais a economia da informação
seus ganhos. Então, imagina se você conta do desafio que nós temos é in- em rede abre caminho têm um poten-
tivesse um restaurante, e eu entrasse gênuo. Os Estados têm um horizon- cial transformador extraordinário.
aí. Você não irá reduzir o preço do al- te de curto prazo e, muitas vezes, de
moço porque eu sou eventualmente muito mais curto prazo do que as em- IHU On-Line – Nesse sentido,
simpático a você. Quer dizer, as rela- presas. Os Estados tendem a planejar qual a relevância das articulações em
ções econômicas não passam por rela- em horizontes relativamente curtos e, rede, tais como aquelas do Occupy
ções pessoais, e essa é a condição de mesmo quando planejam em horizon- Wall Street?
eficiência. Nesse sentido, a economia tes longos, a sua gestão é muito me- Ricardo Abramovay – São mui-
se emancipa da ética. É importante nos clarividente do que habitualmen- to relevantes! Porque movimentos
essa emancipação. Em segundo lugar, te se supõe. Isso não significa abolir o como esse representam, em primeiro
a Ciência Econômica se afirma como planejamento, que é absolutamente lugar, uma denúncia contra a injustiça.
ciência à medida que se emancipa da decisivo. Muito menos as imposições Houve nos países desenvolvidos um
natureza. O nosso desafio maior, para legais que orientam a conduta dos processo impressionante de recon-
o qual a Ciência Econômica tradicional agentes econômicos. Significa, isto centração de renda. A concentração
não está municiada, é reintegrar a ética sim, que o planejamento do uso dos de renda nos EUA, hoje, atingiu o ní-
à economia, e a natureza à sociedade. recursos ecossistêmicos não responde vel que tinha em 1929, depois de ter
Nesse sentido, concordo que temos de mais à dicotomia convencional de um caído durante todo esse período. Em
ir além da economia verde e da Ciência mercado supostamente cego e de um 1980, 1% mais rico da população ame-
Econômica, da Economics.nota Estado visionário. ricana ficava com 8% da renda; hoje,
Mas a economia real (em inglês, Hoje, temos dispositivos extre- esse mesmo percentual fica com 24%
a Economy), entendida como o uso mamente poderosos de conhecimen- dela. Triplicou a participação na renda
que a espécie humana faz dos recur- to da vida social através das mídias do 1% mais rico. www.ihu.unisinos.br
sos ecossistêmicos necessários à sua digitais. Para se ter uma ideia: um
reprodução, como ciência do meta- smart phone hoje tem a mesma po-
bolismo, da relação entre a espécie tência computacional do Programa Comunidades virtuais
humana e os meios dos quais ela Apollo, que foi para a lua em 1969. Mas tão importante quanto esse
dispõe para viver, não será suprimida Essa potência está nas mãos das pes- movimento, digamos assim, que assu-
nunca, ao menos enquanto a huma- soas. O professor Ignacy Sachs2 conta me um caráter mais espetacular e de
nidade existir. Mas acho que não era rua, é um movimento mais difuso que
disso que o Latouche falava. Ir além se manifesta em forma de organiza-
2 Ignacy Sachs (1927): eco-socio-economista
da economia, no fundo, para ele, é ir polonês, professor da Escola de Altos Estudos ção, de comunidades virtuais voltadas
além do mercado. Claro que tem que e Ciências Sociais (EHESS), em Paris, e co- a produzir bens e serviços seja de ma-
ir além do mercado. Isso é necessário, diretor do seu Centro de Estudos sobre o neira gratuita, seja de maneira paga.
Brasil contemporâneo. Escreveu mais de 20
porque tem de se fazer da economia livros, dos quais estão publicados no Brasil
uma ecologia social. Nosso grande de- Capitalismo de Estado e Subdesenvlvimento: e estratégias do desenvolvimento (São
safio intelectual e político consiste em Padrões do setor público em economia Paulo: Vértice, 1986): Desenvolvimento
subdesenvolvida (Petrópolis: Vozes, 1969); includente, sustentável e sustentado (Rio
pensar como podemos nos organizar Ecodesenvolvimento: crescer sem destruir de Janeiro: Garamond/Sebrae, 2004). (Nota
para usar os recursos de que dispomos (São Paulo: Vértice, 1986); Espaços, tempos da IHU On-Line)

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Destaques da Semana Um exemplo disso é a Wikipédia, que ses individuais de cuja interação resul- Brasil, é imaginar que construir hidre-
é o sétimo site mais visitado da inter- taria, de forma não intencional, não létricas na Amazônia para redistribuir
net, tem 300 milhões de visitas por voluntária, maior riqueza e, portanto, essa energia para o resto do país, num
mês e produz algo que é extremamen- supostamente, maior bem-estar. modelo energético altamente centrali-
te importante, conhecimento. A quali- zado, seja a única maneira possível de
dade da Wikipédia é totalmente com- IHU On-Line – A segunda propos- obter segurança energética. Por mais
parável à qualidade da Enciclopédia ta da Rio+20 é pensar uma governan- complexa que possa ser a questão,
Britânica, que é feita por especialistas. ça mundial. Qual deveria ser o perfil tenho a impressão que isso é um ra-
A Wikipédia é feita quase que integral- dessa governança? Ela será possível? ciocínio do século XX, não do XXI. O úl-
mente, com exceção de uma peque- Ricardo Abramovay – Ninguém timo livro de Jeremy Rifkin, por exem-
na equipe administrativa, em caráter sabe. Nós sabemos criar agências nas plo, menciona o esforço de produção
voluntário e gratuito e produz uma Nações Unidas e alguns acordos inter- descentralizada de energia, com a
riqueza impressionante. O Software nacionais, mas isso está muito aquém associação entre uso sustentável dos
Livre também. Inclusive, algumas em- do mínimo necessário para se enfren- recursos e inteligência digital. É um ca-
presas, como a IBM, que é uma em- tar essas questões. E, mesmo assim, minho que precisa ser mais explorado.
presa privada, se apoiam em softwa- não estamos fazendo nem aquilo que
re livre para muitos dos serviços que está nas convenções já criadas. Ape- IHU On-Line – Gostaria de reto-
oferecem. Ou seja, há um borrão, uma sar da existência de uma Convenção mar a questão de que os líderes po-
mistura entre o mercantil, o privado da Biodiversidade ratificada ampla- líticos ainda não têm a percepção de
e o público – o colaborativo que abre mente, o Índice Planeta Vivo do WWF investir nas questões ambientais. Tra-
horizontes muito promissores para o apresenta redução de 30% entre 1992 tando-se especificamente dos líderes
funcionamento da vida econômica. e 2008 nos trópicos, decorrente de de esquerda, como vê esse posiciona-
Portanto, o debate é se a coope- desmatamento, poluição dos mares e mento? O que a impede a esquerda
ração humana vai poder triunfar sobre aquecimento global, entre outras coi- de lançar novas propostas?
o simples autointeresse ou não. O que sas. São realizadas reuniões climáticas Ricardo Abramovay – À esquerda
as mídias digitais propiciam é que essa anuais e as condições climáticas conti- europeia, sobretudo, se organizou até
cooperação humana ganhe uma efi- nuam se degradando; a desertificação o início dos anos 1980 a partir da ideia
ciência em uma escala não paroquial não para de aumentar; os países não de que o caminho da transição para
completamente inédita, que abre ho- chegam a um acordo. E a raiz disso é uma sociedade melhor passava por
rizontes que não conseguimos imagi- que, por enquanto, nenhum governo nacionalizações democráticas. Era o
nar quanto à sua fertilidade. aceitou a ideia de que é necessário re- programa da Union Populaire na Fran-
pensar o sentido do crescimento eco- ça. Nacionalizar os dez maiores mono-
IHU On-Line – Então a mudança nômico. Não se trata de contestar o pólios do país colocaria nas mãos do
na economia, na política e nos rumos crescimento econômico por si só. Tra- Estado três quartos da capacidade de
do mercado financeiro passa por uma ta-se de fazer a pergunta que a Ciên- investimento. Quando o governo Mit-
participação do cidadão através das cia Econômica habitualmente não faz: terrand, na França, assumiu o poder
redes? crescer para quê, para produzir o quê, em 1981, a ideia que dominou era de
Ricardo Abramovay – São mu- para ter qual resultado na sociedade? se estatizar e nacionalizar uma parte
danças decisivas no próprio sentido, A ideia de que o crescimento é bom importante da vida econômica, fazen-
nos objetivos, nos propósitos da vida porque produz empregos, impostos e do com que esse segmento escapasse
econômica. Essa que é a questão bá- um pouco de inovação é insuficiente à lógica do mercado e passasse a obe-
sica da nossa conversa. Para a ciência para legitimar o que a vida econômica decer a uma lógica social. Isso durou
econômica (a Economics), o sentido representa para a sociedade. um ano e foi cabalmente revertido. E
da vida econômica não é algo que o mais impressionante é: nunca mais,
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deva ser questionado: porque cada IHU On-Line – Recentemente a em qualquer parte do mundo, a es-
indivíduo vai cuidar de si e o resulta- presidente Dilma declarou que na querda voltou a conceber um modelo
do vai ser o melhor para todo mundo. Rio+20 não há tempo para fantasias, de transição com esse conteúdo.
Isso talvez fosse verossímil em um referindo-se àqueles que são con-
mundo de três bilhões de pessoas. trários à construção de novas hidre-
Mas em um mundo tão desigual e ru- létricas. Como o senhor interpreta a Acerto de contas
mando para 10 bilhões de habitantes, posição brasileira de investir em mais Só que não se fez um acerto de
temos que nos perguntar para que hidrelétricas nos próximos anos, con- contas com esta estratégia da qual
se produz e quais são as finalidades siderando que se busca um modelo hoje ninguém mais fala. Quer dizer,
da vida econômica. É nesse sentido sustentável? havia uma estratégia que, no fundo,
que penso que precisamos ir além da Ricardo Abramovay – É normal era de crítica ao mercado e que ruma-
economia, ou seja, repensar a econo- que uma presidente diga isso. Você va em direção à ideia segundo a qual
mia com base em suas origens, como precisa de energia. A preocupação uma sociedade melhor é aquela em
uma ciência organicamente integrada dela é fazer com que as coisas fun- que mercados e empresas privadas
à questão do bem viver e da ética, e cionem. Agora, o que não me parece vão exercendo papéis cada vez menos
não como uma mecânica dos interes- razoável, sobretudo num país como o importantes. Posteriormente, os líde-

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Destaques da Semana
res abandonaram essa ideia, só que como quadratura do círculo: a possibi- dos mais importantes instrumentos
continuaram sendo de esquerda. Se lidade de uma economia voltada ao de transformação social. Mas não se
as pessoas não concordam mais com bem-estar das pessoas e que respeite trata absolutamente de suprimi-lo,
esses valores, continuam sendo de es- as fronteiras dos ecossistemas, mas nem imaginar que é possível ter uma
querda por quê? que se organiza fortemente com base instância exterior ao mercado que o
As grandes aspirações emanci- em incentivos de mercado e em orga- controlasse e que seria o Estado. Há
patórias que marcam os movimentos nizações privadas. uma organização empresarial norte-
socialistas desde o início do século XIX Por isso que considero tão pro- -americana chamada Benefit Corpo-
terão que ser concebidas hoje no âm- missores os movimentos sociais que ration que vai exatamente nessa dire-
bito de uma sociedade em que mer- se formam a partir da sociedade da ção. Os mercados devem converter-se
cados e empresas privadas terão um informação em rede. André Gorz de- em meios para atingir finalidades so-
papel decisivo e que não será esvanes- positava imensa esperança nesses ciais. Num certo sentido é também o
cente. Os equipamentos intelectuais movimentos emancipatórios, embora que faz o Grameen Bank, quando se
que tínhamos para pensar a emanci- ele não tenha visto o que me parece associa com a Danone. Mas tudo isso
pação social, quando a estratégia era a salutar e promissora mistura entre é muito incipiente. É muito mais forte
a nacionalização democrática, não economia cooperativa e economia pri- a reflexão cética, segundo a qual nós
foram substituídos por um corpo con- vada no interior destes movimentos. perdemos o horizonte, do que a refle-
ceitual que nos permita pensar estes xão propositiva, que diz que se está
processos emancipatórios no âmbito IHU On-Line – A partir da história construindo um novo horizonte.
de uma sociedade em que mercados e do capitalismo, o senhor vislumbra o
empresas privadas são fundamentais. quê? IHU On-Line – Professor, para
O que acontece com a esquerda Ricardo Abramovay – Não é sa- encerrar pode nos falar sobre o seu
europeia é que, quando chega o mo- lutar para uma sociedade moderna novo livro intitulado Muito além
mento da eleição, todo mundo vira (foi o que mostrou o curto século XX) da economia verde, que será lança-
anticapitalista: banaliza-se a crítica à suprimir a concorrência nos mais dife- do na Rio+20, pela editora Planeta
globalização e, muitas vezes, às gran- rentes planos, e não é salutar dissociar Sustentável?
des empresas. Só que essa crítica se inteiramente a vida econômica dos ga- Ricardo Abramovay – Este livro
torna puramente retórica. A meu ver, nhos que a oferta de bens e serviços nasceu de um pedido que me foi feito
esse impasse só pode ser substituído pode traduzir para as pessoas. Mas, ao pela Fundação Avina para aprofundar
por uma reflexão muito séria sobre o mesmo tempo, o que está se tornando uma reflexão sobre a nova economia,
que é empresa privada e o que são mais claro é que o potencial da coope- sem que soubéssemos muito bem o
mercados. E aí justamente a econo- ração, da colaboração direta entre as que este termo significava exatamen-
mia é muito insuficiente. A sociologia, pessoas na oferta eficiente de bens e te. Foi constituído um grupo, no inte-
particularmente a sociologia econômi- serviços, é tão grande e foi tão maxi- rior da Avina que durante várias sema-
ca, pode dar uma contribuição muito mizado com o advento da sociedade nas realizou reuniões virtuais e isso
forte. na informação em rede que nós vamos ajudou a dar os contornos do que se-
ter, provavelmente, uma mistura das ria o trabalho, que acabou se tornan-
IHU On-Line – A falta de propos- duas coisas. Uma mistura, porém, que do o livro. Não é muito habitual que
ta da esquerda decorre, em certa me- não pode ser encarada como, de um organizações da sociedade civil propo-
dida, do fato de ela ter sido cooptada lado, um setor e, de outro lado, outro nham uma reflexão abrangente sobre
pelo neoliberalismo ou por ela não setor. Essa mistura vai ser um verda- o significado geral da vida econômica
ter conseguido avançar por si só? deiro borrão em que o setor privado para as sociedades contemporâneas.
Ricardo Abramovay – A social vai estar fortemente determinado nas O ponto de partida da Fundação Avina
democracia foi certamente cooptada. suas ações por preceitos de natureza é uma categoria cara a Leonardo Boff3 www.ihu.unisinos.br
Mas, na verdade, o problema é que ética e de respeito aos ecossistemas, e ao filósofo colombiano Bernardo
se perdeu o horizonte anterior e nin- e o setor associativo também vai ter Toro, a ética do cuidado. À primeira
guém sabe muito bem qual é o novo uma lógica competitiva, sem a qual
horizonte. Dizer que tem que ir além ele acaba caindo no clientelismo. Isso 3 Leonardo Boff (1938-): teólogo
da economia, quando você está numa já começa a ocorrer. brasileiro, autor de mais de 60 livros nas
áreas de teologia, espiritualidade, filosofia,
economia em que o mercado tem o antropologia e mística. Boff escreveu um
papel decisivo, é complicado. O que IHU On-Line – É como juntar um depoimento sobre as razões que ainda lhe
queremos dizer com essa discussão? pouco das ideias da direita e um pou- motivam a ser cristão, publicado na edição
especial de Natal da IHU On-Line, número
Menos mercado? Menos empresas co das ideias da esquerda em uma 209, de 18-12-2006, disponível em http://
privadas? Certamente há um amplo terceira via, ou uma alternativa pela bit.ly/iBjvZq, e concedeu uma entrevista
acordo sobre o fato de que o domínio cooperação, como o senhor diz? sobre a Teologia da Libertação na IHU On-
Line número 214, de 02-04-2007, disponível
das finanças sobre a vida econômica Ricardo Abramovay – Não é uma em http://bit.ly/kaibZx. Na edição 238, de
extrapolou os limites do razoável. Mas terceira via. Ignacy Sachs usa a figura 01-10-2007, intitulada Francisco. O santo,
isso é um consenso mesmo em Davos. da terceira margem do rio. È funda- concedeu a entrevista A ecologia exterior e
a ecologia interior. Francisco, uma síntese
Nossa discussão é mais profunda e se mental repensar o mercado, vislum- feliz, disponível em http://bit.ly/km44R2.
refere àquilo que até aqui foi encarado brar a possibilidade de fazer dele um (Nota da IHU On-Line)

EDIÇÃO 389 | SÃO LEOPOLDO, 23 DE ABRIL DE 2012 33


Destaques da Semana vista, nada poderia ser mais distante rias que sejam as conquistas científi- Forma-se um movimento empresarial
da ética do cuidado do que a frieza e cas e tecnológicas da economia verde, incipiente, porém expressivo, contra
a impessoalidade própria das relações elas não são e não podem ser um a submissão da vida econômica aos
econômicas numa sociedade capitalis- atalho para permitir que a economia imperativos das finanças. Mais do que
ta. Muito mais do que formular ideais mundial siga no rumo do crescimento, isso, estamos vendo o início de um
abstratos sobre o que poderia ser uma que agora seria um crescimento sus- surpreendente questionamento, vin-
vida econômica em que a ética do tentável. O livro se inspira no pensa- do do próprio meio de negócios, sobre
cuidado orientasse os comportamen- mento de Amartya Sen, no sentido de o que significa valor. Isso entre estu-
tos, nossa reflexão conjunta procurou mostrar que o fundamental não é ape- diosos, consultorias, mas também no
duas coisas. Em primeiro lugar, o texto nas o aumento da riqueza, mas sim interior de algumas grandes empre-
afasta-se das soluções fáceis que con- o que as pessoas fazem com ela. Tão sas. Essa reflexão relaciona-se com um
sistem em dizer (como vimos no início importante quanto esta abordagem processo crescente de participação
de nossa conversa) que há soluções crítica do crescimento econômico e da de organizações da sociedade civil na
rápidas e indolores para a transição riqueza é o fato de que há sinais muito própria gestão empresarial. A socie-
pela qual devemos passar. significativos de mudanças (base para dade da informação em rede abre, so-
as mutações das quais fala a Marina) bretudo, um horizonte, um conjunto
por parte de empresas, dos Estados e de possibilidades para a cooperação
Mutação de organizações da sociedade civil. que são muito promissoras. Sou mui-
Talvez seja nesse sentido que Ma- A quantidade e a profundidade to grato à Fundação Avina por ter me
rina Silva (autora do prefácio do livro) crítica de documentos vindos de al- aberto a possibilidade de aprofundar
fala que não é transição e sim muta- gumas das mais importantes consul- tais reflexões.
ção. Por mais importantes e necessá- torias globais são um sintoma disso.

Para ler mais ...


>> Confira no site do IHU outras publicações sobre a temática abordada por Ricardo Abramovay::
•12/04/2012 - Brasil tem de desenvolver economia florestal, afirma Ricupero, disponível em http://bit.ly/HDXeag
•09/04/2012 - Rio+20 e a criação de uma nova economia, disponível em http://bit.ly/HmoaKm
•09/04/2012 - Michael Löwy critica Rio+20 e a propaganda da ‘economia verde’, disponível em http://bit.ly/HRn2fG
•05/04/2012 - “Economia mudou da chaminé para o software, o soft Power”, diz Gilberto Gil, disponível em http://bit.
ly/HYY6as
•04/03/2012 - A solução é a “economia verde”?, disponível em http://bit.ly/AaWDeR
•29/02/2012 - Brasil vive processo de reprimarização da economia afirmam Organizações Sociais do Campo, disponível
www.ihu.unisinos.br

em http://bit.ly/zq8Ng9
•07/03/2012 - Economia verde inclusiva. A proposta do Brasil para a Rio+20. Entrevista especial com Fernando Lyrio,
disponível em http://bit.ly/AbRt9v
•16/01/2012 - Rio+20: os equívocos da economia verde e das tecnologias. Entrevista especial com Kathy Jo Wetter, dis-
ponível em http://bit.ly/ypzjFT
•10/12/2011 - A passagem da economia da destruição da natureza para a economia do conhecimento da natureza. En-
trevista especial com Ricardo Abramovay, disponível em http://bit.ly/IjOmIm
•04/11/2011 - A “economia verde” será “verde” o suficiente a ponto de permitir a aplicação da Consulta Prévia? Entre-
vista especial com Ricardo Verdum, disponível em http://bit.ly/IjOmIm
•13/08/2011 - “A economia é um subsistema do ecossistema”. Entrevista especial com Herman Daly, disponível em
http://bit.ly/I5ezMV
•01/08/2011 - Economia norte-americana e o dilema da dívida pública. Entrevista especial com Guilherme Delgado,
disponível em http://bit.ly/IjRW5d

34 SÃO LEOPOLDO, 23 DE ABRIL DE 2012 | EDIÇÃO 389


Memória

Destaques da Semana
Gilberto Velho (1945-2012)

Um adeus ao pai da “antropologia


da cidade na cidade”
Ana Luiza Carvalho da Rocha considera que Gilberto Velho foi um dos principais
antropólogos a discutir o tema das sociedades complexas no Brasil contemporâneo
Por Graziela Wolfart

D
edicamos o espaço que segue à memória Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais -
do antropólogo brasileiro Gilberto Velho, ANPOCS (1994-96) e vice-presidente da Socieda-
falecido no último dia 14 de abril. Ao re- de Brasileira para o Progresso da Ciência (1991-
fletir sobre o legado e sobre o pensamento do 93). Desde 2000 integra a Academia Brasileira
antropólogo, a professora Ana Luiza Carvalho da de Ciências. Até sua morte, era professor titular
Rocha, em entrevista concedida por e-mail, afir- e decano do Departamento de Antropologia do
ma que a atenção de Velho “se voltava às formas Museu Nacional da UFRJ.
de vida urbana nas modernas sociedades urbanas Entre seus livros publicamos citamos “Mudan-
e industriais, aos dilemas de seus grupos e cama- ça, Crise e Violência: política e cultura no Brasil
das sociais, às formas diversas de seus estilos de contemporâneo” (Rio de Janeiro: Civilização Bra-
vida e visão de mundo, segundo a particularidade sileira, 2002); “Nobres & Anjos: um estudo de
de suas trajetórias sociais”. Na sua visão, “para tóxicos e hierarquia” (Rio de Janeiro: Editora da
Gilberto Velho a pesquisa com violência implicava FGV, 1998); “Projeto e Metamorfose: antropolo-
pensá-la como parte de um estilo de vida e visão gia das sociedades complexas” (Rio de Janeiro:
de mundo no interior de determinados segmentos Jorge Zahar Editores, 1994); “Subjetividade e
sociais em que o fenômeno da democracia e da Sociedade: uma experiência de geração” (Rio de
cidadania não se disseminava de forma idêntica Janeiro: Jorge Zahar Editores, 1986); “Individua-
ao de outras camadas sociais”. lismo e Cultura: notas para uma antropologia da
O antropólogo Gilberto Cardoso Alves Velho sociedade contemporânea” (Rio de Janeiro: Jorge
era graduado em Ciências Sociais pelo Instituto Zahar Editores, 1981); e “A Utopia Urbana: um www.ihu.unisinos.br
de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Fe- estudo de antropologia social” (Rio de Janeiro:
deral do Rio de Janeiro, mestre em Antropologia Jorge Zahar Editores, 1973).
Social também pela UFRJ e doutor em Ciências Ana Luiza Carvalho da Rocha é graduada em
Humanas pela Universidade de São Paulo. Atuou Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio
nas áreas de Antropologia Urbana, Antropologia Grande do Sul - UFRGS, mestre em Antropologia
das Sociedades Complexas e Teoria Antropológi- Social, doutora em Antropologia pela Université
ca. Além de vários cargos acadêmicos, como co- de Paris V (René Descartes) (1994) e pós-doutora
ordenador do PPGAS do Museu Nacional e chefe pela Université Denis Diderot, Paris VII. Atualmen-
de Departamento de Antropologia, foi presidente te é antropóloga da Universidade Federal do Rio
da Associação Brasileira de Antropologia - ABA Grande do Sul e professora na Feevale.
(1982-84), presidente da Associação Nacional de Confira a entrevista.

EDIÇÃO 389 | SÃO LEOPOLDO, 23 DE ABRIL DE 2012 35


“Com ele aprendi
Destaques da Semana IHU On-Line - Qual o principal IHU On-Line - Qual a importân-
legado intelectual que Gilberto Velho cia da obra “A Utopia Urbana” para
deixa para a pesquisa em antropolo-
gia no Brasil?
o senso de compreendermos um pouco da mar-
ca antropológica brasileira e carioca?
Ana Luiza Carvalho da Rocha - O
legado do professor Gilberto Velho se
responsabilidade Ana Luiza Carvalho da Ro-
cha - O livro de Gilberto Velho é um
divide em muitos e diversos. Talvez o
principal seja a sua contribuição à for-
e ética que o marco nos estudos sobre camadas
médias urbanas no Brasil e apresen-
mação do campo da Antropologia ur-
bana no Brasil a partir de seu interesse
exercício de ta, com originalidade, a pertinência
dos procedimentos e das técnicas de
de pesquisa com camadas médias ur-
banas brasileiras, universo até o mo- minha profissão pesquisa antropológica nas grandes
metrópoles.
mento muito pouco explorado no Bra-
sil. Por outro lado, foi um pesquisador antropóloga IHU On-Line - O que você guarda
envolvido com a divulgação do pensa- de mais significativo do convívio com
mento antropológico por meio de sua exige” Gilberto Velho?
atuação numa linha editorial da Zahar Ana Luiza Carvalho da Rocha -
Editores, logo após, Jorge Zahar. Foi Meu convívio com Gilberto Velho se
presidente da Associação Brasileira de deu nos idos dos anos 1980, quando
Antropologia, sendo membro funda- carinhosamente aceitou orientar mi-
mental para a formação deste campo ras, principalmente a questão da nha dissertação de mestrado sobre a
de atuação profissional no Brasil. violência? identidade social de mulheres sepa-
Ana Luiza Carvalho da Rocha - radas de camadas médias em Porto
IHU On-Line - Como definir a an- Para Gilberto Velho a pesquisa com Alegre. Como orientador sempre um
tropologia urbana e da sociedade es- violência implicava pensá-la como leitor atento e criterioso, um profes-
tudadas por Gilberto Velho? parte de um estilo de vida e visão de sor incansável e dedicado, sempre
Ana Luiza Carvalho da Rocha - mundo no interior de determinados sugerindo novas abordagens e novas
Gilberto Velho foi um dos principais segmentos sociais em que o fenôme- leituras para os dados etnográficos
antropólogos a discutir o tema das no da democracia e da cidadania não produzidos por mim, em campo. Com
sociedades complexas no Brasil con- se disseminava de forma idêntica ao ele aprendi o senso de responsabili-
temporâneo, atento aos fenômenos de outras camadas sociais. Ao se dis- dade e ética que o exercício de minha
de fragmentação e universalização cutir violência e cidadania temos que profissão antropóloga exige. Acima de
de seus universos sociais, dos proces- pensar as condições de vida de cer- tudo, uma pessoa de uma inteligência
sos de localismo e universalismos dos tos segmentos sociais e seus diferen- impressionante, uma capacidade e pe-
postulados do individualismo moder- tes universos simbólicos, manifestos rícia de condensar a teoria antropoló-
no na sociedade brasileira, desenvol- numa forma de viver a violência com gica para os alunos em frases simples,
vendo uma antropologia da cidade na parte de um ethos e a visão de mun- mas com um grau de complexidade
cidade, como ele dizia. Em especial, do no qual os indivíduos estão inseri- perturbador. Com o tempo se tornou
sua atenção se voltava às formas de dos. O fenômeno social da violência uma figura referencial para mim como
vida urbana nas modernas sociedades urbana adquire uma outra dimensão pessoa, principalmente nos momen-
urbanas e industriais, aos dilemas de enquanto estudo antropológico das tos em que me divertia com seu hu-
seus grupos e camadas sociais, às for- trajetórias sociais no contexto das mor espirituoso em relação às banali-
mas diversas de seus estilos de vida e grandes metrópoles brasileiras, pois dades da vida cotidiana no interior da
visão de mundo, segundo a particula- revela o campo de possibilidades nos própria academia. Foi, antes de mais
www.ihu.unisinos.br

ridade de suas trajetórias sociais. quais os indivíduos acham-se situa- nada, um mestre e agradeço o que ge-
dos, e que delimitam seus sistemas de nerosamente com ele pude comparti-
IHU On-Line - O que caracteri- valores e códigos morais em relação à lhar nestes anos de convívio.
zava o olhar de Gilberto em relação criminalidade.
às problemáticas sociais brasilei-

36 SÃO LEOPOLDO, 23 DE ABRIL DE 2012 | EDIÇÃO 389


Por dispositivos legais sobre a transmissão de
eventos esportivos
Só a Lei do Esporte trata especificamente do assunto na legislação
brasileira. Ainda assim, dentre suas últimas alterações houve um
alívio à Rede Globo

Por Anderson David G. dos Santos1 Como exemplo, basta citar o imbróglio
relativo aos Jogos Pan-Americanos do ano
Quarta-feira à noite, um torcedor liga passado. A Rede Record, detentora dos di-
a televisão e resolve assistir à partida da reitos de transmissão do evento, liberou
Copa do Brasil por outra emissora, já que o imagens das disputas, mas desde que fosse
seu time do coração não está na principal TV apresenta a marca da emissora no canto da
aberta do país. Primeiro escanteio e na ânsia tela. Porém, a Globo resolveu usar imagens
para que alguém cabeceie a bola para o gol, de uma agência de notícias para “burlar” o
repara o close que a câmera faz no logotipo acordo. De imediato, a Record ameaçou pro-
da emissora concorrente, em placas coloca- cessar a concorrente, já que havia avisado
das nos cantos do campo. todas as emissoras de como proceder – e
Isso não seria anormal, já que nos cam- a Globo, com experiência no assunto, sabe
peonatos apoiados pelas Organizações Glo- muito bem disso.
bo, casos do Novo Basquete Brasil e da Super A Globo parou de mostrar imagens da
Liga de Vôlei, é bastante comum ver as mar- competição, mas passou a entrevistar os
cas da Rede Globo ou do SporTV. No caso principais atletas brasileiros fora das áreas
do futebol, a imagem do jogador cobrando oficiais. Alguns dos atletas foram pressio-
um escanteio torna inevitável a publicidade nados pelos patrocinadores a fazerem isso
para a emissora concorrente. O inverso seria por falta de visibilidade na Record. Se as
admitido? barreiras historicamente estabelecidas pela
emissora carioca não serviram para garantir
os direitos de transmissão de competições
1 Mestrando no Programa de Pós-Graduação em
olímpicas, a importância no mercado publi-
Ciências da Comunicação da Universidade do citário continua gigante.
Vale do Rio dos Sinos – Unisinos (bolsista CAPES Em termos de publicidade para o con-
RH-TVD) e membro do Grupo de Pesquisa Cepos,
apoiado pela Ford Foundation. E-mail: <andder-
corrente, o grande baque sofrido pela emis-
son.santos@gmail.com>. sora da família Martinho foi o patrocínio

EDIÇÃO 389 | SÃO LEOPOLDO, 23 DE ABRIL DE 2012 37


pontual do SBT para o Vasco na final
da Copa João Havelange, Brasileirão “Nunca é demais nais, UFC e torneios olímpicos na TV
aberta; e das Organizações Globo com
de 2001. Irritado com as acusações da conglomerados comunicacionais e de
Globo contra a organização da final no falar que artigos telecomunicações internacionais na
estádio São Januário que, superlota- TV fechada e na internet, deixam claro
do, viu pessoas invadirem o gramado como o que proíbe o quanto é necessária a criação/reno-
com a queda de alambrados, o que vação de leis sobre o assunto.
cancelou a partida, o então presiden- que os meios Para a TV fechada, a lei 12.485,
te do Vasco, Eurico Miranda, resolveu sancionada pela presidenta Dilma
pregar uma peça: o SBT passou duas de comunicação Rousseff no ano passado e em vigor
horas tendo sua marca mostrada para desde março, traz algumas definições
todo o Brasil com a audiência da líder sejam objeto sobre o assunto, não o qualificando
numa final de Campeonato Brasileiro! para a cota de “conteúdo brasilei-
Mas coisas assim se tornariam
impossíveis de ocorrer de novo. Em
de monopólio ro qualificado”, mas na categoria de
“evento de interesse nacional”. O Ar-
15 de maio de 2003, o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva sancionou
ou oligopólio há tigo 6º proíbe que as empresas de te-
lecomunicações adquiram direitos de
uma alteração na Lei do Esporte (lei
n. 9.615/1998), com o parágrafo 5º
mais de vinte exploração de imagens para a TV paga
destes tipos de evento, reafirmando a
do Artigo 27 impedindo as concessio-
nárias de rádio e televisão de difusão
anos esperam por impossibilidade de produção de con-
teúdo por tais setores econômicos,
aberta, bem como de televisão por as-
sinatura, de patrocinar ou veicular sua
regulação” de forma a manter a concorrência
entre três canais: Sportv (Org. Glo-
própria marca, a de seus canais e dos bo), ESPN Brasil (Disney) e Fox Sports
títulos de seus programas, nos unifor- (NewsCorp).
mes de competições das entidades Para encerrar com uma pro-
desportivas. posta, a Ley de Medios, aprovada na
Uma mudança feita na medida possam ser aplicados no que tange à Argentina em 2009, além dos avan-
certa para não causar preocupações Comunicação Social. Nunca é demais ços sobre o setor de radiodifusão
à emissora líder, que não precisa se falar que artigos como o que proíbe de forma geral, destaca a relevância
preocupar em ter MTV (que patroci- que os meios de comunicação sejam dos torneios desportivos para a po-
nou o Fluminense na Série C de 1997), objeto de monopólio ou oligopólio há pulação, com o direito à informação
SBT, Record, ESPN Brasil ou Fox Sports mais de vinte anos esperam por regu- acima de qualquer exclusividade. Lá,
apoiando clubes nacionais. Além dis- lação. Também é preciso lembrar que o problema era ainda mais grave, já
so, não se proibiu colocar marcas de o Código Brasileiro de Telecomunica- que o campeonato argentino de fute-
suas empresas/produtos na beira de ções completa 50 anos em 2012 e ain- bol, sob propriedade do Grupo Clarín,
campos e quadras. No caso dos tor- da “regula” o setor de radiodifusão de era transmitido apenas na TV fecha-
neios mais importantes, como as Or- transmissão gratuita no país. da. A TV pública passou a transmitir
ganizações Globo compram os direitos O segundo problema é a falta todos os jogos em TV aberta. Só uma
de transmissão para todas as mídias e de uma definição legal maior sobre a pressão popular, com real interesse
também a garantia das placas em cam- questão dos direitos de transmissão do Executivo, possibilitaria que leis
po, é um perigo que passa ao largo. esportivos. As recentes disputas en- sobre o setor de audiovisual, com
Esse exemplo acaba mostrando volvendo Rede Globo, Rede Record, foco no social, avancem.
uma dupla preocupação. A primei- Band, Rede TV! e SBT por campeona-
ra é a falta de dispositivos legais que tos de futebol, nacionais e internacio-

38 SÃO LEOPOLDO, 23 DE ABRIL DE 2012 | EDIÇÃO 389


Destaques On-Line

Destaques da Semana
Entrevistas especiais feitas pela IHU On-Line e disponíveis nas Notícias do Dia do
sítio do IHU (www.ihu.unisinos.br) de 17-04-2012 a 23-04-2012

A crise capitalista de 2007-2009. As Waimiri-atroari: vítimas da Ditadura


interpretações marxistas Militar. Mais um caso para a Comissão
da Verdade
Entrevista especial com Alex Wilhans,
economista Entrevista especial com Egydio Schwade, ex-
Confira nas Notícias do Dia de 17-04-2012 secretário executivo do Conselho Indigenista
Acesse no link http://bit.ly/ITaPxZ Missionário – Cimi
Confira nas Notícias do Dia de 20-04-2012
Ao revistar as teorias marxistas para compreender a Acesse no link http://bit.ly/HN2N5f
causa e as consequências da crise financeira atual, o
entrevistado constata que é “difícil acreditar que o “Os índios waimiri-atroari são desaparecidos
sistema capitalista está para acabar”. políticos, como os demais que desapareceram no
rio Araguaia”, defende o entrevistado. É a partir
desta denúncia que ele reivindica que o massacre
contra aproximadamente dois mil índios, ocorrido no
Precisamos de outra racionalidade, período da Ditadura Militar, faça parte da Comissão
mais sistêmica e menos cartesiana da Verdade.

Entrevista especial com Ilza Girardi, jornalista


Confira nas Notícias do Dia de 18-04-2012
Acesse no link http://bit.ly/JbN1js Igreja: de regente a terceiro violino
Mentalidade fragmentária chegou até a ONU e Entrevista especial com Sérgio Coutinho,
aos governos, e precisa ser substituída por uma historiador
compreensão sistêmica da vida, que nos inclua como Confira nas Notícias do Dia de 21-04-2012
parte da Terra Pátria, pontua jornalista. Acesse no link http://bit.ly/IvAMA4

“Enquanto cada vez mais a sociedade trabalha para


encontrar formas mais participativas, inclusive
Presídio Central de Porto Alegre: as propondo o debate por um Estado mais democrático,
facções no comando a Igreja deu pouquíssimos passos na direção de uma
verdadeira sinodalidade”, constata.
Entrevista especial com Sidinei Brzuska, juiz
www.ihu.unisinos.br
Confira nas Notícias do Dia de 19-04-2012
Acesse no link http://bit.ly/JhdKLG

Redes elétrica, hidráulica e de esgotos precárias,


além da superlotação, compõem o cenário de caos na
maior penitenciária gaúcha. Facções seguem atuantes
e ditam regras, assegura juiz.

EDIÇÃO 389 | SÃO LEOPOLDO, 23 DE ABRIL DE 2012 39


Tema
de
Capa

Destaques
da Semana
www.ihu.unisinos.br

IHU em
Revista
40 SÃO LEOPOLDO, 00 DE XXX DE 0000 | EDIÇÃO 000
IHU em Revista
Agenda da
Semana
Eventos do Instituto Humanitas Unisinos – IHU
programados para a semana de 23-04-2012 a 30-04-2012

Data: 24-04-2012
Evento: Ciclo de Filmes Realidades do Brasil: Relações de poder e violência
Exibição do filme: Cinco vezes favela (Direção: Marcos Farias (Ep.1), Miguel Borges (Ep.2), Carlos Diegues (Ep.3), Joaquim
Pedro de Andrade (Ep.4) e Leon Hirszman (Ep.5) – 80min - drama)
Debatedor: Prof. Dr. José Luiz Bica de Melo – Unisinos
Horário: 19h30min às 22h
Local: Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no IHU
Maiores informações: http://bit.ly/wrgv3U

Data: 26-04-2012
Evento: IHU ideias
Palestra: Projeções populacionais do Rio Grande do Sul: mudanças no bônus demográfico
Palestrante: Pedro Tonon Zuanazzi - Estatístico da Fundação de Economia e Estatística/FEE
Horário: 17h30min às 19h
Local: Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no IHU
Maiores informações: http://bit.ly/zUcY4D

Data: 28-04-2012
Evento: Ciclo de Filmes e Debates: Sociedade Sustentável no Cinema
Exibição do filme: Lutzenberger: For Ever Gaia - direção: Otto Guerra e Frank Coe, Brasil, 2007, 52min
Horário: 08h30min às 11h30min
Local: Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no IHU
Maiores informações: http://bit.ly/zxjoIy

Data: 28-04-2012
Evento: Ciclo de Filmes e Debates: Sociedade Sustentável no Cinema
Exibição do filme: Zembla - direção: Mascha Boogaard e Wendel Hesen, Holanda, 1995, 35min
Horário: 08h30min às 11h30min
Local: Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no IHU
Maiores informações: http://bit.ly/zxjoIy
www.ihu.unisinos.br
Data: 30-04-2012
Evento: Filosofia e Sociedade: A biopolítica, a testemunha e a linguagem. (Des) encontros filosófi-
cos: M. Foucault, H. Arendt, E. Levinas, G. Agamben
Tema: Giorgio Agamben, O homo sacer e a vida nua
Palestrante: Prof. Dr. Castor Bartolomé Ruiz - Unisinos
Horário: 19h30min às 22h
Local: Sala Ignacio Ellacuría e companheiros, no IHU
Maiores informações: http://bit.ly/Jk797T

EDIÇÃO 389 | SÃO LEOPOLDO, 23 DE ABRIL DE 2012 41


Entrevistas de Eventos
IHU em Revista

Objetivação e governo da vida


humana. Rupturas arqueo-
genealógicas e filosofia crítica
Quem quiser ser “normal” na sociedade deve se enquadrar voluntariamente nos
“critérios de normalização exigidos pelas diversas instituições. Caso contrário, a
alternativa que lhes resta é a exclusão”, analisa filósofo

Por Castor Bartolomé Ruiz

“S
e a genealogia é o método filosófico sobre Michel Foucault, a biopolítica e o cuidado
que mostra a historicidade constitu- da vida. Para conferir a programação completa
tiva dos valores, a arqueologia pro- do evento, acesse http://bit.ly/AqEfwa. Profes-
cura reconstruir as singularidades históricas, as sor dos cursos de graduação e pós-graduação
rupturas e desvios das práticas”. A constatação em Filosofia da Unisinos, é graduado nessa
é do filósofo Castor Bartolomé Ruiz, no artigo área pela Universidade de Comillas, na Espa-
que escreveu especialmente para a IHU On-Li- nha, mestre em História, pela Universidade
ne. “Foucault adotou em suas pesquisas o mé- Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, e dou-
todo genealógico para delinear a historicidade tor em Filosofia, pela Universidade de Deusto,
das verdades. Porém, também se preocupou Espanha. É pós-doutor pelo Conselho Superior
em apontar não só as continuidades históri- de Investigações Científicas. Escreveu inúmeras
cas da genealogia, mas as rupturas epistêmi- obras, das quais destacamos: Os paradoxos do
cas dos conceitos numa determinada época”, imaginário (São Leopoldo: Unisinos, 2003); Os
completa. E alerta: “sem a consciência crítica labirintos do poder. O poder (do) simbólico e os
da arqueo-genealogia de nossas crenças e prá- modos de subjetivação (Porto Alegre: Escritos,
ticas, seremos facilmente levados pela inércia 2004) e As encruzilhadas do humanismo. A
do status quo e pela reprodução da mesmida- subjetividade e alteridade ante os dilemas do
de estabelecida. poder ético (Petrópolis: Vozes, 2006). Leia, ain-
Castor Bartolomé Ruiz é o coordenador e da, o livro eletrônico do XI Simpósio Interna-
www.ihu.unisinos.br

conferencista do curso Filosofia e sociedade: A cional IHU: o (des) governo biopolítico da vida
biopolítica, a testemunha e a linguagem. (Des) humana, no qual Castor contribui com o artigo
encontros filosóficos: M. Foucault, H. Arendt, E. A exceção jurídica na biopolítica moderna, dis-
Levinas, G. Agamben, cuja temática desta se- ponível em http://bit.ly/a88wnF.
gunda-feira, 09-04-2012, é Michel Foucault, a Confira o artigo.
biopolítica e a soberania. Em 02-04-2012 falou

42 SÃO LEOPOLDO, 23 DE ABRIL DE 2012 | EDIÇÃO 389


IHU em Revista
A despeito da multiplicidade de política pela positividade dos saberes como responsável originária de todos
interpretações que o conceito bio- a respeito da vida humana. O méto- os sentidos, valores, verdades e práti-
política possa provocar, as pesquisas do arqueo-genealógico desenvolvido cas. Na origem de tudo, há uma cria-
de Michel Foucault1 demarcaram um nas suas pesquisas pretende mostrar, ção de sentido. Afinal, o ser humano
espaço semântico que enseja a bio- antes que as continuidades concei- se revela como criador desvelando
tuais, as rupturas provocadas pelas sua própria criação para se confrontar
práticas históricas. A vida humana foi com suas criaturas: sentidos, verdades
1 Michel Foucault (1926-1984): filósofo
francês. Suas obras, desde a História da tematizada de diversas formas desde e valores. A criação é o grande enig-
Loucura até a História da sexualidade os primórdios da filosofia, porém fo- ma do humano. Através dela se torna
(a qual não pôde completar devido a sua ram as sociedades modernas que, na indefinível e insondável. Ela remete a
morte) situam-se dentro de uma filosofia
do conhecimento. Suas teorias sobre o aparente continuidade conceitual do potencialidades outras que a mera na-
saber, o poder e o sujeito romperam com cuidado da vida humana, provoca- tureza biológica.
as concepções modernas destes termos, ram uma grande ruptura epistêmica. Atribui-se a Nietzsche2 a principal
motivo pelo qual é considerado por
certos autores, contrariando a sua própria O primeiro desafio de uma filosofia responsabilidade pela enunciação do
opinião de si mesmo, um pós-moderno. crítica é mapear tal ruptura epistêmi- método genealógico. Porém, as nuan-
Seus primeiros trabalhos (História da ca para, a partir dela, poder entender ces e desdobramentos da genealogia
Loucura, O Nascimento da Clínica, As
Palavras e as Coisas, A Arqueologia do criticamente a configuração de nosso na enunciação de uma consciência
Saber) seguem uma linha estruturalista, presente em relação ao modo como crítica e na potencialidade criadora
o que não impede que seja considerado tratamos a vida humana. do ser humano excedem em muito o
geralmente como um pós-estruturalista
devido a obras posteriores como Vigiar e Foucault adotou em suas pes- pensamento desse autor. Em muitos
Punir e A História da Sexualidade. Foucault quisas o método genealógico para
trata principalmente do tema do poder, delinear a historicidade das verda-
rompendo com as concepções clássicas 2 Friedrich Nietzsche (1844-1900):
deste termo. Para ele, o poder não pode des. Porém, também se preocupou filósofo alemão, conhecido por seus
ser localizado em uma instituição ou no em apontar não só as continuidades conceitos além-do-homem, transvaloração
Estado, o que tornaria impossível a “tomada históricas da genealogia, mas as rup- dos valores, niilismo, vontade de poder
de poder” proposta pelos marxistas. O e eterno retorno. Entre suas obras
poder não é considerado como algo que o turas epistêmicas dos conceitos numa figuram como as mais importantes Assim
indivíduo cede a um soberano (concepção determinada época. Para captar as falou Zaratustra (9. ed. Rio de Janeiro:
contratual jurídico-política), mas sim como rupturas, desvios ou inversões de sen- Civilização Brasileira, 1998), O anticristo
uma relação de forças. Ao ser relação, o (Lisboa: Guimarães, 1916) e A genealogia
poder está em todas as partes, uma pessoa tido que os conceitos, as verdades e os da moral (5. ed. São Paulo: Centauro,
está atravessada por relações de poder, valores tiveram, Foucault criou o que 2004). Escreveu até 1888, quando foi
não pode ser considerada independente denominou de método arqueológico. acometido por um colapso nervoso que
delas. Para Foucault, o poder não somente nunca o abandonou, até o dia de sua
reprime, mas também produz efeitos de Dada a importância que o método morte. A Nietzsche foi dedicado o tema
verdade e saber, constituindo verdades, arqueo-genealógico tem para compre- de capa da edição número 127 da IHU On-
práticas e subjetividades. Em três edições ender as pesquisas de Foucault sobre Line, de 13-12-2004, intitulado Nietzsche:
a IHU On-Line dedicou matéria de capa filósofo do martelo e do crepúsculo,
a Foucault: edição 119, de 18-10-2004, a biopolítica, é conveniente delinear disponível para download em http://migre.
disponível para download em http:// alguns rasgos gerais deste método de me/s7BB. Sobre o filósofo alemão, conferir
migre.me/vMiS, edição 203, de 06-11-2006, pesquisa que demarca um modo de ainda a entrevista exclusiva realizada pela
disponível em http://migre.me/vMj7, e IHU On-Line edição 175, de 10-04-2006,
edição 364, de 06-06-2011, disponível em entender e fazer filosofia crítica. com o jesuíta cubano Emilio Brito, docente
http://bit.ly/k3Fcp3. Além disso, o IHU na Universidade de Louvain-La-Neuve,
organizou, durante o ano de 2004, o evento intitulada “Nietzsche e Paulo”, disponível
Ciclo de Estudos sobre Michel Foucault, para download em http://migre.me/s7BH.
que também foi tema da edição número A genealogia dos valores A edição 15 dos Cadernos IHU em formação
13 dos Cadernos IHU em Formação, A genealogia como método fi- é intitulada O pensamento de Friedrich
disponível para download em http://migre. losófico mostra que a historicidade Nietzsche, e pode ser acessada em http://
me/vMjd sob o título Michel Foucault. Sua migre.me/s7BU. Confira, também, a
contribuição para a educação, a política perfaz o lado oculto dos valores e das entrevista concedida por Ernildo Stein à www.ihu.unisinos.br
e a ética. Confira, também, a entrevista práticas. Nossas crenças e práticas edição 328 da revista IHU On-Line, de 10-
com o filósofo José Ternes, concedida à estão ancoradas na historicidade dos 05-2010, disponível em http://migre.me/
IHU On-Line 325, sob o título Foucault, a FC8R, intitulada O biologismo radical de
sociedade panóptica e o sujeito histórico, conceitos que utilizamos e dos valo- Nietzsche não pode ser minimizado, na qual
disponível em http://migre.me/zASO. De res que praticamos. A história contém discute ideias de sua conferência A crítica
13 a 16 de setembro de 2010 aconteceu uma parte significativa da verdade de de Heidegger ao biologismo de Nietzsche e
o XI Simpósio Internacional IHU: O (des) a questão da biopolítica, parte integrante
governo biopolítico da vida humana. Para nossas práticas. A genealogia possi- do Ciclo de Estudos Filosofias da diferença
maiores informações, acesse http://migre. bilita ter consciência crítica de nosso - Pré-evento do XI Simpósio Internacional
me/JyaH. Confira a edição 343 da IHU On- presente. Conseguimos compreender IHU: O (des)governo biopolítico da vida
Line, intitulada O (des)governo biopolítico humana. Na edição 330 da Revista IHU
da vida humana, publicada em 13-09- a historicidade implícita nas verdades On-Line, de 24-05-2010, leia a entrevista
2010, disponível em http://bit.ly/bi5U9l, que acreditamos e nas práticas que Nietzsche, o pensamento trágico e a
e a edição 344, intitulada Biopolitica, valoramos. Como método filosófico, afirmação da totalidade da existência,
estado de excecao e vida nua. Um debate, concedida pelo Prof. Dr. Oswaldo Giacoia e
disponível em http://bit.ly/9SQCgl. A reconstrói as evoluções históricas dos disponível para download em http://migre.
edição 364, de 06-06-2011 é intitulada valores, o desenvolvimento social e me/Jzvg. Na edição 388, de 09-04-2012,
‘’História da loucura’’ e o discurso racional conceitual das verdades, a configu- leia a entrevista O amor fati como resposta
em debate, inspirada na obra História da à tirania do sentido, com Danilo Bilate,
loucura, e está disponível em http://bit. ração histórica das práticas. A gene- disponível em http://bit.ly/HzaJpJ. (Nota
ly/lXBq1m. (Nota da IHU On-Line) alogia aponta para a criação humana da IHU On-Line)

EDIÇÃO 389 | SÃO LEOPOLDO, 23 DE ABRIL DE 2012 43


IHU em Revista casos a genealogia foi interpretada pode sair da condição da valoração e A arqueologia preocupa-se por
como método e argumento que legiti- do sentido porque é nessa prática que reconstruir um momento histórico a
ma um relativismo niilista dos valores. se constitui o humano. A percepção partir dos restos deixados pela histó-
Nessa perspectiva, a famosa tese da genealógica dos valores e das práti- ria. A arqueologia mostra a arché (o
morte de Deus proposta por Nietzs- cas pode ser a ferramenta filosófica começo) histórico de nossos valores
che desemboca inexoravelmente na que nos auxilia na sua re-significação e práticas. Como método filosófico, a
sentença de Dostoiévski3: se Deus não crítica e nos auxilia para podermos as- arqueologia procura recolher os indí-
existe, tudo está permitido. A falta de sumir com responsabilidade histórica cios deixados pelas práticas históricas
fundamento último ao que reportar a nossas decisões. para recompor o modo como os su-
origem dos valores que praticamos e A consciência crítica e a respon- jeitos de uma determinada época va-
das verdades que cremos pareceria, sabilidade histórica são duas consequ- lidaram sua forma de agir, seu modo
para muitos intérpretes, deslizar-nos ências possíveis de aferir do método de crer, seu estilo de viver. Embora os
inevitavelmente para um relativismo genealógico. Isso porque a genealogia discursos, valores e verdades estejam
niilista. No niilismo extremo só resta despe as verdades e os valores das atravessados (genealogicamente) pela
apelar para a utilidade ou para a for- camadas de exterioridade confrontan- continuidade histórica, cada cultura e
ça como princípios legitimadores dos do-os com nossa responsabilidade his- sociedade os recria de forma (arque-
valores. tórica. Somos responsáveis pelos valo- ologicamente) circunstancial. Essas
Contrariando muitas das inter- res que criamos e pelas verdades que recriações de sentido implicam em
pretações, a genealogia como método implementamos. Essa responsabilida- rupturas, desvios ou inversões signi-
filosófico não desemboca necessaria- de é própria de cada sujeito e geração. ficativas a respeito do que historica-
mente no relativismo nem no niilismo. A consciência crítica da genealogia mente se acreditava.
Num primeiro momento, a genealogia não exige a negação dos valores histó- Para que aconteça uma ruptura
constrói a consciência crítica do pre- ricos nem das verdades herdadas, mas significativa nos sentidos e nas prá-
sente, já que nos permite compreen- demanda que os assumamos, ou não, ticas, tem que haver previamente
der criticamente a origem de nossos como nossos valores e nossas verda- uma transformação nas formas de
valores, crenças e práticas. Concomi- des para deles nos responsabilizarmos validação das verdades. Essa mudan-
tantemente à compreensão crítica da com todas as consequências. ça remete a um campo meta-semân-
sua historicidade, emerge a consci- Os valores são relativos porque tico dos valores e das verdades. As
ência de nossa responsabilidade. Nós estão correlacionados com o sentido grandes rupturas históricas exigiram
somos responsáveis por tudo que cria- que lhes damos nas práticas históri- previamente uma reconfiguração do
mos, e toda responsabilidade é, em si cas. Porém, a genealogia não implica campo meta-semântico a partir do
mesma, uma relação ética. Não mais um relativismo extremo, mas impli- qual se (in) validam valores e verda-
uma ética imposta pela parcimônia da ca uma responsabilização consciente des. Foucault sinaliza que as grandes
tradição dos valores nem pela aliena- pelo que cremos e praticamos. A res- rupturas arqueológicas de sentido ori-
ção do rebanho massificado, mas uma ponsabilidade é consequência conexa ginam o marco de uma cultura, o que
ética constituída pela consciência críti- da consciência crítica e ambas demar- ele denomina de episteme. A episte-
ca e da responsabilidade pelos valores cam o sentido da ética. me é um meta-sentido a partir do qual
que criamos. A transvaloração dos va- A vida humana como verdade e se validam os valores de uma época e
lores proposta por Nietzsche não ne- valor também está submetida a um cultura enquanto se desconstrói os de
cessariamente culmina numa negação processo indefinido de re-significação outra.
dos valores. Aliás, o ser humano não histórica. O mesmo conceito, vida hu- A arqueologia explora esse cam-
mana, perpassa séculos de reflexões po meta-semântico em que opera a
e considerações com multiplicidade validação dos valores, verdades e prá-
3 Fiódor Mikhailovich Dostoiévski
(1821-1881): um dos maiores escritores de sentidos e valorações. A cada sen- ticas de uma cultura. Os sujeitos nem
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russos e tido como um dos fundadores tido, uma nova perspectiva se abre e sempre são conscientes dos marcos
do existencialismo. De sua vasta obra, um novo significado se lhe acrescenta. epistêmicos através dos quais se va-
destacamos Crime e castigo, O Idiota,
Os Demônios e Os Irmãos Karamázov. A Na modernidade o conceito de vida lidam ou desconstroem os discursos.
esse autor a IHU On-Line edição 195, de humana foi submetido a uma ruptura A arqueologia pretende reconstruir
11-9-2006. dedicou a matéria de capa, ou desvio epistêmico cujas consequ- o discurso como acontecimento que
intitulada Dostoiévski. Pelos subterrâneos
do ser humano, disponível em http://bit. ências políticas e éticas ainda estamos se articula com o não discursivo que
ly/g98im2. Confira, também, as seguintes por compreender. constitui a sua validação. Tenta cap-
entrevistas sobre o autor russo: Dostoiévski tar o feixe de relações que criam o
e Tolstoi: exacerbação e estranhamento,
com Aurora Bernardini, na edição 384, discurso como acontecimento e o
de 12-12-2011, disponível em http://bit. A arqueologia das práticas validam como verdade. Diz Foucault
ly/upBvgN; Polifonia atual: 130 anos de Se a genealogia é o método fi- na Arqueologia do Saber: “Fazer apa-
Os Irmãos Karamazov, de Dostoievski,
entrevista com Chico Lopes, edição nº 288, losófico que mostra a historicidade recer na sua pureza o espaço em que
de 06-04-2009, disponível em http://bit. constitutiva dos valores, a arqueologia se desenvolvem os acontecimentos
ly/sSjCfy; Dostoiévski chorou com Hegel, procura reconstruir as singularidades discursivos não é tentar restabelecê-lo
entrevista com Lázló Földényi, edição nº
226, de 02-07-2007, disponível em http:// históricas, as rupturas e desvios das em um isolamento que nada poderia
bit.ly/uhTy9x. (Nota da IHU On-Line) práticas. superar; não é fechá-lo em si mesmo;

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IHU em Revista
é tornar-se livre para descrever nele o um discurso ou verdade. Por ser um cura mostrar a evolução das verdades
fora dele jogos e relações”.4 espaço meta-discursivo, a arqueologia ao longo dos processos, a arqueologia
A episteme perpassa de forma privilegia o estudo do discurso como tentar descrever as rupturas e suas
transversal os discursos como acon- acontecimento, como prática discur- condições de possibilidade.
tecimentos e as práticas sociais por siva em cujo acontecer se conjugaram
eles validadas. Quase sempre opera um leque de forças e interesses que Filosofia crítica
de forma inconsciente nos sujeitos à confluíram na validação discursiva das A arqueo-genealogia tem por ob-
medida que estes incorporam como verdades. A arqueologia deve recons- jetivo criar consciência crítica sobre
“normais” ou naturais os critérios truir pacientemente, às vezes enfado- os discursos que produzimos, suas
meta-semânticos de validação. O es- nhamente, como menciona o próprio verdades aceitas e seus valores pra-
tudo arqueológico pretende tornar autor em vários cursos, as práticas his- ticados. Por esses motivos o método
conscientes os critérios da episteme tóricas de uma verdade e um discur- arqueo-genealógico situa-se na dinâ-
que constituem nosso presente. Tal so para, através delas, poder aferir os mica da filosofia crítica que, por sua
estudo se torna um meio necessário princípios históricos que formularam vez, se propõe subsidiar os sujeitos a
para construir uma consciência crítica sua validação numa episteme. A ar- terem consciência dos marcos epis-
de nossas práticas. queologia refaz criticamente a trama têmicos que perfazem suas práticas.
A validação arqueológica dos dis- de sentidos e forças que possibilita- A consciência da episteme possibilita
cursos e verdades demarca um campo ram a validade histórica de um dis- desenvolver uma consciência crítica
meta-semântico que escapa à análise curso. A arqueologia não é um mero mais elaborada a respeito dos condi-
lógica dos discursos e à hermenêutica exercício de diletantismo cultural. Seu cionantes meta-semânticos dos valo-
de seus significados. A forma pela qual objetivo principal é construir a consci- res. O olhar crítico da arqueologia pos-
(in) validamos discursos e verdades ência crítica de nosso presente através sibilita os sujeitos se dobrar sobre suas
numa determinada época permanece da compreensão crítica do passado práticas e crenças para assumi-las com
num campo meta-discursivo: é o es- em que se ancoram nossas práticas e consciência ou transformá-las por con-
paço dos efeitos de poder que condi- verdades. vicção. Sem a consciência crítica da
cionam ao próprio discurso. O campo A arqueologia reconstitui o jogo arqueo-genealogia de nossas crenças
meta-semântico não pode ser capta- de forças entre as verdades e seus e práticas, seremos facilmente levados
do pelo estudo da estrutura lógica do efeitos de poder, e o poder e seus jo- pela inércia do status quo e pela repro-
discurso nem pela análise da validade gos de verdade. Toda verdade produz dução da mesmidade estabelecida.
ou veracidade das proposições, já que efeitos de poder sobre os sujeitos que A correlação do método arqueo-
ambos se debruçam sobre o discurso as aceitam, e todo poder se sustenta -genealógico de Foucault com a filoso-
como algo dado, e não como aconteci- através de verdades que o legitimam. fia crítica faz parte da própria genealo-
mento. O estudo analítico da validade Os discursos produzem efeitos de po- gia do método do filósofo, que remete
das proposições e discursos permane- der e o poder se consolida pelos seus à tradição da crítica kantiana. Já nos
ce dentro do discurso, é intra-discursi- discursos verdadeiros. Essa circulari- primórdios de sua tese doutoral, o
vo. Igualmente, a hermenêutica como dade aberta entre discurso e verdade pensador elaborou uma tese comple-
método filosófico consegue demarcar constitui o campo meta-semântico da mentar intitulada Uma introdução à
as (im) possibilidades da compreensão arqueologia, que visa mostrar como as antropologia em sentido pragmático
dos sentidos de um texto, de um dis- verdades e os discursos são validados de Kant, dando início a um conjun-
curso, de uma verdade. Porém, a her- por efeitos de poder meta-discursivos. to de estudos aproximativos à teoria
menêutica pertence à interioridade A arqueologia se propõe a recompor crítica kantiana enquanto reafirmava
do discurso. Como método filosófico, esses campos de forças que validam seu contínuo afastamento da filosofia
ela não se propõe a captar os condi- as verdades e os discursos de uma transcendental. Em 1984, ano de sua
cionamentos meta-discursivos pelos sociedade numa determinada época. morte, Foucault escreveu um verbete www.ihu.unisinos.br
quais esse discurso é (in) validado. O São os jogos de poder e sua produção para um dicionário de filosofia e que
método arqueológico não é incompa- de verdade assim como as verdades e denominava seu projeto de “uma his-
tível com a hermenêutica dos sentidos seus efeitos de poder. tória crítica do pensamento”. Também
ou a analítica das proposições; apenas Foucault escreveu em 1966 uma cabe destacar outros trabalhos sobre
demarca um campo meta-semântico das principais obras a esse respeito a filosofia crítica e a crítica como atitu-
diferente, o espaço dos jogos de po- que intitulou: Les mots et les choses, de filosófica.5
der das verdades e as verdades do com o subtítulo: Une arqueólogie des
poder que perfazem o discurso como sciences humaines. Não pretendia es-
5 FOUCAULT, Michel. Qu’est-ce que la
acontecimento. crever uma história das ciências hu- critique? Critique et Aufklärung. Bulletin
A arqueologia pretende captar manas, mas reconstruir sua arqueolo- de la Société française de philosophie,
esse campo de forças meta-discursi- gia. A história capta as continuidades Vol. 82, n. 2, p. 35–63, avr/juin 1990
(Conferência proferida em 27 de maio
vas que constituem as condições de dos fenômenos na sua superfície, a de 1978). Idem, “O que são as luzes?”.
possibilidade de validação histórica de arqueologia reconstrói as rupturas na In: Idem, Arqueologia das ciências e
sua profundidade. A história se dis- história dos sistemas de pensamento.
Ditos e escritos II. Rio de Janeiro: Forense
4 FOUCAULT, Michel. A arqueologia do tingue da arqueologia pela noção de Universitária, 2005, p. 335-351. (Nota do
saber. Rio de Janeiro: 1987, p. 41. descontinuidade. Onde a história pro- autor)

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IHU em Revista Embora haja diferenças concei- social, foi a primeira vez que utilizou pelo capitalismo para explorar a vida
tuais e metodológicas significativas, o conceito de biopoder e biopolítica. humana sem incorporar a perspectiva
não temos como negligenciar, neste Nele, Foucault já apontava para algu- biopolítica.
ponto, as semelhanças de objetivos fi- mas rupturas epistêmicas modernas O investimento capitalista na vida
losóficos de Foucault com os denomi- sobre a vida humana detectáveis no humana tem por objetivo controlá-
nados pensadores da filosofia crítica discurso médico do século XVIII. ����Pos- -la e torná-la produtiva, ou torná-la
da Escola de Frankfurt, especialmente teriormente desenvolveria três cursos eficiente através do controle. Os dis-
com Adorno6, Horkheimer7, Marcuse8 no Collège de France sobre a biopolí- positivos de controle aparecem como
e Benjamin9, para elaborar uma teoria tica: 1975-1976, Il faut défendre la novas tecnologias de subjetivação e
crítica da sociedade. société; 1977-1978 Sécurité, territoire objetivação da vida humana. O cor-
et population; 1979-180 Naissance de po, a vida humana, torna-se uma re-
la biopolitique. E no primeiro tomo de alidade biopolítica. Neste marco, as
Arqueo-genealogia da Histoire de la sexualité, dedica o últi- práticas discursivas sobre a medicina
biopolítica mo capítulo-se, “Direito de morte e social, a economia política, ou a nova
Foucault utilizou-se do método poder sobre a vida”, a estudar os con- normatividade jurídica, entre outras,
arqueo-genealógico para conduzir ceitos de biopoder e biopolítica. transformaram-se em estratégias bio-
suas diversas pesquisas, entre elas a Na conferência O nascimento políticas de governo da vida humana.
que diz respeito à biopolítica. No es- da medicina social, Foucault analisa Temos aqui apontada uma ruptura
tudo que apresentou na Universida- detalhadamente três diferentes prá- epistêmica a respeito da vida humana
de Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, ticas dos séculos XVIII e XIX: na Ale- que só poderá ser captada em toda
em 1974, O Nascimento da medicina manha, França e Inglaterra, onde se sua dimensão crítica através de pes-
detectam os indícios arqueológicos do quisas arqueo-genealógicas.
6 Theodor Wiesengrund Adorno (1903- surgimento da medicina social como Foucault delimita dois grandes
1969): sociólogo, filósofo, musicólogo e prática discursiva. Neles transparece vetores em que a modernidade em
compositor, definiu o perfil do pensamento uma ruptura epistêmica significativa: geral e o capitalismo em particular in-
alemão das últimas décadas. Adorno ficou
conhecido no mundo intelectual, em todos a importância da vida humana como vestiu sobre a vida humana. Um vetor
os países, em especial pelo seu clássico recurso biológico útil e produtivo para caracterizado pelo esquadrinhamento
Dialética do Iluminismo, escrito junto o Estado e para o mercado. da anatomia humana com objetivo
com Max Horkheimer, primeiro diretor
do Instituto de Pesquisa Social, que deu Embora a vida humana sempre de disciplinar ao máximo as posturas
origem ao movimento de idéias em filosofia esteja presente, de alguma forma, nas dos sujeitos nas diversas instituições
e sociologia que conhecemos hoje como reflexões filosóficas, éticas e políticas, e nos vários trabalhos exigidos pela
Escola de Frankfurt. Sobre Adorno, confira
a entrevista concedida pelo filósofo Bruno os estudos de Foucault mostram que modernidade. Esse vetor desenvol-
Pucci à edição 386 da Revista IHU On-Line, o modo como é captada e capturada veu e continua a desenvolver técnicas
intitulada “Ser autônomo não é apenas saber a vida humana no século XVIII impli- disciplinares sobre o corpo de modo a
dominar bem as tecnologias”, disponível
para download em http://bit.ly/GCSKj1. ca uma ruptura epistêmica de gran- ajustar com o máximo de eficiência os
A conversda foi motivada pelo palestra de calado a respeito das sociedades sujeitos a suas funções institucionais.
Theodor Adorno e a frieza burguesa em anteriores. A hipótese de Foucault é Foucault denominou esse vetor de
tempos de tecnologias digitais, proferida
por Pucci dentro da programação do Ciclo que o capitalismo desenvolveu, no anátomo-política.
Filosofias da Intersubjetividade. (Nota da final do século XVIII e início do XIX, a Porém, as sociedades modernas,
IHU On-Line) objetivação do corpo humano como através de instituições como o Estado
7 Max Horkheimer (1895-1973):
filósofo e sociólogo alemão, conhecido força de produção e de trabalho. Tal e o mercado, também investiram em
especialmente como fundador e principal objetivação, em que o humano fica técnicas de governo global, massivo e
pensador da Escola de Frankfurt e da teoria reduzido ao biológico, teve como maciço dos indivíduos. São técnicas de
crítica. (Nota da IHU On-Line)
8 Herbert Marcuse (1898-1979): sociólogo desdobramento o aprimoramento governo que, mais do que disciplinar
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alemão naturalizado norte-americano, das técnicas de controle sobre a vida o comportamento individual, procu-
membro da Escola de Frankfurt. Estudou humana enquanto corpo biológico. ram administrar a conduta global das
Filosofia em Berlim e Freiburg, onde
conheceu os filósofos e professores de Por sua vez, o controle da sociedade populações. Essas técnicas de gover-
filosofia Husserl e Heidegger e se doutorou capitalista sobre os indivíduos não se no não pretendem só o ajustamento
com a tese Romance de artista. Algumas realiza simplesmente pela ideologia disciplinar do individuo à instituição,
de suas obras: Razão e Revolução, Eros e
Civilização, O Homem Unidimensional. ou a consciência, como analisam as te- mas também a condução coletiva do
(Nota da IHU On-Line) orias críticas de raiz marxista – com as comportamento social. Esse vetor de
9 Walter Benjamin (1892-1940): filósofo quais Foucault compartilha um amplo técnicas é que Foucault denominou de
alemão crítico das técnicas de reprodução
em massa da obra de arte. Foi refugiado campo semântico – mas principalmen- biopolítica. Sem essa administração
judeu alemão e diante da perspectiva de te através de dispositivos de controle normalizada da vida coletiva, as so-
ser capturado pelos nazistas, preferiu o do corpo e da vida humana biológica. ciedades modernas se tornariam tão
suicídio. Um dos principais pensadores
da Escola de Frankfurt. Sobre Benjamin, Afirma Foucault que foi no somático, imprevisíveis quanto uma democracia
confira a entrevista O império do instante no corporal, que a sociedade capi- direta ou efetiva.
e a memória, concedida pelo filósofo talista investiu principalmente. Não
espanhol José Antonio Zamora às Notícias
do Dia 01-11-2009, disponível em http:// é possível compreender a complexi-
bit.ly/2FtAJl. (Nota da IHU On-Line) dade dos dispositivos desenvolvidos

46 SÃO LEOPOLDO, 23 DE ABRIL DE 2012 | EDIÇÃO 389


IHU em Revista
A medicina de Estado A medicina urbana na Inglaterra do século XIX, não era
Foucault mostra no primeiro es- Os cuidados da vida humana nas motivada por uma inquietação ética a
tudo mencionado como a medicina práticas médicas tomaram outros ru- respeito de sua saúde, mas por um ob-
social surgida na Alemanha do sécu- mos na França do século XVIII. Lá se jetivo econômico sobre seu potencial
lo XVIII desenvolveu um minucioso desenvolveu este discurso em relação rendimento produtivo e por um dispo-
emaranhado de discursos e práticas à ocupação e ao desenvolvimento dos sitivo de segurança pública. Foi essen-
em que se conecta a importância do espaços urbanos modernos. A preo- cialmente através da Lei dos Pobres
cuidado da vida humana com o cresci- cupação com a vida humana, a saúde, que a medicina inglesa se transformou
mento da potência do Estado moder- doença, etc., deslanchou em práticas numa medicina social. O pobre deve
no. Embora a Alemanha não se torne políticas e médicas correlativas ao de- se submeter a um conjunto de contro-
um Estado unitário até o século XIX, foi senvolvimento urbano homogêneo. O les médicos, porque sua doença é uma
no século XVIII que se desenvolveram objetivo da medicina urbana foi de- ameaça ao conjunto da sociedade –
as principais práticas discursivas a res- senvolver técnicas de controle e circu- leia-se a burguesia. Criou-se uma es-
peito da objetivação da vida humana lação de pessoas, espaços e funções. pécie de cordões sanitários nas cida-
como potência do Estado moderno. Administrar a circulação eficiente dos des para prevenir que as doenças dos
Isso invalida a apreciação superficial fluxos será uma técnica inerente ao pobres se alastrassem para os bairros
de Marx de que a economia era in- governo da vida humana. Seu ponto ricos. A Lei dos Pobres foi complemen-
glesa, a política, francesa, e a filosofia álgido será atingido na economia po- tada por sucessivas normas e organis-
alemã. Foi na Alemanha que se cons- lítica dos fisiocratas e mercantilistas. mos, como Health Service, que chega-
truiu, no século XVIII, uma ciência do Porém, foi no discurso médico em re- ram a organizar um serviço autoritário
Estado, bem antes da França e Ingla- lação à saúde urbana que se criaram da medicina a ponto de se tornar um
terra. O peculiar desta nova ciência do os princípios da administração de flu- dispositivo de controle da população.
Estado, Staatswissenschaft, é que ela xos, frequências e distribuições para Os exemplos de práticas dis-
se articula, entre outras coisas, através administrar e governar a vida humana. cursivas amplamente analisados por
de um aparelho político que governa a Ainda sob este influxo apareceu, Foucault colocam em evidência algu-
população. Esse aparelho político, na pouco antes da revolução francesa, o mas rupturas arqueológicas no modo
Alemanha, foi construído em relação à conceito de salubridade, com inegá- como a vida humana é tratada pelos
normatização da medicina social. vel impacto político. Na Assembleia dispositivos de poder modernos. Eles
A normatização da medicina so- Constituinte de 1790-1791 criaram-se sinalizam a ruptura arqueológica em
cial busca, na Alemanha, conseguir comitês de salubridade nos departa- que se origina a biopolítica como nova
que a saúde dos habitantes se torne mentos e principais cidades. Salubri- prática discursiva e política. O capita-
uma riqueza para a nação. O discurso dade não é a mesma coisa que saúde. lismo não teria obtido a hegemonia
médico correlacionou de forma orgâ- Salubridade é um conceito que rela- que possui atualmente se não tivesse
nica a saúde biológica da população ciona a vida humana com uma forma desenvolvido a objetivação da vida
com a riqueza do Estado moderno. de governá-la. Correlativa ao conceito humana como mero recurso natural e
Nesse contexto, foi criado o conceito de higiene, a salubridade tem como as técnicas eficientes para governá-la
de polícia médica. A polícia era uma seu correlato o controle e governo dos segundo as diretrizes de sua natureza.
instituição cujo objetivo era cuidar de elementos materiais em relação com a A análise arqueológica das práti-
todos os aspectos da vida humana dos vida humana. Essas práticas de gover- cas sobre a vida humana como valor
indivíduos. Policiar é cuidar em deta- no médico da vida humana transferir- e verdade evidencia que houve uma
lhe da vida, controlá-la ao extremo -se-ão para a política como práticas de ruptura epistêmica importante na mo-
porque é um bem útil para o Estado. governo da população, o que cada vez dernidade a seu respeito. Em primeiro
Essa equação utilitarista retirou mais torna a política moderna uma lugar, Foucault mostra que houve uma
a vida humana do campo da ética e a biopolítica. positivação da vida humana como www.ihu.unisinos.br
capturou sob o prisma da produtivida- recurso produtivo a ser cultivado e
de. O empenho público moderno em cuidado com objeto de extrair dela,
cuidar da vida humana é correlativo A medicina do trabalho da vida humana, todas as potencia-
ao descobrimento da sua utilidade O terceiro exemplo analisado por lidades cabíveis para as instituições.
para a sociedade. Esse paradoxo atra- Foucault neste trabalho é o do exem- Tal positivação contrasta com o modo
vessa a lógica biopolítica até os tem- plo da Inglaterra. Nesse país se de- repressivo e ameaçador que a sobera-
pos presentes, fazendo que o cuidado senvolveram estudos e práticas sobre nia exerce sobre a vida. A positivação
da vida humana, longe de ser um prin- a medicina social em relação à força biopolítica não utiliza os dispositivos
cípio ético normativo, se torna um cri- de trabalho. A preocupação pela pro- autoritários da soberania, a prescrição
tério administrativo para decidir quan- dutividade dos trabalhadores correla- impositiva da lei, mas opera com téc-
do merece a pena cuidá-la ou quando cionada com sua saúde deu origem a nicas de administração e governo da
deve ser abandonada. uma política específica na Inglaterra vontade humana. Essa será uma outra
do século XIX. A medicina do trabalho ruptura epistêmica de grande impor-
é o lado mais explícito da positividade tância que afeta nevralgicamente as
produtiva da biopolítica. A preocupa- sociedades contemporâneas.
ção com a medicalização dos pobres,

EDIÇÃO 389 | SÃO LEOPOLDO, 23 DE ABRIL DE 2012 47


IHU em Revista Normalização da vida cas biopolíticas, possibilita que quase
humana imperceptivelmente se produzam des-
Os três estudos apresentados
por Foucault são uma amostra da
“Em muitos casos lizamentos de sentido para formas de
controle autoritário.
ruptura arqueológica que a vida
humana teve nas sociedades con-
a genealogia A normalização delimita os pa-
drões oficiais de comportamento em
temporâneas. Por trás da aparen-
te continuidade conceitual da vida
foi interpretada que os sujeitos devem se enquadrar
para continuar exercendo uma pro-
humana, cavou-se uma ruptura de
grande impacto que afeta a nossa
como método fissão ou simplesmente ser consu-
midores, contribuintes, fregueses,
compreensão do presente e a nossa
atual relação de poder com a vida e argumento clientes, operários, funcionários, etc.
A normalização é definida por crité-
humana. A consciência crítica das
rupturas axiológicas nos traz, mais que legitima um rios externos aos sujeitos e afins aos
interesses das estruturas. Os sujeitos
uma vez, para o campo da responsa-
bilidade histórica. relativismo niilista que quiserem ser normais na socieda-
de terão que se enquadrar voluntaria-
Ainda cabe apontar outros ele- mente nos critérios de normalização
mentos dessa ruptura. Entre eles dos valores” exigidos pelas diversas instituições.
destaca-se a técnica da normaliza- Caso contrário, a alternativa que lhes
ção da vida humana. Foucault anali- resta é a exclusão. O dilema “inclu-
sa como nos três exemplos mencio- são normalizadora ou exclusão social”
nados a correlação do poder com a função. A França normalizou o arma- perpassa a nova relação dos sujeitos
vida humana se desenvolve através de mento e depois os professores, e só com as instituições modernas. A nor-
técnicas de normalização. Nos regimes num terceiro momento normalizou a malização é uma técnica biopolítica
de soberania, a lei impõe e prescreve medicina e os médicos. de governo dos sujeitos através da
o comportamento dos súditos. Nos A normalização, como todas as sua adesão “voluntária” aos objetivos
regimes biopolíticos, a imposição da técnicas biopolíticas, é paradoxal. institucionais definidos. A aparência
lei é substituída por técnicas de nor- Não é intrinsecamente negativa, pois de liberdade torna a normalização um
malização. A Alemanha consolidou a oferece benefícios inegáveis para o dispositivo eficiente, legitimado pela
primeira experiência histórica de nor- funcionamento social. Por sua vez, o presumida adesão voluntária dos su-
malização da medicina, dos médicos, caráter paradoxal da normalização, jeitos. Novas formas de autoritarismo
dos procedimentos e do exercício da como dos outros dispositivos e técni- latejam na sombra da

Leia mais...
>> Confira os artigos de Castor Bartolomé Ruiz sobre o evento Giorgio Agamben: “O Homo Sacer I, II, III.
A exceção jurídica e o governo da vida humana” e a respeito do curso Filosofia e sociedade: A bio-
política, a testemunha e a linguagem. (Des) encontros filosóficos: M. Foucault, H. Arendt, E. Levinas,
G. Agamben:

* Homo sacer. O poder soberano e a vida nua. Revista IHU On-Line, edição 371, de 29-08-2011, disponível em http://
www.ihu.unisinos.br

bit.ly/naBMm8;
* O campo como paradigma biopolítico moderno. Revista IHU On-Line, edição 372, de 05-09-2011, disponível em
http://bit.ly/nPTZz3;
* O estado de exceção como paradigma de governo. Revista IHU On-Line, edição 373, de 12-09-2011, disponível em
http://bit.ly/nsUUpX;
* A exceção jurídica e a vida humana. Cruzamentos e rupturas entre C. Schmitt e W. Benjamin. Revista IHU On-Line,
edição 374, de 26-09-2011, disponível em http://bit.ly/pDpE2N;
* A testemunha, um acontecimento. Revista IHU On-Line, edição 375, de 03-10-2011, disponível em http://bit.ly/
q84Ecj;
* A testemunha, o resto humano na dissolução pós-metafísica do sujeito. Revista IHU On-Line, edição 376, de 17-10-
2011, disponível em http://migre.me/66N5R;
* A vítima da violência: testemunha do incomunicável, critério ético de justiça. Revista IHU On-Line, edição 380, de
14-11-2011, disponível em http://bit.ly/vQLFZE;
* Genealogia da biopolítica. Legitimações naturalistas e filosofia crítica. Revista IHU On-Line, edição

48 SÃO LEOPOLDO, 23 DE ABRIL DE 2012 | EDIÇÃO 389


Entrevistas de Eventos

IHU em Revista
Campos sulinos: os desafios da
conservação da biodiversidade
Riqueza da fauna e da flora é característica do bioma, revela o engenheiro ambiental
Gerhard Overbeck. Contudo, restam hoje cerca de 50% das áreas originalmente
cobertas por vegetação campestre no Sul brasileiro

Por Márcia Junges

U
m bioma extremamente rico, mas ain- constatado nos campos sulinos é a conversão
da pouco conhecido pela sociedade e, do uso da terra. “No total, restam hoje cerca
por isso, pouco valorizado. É a realida- de 50% das áreas originalmente cobertas por
de dos campos sulinos, com um grande número vegetação campestre no sul do Brasil”.
de espécies de animais e plantas ameaçadas, Engenheiro ambiental, natural da Alema-
pontua o engenheiro ambiental Gerhard Over- nha, Gerhard Overbeck é mestre em Arquite-
beck. A composição florística, por exemplo, tura de Paisagem e Planejamento Ambiental
está totalmente modificada nos locais onde foi pela Universidade Técnica de Munique, onde
transformada, seja em função da lavoura ou cursou doutorado em Ciências Naturais com a
da silvicultura, que trazem modificações “nas tese Effect of fire on vegetation dynamics and
propriedades do solo ou do banco de sementes plant types in subtropical grassland in Sou-
e impedem a recuperação rápida e espontânea thern Brazil. Leciona atualmente no Departa-
das áreas originalmente campestres”. Contu- mento de Botânica da Universidade Federal do
do, completa Overbeck, é preciso ter em con- Rio Grande do Sul – UFRGS. É um dos organiza-
sideração que a atividade pecuária preserva os dores da obra Wandel von Vulnerabilität und
campos em função do pastejo, mas ressalva: Klima: Müssen unsere Vorsorgewerkzeuge an-
“Claro que também é importante ter áreas em gepasst werden? (Hannover, Bonn: ARL, DKKV,
reservas sem pastejo, nas quais podemos estu- 2007). Overbeck esteve no Instituto Humanitas
dar o desenvolvimento da vegetação sem inter- Unisinos – IHU quinta-feira, 19-04-2012, onde
ferência humana ou nas quais até poderíamos proferiu a palestra Rio+20 e desafios para a
experimentar diferentes tipos de manejo, anali- conservação da biodiversidade e dos serviços
sar os efeitos sobre a diversidade de diferentes ecossistêmicos nos Campos sulinos.
grupos de plantas ou animais, sobre serviços Confira a entrevista.
ambientais, etc.” Um dos principais problemas
www.ihu.unisinos.br
IHU On-Line – Quais são os prin- ainda permanecem, com consequên- pécie africana que chega a se tornar
cipais desafios para a conservação da cias negativas para a biodiversidade. dominante em grandes áreas e reduz
biodiversidade e dos serviços ecossis- Adicionalmente, o manejo inadequa- tanto a diversidade florística como a
têmicos nos campos sulinos? do de grandes áreas ainda campestres produtividade dos campos. Então, te-
Gerhard Overbeck – Os campos dificulta a manutenção da diversidade mos desafios bastante concretos e ur-
sulinos têm sofrido, nas últimas dé- e dos serviços ecossistêmicos, princi- gentes frente à degradação observada
cadas, uma constante e elevada con- palmente por causa do sobrepasto- no bioma – mais ainda quando con-
versão para outros usos de terra. No reio, o qual também pode ser conside- sideramos que a transformação em
total, restam hoje cerca de 50% das rado problemático pelo ponto de vista outros tipos de habitat continua com
áreas originalmente cobertas por ve- econômico, já que não utiliza o recurso taxas altas em muitas regiões.
getação campestre no sul do Brasil; e – campo nativo – em uma forma pro-
menos ainda em algumas regiões, por dutiva. Este manejo inadequado pode
exemplo, no Paraná. Além da perda di- levar, entre outras consequências, ao Necessidade de manejo
reta de habitat, esta redução em área aumento de espécies invasoras, por O desafio que de certa maneira
implica a fragmentação daquelas que exemplo, do capim-anoni, uma es- está por trás desta problemática é a

EDIÇÃO 389 | SÃO LEOPOLDO, 23 DE ABRIL DE 2012 49


IHU em Revista baixa valorização dos campos sulinos, sobre a conservação dos campos su-
mais especificamente a dos campos
nativos, pela sociedade. Por muito
“Em termos de linos. Afinal, de certa forma nós já
temos aqui nos campos um exemplo
tempo, a conservação dos recursos
naturais no Brasil – e da pesquisa eco-
biodiversidade, de “economia verde”. Ao menos o po-
tencial para construí-la – o que falta
lógica – se preocupou muito mais com
ecossistemas florestais de que com
os campos sulinos é uma política pública melhor desen-
volvida que busque a conservação e
campos. Há relativamente pouco tem-
po que os campos sulinos passaram a
são extremamente o uso sustentável dos campos sulinos
e que dê apoio técnico para produ-
ser um objeto de estudos ecológicos e
que o interesse na conservação deste ricos – só que tores de uma maneira que eles não
necessitem praticar tipos de manejo
bioma foi e ainda vem sendo desper-
tado. Sabemos que, para a conserva- esse fato ainda é inadequados.
As expectativas públicas para re-
ção dos campos, precisamos de mane-
jo (como pastejo, por exemplo) e que pouco conhecido sultados concretos de Rio+20 neste
momento, dois meses antes da Con-
o tipo de manejo define a estrutura e ferencia, me parecem relativamente
composição da vegetação. Sabemos na sociedade, e, baixos. Mesmo assim, poderão sair
quais níveis de pastejo são aqueles sinais de grande importância des-
que melhor podem contribuir para a por causa disso, te evento. De qualquer maneira, a
conservação da diversidade e dos di- conservação da biodiversidade dos
versos serviços ecossistêmicos. Pois há uma baixa campos sulinos é a nossa própria res-
aí está a grande diferença em compa- ponsabilidade. Não podemos esperar
ração com a conservação de outros valorização dos que um evento internacional resolva
tipos de vegetação, por exemplo, de todos os problemas relacionados.
florestas: os campos sulinos são um campos”
tipo de vegetação que depende de IHU On-Line – Quais são as ca-
distúrbios como o pastejo ou, em al- racterísticas fundamentais da biodi-
guns casos, até do fogo, já que o clima versidade dos campos sulinos?
atual na região permite o crescimento verde e a estrutura institucional ne- Gerhard Overbeck – Bioma, de
de florestas. cessária para se alcançar os objetivos acordo com a definição do Instituto
São ecossistemas naturais e com de um desenvolvimento sustentável. Brasileiro de Geografia e Estatística
espécies nativas, mas sem o mane- Devido ao caráter internacional des- – IBGE, é “um conjunto de espécies
jo que remove ao menos periodica- ta Conferência, não se pode esperar animais e plantas que vivem em for-
mente a biomassa vegetal que vai se que sejam discutidos tópicos específi- mações vegetais vizinhas em um terri-
acumulando. Há uma perda de espé- cos de cunho regional ou até mesmo tório que possui condições climáticas
cies ou ainda uma sucessão para um nacional; ou seja, não deverão surgir similares e história compartilhada de
tipo de vegetação florestal. Ou seja, propostas concretas a serem imple- mudanças ambientais, o que resulta
para se conservar a biodiversidade mentadas imediatamente nos campos em uma diversidade biológica pró-
dos campos, é necessário que haja sulinos, ou em qualquer outro ecossis- pria”. Considerando os campos suli-
um certo manejo. Essa situação é algo tema. Mas, como outros eventos deste nos, ainda temos que diferenciar os
que é bem conhecido para tipos de tipo, espera-se que a Rio+20 estimule campos do bioma Pampa (na metade
vegetação abertos no mundo inteiro. as discussões sobre um desenvolvi- sul do Rio Grande do Sul), e os campos
Todavia, isso não está atualmente pre- mento sustentável no mundo inteiro, do bioma Mata Atlântica (ocorrem em
visto na legislação e nem em planos e que crie objetivos políticos globais, mosaicos com a mata com araucária,
www.ihu.unisinos.br

de manejo de unidades de conserva- os quais terão de ser implementados na metade norte do Rio Grande do Sul
ção, e com isso se põe a risco o gran- em políticas nacionais e regionais. e em Santa Catarina e Paraná), cada
de potencial desta região, tanto para Desse modo, a Conferência em um com características específicas.
a conservação como para a produção si não trará resultados práticos para a Os campos no sul do estado têm a sua
sustentável. conservação dos campos sulinos. Po- continuação nos campos de Uruguai
rém, deverá estimular tanto um maior e Argentina. Em termos florísticos, o
IHU On-Line – Em que medida a interesse em questões do desenvolvi- número de espécies encontradas nas
Rio+20 é importante no sentido de se mento sustentável e da conservação áreas de vegetação campestre é im-
pensar e preservar esse ecossistema? do bioma como uma maior elaboração pressionante: trabalhos atuais de pes-
Gerhard Overbeck – A Rio+20 é de políticas públicas voltadas para sua quisadores do Departamento da UFR-
uma conferência organizada pelas Na- conservação e seu manejo adequado. GS apontam para a presença de mais
ções Unidas, em nível mundial, e tem E nós, pesquisadores, ambientalistas de 2.500 espécies vegetais campestres
como objetivo reafirmar o compromis- ou produtores, podemos “pegar esta somente no Rio Grande do Sul. Entre
so político para um desenvolvimento onda” e aproveitar a possibilidade de elas, muitas espécies raras ou endê-
sustentável. Especificamente serão entrar no debate, no âmbito mais re- micas, ou seja, espécies que ocorrem
abordados dois temas: a economia gional aqui no Sul brasileiro mesmo, somente no Rio Grande do Sul ou até

50 SÃO LEOPOLDO, 23 DE ABRIL DE 2012 | EDIÇÃO 389


“O desafio que,

IHU em Revista
mesmo em algumas partes do estado, pestres e fragmentação dos campos
às vezes em um ou em pouco locais. remanescentes. O preocupante é que
Embora nem todos os grupos
de animais tenham sido estudados
de certa maneira, esta conversão acontece cada vez
mais até em regiões onde o solo não
com o mesmo grau de detalhamen-
to, também já se conhece uma alta
está por trás desta está muito apropriado ao uso como la-
voura, ou seja, os outros tipos de uso
diversidade de muitos grupos. E para
citar um exemplo: das 480 espécies de
problemática é a de terra não são práticas sustentáveis.
Mas uma vez perdido, provavelmente
aves que ocorrem no bioma Pampa10,
cerca de 120 vivem exclusivamente baixa valorização é muito difícil restaurar a vegetação
campestre. Além disso, práticas ina-
em áreas campestres. Em termos de
biodiversidade, os campos sulinos são, dos campos dequadas de manejo, por exemplo,
carga alta de animais, levam a perda
então, extremamente ricos – só que
este fato ainda é pouco conhecido na sulinos, mais de diversidade através da seleção
de certas espécies e podem causar
sociedade, e, por causa disso, há uma problemas de erosão e de perda de
baixa valorização dos campos. especificamente produtividade.
IHU On-Line – E da flora desse
bioma, em específico, o que há de a dos campos IHU On-Line – Os campos su-
singular? linos são um bioma ameaçado de
Gerhard Overbeck – Dentro da nativos, pela extinção?
família botânica das gramíneas, que Gerhard Overbeck – Como desta-
formam a matriz da vegetação cam- sociedade” cado anteriormente, um bioma pode
pestre, há dois grandes grupos: espé- ser definido principalmente em base
cies hibernais (adaptadas a condições das condições climáticas específicas.
climáticas mais temperadas) e espé- Contudo, quem pode ser ameaçado de
cies estivais (adaptadas a condições diferentes épocas do ano. Além dis- extinção não é o bioma (o qual pode
climáticas mais tropicais). Nos campos so, como já mencionado, os campos ser alterado), mas só o tipo de vege-
sulinos, situados na transição entre destacam-se pela sua alta diversidade tação e as espécies que fazem parte
climas temperado e tropical, os dois florística, a qual pode ser observada desta vegetação podem ser ameaça-
grupos de gramíneas ocorrem juntos, em várias escalas espaciais. Por exem- das ou, até mesmo, extintas. Há um
de maneira que as espécies hibernais plo, em um único metro quadrado de grande número de espécies (tanto de
são mais evidentes na primavera e as uma área “típica” dos campos sulinos, animais como de plantas) incluído na
espécies estivais, dominantes no ve- são facilmente encontradas entre 20 lista oficial de espécies ameaçadas. A
rão. Essa característica bastante singu- e 30 espécies, se não mais. Dentro lista das espécies ameaçadas da flo-
lar também possibilita um bom apro- dos campos sulinos, algumas regiões ra, publicada com o Decreto 42.099,
veitamento do recurso forrageiro em destacam-se por outras característi- editata em 31-12-2002, contém cerca
cas, como na Serra do Sudeste, em de 10% da flora campestre. Mesmo
�� Bioma pampa: nome de origem que os campos são caracterizados por sabendo disso, não temos, na grande
quechua genericamente dado à região alta presença de espécies lenhosas. E maioria dos casos, programas de con-
pastoril de planícies com coxilhas, entre o podemos destacar a riqueza específi- servação para essas espécies, nem um
estado brasileiro do Rio Grande do Sul, as
províncias argentinas de Buenos Aires, La ca de algumas famílias vegetais – por monitoramento das populações. Além
Pampa, Santa Fé, Entre Ríos e Corrientes exemplo, nos campos do Rio Grande disso, importantes serviços ecológicos
e a República Oriental do Uruguai. É do Sul ocorrem cerca de 450 espécies podem estar em risco com a perda de
também chamada de campos sulinos.
Ecologicamente, é um bioma caracterizado de asteráceas, 450 espécies de gra- vegetação campestre.  www.ihu.unisinos.br
por uma vegetação composta por gramíneas míneas e 200 espécies de fabáceas
e plantas rasteiras, sendo encontradas (leguminosas) – para só destacar as IHU On-Line – Em 2007, pesqui-
algumas árvores e arbustos próximos a
cursos d’água, que não são abundantes. famílias botânicas com maior número sadores apontaram que o avanço da
Comparados às florestas e às savanas, de espécies. agricultura e da silvicultura, a cada
os campos têm importante contribuição ano, destrói cerca de 140 mil hectares
na preservação da biodiversidade,
principalmente por atenuar o efeito estufa IHU On-Line – Quais são as prin- do Pampa gaúcho. Qual é a situação
e auxiliar no controle da erosão. Sobre o cipais ameaças que esse bioma tem recente e em que medida a agrope-
pampa, confira a edição 247 da IHU On- sofrido? cuária e o plantio de eucalipto vem
Line, de 10-12-2007, intitulada O Pampa
e o monocultivo do eucalipto, disponível Gerhard Overbeck – Como desta- alterando a composição dos campos
em http://bit.ly/tcF9AS. Outro tema afim cado no início da entrevista, o maior sulinos?
é tratado na edição 183, de 05-06-2006, problema é a perda de área como Gerhard Overbeck – Não dispo-
Floresta de Araucária: uma teia ecológica
complexa, disponível em http://bit.ly/ consequência de sua conversão para nho de números atuais, mas acredito
bUgV2J. Leia, também, a edição 27 do outros usos de terra. Esse é um pro- que esta situação – ameaça dos cam-
Cadernos IHU Em Formação, cujo título cesso que continua e pode facilmente pos por mudanças no uso de terra
é Monocultura do eucalipto. Deserto
disfarçado de verde?, disponível em http:// ser observado na região Sul, causando – não tenha mudado muito, de for-
bit.ly/K1OjgE. (Nota da IHU On-Line) perda de habitat para espécies cam- ma geral. Além das áreas totalmente

EDIÇÃO 389 | SÃO LEOPOLDO, 23 DE ABRIL DE 2012 51


IHU em Revista transformadas, percebemos que há dade pecuária que conserva os cam-
mais e mais áreas degradadas, as quais
necessitam de esforços de restaura-
“Há um grande pos! Claro que também é importante
ter áreas em reservas sem pastejo em
ção. Obviamente a composição florís-
tica dos campos sulinos está totalmen-
número de que podemos estudar o desenvolvi-
mento da vegetação, sem interferên-
te modificada nos locais em que são
transformados, e, após alguns anos de
espécies (tanto cia humana, ou em que até poderí-
amos experimentar com diferentes
uso como lavoura ou silvicultura, algu-
mas modificações nas propriedades
de animais como tipos de manejo e analisar os efeitos
sobre a diversidade de diferentes
do solo ou do banco de sementes no
solo impedem a recuperação rápida e de plantas) grupos de plantas ou animais sobre
serviços ambientais, etc. Contudo, o
espontânea das áreas originalmente
campestres. Ou seja, poucos anos de incluídos na lista importante é que a conservação dos
campos não possa ser algo pontual,
uso de uma área para lavoura podem
significar a perda da diversidade florís- oficial de espécies em poucas Unidades de Conserva-
ção, mas que seja implementado no
tica para sempre. Mas mesmo se res- bioma inteiro, aliando conservação
tam áreas de campos entre os plantios ameaçadas” e utilização sustentável dos recursos
de eucalipto (principalmente na parte naturais. Assim, temos todo o poten-
sul do estado) ou pinus (no planal- cial de criar uma economia verde, tal
to), elas geralmente sofrem impactos ria estar incluída em Unidades de Con- como proposta pela Rio+20. Assim,
negativos dos plantios por causa da servação – estamos longe disso. podemos conservar não somente a
fragmentação, por exemplo. E, se não Por outro lado, temos de cuidar biodiversidade, mas também todas
há manejo, como o pastejo, tais estas qual tipo de conservação os campos as práticas culturais associadas com
áreas vêm perdendo espécies. sulinos precisam. Como os campos os ecossistemas campestres, que re-
representam um tipo de vegetação presentam uma parte importante da
IHU On-Line – Os campos sulinos que necessita de manejo, proteção cultura gaúcha.
são suficientemente representados integral, ou seja, com exclusão total
em Unidades de Conservação? da ação humana, não é o tipo de con-
Gerhard Overbeck – Por um lado, servação adequada, ao menos não Literatura sugerida
a percentagem de vegetação campes- exclusivamente. Precisamos de áreas PILLAR, V.D.; MÜLLER, S.C.; CAS-
tre contida em Unidades de Conserva- em que os campos são protegidos da TILHOS, Z.M.d.S.; JACQUES, A.V.A.:
ção é muito baixa – são cerca de 2,6 conversão para outros usos de terra e, Campos sulinos. Conservação e uso
hectares. De forma geral, considera-se de certa forma, mais intensivas e im- sustentável da biodiversidade. Brasí-
que, no mínimo, a parcela equivalente pactantes para o manejo. Mas temos lia: MMA, 2009. Disponível em: http://
a 10% de cada tipo de vegetação deve- que lembrar que é justamente a ativi- bit.ly/I5T9NR
www.ihu.unisinos.br

52 SÃO LEOPOLDO, 23 DE ABRIL DE 2012 | EDIÇÃO 389


Entrevistas de Eventos

IHU em Revista
Retratos coloridos e em preto e
branco. Os muitos mundos da
favela
José Luiz Bica de Melo comenta alguns aspectos do filme 5x Favela – agora por nós
mesmos e percebe que a obra apanha a complexidade das relações sociais onde estão
muitas vezes embaralhadas as normas cotidianas e as leis, a necessidade e o drama, a
ordem e a desordem tecendo laços de sociabilidade

Por Graziela Wolfart

Q
uando você pensa em favela, que ao filme, Bica percebe que “o morador das fa-
imagem lhe vem à cabeça? O cinema velas deseja ser. Não tem vergonha de estar na
nacional possui muitas obras que re- favela e é um equívoco pensar que está sem-
tratam o cotidiano das comunidades/favelas. pre querendo descer ao asfalto. Quer dignida-
Mas que tal assistir a um filme produzido pe- de, respeito, alegria, sonho, beleza, casa, luz,
los próprios moradores? É o caso de 5x Favela trabalho digno. Como em todo lugar. Talvez o
– agora por nós mesmos, que será exibido no grande desafio seja descolonizar um imaginá-
Ciclo de Filmes Realidades do Brasil: Relações rio que, estando de fora e de longe, não com-
de poder e violência, promovido pelo Instituto preende o que significam as comunidades para
Humanitas Unisinos – IHU, no próximo dia 24 quem lá vive. O mundo não é dividido entre
de abril, das 19h30min às 22h20min, na Sala bons e maus. Maldade e bondade podem estar
Ignacio Ellacuría e Companheiros – IHU. em todo lugar. Aqui e lá”.
Quem estará no evento debatendo a obra O professor Dr. José Luiz Bica de Melo é
com o público é o professor da Unisinos José graduado em Ciências Sociais pela Unisinos e
Luiz Bica de Melo. Ele aceitou conceder a en- especialista em Educação Popular pela mesma
trevista a seguir à IHU On-Line, por e-mail, instituição. Cursou mestrado e doutorado em
em que aponta que os cinco episódios que Sociologia pela Universidade Federal do Rio
compõem o filme retratam uma “dimensão da Grande do Sul – UFRGS.
realidade social brasileira, complexa, plural a Confira a entrevista.
desafiar a ficção e a análise social”. Ao assistir www.ihu.unisinos.br

IHU On-Line – Qual é a realidade desigualdades, necessidades, dramas social brasileira, complexa, plural a de-
social brasileira retratada no filme 5x humanos, tráfico de drogas, violência safiar a ficção e a análise social.
vezes favela – agora por nós mesmos? e sonhos, sem, no entanto, reduzir o
José Luiz Bica de Melo – 5x favela olhar da câmera às análises dicotômi- IHU On-Line – Em que sentido o
– agora por nós mesmos é composto cas (bandidos x mocinhos, os “bons” x filme 5x vezes favela – agora por nós
por cinco episódios dirigidos por cine- os “maus”, trabalhadores x vagabun- mesmos contribui para a reflexão so-
astas cuja origem é a favela ou as co- dos) como em alguns casos do cinema bre as relações de poder e violência
munidades, conforme aparece no fil- brasileiro, mas apanhando a complexi- que marcam a complexa realidade
me, produção que resultou de oficinas dade das relações sociais onde estão social brasileira?
orientadas por cineastas como Fer- muitas vezes embaralhadas as normas José Luiz Bica de Melo – De várias
nando Meirelles, Ruy Guerra e Walter cotidianas e as leis, a necessidade e o maneiras. O que pode ser exemplifica-
Salles. Retrata a realidade social brasi- drama, a ordem e a desordem tecen- do pelo desejo e o sonho de obter um
leira tomando como lócus as comuni- do laços de sociabilidade. Os episódios diploma de curso superior e romper
dades do Rio de Janeiro tratando das retratam uma dimensão da realidade com a condição de classe buscando

EDIÇÃO 389 | SÃO LEOPOLDO, 23 DE ABRIL DE 2012 53


IHU em Revista escapar de um “destino” que parecia IHU On-Line – Que visão/ima- lágrima de tristeza e dor e a camarada-
ter sido previamente traçado; o desejo gem sobre a favela no Brasil é passa- gem, o encontro e o amor (que acon-
de uma criança (e seu amigo) de tudo da na obra? tece onde menos se espera). Todos
fazer para que, no dia do aniversário José Luiz Bica de Melo – 5x fave- inesperados. Como a vida e a morte.
do pai, tivesse carne numa mesa que la – agora por nós mesmos apresenta 5x favela – agora por nós mesmos nos
convivia com arroz e feijão; as dispu- uma sociedade que se urbanizou, mas possibilita pensar isso tudo. Turbilhão.
tas entre bandos rivais pelo controle de forma desigual, sem planejamento
da comunidade em que as chamadas na ocupação do solo urbano, sem am- IHU On-Line – Qual a novidade
forças públicas estão mescladas com pliação dos serviços necessários, com do filme 5x vezes favela – agora por
a violência, o que faz com que amigos cidadania limitada, com amplas áreas nós mesmos em relação ao Cinco Ve-
de infância sejam colocados em polos onde o Estado, por meio de seus múl- zes Favela de 1962?
opostos dilacerando sonhos e planos; tiplos serviços, está ausente e onde José Luiz Bica de Melo – Os cin-
uma situação em que mesmo a comu- muitas vezes impera aquilo que o co episódios de Cinco Vezes Favela,
nidade está cindida em duas – a pon- sociólogo José de Souza Martins cha- de 1962, expressavam o desejo de
te, nesse caso, é emblemática como mou de forças repressivas do priva- jovens cineastas de classe média que
elemento que separa e que, ao mes- do. As comunidades não se reduzem buscavam mostrar a favela como lu-
mo tempo, une os sonhos de infância a isso. Sem dúvida, esses elementos gar da violência, da brutalidade e da
por onde passam e conseguem voar a decorrentes de uma estrutura de de- alienação e, assim, despertar a “cons-
solidariedade e a amizade mostrando sigualdades, que tem sido apenas ar- ciência de classe”. Procurava enfatizar
os primeiros sinais de germinação. Por ranhada na superfície, fazem com que (mesmo que não explicitamente) que
fim, a demonstração da capacidade de persistam desigualdades e germine a esse lugar necessitava de intelectuais
rir da própria pobreza, sem comisera- violência e o sofrimento. que levassem o esclarecimento e que
ção ou lamento, mas com capacidade o Cinema Novo, ao escancarar essa
de, numa noite de Natal, não deixar IHU On-Line – Como definir o “realidade”, contribuiria para o forta-
que a escuridão tome conta. 5x favela perfil do morador de favela e quais lecimento de uma consciência política.
– agora por nós mesmos é uma bela e seus maiores desafios? Esse era um dos propósitos do Centro
poderosa âncora para a reflexão sobre José Luiz Bica de Melo – O mo- Popular de Cultura – CPC da União
os poderes e as violências (e os con- rador das favelas deseja ser. Não tem Nacional dos Estudantes – UNE, em
trapoderes sutis, quase invisíveis) em vergonha de estar na favela e é um que foi gestado por Carlos Diegues,
nossa sociedade. equívoco pensar que está sempre Joaquim Pedro de Andrade e Leon Hir-
querendo descer ao asfalto. Quer dig- szman Cinco Vezes Favela. Cinquenta
IHU On-Line – Como as cinco nidade, respeito, alegria, sonho, be- anos se passaram. A dimensão política
histórias se relacionam e o que há de leza, casa, luz, trabalho digno. Como da realidade social das comunidades
mais comum e de mais contrastante em todo lugar. Talvez o grande desa- não foi abandonada em 5x favela –
entre elas? fio seja descolonizar um imaginário agora por nós mesmo, mas o olhar da
José Luiz Bica de Melo – O fio que, estando de fora e de longe, não câmera agora é outro, o sujeito que a
condutor dos cinco episódios é mos- compreende o que significam as co- movimenta, agora é outro: a comple-
trar o quanto de riqueza, de solidarie- munidades para quem lá vive. O mun- xidade das relações nas comunidades,
dade, de sonho, de astúcia e de vio- do não é dividido entre bons e maus. a forma plural de fazer política, a di-
lência também faz parte do cotidiano Maldade e bondade podem estar em mensão estética e artística fazendo
das pessoas das comunidades. Crian- todo lugar. Aqui e lá. com que não se espere messianismo
ças, adultos, jovens, velhos, todos no do cinema. Cinema é, antes de tudo,
mesmo caldeirão do fazer cotidiano, IHU On-Line – Que tipo de pre- arte. Arte de abertura, não de fecha-
do fazer a vida a cada dia e por vezes, ocupação moral aparece na obra em mento. De um olhar que não diz “é
www.ihu.unisinos.br

da vida por um fio. Por apresentar as relação aos valores das comunidades assim”, mas que procura dizer “está
comunidades em sua complexidade, que vivem na favela? sendo assim”, “nós mesmos estamos
o filme nos mostra, sob a forma espe- José Luiz Bica de Melo – Os cinco mostrando desde dentro”. Essa é a
lhada, os contrastes: territórios ma- episódios de 5x favela – agora por nós magia do cinema (aquele do passado e
peados e apropriados pelo tráfico, os mesmos foram roteirizados, dirigidos o de hoje). As dinâmicas da sociedade
serviços públicos que não chegam às e produzidos por cineastas que nasce- mudaram e 5x favela – agora por nós
comunidades, a arma que mata, mas ram nas comunidades do Rio de Janei- mesmos capta magistralmente esse
também a alegria do encontro, a mão ro e muitos lá vivem até hoje. Há uma movimento.
amiga que conforta, a festa, o café, a preocupação que não é propriamente OLHO
cerveja, a sensualidade e o lugar do moral: é cultural e estética. Mostrar a “5X favela – agora por nós mes-
inesperado, do surpreendente na vida complexidade das relações humanas mos é uma bela e poderosa âncora
de cada um. Retratos. Coloridos. E em nas comunidades, entre os desejos e o para a reflexão sobre os poderes e as
preto e branco. Muitos mundos. medo, entre a luz e a escuridão, entre violências (e os contrapoderes sutis,
uma pipa que cai e um desejo que voa, quase invisíveis) em nossa sociedade”
entre uma ponte que separa (e une) e
uma mão que bate (e ampara), entre a

54 SÃO LEOPOLDO, 23 DE ABRIL DE 2012 | EDIÇÃO 389


Entrevistas de Eventos

IHU em Revista
Projeções populacionais do RS –
menos gaúchos até 2050
Pedro Tonon Zuanazzi reflete sobre a contribuição oferecida pela demografia ao
desenvolvimento econômico do estado do Rio Grande do Sul
Por Graziela Wolfart

E
  is uma projeção do cenário populacio- “no caso da educação em grandes cidades
nal do Rio Grande do Sul para as próxi- (onde não há o problema do deslocamento),
mas décadas: o número de jovens (até 14 será que precisamos abrir mais escolas em um
anos) deve diminuir continuamente; o número cenário futuro em que teremos cada vez menos
de pessoas na idade potencialmente ativa (15 jovens? Será que o sistema atual de previdên-
a 65 anos) deve crescer aproximadamente até cia comporta uma população cada vez maior
2020 e depois passar a diminuir; e o número de de idosos e cada vez menor de pessoas em
idosos (65 anos ou mais) deve aumentar conti- idade potencialmente ativa? Enfim, só estou
nuamente. Os dados são trazidos pelo estatísti- levantando questões. O foco do meu trabalho
co da FEE Pedro Zuanazzi, que abordará o tema é mais quantitativo, mas os resultados devem
Projeções populacionais do Rio Grande do Sul: ser utilizados n o intuito de se planejar para es-
mudanças no bônus demográfico na próxima sas questões”.
quinta-feira, dia 26-04, das 17h30min às 19h Pedro Tonon Zuanazzi é estatístico da Fun-
na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no dação de Economia e Estatística – FEE e mes-
IHU. Em entrevista concedida por e-mail para a trando na Universidade do Rio Grande do Sul
IHU On-Line, Zuanazzi adianta aspectos do que – UFRGS.
discutirá na palestra em questão. E questiona: Confira a entrevista.

IHU On-Line – A partir das recen- IHU On-Line – Em que se baseia zero nas próximas décadas (como na
tes projeções populacionais do Rio ao afirmar que a população gaú- década de 1990), a inversão da popu-
Grande do Sul, como o senhor afirma cha deve atingir seu ápice em torno lação deve ocorrer entre 2025 e 2035. www.ihu.unisinos.br
que o estado terá baixo crescimento de 2030 e depois deve começar a Vale ressaltar que só saberemos o sal-
populacional nas próximas décadas? diminuir? do migratório ocorrido na última déca-
Pedro Tonon Zuanazzi – Trata- Pedro Tonon Zuanazzi – Traça- da quando saírem os dados definitivos
-se de uma tendência mundial que mos três cenários prováveis para a do Censo. Além de trabalhar com ce-
começou a ocorrer nos países desen- taxa de fecundidade e para as expecta- nários para a população total, projeta-
volvidos há mais tempo e que agora tivas de vida masculina e feminina, ba- mos a população por faixa de idade: o
está atingindo o Brasil e o Rio Grande seados em métodos da ONU. Nesses número de jovens (até 14 anos) deve
do Sul. A taxa de fecundidade, hoje, já três cenários a inversão do crescimen- diminuir continuamente nas próximas
está em menos de dois filhos por mu- to da população ocorreria entre 2025 décadas; o número de pessoas na
lher (em 2010 era 1,86 no Brasil e 1,75 e 2035. A grande dificuldade é prever idade potencialmente ativa (15 a 65
na região Sul). Ou seja, a população a migração. O Rio Grande do Sul não é anos) deve crescer aproximadamente
não está se repondo. Os efeitos disso, um estado com grande saldo migrató- até 2020 e depois passar a diminuir; e
em breve, será a diminuição do cresci- rio. Sendo assim, consideramos valor o número de idosos (65 anos ou mais)
mento vegetativo. zero para esse componente demográ- deve aumentar continuamente.
fico. Podemos dizer assim: se o saldo
migratório se comportar próximo a

EDIÇÃO 389 | SÃO LEOPOLDO, 23 DE ABRIL DE 2012 55


IHU em Revista IHU On-Line – A que se deve o estado, indicador que representa a ra-
fato de que o Rio Grande do Sul foi o “A taxa de zão do número de pessoas em idade
estado que menos cresceu em popu- inativa (jovens e idosos) pelo número
lação nos últimos 10 anos? Há algu- fecundidade hoje de pessoas em idade potencialmente
ma influência cultural nesse sentido? ativa. Ou seja, quanto menor a razão
Pedro Tonon Zuanazzi – Para já está em menos de dependência, melhor. Ela diz res-
responder a essa pergunta com maior peito à contribuição oferecida pela
precisão, precisamos aguardar a di- de dois filhos por demografia ao desenvolvimento eco-
vulgação dos dados da amostra do nômico do estado. Quando essa razão
Censo 2010. Com eles poderemos
detectar qual foi o peso de cada um
mulher. Ou seja, está diminuindo (processo que se ini-
ciou no Rio Grande do Sul na década
dos componentes demográficos (na-
talidade, mortalidade e migração) nos
a população não de 1960), tem-se a primeira etapa do
bônus demográfico. Com boa preci-
últimos 10 anos. Enquanto isso, pode-
mos trabalhar apenas com hipóteses.
está se repondo” são, em torno de 2015, essa etapa
deve terminar, com a razão de depen-
dência atingindo um mínimo em torno
IHU On-Line – A partir dessa de 41,8%. A segunda etapa do bônus
perspectiva de baixo crescimento da Pedro Tonon Zuanazzi – No caso (quando a razão de dependência está
população gaúcha nas próximas déca- da educação em grandes cidades abaixo de 50%) teve início em 2000, e
das, o que deveria fazer parte de um (onde não há o problema do deslo- essa deve se prolongar por mais tem-
planejamento estratégico, no sentido camento), será que precisamos abrir po, terminando entre 2030 e 2040.
de atender a uma população mais mais escolas em um cenário futuro em
idosa e menos ativa economicamente que teremos cada vez menos jovens?
em 2050? Será que o sistema atual de previdên- Leia mais...
Pedro Tonon Zuanazzi – Essa é cia comporta uma população cada vez
uma questão que costumo repassar maior de idosos e cada vez menor de >> Pedro Tonon Zuanazzi já con-
aos economistas e aos gestores pú- pessoas em idade potencialmente ati- cedeu outra entrevista à IHU
blicos (risos). Os cenários estão aí. A va? Enfim, só estou levantando ques- On-Line. Confira:
Europa vive problemas com isso. A tões. O foco do meu trabalho é mais
* Rio Grande do Sul terá baixo
França teve uma dificuldade imensa quantitativo, mas os resultados devem
para elevar a idade de aposentadoria ser utilizados no intuito de se planejar crescimento populacional
em mais dois anos. Sem dúvida não há para essas questões. nas próximas décadas. En-
soluções triviais. IHU On-Line – O que é o bônus trevista publicada no sítio
demográfico e quais as mudanças do IHU em 10-01-2012 e
IHU On-Line – Em que sentido as mais recentes que ele tem sofrido?
modificações demográficas impacta- Pedro Tonon Zuanazzi – O im- disponível em http://bit.ly/
rão áreas como previdência, educa- pacto das transições demográficas zFV3w5.
ção e saúde no estado? reflete-se na razão de dependência do
www.ihu.unisinos.br

56 SÃO LEOPOLDO, 23 DE ABRIL DE 2012 | EDIÇÃO 389


Filme da semana

IHU em Revista
Um método perigo

Diretor: David Cronenberg crucial da expansão desta nova clínica da alma. O tema, em
Elenco: Michael Fassbender, Viggo Mortensen, Keira Kni- si, já desperta uma expectativa grande, que em parte é con-
ghtley, Vincent Cassel, Sarah Gadon, Michael Fassbender templada por atuações ímpares, pela recriação dos ambien-
Produção: Martin Katz, Marco Mehlitz tes e pelo cuidado com os detalhes. Contudo, para quem
Roteiro: Christopher Hampton leu o livro de John Kerr ou conhece a história da psicanálise,
Fotografia: Peter Suschitzky o filme parece mais uma caricatura. Apesar disso, o rotei-
Trilha Sonora: Howard Shore ro de C. Hampton escolhe o tema do sexo como o pivô em
Duração: 99 min torno do qual se desenrola a relação entre Jung e Freud.
Ano: 2011 Nesse embate, prevalece a valorização da posição de Freud
País: EUA em desfavor da pessoa de Jung, que, como se sabe, não
Gênero: Drama aceitava a concepção da sexualidade freudiana. Apesar de
Cor: Colorido que a discórdia entre os dois não possa ser reduzida à trian-
Distribuidora: Imagem Filmes gulação mediada por Sabine Speilrein, paciente de Jung, o
Estúdio: Recorded Picture Company (RPC)/Lago Film/Pros- filme vale pela magistral apresentação dos efeitos que um
pero Pictures homem pode produzir numa mulher. Isso me evoca algo
Classificação: 14 anos que Lacan3 dizia: “se para um homem uma mulher é um sin-
toma, um homem para uma mulher é uma devastação”. E só
Professor Mario Fleig, psicanalista e professor do Pro- por isso o filme provoca em nós múltiplas interrogações. Por
grama de Pós-Graduação em Filosofia da Unisinos comenta que o método seria perigoso? No mínimo em razão dele nos
o filme. confrontar com as imediações (_peri_) do gozo.
Mario Fleig é psicanalista e presidente da Escola de Es-
tudos Psicanalíticos (EEP) (www.freudlacan.com.br)
“Um método perigoso”, de David Cronenber, versa so-
bre a relação intensa e conflituosa entre o jovem psiquiatra
C. Jung1 e o inventor da psicanálise, S. Freud2, no período
download em http://migre.me/s8jF. A edição 16 dos Cadernos
IHU em formação tem como título Quer entender a modernidade?
1 Carl Gustav Jung (1875-1961): psiquiatra suíço. Colega de Freud, Freud explica, disponível para download em http://migre.me/
www.ihu.unisinos.br
Jung estudou medicina e elaborou estudos no campo da psicologia, s8jU. (Nota da IHU On-Line)
discutindo os conceitos de introversão e extroversão. (Nota da IHU 3 Jacques Lacan (1901-1981): psicanalista francês. Realizou uma
On-Line) releitura do trabalho de Freud, mas acabou por eliminar vários
2 Sigmund Freud (1856-1939): neurologista e fundador da elementos deste autor (descartando os impulsos sexuais e de
Psicanálise. Interessou-se, inicialmente, pela histeria e, tendo agressividade, por exemplo). Para Lacan, o inconsciente determina
como método a hipnose, estudava pessoas que apresentavam esse a consciência, mas este é apenas uma estrutura vazia e sem
quadro. Mais tarde, interessado pelo inconsciente e pelas pulsões, conteúdo. Confira a edição 267 da Revista IHU On-Line, de 04-
foi influenciado por Charcot e Leibniz, abandonando a hipnose em 08-2008, intitulada A função do pai, hoje. Uma leitura de Lacan,
favor da associação livre. Estes elementos tornaram-se bases da disponível em http://migre.me/zAMA. Sobre Lacan, confira, ainda,
Psicanálise. Freud, além de ter sido um grande cientista e escritor, as seguintes edições da revista IHU On-Line, produzidas tendo
realizou, assim como Darwin e Copérnico, uma revolução no âmbito em vista o Colóquio Internacional A ética da psicanálise: Lacan
humano: a idéia de que somos movidos pelo inconsciente. Freud, estaria justificado em dizer “não cedas de teu desejo”? [ne cède
suas teorias e o tratamento com seus pacientes foram controversos pas sur ton désir]?, realizado em 14 e 15 de agosto de 2009: edição
na Viena do século XIX, e continuam muito debatidos hoje. A edição 298, de 22-06-2009, intitulada Desejo e violência, disponível para
179 da IHU On-Line, de 08-05-2006, dedicou-lhe o tema de capa download em http://migre.me/zAMO, e edição 303, de 10-08-
sob o título Sigmund Freud. Mestre da suspeita, disponível para 2009, intitulada A ética da psicanálise. Lacan estaria justificado
consulta no link http://migre.me/s8jc. A edição 207, de 04-12- em dizer “não cedas de teu desejo”?, disponível para download em
2006, tem como tema de capa Freud e a religião, disponível para http://migre.me/zAMQ. (Nota da IHU On-Line)

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IHU Repórter
IHU em Revista

Regina Catarina de Alcântara


Por Thamiris Magalhães

“Sou uma mulher muito feliz e de prazer em cuidar dela; meu marido
bem com a vida, agradecendo todos é parceiro em todos os sentidos e a
os dias”, afirma a coordenadora Unisinos é para mim uma referência
do curso de Nutrição da Unisinos, profissional excelente”. A docente
Regina Catarina de Alcântara, em afirma que adora viajar, podendo
entrevista concedida pessoalmente à ser viagens longas, programadas,
IHU On-Line. E continua: “acordo a ou a de final de semana. “Já viajei
mil, passo o dia mentalizando coisas para os EUA, para a Europa etc. Nas
positivas. Tenho uma família muito últimas férias, fui a Nova Iorque e a
amada. Minha mãe é uma pessoa que Las Vegas”. Saiba um pouco mais de
tenho como referência. Tenho muito sua história.

Origem – Nasci no dia 14 há quase 40 anos, devido a mi-


de março de 1953 em São Le- Autodefinição – Sou uma nha formação. Posteriormen-
opoldo-RS, onde vivo até hoje. mulher muito feliz e de bem te, fiz três especializações aqui
Saí daqui só depois de formada com a vida, agradecendo todos mesmo na instituição, em Nu-
para trabalhar em Curitiba-PR, os dias. Acordo a mil, passo o trição Clínica, Materno-Infantil
onde fiquei apenas três me- dia mentalizando coisas posi- e Administração de Serviços de
ses. Sou casada e não tenho tivas. Tenho uma família mui- Alimentação, que é o que hoje
filhos por opção, pois acabei to amada. Minha mãe é uma leciono, sendo a área da Nu-
me dedicando à carreira. Meu pessoa que tenho como refe- trição que eu me dediquei já
marido, o Egmont, tem filhos rência. Tenho muito prazer em que, depois, realizei mestrado
do primeiro casamento que cuidar dela. Meu marido é par- em Administração na Unisinos,
www.ihu.unisinos.br

eu adotei; o Yuri de 24 anos e ceiro em todos os sentidos, e em parceria com a Pontifícia


a Lara de 14. Tenho uma famí- a Unisinos é para mim uma re- Universidade Católica do Rio
lia bem pequena: meu irmão, ferência profissional excelente. de Janeiro – PUC-Rio.
minha mãe, Lecy, eu e meu
marido. Minha mãe há 15 anos Formação – Sou nutricio- Frase – O importante é ser
sofre de Alzheimer, e nós te- nista formada pela Unisinos, feliz. Tudo eu transformo em
mos muito cuidado com ela. na primeira turma do curso algo positivo. Procuro atrair
Vou todos os dias almoçar com de Nutrição. Formei-me em pessoas positivas bem como
ela, que mora com o meu ir- 1976 e logo em seguida, em transmitir coisas boas. Não
mão, Luis Carlos. Ela é a nossa 1977, comecei a lecionar aqui gosto de falar de doença, de-
motivação. Vivemos muito em na Universidade. Ou seja, em sastre. Faço sempre que pos-
função dela, pois é garra, força, agosto completo 35 anos de sível, é claro, da vida alguma
exemplo. docência. E na Unisinos estou coisa positiva.

58 SÃO LEOPOLDO, 23 DE ABRIL DE 2012 | EDIÇÃO 389


IHU EM REVISTA
Coordenação – Em 1989, as- Gramado, Santa Catarina... Já viajei toda aqui; vivi muito em função
sumi a chefia de departamento, para os EUA, para a Europa etc. Nas desta Universidade. Meus proje-
que é atualmente a coordenação últimas férias, fui a Nova Iorque e a tos de vida foram em função da
do curso de Nutrição, onde estou Las Vegas com meu marido. instituição. Venho para a Unisinos
até hoje, juntamente com a profes- com muito prazer. Mas, da mesma
sora Denise Zaffari1, que foi minha Livro – Um que realmente me forma, sempre preservei a minha
aluna e é minha parceira. Além marcou foi Cem anos de Solidão, vida pessoal e levei as duas coi-
da graduação, coordeno, com a do Gabriel García Márquez. sas de forma bastante adequada
professora Denise, a o Programa e equilibrada. Por isso tenho essa
de Pós-Graduação em Nutrição Filme – As pontes de Madison. coisa gostosa em relação à insti-
www.ihu.unisinos.br
Clínica. tuição. Gosto muito de estar aqui,
Religião – Católica Apostólica realmente é prazeroso. As pesso-
Lazer – Adoro viajar. Ou uma Romana. as que compõem o meu dia a dia
viagem longa, programada, ou a são maravilhosas. Ademais, o con-
de final de semana para ir à praia, Sonho – Ter mais oportunida- tato com o aluno faz com que eu
des de viajar, que é o que gosto. mantenha o alto astral e o espírito
jovem. Isso é um diferencial: estar
1 Denise Zaffari: nutricionista, professora
do curso de Nutrição Clínica da Unisinos, Música – MPB, Caetano, Gil, junto com a juventude.
e atuante em várias outras frentes Bethânia.
na universidade. Confira a entrevista
concedida por ela à Revista IHU On-Line
354, de 20-12-2010, disponível em http:// Unisinos – Representa muito
bit.ly/e8r64g. (Nota da IHU On-Line) da minha vida. Fiz minha formação

59
Contracapa
IHU em Revista

Projeções populacionais do RS
Eis potencialmente ativa (15 a 65 anos) deve crescer
uma pro- aproximadamente até 2020 e depois passar a di-
jeção do minuir; e o número de idosos (65 anos ou mais) deve
cenário aumentar continuamente. Os dados são trazidos pelo
popu- estatístico da FEE Pedro Zuanazzi, que abordará o
lacional tema Projeções populacionais do Rio Grande do Sul:
do Rio mudanças no bônus demográfico na próxima quinta-
Grande feira, dia 26-04, das 17h30min às 19h na Sala Ignacio
do Sul Ellacuría e Companheiros, no IHU. Em entrevista pub-
para as licada nesta edição, Zuanazzi adianta aspectos do
próximas que discutirá na palestra em questão. Maiores infor-
décadas: o número de jovens (até 14 anos) deve di- mações podem ser obtidas em http://bit.ly/zUcY4D
minuir continuamente; o número de pessoas na idade

A matriz energética brasileira


No próximo dia 16 de maio, o tema “Rio + 20 e a
questão da matriz energética brasileira” será debatido
na Unisinos por Telma Monteiro, pesquisadora inde-
pendente. A atividade acontece das 19h30min às 22h
na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no IHU. Em
entrevista recente concedida à IHU On-Line, Telma afir-
mou que “os processos de Belo Monte e do rio Madeira
são reflexos da apatia do brasileiro”, conclusão a que
chegou depois de lutar, por anos, contra a construção
das hidrelétricas na região amazônica. Para saber mais
sobre a palestra em questão, acesse http://bit.ly/wh2tt8

Rio + 20 e a questão das mudanças tecnológi-


cas é o tema que será debatido pelo Prof. Dr. Luiz
Pinguelli Rosa, da Coppe/UFRJ, no próximo dia 23
de maio. O evento acontece das 19h30min às 22h
na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no IHU e
integra uma série de palestras em preparação à Con-
ferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento
Sustentável, a chamada Rio+20, que será realizada
na cidade do Rio de Janeiro de 20 a 22 de junho de
2012. Saiba mais em http://bit.ly/wh2tt8

twitter.com/ihu bit.ly/ihufacebook

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