Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Felipe Fulanetto*
cultural, buscando entender como o missionário deve se identificar com o povo local.
Abstract: This article aims to raise challenges, dangers and limits on cultural
adaptation, seeking to understand how a missionary must identify with the local people.
* Felipe Fulanetto é bacharel em Teologia e mestrando em missiologia no CEM. Pastor e missionário pela
Igreja do Nazareno, coordenador de pesquisas missionárias institucional da AMTB, pertence à equipe do
projeto Vocacionados e do movimento VOCARE. Organizador e co-autor do e-book “Vocação e Juventude”
publicado pela editora Ultimato e autor do livro "Artigos de Fé na Ótica Missional" publicado pela Sal
Cultural.
1
1. INTRODUÇÃO
O estudo que iremos nos debruçar aqui analisará o ambiente intercultural que o
missionário se encontra no exercício de sua função ministerial, e por causa deste serviço,
seus limites. Como é bem sabido, a globalização do mundo atual não é ficção, mas real, no
entanto, mesmo havendo uma tribo global – que compartem de pensamento e ideologias
também é nítida e factual em todos os locais. Em vista disso, o tão conhecido choque
cultural que missionários do século XVIII passaram, ainda persiste com os novos obreiros
que deixam suas pátrias para pregarem o evangelho em terras distantes. Contudo, temos
novos desafios, mas os mesmos perigos. Desta forma, esse artigo pretende abordar
2. CONTEXTUALIZAÇÃO MISSIONÁRIA
Na minha pesquisa bibliográfica para elaboração deste artigo, deparei-me com uma
primeiro lugar, que o foco principal dos escritores missiológicos está com o pragmatismo
ganhar mais pessoas para Cristo com a minha mensagem e não como eu devo viver
2
missionalmente para alcança-las para Deus. Nesse breve artigo tentarei vasculhar essa
grandemente nas atividades missionárias da igreja. O seu uso teve início em meados do
aplicação no campo missionário (LÍDORIO, 2011, p. 17). Este estudo antropológico tem
Deus, mas as pessoas devem entendê-lo dentro de seus próprios contextos culturais e
pessoais, para que assim seja relevante para as mesmas (HIEBERT, 2008, p. 170).
Concílio Mundial de Igrejas (CMI) em 1972, mas posteriormente ganhou sua aceitação
Evangelização Mundial, em Lausanne, Suiça (1974) (BURNS, 2011, pp. 56, 96). Desde
então, o termo tem ganhado nova roupagem e aprimoramentos, para que tenha uma
formas verbais relevantes para os povos nas suas culturas separadas e dentro das suas
Ainda com Nicholls, para ele todas as vezes que a mensagem bíblica é proclamada,
seja ela em contexto transcultural ou nacional, ela irá se deparar com três culturas distintas,
vivenciada pelo mensageiro. Entretanto, também temos o hiato cultural entre o emissor e o
receptor, o qual recebe a mensagem final que passou por diversas interferências culturais
de interpretação.
mensageiros, mas também a mensagem, (HIEBERT, 2008, p. 141) e caso não saibamos
do que imaginamos. Assim como Paul Hiebert salienta "é natural pensarmos em
comunicação em termos do que falamos, [porém] precisamos aprender a avaliar pelo que
Bíblia e o que a Bíblia realmente ensina sobre tais coisas. Ele tem de
básicas das suas próprias reações e pensamentos. Além disso, ele tem de
encarnação do Verbo é o modelo para a nossa missão (HIEBERT, 2008, p. 18), ela
4
58). E exatamente nesse ponto que devemos nos ater, pois Cristo não somente pregou de
uma forma inteligível ao povo de sua época, mas também viveu de acordo com a cultura
adaptação cultural, assim como é narrado em Filipenses 2:1-11, que descreve como Ele
deixou sua posição, sua glória, sua pátria no ato do "esvaziou-se a si mesmo", e tomou a
contextualização, Ele tornou-se no que era necessário para alcançar a humanidade. Ele
reconhecer que a nossa maneira de pensar cultural não é única correta, que não deve ser a
regra de conduta a ser seguida por todos, devemos agir como Paulo que se fez "tudo para
Jesus soube respeitar a cultura onde estava inserido, pregando conforme era o seu
cotidiano e ensinando de acordo com seus parâmetros culturais, porém sem barganhar o
culturais de sua época. Mesmo com a melhor contextualização possível nós iremos estar
contra os costumes pecaminosos que permeia a cultura. Devemos pregar e viver uma
(HIEBERT, 2008, p. 56) e como Charles Kraft ressalta "o trabalho de Deus dentro da
Podemos ver o pecado cultural na pratica indiana do sati, que é o ato de queimar a
esposa viúva junto com o corpo de seu marido morto; do mesmo modo vemos na cultura
5
brasileira com a festa carnaval, que implica dias de promiscuidade e libertinagem; ou ainda
podemos ver a prática do infanticídio em algumas tribos, que enterram crianças vivas, por
nascerem com deficiência física ou mental, bem como também gêmeos; e por fim o pecado
do relativismo moral, que tem reinado no Ocidente e está em expansão nos demais países,
onde a regra cultural é a “não confrontação”, pois o ditame deste pecado diz que não existe
o que é certo e errado, e sim somente o que você crê e pensa, é o correto. No entanto, como
veremos a seguir, não é tão simples para o(a) missionário(a) entender a ética de um povo
específico.
de ética da cultura que está inserido. Devo ou não devo apertar com a mão esquerda? Será
que eu devo chegar no horário ou atrasado? É correto olhar diretamente nos olhos das
mulheres? Essa roupa está correta para o povo? Diariamente, nos defrontamos com
circunstâncias. A ética, mesmo sendo um campo da subjetividade, nos é tão real que se
torna algo palpável e empírico para estudos científicos. Ela está presente na vida
diferentes que os seus aprendidos dentro de sua própria cultura. Portanto, devemos
estudar mais aprofundo o que seria a ética. No entanto, apesar dela ser facilmente
encontrada nos livros de teologia e filosofia, ela não é tão comum em estudos
uma forma sútil e singela, tive dificuldades de encontrar bibliografias específicas para
Em vista disso, em primeiro lugar venho gostaria de propor uma nova terminologia de
Advogo o uso do termo Ética, pois compreendo ser a terminologia em uma única
palavra mais vasta possível para combinar o que seria certo/errado, santo/profano,
bem/mal, moral/imoral etc., e pelo seu arcabouço de significação histórica que nos
Como salientei anteriormente, a ética tem suas variações étnicas, sendo possível
hierarquiza-las. O estudo que compete para essa análise, é denominado como ética
significação em escala de cada ação que fazemos representado pela sua intensidade. Para
essa ramificação de estudo, cada comportamento humano tem seu valor intrínseco
outras palavras, há atitudes que são consideradas melhores ou piores que outras, mesmo
ambas sendo boas ou más. Mentir e matar são atitudes intrinsecamente ruins, no entanto,
para axiologia o ato de matar é pior que mentir, podemos dizer o mesmo que doar livros e
doar órgãos, são boas em si mesmas, mas a doação de órgãos tem um valor maior que a
das atitudes humanas de acordo com seus valores atribuídos para as mesmas. Vários
filósofos labutaram dentro desse pensamento ético, podemos destacar dois Max Scheler e
Rudolf Lotze.
Esse conceito da hierarquia ética é chave para o desenvolvimento desse artigo e nosso
suas palavras e ações. No entanto, em meio essa jornada de conhecimento cultural ético
irá labutar, definitivamente não será uma tarefa fácil. Assim como Hiebert afirma, toda
impedimentos que o missionário terá para se tornar participante pleno de uma sociedade.
(2008, p. 91). Portanto, temos que estar atentos para os perigos para não cairmos neles ou
a) Choque Cultural
Exatamente por causa das divergências na ética axiológica que vimos anteriormente,
choque cultural. Qualquer pessoa que viver fora do seu contexto cultural de nascimento,
passará por desconfortos culturais, seja grande ou pequeno. Por isso, missionários que
deixam sua terra natal e vão morar em regiões completamente distintas as suas devem
estar preparados para o choque cultural. Não devemos esquecer que os filhos dos
missionários também sofrerão com as mesmas dificuldades, mesmo que sejam pequenos.
A adaptação na vida transcultural requer passar por esse período crítico e conturbado,
regiões mais elevadas tendem a suprimir seus costumes, vestimentas e até idioma
nativo. Essa rejeição é passada para os filhos na educação familiar logo cedo,
voltar para sua terra natal sofrerá de um choque cultural reverso catastrófico e
poderá ter forte crises, principalmente com os familiares que ficaram. Hiebert
afirma que “nunca podemos apagar totalmente o registro de nossa cultura original,
ainda continua dizendo que “mesmo depois de nos termos identificado com ela o
mais próximo que pudemos, reconhecemos que em algum sentido ainda fomos
c) O relativismo cultural
abrir mão da verdade bíblica para aderir um conceito cultural. Sempre temos
suplantados.
d) Etnocentrismo
9
cultura do agente enviado com o povo receptor. Todos nós temos valores
demonstrar que respeita, ama e quer se identificar com o povo, no entanto, nas
exemplo prático.
Todo missionário sonha em ser aceito pelo povo local como um dos membros, e, para
lograr tal objetivo, o mesmo lança mão de bastante estudo cultural, dedicação ministerial
Jonathan Lewis em seu livro “Misión Mundial” nos narra uma história real e
interessante que nos responde essas dúvidas que irei transcreve-la abaixo.
parches, unidos por más parches. Mis pies sucios, manchados de lodo,
que dormía con su burro en el camino. Pero, ¿por qué entonces ella me
menos podría haberme identificado como señor, pero no, tenía que ser
Me quedé pensando en eso una y otra vez. No podía ser que la mujer
lago Colta. ‘Carlos, la señora supo que yo era un mister, ¿Cómo crees que
lo hizo?’. […]
donde estaba la mujer. ‘Ahora, dígame señora’, empecé, ‘¿cómo supo que
ahora sé lo que es.’ Me paré y miré a mi alrededor. ‘Es el modo como Ud.
nunca veo por aquí a nadie que camine así. Ustedes los europeos mueven
sus brazos como si nunca llevara una carga sobre sus espaldas.’ Le dí las
desde las caderas. Con los brazos moviéndose escasamente bajo sus
O que podemos perceber com esse estudo de caso que Lewis nos apresenta?
momento nós seremos diferentes e estrangeiros, e devemos saber que isso está bem, não
transmitirmos ao povo o amor e o respeito pela cultura e sermos aceitos por eles.
Por tudo isso que vimos, podemos afirmar que há sim limites para a adaptação
cultural. Limites sociais, psicológicos e teológicos. Nos âmbitos sociais, devemos ser
cautelosos para não negarmos nossa própria identidade cultural, pois perderemos a
quebrar raízes. No nível psicológico, o missionário que está sofrendo para se adaptar ao
frustação. Por fim no âmbito teológico, jamais devemos abrir mão do que é bíblico, assim
Ao se deparar com desafios e perigos devemos nos perguntar: "Isso afeta a santidade com
Deus? E com meu próximo? E comigo mesmo?". Caso as três respostas sejam “não”,
então não devemos ter medo de contextualizarmos e vivermos de acordo com a cultura
local, porém caso apenas uma delas seja um "sim", a santidade é o nosso normativo e não
6. CONCLUSÃO
concluir afirmando que o amor as pessoas é a chave principal para que o evangelho seja
identificarmos com o próximo, como da mesma forma seremos fieis a palavra de Deus
por amor a Ele. Quando amamos as pessoas e as vemos como seres humanos como nós,
as diferenças culturais e de estilo de vida não serão tão importantes. (HIEBERT, 2008)
13
BIBLIOGRAFIA
BURNS, B. (2008). Costumes e Culturas. São Paulo: Editora Vida Nova.
HIEBERT, P. G. (2008). O Evangelho e a Diversidade das Culturas. São Paulo: Editora Vida Nova.
KRAFT, C. H. (2009). Perspectivas no movimento cristão mundial. São Paulo: Editora Vida Nova.
LÍDORIO, R. (2011). Introdução à Antropologia Missionária. São Paulo: Editora Vida Nova.