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Arte e tecnologia africana no tempo do escravismo criminoso

HENRIQUE ANTUNES CUNHA JUNIOR*

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Resumo:
A formação histórica, cultural e econômica do Brasil pode ser pensada com
uma parte significativa da herança africana. Para tal precisamos de mudança de
sentido sobre as nossas referências conceituais. Faz-se necessário reconhecer
que o eurocentrismo produziu uma falsificação ou pelo menos uma enorme
omissão dos africanos na historia da humanidade e do Brasil. Através da
adoção dos conceitos de africanidade e afrodescendência se torna possível um
enfoque ampliado e pluralista com relação a formação histórica da arte e da
tecnologia na historia do Brasil. Permite por uma analise recolhermos que a
vida material e econômica do Brasil colônia e império é um feito de grande
relevância da participação de uma mão de obra qualifica e profissionalizada
durante a historia africana e cujo conhecimento, pensamento e pratica
materializam o escravismo criminoso brasileiro.
Palavras-chave: Arte afrodescendente; tecnologia africana no Brasil; conceitos
de africanidade e afrodescendência.
Abstract:
The historical, cultural and economic formation of Brazil can be considered a
significant part of the African heritage. For this we need a change of direction
on our conceptual references. It is necessary to recognize that eurocentric
mentality produced a fake or at least a huge omission of Africans in the history
of mankind and Brazil. By adopting the concepts of Africanity and afro
descendent becomes possible an expanded and pluralistic approach with
respect to historical background of art and technology in the history of Brazil.
Allows for an analysis that collect material and economic life of the colony and
empire Brazil is a feat of great importance of the participation of a qualified
workforce and professionalized during African history and whose knowledge,
thought and practice embody the Brazilian criminal slavery.
Key words: Art African descent; African technology in Brazil; concepts of
Africanity and afrodescendência.

*
HENRIQUE ANTUNES CUNHA JUNIOR é Professor Titular da Universidade Federal do Ceará.
Membro do Instituto de Pesquisa da Afrodescendência – IPAD.
1. A produção colonial e o escravismo Os primeiros diamantes na região do
criminoso Rio Jequitinhonha em 1729. Jazidas
importantes surgiram também em
A produção colonial enseja um acervo Goiás, na Bahia e no Mato Grosso.
fabuloso de objetos, instrumentos de Havendo, depois, como principal centro
trabalho e equipamentos com soluções produtor, o Arraial do Tijuco, atual
encontradas para suprir as nossas Diamantina, com a Intendência dos
necessidades de trabalho e lazer, de Diamantes instalada em 1734. O ciclo
expressão estética. Como eram feitos os do ouro é compreendido como o
diversos trabalhos, quais técnicas, as período em que vigorou a extração e
origens destas técnicas e quem os fazia exportação do ouro como principal 105
é uma discussão pouco realizada na atividade econômica na fase colonial.
nossa historiografia. Importante para a Com o ouro, prata e diamantes vieram
compreensão ampla do nosso passado as cidades e os centros urbanos. Das
da formação da nossa cultura e história. cidades no interior tivemos as cidades
O escravismo criminoso criou uma portuárias e os equipamentos urbanos.
história particular do Brasil muito Todos estes progressos econômicos têm
diferente de outros países visto que foi o como contrapartida as aplicações
único, a única nação na qual este técnicas e desenvolvimentos de
sistema de produção foi realizado por engenharia produzidos por africanos e
tão longo período de tempo e em tão descendentes de africanos.
ampla extensão geográfica. No Brasil
tudo que foi referente ao trabalho foi Saveiros e outras embarcações de
realizado por escravizados e madeira formaram um enorme conjunto
descendentes, desde 1531, como início de aplicações técnicas em madeira e
da colonização, até 1888 com a abolição velas, o que nos remete aos grandes rios
deste sistema. No litoral de São Paulo, africanos onde embarcações de modelos
Martin Afonso de Souza fundou, no ano semelhantes se desenvolveram durantes
de 1532, os primeiros povoados do séculos. O transporte, tanto de cargas de
Brasil, as Vilas de São Vicente e mulas como de cargas em carros e
Piratininga, e desenvolveu o plantio da carroças e mesmo de pessoas em carro
cana-de-açúcar. Os portugueses tiveram de mão e carruagem, produziu
o contato com a cultura da cana-de- equipamentos, peças e rodas e envolveu
açúcar no período das cruzadas na Idade soluções de geometrias complexas e
Média, realizaram o seu cultivo e o originais. As indústrias se ampliam no
processamento do açúcar nos engenhos campo com o uso do couro, dos chifres
na Ilha da Madeira já com escravismo e dos ossos, como também na produção
de africanos. Os engenhos e a produção de tecidos e diversos ornamentos.
de açúcar envolveram uma diversidade As artes e as joalherias são partes da
de especializações e de máquinas e historia de riquezas produzidas e dos
produtos. Desde produtos cerâmicos,
hábitos refinados, que não eram apenas
como tijolos e recipientes de barros para
das elites econômicas portuguesas mas
esfriamento do açúcar, até grandes
também de populações de africanos e
estruturas de madeira como moendas e
afrodescendentes, como foram os casos
instrumentos de ferro. Foi também na
de irmandades religiosas de pretos e
indústria de ferro, em todas as áreas da
pardos. Negras e negros, mesmo na
agricultura, que as técnicas africanas
condição de escravizados ou de libertos
foram também realizadas.
e livres, acumularam riquezas e
desenvolveram parte do fausto do um passado civilizatório africano,
colonialismo e do império. propiciado pelas qualificações
profissionais e treinos realizados no
Temos outra particularidade continente africano. A imigração
conservadora em termos passado de forçada de cativos africanos carreou
colônia a império e a independência não riquíssima mão de obra africana. Isto
foi discutida juntamente com a abolição nos leva à necessidade de repensar as
do escravismo. Os diversos países na considerações que fazemos sobre
America e no Caribe iniciaram a africanos e afrodescendentes na história
produção colonial com base escravista nacional. O conceito de escravo
muito depois do Brasil e terminaram difundido na história brasileira e 106
com este sistema pelo menos meio propagado na população tem um sentido
século antes do Brasil. Este conjunto de depreciativo. A idéia de escravo foi
pensamento conservador brasileiro, que nutrida como seres de cultura toscas,
perpetua ate os dias de hoje, dificultou o oriundos da tribo dos homens nus, como
reconhecimento amplo dos acervos pessoas vindo de selvas impenetráveis e
produzidos de arte, adornos e lugares não civilizados. Aqueles que
equipamentos produzidos por africanos eram pensados com fora dos
e afrodescendentes na história conhecimentos considerados como parte
brasileira. da civilização. O sentido dado ao
Para melhor conhecermos a história do “escravo” fez parte das desqualificações
fazer e pensar africano contido na nossa sociais sobre a população negra
história, precisamos ultrapassar o transmitidas pelo racimo antinegro
pensamento eurocêntrico que instrui o (Racismo entendido como sistema de
conhecimento e a pesquisa histórica e dominação e não como ódio entre as
cultural brasileira. Dois conceitos têm raças. O racismo desenvolvido para a
sido desenvolvidos neste sentido. O da dominação específica da população
africanidade e do afrodescendência. A negra no Brasil). Tal conceito errado de
africanidade nos inspira a “escravo” (no sentido transmitido pela
compreendermos a existência de uma cultura racista brasileira) é que produziu
unidade cultural de base em todo o uma imagem dos africanos e dos
continente africano (DIOP,1955). Esta afrodescendentes como incultos e
unidade gerou, entretanto, uma desprovidos de tudo fosse civilizado.
diversidade cultural devido às Conjunto de crenças que serviu para
diferenças geográficas e históricas das justificar o escravismo criminoso
diversas populações. A unidade na através da ideologia de que os mais
diversidade é parte do conceito de “aptos” submetem os menos “aptos”, os
africanidade. A afrodescendência abriga mais cultos submetem os incultos.
as transformações desta diversidade da Fórmula e ideologia muitas vezes
africanidade na diáspora africana no mentirosa, falsa, vindo de ideias
Brasil (CUNHA, 2005). evolucionistas e racistas. Os povos com
o domínio da guerra nem sempre são do
2. As origens africanas e o treino da domínio da cultura e nem mesmo da
mão de obra tecnologia. E nada justifica os crimes de
um sistema. Portanto, o escravismo é
Uma parte importante do que foi injustificado e condenado como crime
realizado na produção material no contra a humanidade, portanto
período do escravismo criminoso escravismo criminoso. As sociedades
brasileiro se deu como conseqüência de
podem ter avanços e retrocessos nos da era do cristianismo. Sabemos que os
processos denominados com egípcios, os povos do Rio Nilo, no norte
civilizatórios. africano começam a escrever e
registram a sua história e cultura há
No sentido de estimular a reflexão sobre cerca de 6.000 anos atrás, ou seja, quase
os fatos da historia da humanidade e 3.500 anos antes dos gregos. Os povos
demonstrar que as civilizações podem da Núbia, abaixo do Egito, também têm
sofrer avanços e retrocessos, observo um tipo de escrita hieroglífica, esta
que durante 4.500 anos na história da diferente dos egípcios, estabelecida pelo
humanidade o continente africano menos 2.500 anos antes. A Etiópia tem
esteve mais avançado que os europeus. uma escrita particular que se espalha 107
Somente nos últimos quatro séculos que por uma grande região da África
os europeus ultrapassaram os africanos. Oriental, que é escrita em Gê, e
Para entendermos o presente momento estabelecida pelo menos há 2.000 antes
da história, onde os africanos estão e a da era cristã (CUNHA JUNIOR, 2007).
desvantagem social, política e Existindo também as escritas dos povos
econômica com relação a Europa, é tuaregues que surgem no mesmo
necessário consultar o trabalho de período dos gregos e tendo também a
Walter Rodney, o qual demonstra como origem fenícia. Neste sentido, quanto à
os europeus produziram o atual escrita, a maior parte do continente
subdesenvolvimento da África. Como o africano esteve muito à frente da
europeu subdesenvolveu a África é um Europa. No entanto, a nossa história, da
capitulo dos últimos 400 anos de forma como é contada e transmitida,
ataques sistemáticos e da induz à sensação que os povos africanos
desestabilização dos governos e das eram ágrafos. A escrita encontrou uma
nações africanas pelos europeus com o ampla difusão na África, principalmente
intuito de dominação e exploração das depois do século VI da era cristã com a
riquezas deste continente. Sendo que a expansão da cultura islâmica em mais
superioridade bélica dos europeus é de da metade do continente.
fato palpável nos últimos 200 anos.
Dizem que a matemática, filosofia e a
A história da humanidade, nos moldes astronomia são gregas e tiveram como
pensados pelo europeu, tem o seu marco seu marco inicial um período de 600
inaugural com o domínio da escrita. anos antes da era cristã, sendo o mais
Portanto, 4.500 anos antes da era do importante iniciador Tales de Mileto
cristianismo. Vejamos desde quando o (CUNHA JUNIOR, 2010; BERNAL,
continente europeu passar a contar com 1987). Acontece que Mileto estava na
este recurso. Tomando como parte da Jônia, onde atualmente está a Turquia e
Europa a Grécia (esta passa a dominar a era apenas uma colônia sob o domínio
escrita no século IX antes da era do grego. A história reconhece que Tales
cristianismo). Em outras partes do foi herdeiro de um conhecimento mais
continente, como a Franca, Inglaterra e antigo desenvolvido por egípcios na
Alemanha, isto ocorre bem depois. A matemática e babilônios na astronomia.
escrita em grego deriva de escritas Alexandria, cidade do Egito, foi um dos
fenícias e de importações do Aramaico. palcos da evolução da matemática,
A escrita de origem latina é dos filosofia e astronomia. Esta cidade, foi
primórdios do império romano, ou seja, fundada por Alexandre, ‘o Grande’, que
pelo menos oito séculos depois dos tinha libertado o Egito da invasão dos
gregos, quase apenas um século antes persas no ano 321 antes da era crista. O
arquiteto Dinocrates fez o traçado da na denominada Idade Média, se a África
cidade como sistema que vinha desde o não foi anterior a Europa foi
século V a.C, contendo grandes praças e contemporânea. Entre os séculos XIII e
avenidas largas, com ruas em traçado XIX, a cidade de Timbucto, vale do Rio
perpendicular umas às outras, sendo que Niger, no atual Mali, foi uma referência
as ruas continham sistema de importante. Durante muito tempo, a
escoamento de água. Alexandria foi cidade foi desconhecida dos europeus,
uma colônia grega que se converteu no foi uma grande encruzilhada comercial
centro da cultura grega na época na época das caravanas, foi também a
helenística e contribuiu para helenizar o sede de uma vida intelectual intensa
resto do país – de tal modo que quando onde milhares de livros foram 108
chegaram os romanos, todo o Egito era manuscritos (HAIDARA, 1999). Na
bilíngue. A arte e a arquitetura eram os atualidade, através de escavações, estão
únicos campos que se mantinham realizando a descoberta de antigos
propriamente egípcios. No entanto, os manuscritos datados desde o século
feitos são egípcios de toda forma, XIII, e são para do trabalho da
embora a cultura ocidental as considere UNESCO para recuperação das obras.
como gregos. Assim, a grande escola da Esta guarda um rico acervo da história
Alexandria e a sua famosa biblioteca escrita da África anterior à presença
são a apresentadas como parte da europeia.
Grécia, mas na percepção crítica são os
A exposição da arte, adorno, design e
africanos egípcios, que não fazem parte
tecnologia no tempo da escravidão é
da Europa nem da Grécia, como
lugar para uma ampla discussão sobre o
encontramos na história da cultura
pensamento brasileiro e sobre a nossa
ocidental. Importante destacarmos tais
consideração em torno dos povos das
fatos, pois isto nos leva a identificarmos
diversas nações que formaram o Brasil.
uma ideologia que tende a invisibilizar
Trata-se de uma oportunidade a mais
os africanos e asiáticos enquanto
para nos afastarmos das ideologias
produtores de conhecimentos e a
eurocêntrica e racistas que minimizam
glorificar os europeus como produtores
os feitos e os conhecimentos
dos mesmos. No entanto, esta mesma
transplantados e desenvolvidos por
estrutura de pensamento permanece
africanos e afrodescendentes no Brasil.
quando avaliamos os africanos na
produção da civilização brasileira. A 3. A metalurgia do ferro feita por
contraposição entre africanos e africanos no Brasil
europeus produz a anulação dos
primeiros e a glorificação dos segundos. A arqueologia brasileira tem revelado
Acrescentamos que em termos parte da metalurgia africana importada
urbanísticos o Egito precedeu a Europa pelo sistema colonial e realizada aqui
nos traçados de cidade com a estrutura por africanos. Estudos com o titulo de
geométrica Euclidiana. Sim, precisamos arqueo-metalúrgicos de artefatos
frisar a geométrica euclidiana, pois o metálicos recuperados nos sítios
continente africano apresentou também históricos do Rio de Janeiro permitem
cidades com estrutura em geometria datar e analisar a qualidade de
fractal. instrumentos de ferro para o trabalho
agrícola (CAMPOS, 2005). Nestes
Devido às referências aos grandes estudos são encontradas enxadas,
acervos em bibliotecas e aos grandes machado e enxós. Temos na agricultura
centros culturais, poderíamos dizer que, brasileira três gerações de enxadas, duas
com tecnologia africana e uma com importante fator de expansão da
tecnologia inglesa. As enxadas vieram população devido à abertura das matas e
de início da região do Congo, depois a melhoria da produção agrícola. O
foram fabricadas aqui por africanos e ferro e os ferreiros fazem parte das
importadas da Europa. Sendo que a religiões africanas devido à sua
qualidade metalúrgica das enxadas importância civilizatória. Tudo que tem
depende dos processos de fundição do de importância nas sociedades africanas
ferro e do trabalho do ferreiro na passam de alguma forma para o
produção do formato. A flexibilidade da universo das religiões como forma de
lâmina da enxada e sua resistência à transmissão e preservação dos
batida contra o solo representa a conhecimentos. Assim é que o 109
qualidade do instrumento. As enxadas conhecimento sobre a fundição e forja
boas têm grande flexibilidade do ferro pôde ser transmitida para o
produzindo menos impacto no braço do Brasil.
trabalhador, levando a uma maior
produção com menor cansaço físico. Os Outros estudos arqueológicos e
estudos da metalurgia demonstraram históricos sobre metalurgia no Brasil
maior qualidade do produto africano em demonstram a presença das tecnologias
relação ao europeu. Fato que apenas é africanas e de africanos nas primeiras
modificado no século XIX. fundições implantadas no país
(DANIELI NETO, 2006). Antigas
A produção de fundição e forja do ferro
referências quanto à produção de ferro
são tecnologias amplamente difundidas
na capitania da São Paulo indicam que
em todo continente africano desde
aproximadamente 1.300 a 1.200 anos em 1590 foi realizada a construção de
antes da era cristã. Entre os anos de 700 dois engenhos para fundição de ferro
a 300 deste período, Kush, na região da operados por africanos, sob a
Núbia, atual Sudão, desenvolveu uma responsabilidade de Afonso Sardinha. A
origem da Fábrica de Ferro de Sorocaba
grande produção de ferro com
exportação para a Ásia. Os sítios Ipanema de Sorocaba, no entanto,
produtores de ferro da região da remonta ao ano de 1765. Por outro lado,
a descoberta de ouro em Minas Gerais
Tanzânia, na África Oriental, são
motivo de discussão e controvérsias fomentou a necessidade da siderurgia.
Temos noticias que fundições de ferro
históricas. Pode ter sido um dos mais
foram abertas para a construção de
antigos da historia da humanidade e
implementos de ferro utilizados no
também o de melhor qualidade na
trabalho das minas, estas empregando
antiguidade. A produção de utensílios
trabalho de africanos. Depois elas foram
de ferro nas regiões da África Ocidental
fechadas ou reprimidas pela corroa
data do século VI, na cultura
portuguesa, pois a colônia deveria
denominada como NOK, na atual
comercializar apenas os produtos
Nigéria (OLIVER; FANGAN, 1975).
agrícolas e o ouro. Em 1815, ficou
Na fundição do ferro os africanos
pronta a usina do Morro do Pilar, em
desenvolveram engenharia de fornos
Minas Gerais, e ainda existem
com a possibilidade de altas
referência ao emprego de africanos e
temperaturas pelos processos de sopro
afrodescendentes (BRITTO, 2011).
do ar e formas de obtenção de ligas de
Mesmo a arqueologia do Quilombo de
grande qualidade se aproximaram à da
palmares apresenta indícios da produção
têmpera do aço. A produção do ferro em
de ferro.
muitas regiões, como a região Bantu, foi
Saindo da metalurgia podemos dizer devida consideração e respeito por parte
que as roda de carro de boi difere da da população brasileira. Resultado de
roda de tiburi, que por sua vez são uma história pouco aprofundada da
diferentes das rodas das carroças, que visão material. Uma história muitas
diferem das rodas dos engenhos nas vezes vista sobre os olhos
moendas. São reinvenções das rodas, desinformados, quase sempre na
que independentes de quem as superfície dos fatos e sem a
realizaram fazem parte da cultura profundidade dos significados. O
técnica nacional e passam pelas relações escravo e a produção escravista
do escravismo. Então, foi sempre precisam ser reabilitados com
preciso reinventar a roda e estas profundidade, para daí repensarmos o 110
reinvenções, quando estudadas com que somos nós brasileiros enquanto
profundidade, nos levam às novas cultura e singularidade, enquanto
possibilidades de imaginação sobre a herança de africanos principalmente.
nossa produção e as nossas formas de
trabalho. “Onda negra, medo branco” é um titulo
sugestivo de um trabalho de pesquisa de
4 – Olhando em profundidade para Célia Maria Marino de Azevedo (2004).
concluirmos Este título sintetiza muito dos impasses
que tem levado à dificuldade em
Com réguas, compassos e outros
repensar a população negra, africana e
instrumentos de medida e traçados de
afrodescendente, na história do Brasil.
curva na mão, mesmo com os meios da
Existe um receio, poderíamos até
informática e das novas tecnologias, se
afirmar que um medo cultural velado,
aplicados ás criações e reproduções que
de que a exaltação dos escravizados
estão sendo mostradas nesta exposição
leve a uma cobrança em termos
teríamos um grande exercício da
históricos. Parece-me este um dos
perfeição. Encontraríamos na nossa
paradoxos da historia brasileira. As
analise um grande exercício de
ondas negras de revisão das histórias
experiências e treinos que implicam em
lançadas por pesquisadores negros têm
soluções com grande complexidade
sempre uma resposta negativa e é
geométricas e de usos de materiais em
rechaçada devido aos valores que postos
caminhos originais e inventivos da
em questão, e sobre os quais muitos são
criação brasileira. Para realização deste
temerosos. A manutenção da
acervo histórico material, profissionais
informação superficial não é casual, faz
de diversos treinos e com esmeradas
parte de um sistema de proposição sobre
qualificações deram prova dos seus
o que deve ser a nossa história, não o
conhecimentos e de suas habilidades.
que ela pode ser, e do porque que os
Vendo na profundidade do exposto africanos e afrodescendente aparecem
podemos encontrar outros significados sempre de uma maneira superficial. Não
para a valorização dos profissionais que discutimos a proposição de que os
criaram as indústrias artesanais valores dos conceitos da história
brasileiras no passado escravista. Com européia não são apropriados para o
esta analise de profundidade deveríamos Brasil. Além da propriedade, da posse
por em questão os pensamentos que dos meios de produção, o valor do
elaboramos sobre os trabalhos no Brasil grupo de pertencimento étnico sempre
e sobre os trabalhadores durante toda a foi um patamar social no Brasil. Pensar
nossa história. O trabalho, seja o escravo como meio de produção é
escravizado ou não, nunca mereceu a uma desumanização da história, sendo o
que tem sido feito. Também seguir as Universidade Estadual de Campinas, São Paulo,
máximas de Caio Prado Junior (2006), 2006.
que reza que os africanos e DIOP, Cheikh Anta. Nations négres et culture.
afrodescendente não deram contribuição Paris: Presence Africaine .1955.
à historia além do trabalho compulsório, CAMPOS, Guadalupe. Estudos
é desqualificar a população negra arqueometalúrgicos de artefatos metálicos
perante a história. Existe, pelo menos recuperados nos sítios históricos do Rio de
Janeiro. Tese de doutoramento. PUC- RJ. 2005.
para a população negra, uma
necessidade de ruptura com estas CUNHA JUINIOR. Henrique. NTU. Maringá:
tendências da história. Negros erram os Revista Espaço Acadêmico. Numero 108.Maio,
2010. 111
escravizados, tendo ou não poder
aquisitivo, cultura e mesmo liberdade. CUNHA JUNIOR, Henrique. Tecnologias
africanas na formação histórica do Brasil. Rio
Negros são os empobrecidos do Brasil
de Janeiro. 2010.
atual, independente de outros conjuntos
de valores. A ruptura definitiva com os CUNHA JUNIOR, Henrique. O Etíope: Uma
escrita africana. Revista Educação Gráfica.
conceitos do escravismo ainda não se 2007. Vol. 11, pp. 1-10.
fixou. Assim, escravizado e
empobrecido é o imaginário brasileiro CUNHA JUNIOR, Henrique. Nós, afro-
descendentes: história africana e afro-
sobre o trabalho na era da escravidão e descendente na cultura brasileira. IN :Historia
esta exposição vem no sentido de da educação do negro e outra historias. Brasília:
propor a abolição dos costumes do SECAD- MEC, pagina 249-274. 2005.
pensamento brasileiro. O acervo www.propostacurricular.sed.sc.gov.br/pdfs/Vol
riquíssimo dessa exposição é a prova de 06_ed1_HisEdNeg.pdf
temos material para repensarmos as GAMA, Rui. Engenho e tecnologia. 1983.
nossas ideias sobre os africanos e HAIDARA, Ismaël Diadé. Les Juifs à
afrodescendentes, e também sobre os Tombouctou. Recueil de sources écrites
europeus, sobre as relações destes na relatives au commerce juif à Tombouctou au
construção da produção brasileira. XIXe siècle, Editions Donniya, 1999.
SILVA, Juliana Ribeiro da. Homens de Ferro.
Os ferreiros na África Central no Século XIX.
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Universidade de São Paulo. São Paulo, 2008.
AZEVEDO, Célia Maria Marino. Onda negra, Disponível em:
medo branco: o negro no imaginário das elites, http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/813
Século XIX. São Paulo: Editora Annablume. 8/tde-03092009-145620/. Acesso em
(2ª. edição). 2004. 23/09/2009.
BERNAL, Martin. Black Athena. The OLIVER, Roland / FANGAN, Brian. Africa in
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London: Free Association Books. Vol 1. The
fabrication of Ancient Greece. 1987. PRADO JUNIOR, Caio. Formação do Brasil
Contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 2006.
BRITTO, Maura Silveira Gonçalves de. Com
Luz de ferreiro: Práticas do ofício nas Minas do VARGAS, Milton. História da ciência e da
ferro escravistas, século XIX. Mariana: tecnologia no Brasil: São Paulo: Humanitas,
Mestrado em Historia. Universidade de Ouro FFCLH/USP, 2001.
Preto. 2011.
DANIELI NETO, Mario. Escravidão e Recebido em 2014-10-19
indústria: um estudo sobre a Fábrica de Ferro Publicado em 2015-03-14
São João de Ipanema (Sorocaba, São Paulo,
1765-1895). Tese (Doutorado em Economia) –

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