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Programa para a Orla Costeira Odeceixe-Vilamoura (POC-OV)

Resposta à Consulta Pública

Eu,___________________________________________________________, portador
do BI_______________, NIF ________________, e residente ________________
_______________________________________________________________, venho
por este meio manifestar e fundamentar a minha indignação perante o conteúdo do
Plano de Praia do Monte Clérigo, o qual considero incoerente, obscuro e reprovável.

Incoerências nos critérios de demolição

O Plano de Praia do Monte Clérigo, parte integrante do POC-OV, prevê a demolição


de 38 estruturas, das quais 35 habitações particulares, 1 garagem, 1 restaurante e
1 WC público.

No referido Plano, as habitações indicadas para demolição inserem-se em zonas


definidas por perímetros de segurança teóricos - 2 níveis de “Faixa de Segurança para
Terra”, e outros 2 níveis de “Faixas de Segurança em Litoral Arenso”. Parecem no
entanto existirem graves incoerências e uma tremenda falta de clareza no processo de
definição das estruturas a demolir:

Existem habitações previstas para demolição que se encontram fora de qualquer


faixa de salvaguarda traçada no âmbito do POC-OV, e ainda faixas de segurança que
definem a demolição de umas casas e não de outras.

Existem centenas de habitações particulares, empreendimentos turísticos e


estabelecimentos comerciais em zonas consideradas “Faixa de Salvaguarda para Terra
- Níveis I e II”, divididas por 49 das 93 Praias consideradas no POC-OV (cerca de 53%).
No entanto, seguindo estas faixas, existem mais habitações para demolir na Praia
do Monte Clérigo (9) do que em toda a costa entre Odeceixe e Vilamoura (6).

Existirem centenas ou mesmo milhares de imóveis, inclusive ruas inteiras situadas em


“Faixa de Salvaguarda em Litoral Arenoso - Níveis I e II”, divididas por 14 das 93 Praias
consideradas no POC-OV (cerca de 15%). No entanto, seguindo estas faixas,
existem 10 vezes mais construções para demolir na Praia do Monte Clérigo (21)
do que em toda a costa entre Odeceixe e Vilamoura (2). De referir que estas últimas
se situam na mesma praia, sendo esta propriedade privada.
Não existem no Monte Clérigo habitações em zona de “Faixas de Salvaguarda para o
Mar”, que parecem suportar algumas das demolições noutras praias, encontram-se
todas mais recuadas. Basta aliás consultar o Plano de Praia da vizinha Praia da
Arrifana para encontrar um conjunto de casas de génese idêntica às do Monte
Clérigo, em “Faixa de Salvaguarda para o Mar” e impunes a demolições.

Relativamente à segurança das populações, nem a tempestade “Hércules“ de Janeiro


de 2014, a pior das últimas décadas, conseguiu chegar às casas do Monte Clérigo, pois
a própria orografia da praia encaminha o mar ribeira dentro. Nunca houve inundações
no Monte Clérigo mas para saber isto é preciso estar no terreno, não se confirma por
modelação informática, nem se prevê em sistemas de informação geográfica.

Considero assim manifestamente incompreensível o critério utilizado para justificar a


potencial demolição de habitações na Praia do Monte Clérigo.

Urbanismo

O núcleo urbano do Monte Clérigo existe há mais de 80 anos, com as primeiras


casas em pedra a terem sido edificadas nos anos 20. Foram estas famílias que hoje vão
na 4ª geração e a sua luta por melhores condições de vida, que moldaram o que é hoje
a Praia do Monte Clérigo. São as casas destas famílias que o POC-OV pretende
demolir. Não são estruturas devolutas ou inacabadas, apoios de praia clandestinos
ou armazéns de pescadores. São simples casas de habitação, construídas com a
autorização do proprietário dos terrenos, e cuja história se confunde com a evolução do
próprio concelho de Aljezur no último século.

A maioria destas habitações encontra-se em “Aglomerado Urbano” definido pelo


PDM de Aljezur1 em vigor, detêm Matriz Predial Urbana, estão registadas na
Conservatória do Registo Predial e pagam Imposto Municipal sobre Imóveis.

Entende-se assim o Plano de Praia do Monte Clérigo, o POC-OV e a sua falta de


coerência, como um ataque pessoal (porque é da vida das pessoas que estamos a
falar) a estes habitantes e aos seus antecessores.

Especulação imobiliária

A intervenção prevista na Praia do Monte Clérigo, além de desgarrada e desprovida de


sentido, é altamente perigosa na perspectiva de abrir um precedente gravíssimo em
toda a Costa Vicentina e no que este pode desencadear, abrindo portas a interesses
imobiliários que em nada se identificam com os valores da zona.

1
Resolução do Concelho de Ministros nº 142/95, de 21 de Novembro
Tendo em conta episódios recentes na Costa Portuguesa e as brutais discrepâncias
entre o Plano de Praia do Monte Clérigo e os 92 restantes, teme-se que esta decisão
possa vir a ser aproveitada no futuro por projectos imobiliários que apenas beneficiam
os envolvidos na sua implementação.

Lembro que continua disponível online o anúncio2 correspondente à venda por


10.000.000 € de um terreno de 311 ha com 3 km de frente de mar, que engloba todo o
“Aglomerado Urbano do Monte Clérigo” e área envolvente, com um projecto
megalómano de hotéis, moradias e campo de golf. Tal é por si só suspeito, perturbador,
difícil de interpretar e impossível de ignorar, e uma clara violação ao PDM de Aljezur e
Plano de Ordenamento do PNSACV3. O referido anúncio foi mesmo actualizado no
sítio do BPI Expresso Imobiliário a 20.06.20164.

Valores naturais, cénicos e intrínsecos

Com a ocupação desregrada de grande extensão da costa Sul do Algarve, que


maioritariamente sucumbiu à especulação imobiliária já referida (especulação essa
totalmente ignorada no âmbito do POC-OV), a Costa Vicentina afigura-se hoje como um
dos últimos bastiões de faixa costeira maioritariamente preservada no Sudoeste
Europeu, fruto da protecção legal conferida Pelo Parque Natural do Sudoeste
Alentejano e Costa Vicentina (PNSACV), e das suas características naturais.

Fiel a este paradigma e consciente da sua realidade, a Costa Vicentina tem-se afirmado
nos últimos anos como um destino de eleição para o Turismo de Natureza em nichos
de mercado emergentes como o surf, caminhadas, cicloturismo e observação de
fauna e flora. Este caminho reflecte a vontade da população, autarquia e actores locais.

O núcleo urbano potencialmente delapidado de forma irremediável pelo POC-OV é um


dos postais de Algarve e um dos estandartes de Aljezur e da Costa Vicentina;
encontra-se em área protegida no âmbito da Rede Natura 2000; é um local de
eleição para a educação ambiental e estudos científicos5.
É um laboratório vivo das gentes, fauna e flora desta costa.

Os eventuais trabalhos de demolição iriam inevitavelmente destruir vegetação


autóctone em pleno Parque Natural. As características da vegetação presente no

2
http://medipred.pt/imovel/terreno-venda-aljezur/
3
http://www.icnf.pt/portal/naturaclas/ordgest/poap/popnsacv/popnsacv-doc-fases-1-2-3
4
http://bpiexpressoimobiliario.pt/Terreno/Aljezur/Aljezur/a7263249
5
Castro J (1996). Selecção e Gestão de Áreas Marinhas Protegidas no Parque Natural do Sudoeste
Alentejano e Costa Vicentina. Laboratório de Ciências do Mar, Pólo de Sines. Universidade de Évora.
local, tanto nativa6 como exótica7, constituem um factor fundamental na estabilização
das arribas e dunas, pelo que a sua remoção poderá precipitar a desagregação destas
áreas, acelerando os processos naturais de erosão costeira.

Cenicamente, estas demolições iriam descaracterizar irremediavelmente a Praia do


Monte Clérigo. Seriam mais um passo para uma Costa Vicentina sem aquilo que a
torna especial, sem aquilo pelo qual as pessoas se apaixonam, aproximando-a de uma
realidade cada vez mais uniformizada, em nome da ordem, segurança e de um
urbanismo gelado, sob a crescente ameaça da especulação imobiliária.

Quem vem para a Costa Vicentina, fá-lo porque não quer “o outro Algarve”. Procura aqui
um refúgio temporário, vem em busca de algo único, que não se explica mas se sente,
mesmo sem se saber. E é bom que haja espaço para todos. Se a Costa Vicentina
deixar de ser única, quem lá vai passará a ir para outro lado (se ainda existirem lugares
únicos), e ter-se-á perdido mais uma oportunidade de fazer diferente.

Desertificação e mais-valias

Num concelho com problemas de desertificação e sazonalidade como é Aljezur,


problemas contra os quais luta activamente, considera-se que destruir casas históricas
que constituem uma imagem de marca da Costa Vicentina, algumas delas classificadas
como “Alojamento Local”, é de todo desaconselhável, e apenas prejudica a
economia local. É um passo atrás, e não uma melhoria.

Capacidade de carga

Em relação à capacidade de carga, o POC-OV considera que a Praia do Monte


Clérigo tenha capacidade de suportar 2351 “utentes” (cerca de metade da
população do concelho de Aljezur), face aos 770 do POOC em vigor. Desconstruindo:
apesar de o POC-OV defender ser necessário para o futuro da Praia do Monte Clérigo
demolir 36 habitações ocupadas e com história, sem critério aparente, sugere que esta
albergue um máximo de 3 vezes mais “utentes”. Para tal, O POC-OV sugere ainda
uma área de estacionamento de 8,396 km2 - cerca de 4 vezes superior à existente.

6
Costa JC (2001). Tipos de vegetação e adaptações das plantas do litoral de Portugal continental. In
Albergaria Moreira, M.E., A. Casal Moura, H.M. Granja & F. Noronha (ed.) Homenagem (in honorio)
Professor Doutor Soares de Carvalho: 283- 299. Braga. Universidade do Minho.
7
Di Tomaso JM, Kyser GB et al. (2013). Weed control in natural areas of the Western United Sates. Weed
Research and Information Centre. University of California. 544 pp.
Por estas contas, a Praia do Monte Clérigo é aliás considerada pelo POC-OV como
com a 4ª praia com maior capacidade de carga em todo o Barlavento Algarvio,
sendo apenas ultrapassada pela Meia-Praia, Praia da Rocha, e Praia da Luz - todas
elas altamente urbanizadas, sem protecção legal, e fora da Costa Vicentina – sendo
realidades impossíveis de comparar.

O próprio POC-OV (Relatório Ambiental pp. 99-103) refere para o concelho de Aljezur
uma oferta de alojamento turístico de um máximo de 2292 utentes, distribuídos por 379
estabelecimentos de alojamento local registados8. Ou seja, o POC-OV sugere que a
Praia do Monte Clérigo possa albergar mais utentes do que a totalidade da oferta
turística no concelho.

Todos estes números incompreensíveis e aparentemente aleatórios encontram-se


totalmente desprovidos de conhecimento da realidade local.

Mais ainda, publicitam a Praia do Monte Clérigo como uma espécie de ”potencial paraíso
balnear de massas“, o que é algo utópico, inexistente e perigoso. Os mesmos, apesar
de meramente teóricos, não só ignoram como suportam o aumento da pressão a que
esta área sensível se encontrará invariavelmente sujeita durante os meses de
Verão, acelerando os processos naturais de erosão costeira, e de degradação por
impacto humano.

Pelo Princípio da Precaução, e no sentido de minimizar a pressão humana sobre


as falésias e dunas existentes, a imposição de uma capacidade de carga real e
aplicada na práctica, seria ela própria uma medida mais inteligente e eficaz do que
a demolição sumária de habitações legalizadas que existem há 4 gerações.

Considerações finais

 Parece existir um padrão de enviesamento, transversal a todo o documento,


e de desrespeito pela Praia do Monte Clérigo, seus habitantes e utentes, que
em última análise e por tudo o que foi acima mencionado, prejudica a
preservação dos seus valores naturais e identitários.

 À medida que nos embrenhamos no POC-OV, este enviesamento torna-se


progressivamente mais claro em relação ao tratamento diferencial dado à
Praia do Monte Clérigo, pelo que se teme pela integridade futura da Praia do
Monte Clérigo.

 Não são de todo perceptíveis as razões que estão na base das demolições
na Praia do Monte Clérigo, nem na base das gritantes e inúmeras incongruências

8
https://rnt.turismodeportugal.pt/RNT/ConsultaRegisto.aspx
nesta matéria ao longo dos vários Planos de Praia. Da mesma maneira, não é
claro quem suportaria o custo das intervenções, ou o que estaria previsto a nível
de renaturalização das áreas intervencionadas.

 Não são dadas garantias de salvaguarda das áreas propostas para


intervenção, face aos interesses imobiliários crescentes, abrindo a porta à
degeneração e irreversível adulteração da Praia do Monte Clérigo e dos seus
valores naturais e identitários, e abrindo um grave precedente na Costa
Vicentina.

 Teme-se que a redefinição da capacidade de carga da Praia do Monte Clérigo


para um valor 300% superior ao do POOC em vigor, possa vir a ser utilizada
como tentativa de sustentar futuros episódios de especulação imobiliária.

Por todas as razões acima referidas, venho por este meio defender de forma firme
que:

 As demolições previstas na Praia do Monte Clérigo sejam de imediato


retiradas do POC-OV.

 Seja equacionada uma alternativa ao nível do suporte e estabilização de


arribas e dunas, que de facto retarde a erosão costeira e não a acelere.

 Seja revista em baixa a Capacidade de Carga proposta para a Praia do Monte


Clérigo, assim como a área de estacionamento recomendada.

 Seja manifestamente claro no POC-OV que não poderão ser construídos


novos empreendimentos turísticos, ou outras construções de índole
equivalente dentro da área do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa
Vicentina abrangida pelo POC-OV, e de acordo com o Plano de Ordenamento
do PNSACV em vigor. Que seja igualmente claro, que também esta orientação
deve ser transversal e mandatória para os PDM e Planos de Pormenor
respectivos.

Conclusões

É de minha vontade que o POC-OV possa no futuro ser lembrado como um documento
que define uma lógica de conservação da Costa Vicentina em geral e da Praia do Monte
Clérigo em particular, e não um documento que abre uma porta à sua
descaracterização.
Possa o POC-OV respeitar e salvaguardar a Costa Vicentina, tanto a nível das suas
características naturais como identitárias, tendo por base a potenciação do Turismo de
Natureza, sensibilização, informação, e monitorização ambientais, assim como a
salvaguarda da pressão turística, urbanística e de visitação.

Sem mais assunto, peço a imediata revogação e revisão do Plano de Praia do


Monte Clérigo proposto pelo POC-OV, segundo as premissas acima referidas.

_____________________________________________

(Assinatura)

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