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AGOSTINHO DE HIPONA E SUA PRÁTICA PASTORAL: ALGUMAS

CONSIDERAÇÕES

Franklin Wylliam Bittencourt Melo

RESUMO

O presente artigo busca compreender quais as possíveis contribuições de Agostinho


de Hipona para a Teologia e Prática pastoral. Através de uma pesquisa descritiva de
natureza qualitativa, buscou-se em fontes documentais e bibliográficas, descrever a
prática pastoral de Agostinho de Hipona juntamente com seus ensinos a respeito do
ministério pastoral e da vida na comunidade eclesiástica.

Palavras-Chaves: Agostinho de Hipona. Prática Pastoral. Igreja.

ABSTRACTS

This article explains how to assign contributions of Augustine of Hippo to theology and
pastoral practice. Having account of a descriptive research of a qualitative nature, we
sought in documentary and bibliographical sources to describe the pastoral practice of
Augustine of Hippo. Therefore, His teachings on the pastoral ministry subject and life
in the ecclesiastical community.

Keyword Augustine of Hippo. Pastoral Practice. Church.


INTRODUÇÃO

Este trabalho tem o foco no personagem da História da Igreja chamado


Agostinho. Este personagem foi escolhido por sua influência na Igreja Católica
Apostólica Romana e também nas igrejas protestantes. Além da sua vasta produção
teológica, Agostinho também foi um pastor, e é sobre este aspecto da sua vida e
ensino que esta pesquisa intenciona explanar.

VIDA E OBRA

Agostinho nasceu em Tagaste (hoje Souk-Ahras, na Argélia), em uma


província romana da Numídia, no norte da África, em 13 de novembro de 354. Ele foi
o primeiro filho de Patrício, um oficial romano, e de Mônica. Viveu de uma forma
mundana e passou por uma conversão dramática de tal maneira que mudaria não
apenas os seus comportamentos mas todo o seu ser, incluindo a maneira de pensar.
Durante a sua vida, ele foi pastor na cidade de Hipona, por isso é conhecido como
Agostinho de Hipona. Produziu muitas obras que tem utilidade tanto para a Filosofia
quanto para a Teologia, tais como: Confissões, A doutrina cristã, A cidade de Deus,
Contra os acadêmicos, Do livre-arbítrio, A trindade entre outras obras. Faleceu em 28
de agosto de 430 mas o seu legado até hoje permanece.

Agostinho nasceu num lar onde a sua mãe era uma cristã piedosa e fervorosa
em orações, instruindo os seus filhos nos caminhos do Cristianismo, porém o seu pai
não era convertido a fé cristã. Ainda assim, Agostinho recebeu em sua infância
ensinos cristãos de sua mãe, porém ele mesmo não seguiu essa fé. Ele conta um
episódio onde ele destaca a sua maldade mesmo na infância:

Tua lei, Senhor, condena certamente o furto, como também o faz a lei inscrita
no coração humano, e que a própria iniqüidade não consegue apagar. Nem
mesmo um ladrão tolera ser roubado, ainda que seja rico e o outro cometa o
furto obrigado pela miséria. E eu quis roubar, e o fiz, não por necessidade,
mas por falta de justiça e aversão a ela por excesso de maldade. Roubei de
fato coisas que já possuía em abundância e da melhor qualidade; e não para
desfrutar do que roubava, mas pelo gosto de roubar, pelo pecado em si.
Havia, perto da nossa vinha, uma pereira carregada de frutos nada atraentes,
nem pela beleza nem pelo sabor. Certa noite, depois de prolongados
divertimentos pelas praças até altas horas, como de costume, fomos, jovens
malvados que éramos, sacudir a árvore para lhe roubarmos os frutos.
Colhemos quantidade considerável, não para nos banquetearmos, se bem
que provamos algumas, mas para jogá-las aos porcos. Nosso prazer era
apenas praticar o que era proibido. 1

Aos 11 anos foi estudar numa escola em Madauro. Em 370 foi estudar retórica
e artes liberais em Cartago. Um ano depois seu pai morreu. Agostinho começou a
despertar interesse pela Filosofia através a leitura de Cícero, em seu livro “Hortêncio”.
Nesse mesmo período, ele começou um relacionamento com uma mulher a qual não
menciona o nome em seus livros, porém ele não se casou com ela, ele a tomou como
concubina e desse relacionamento nasceu o seu filho Adeodato.

Por conta da sua busca por sabedoria e motivado a responder as principais


questões da vida como o problema do mal, ele entrou em 373 no maniqueísmo
tentando obter respostas. Este grupo religioso acreditava num dualismo entre bem e
mal, entendiam que o universo se originou das trevas, enquanto a alma humana viera
da luz. Agostinho permaneceu nesta crença por quase uma década, porém por não
ter uma resposta satisfatória sobre a origem do mal ele se decepcionou com este
grupo e se desvinculou de tais crenças. Um outro fator que ajudou Agostinho a sair
do maniqueísmo foi o neoplatonismo que auxiliou Agostinho a crer na existência de
uma ordem imaterial.

Em 383 foi para Roma, onde continuou ensinando. Dois anos mais tarde foi
para Milão, local que conheceu Ambrósio, o bispo daquela cidade. Agostinho começou
a ouvir Ambrósio buscando aprendizado para a retórica, sobre isto ele comenta:

Comecei a estimá-lo, a princípio não como mestre da verdade, pois não tinha
esperança de encontrá-la em tua Igreja, mas como homem bondoso para
comigo. Acompanhava assiduamente suas conversas com o povo, não com
a intenção que deveria ter, mas para averiguar se sua eloquência merecia a
fama de que gozava, se era superior ou inferior à sua reputação.2

1 AGOSTINHO, Confissões
2 AGOSTINHO, Confissões
Esta foi a primeira vez que Agostinho começou a reparar uma qualidade de um
pastor cristão. Neste caso, foi a excelente oratória do bispo de Milão, Ambrósio, que
pregava com eloquência e convicção.

A CONVERSÃO

Através das pregações de Ambrósio, Agostinho voltou a ter contato com os


ensinos das Escrituras cristãs, e apesar de primariamente não ir ouvi-lo com tal
intenção, a mensagem de Ambrósio fez com que Agostinho se interessasse pelo Deus
o qual Ambrósio pregava. Porém, a resistência de Agostinho ao Cristianismo não era
mais intelectual, porém moral. Ele cita uma das suas orações que evidência a sua luta
interna para obter a mudança de vida: “Eu, porém, jovem tão miserável, miserável
desde o despertar da juventude, tinha implorado a ti a castidade, dizendo: ‘Dá-me a
castidade e a continência, mas que não seja para já’”.3 E em outra citação ele diz:

Mas estava ainda fortemente preso a mulher. O apóstolo Paulo não me


proibia o matrimônio, se bem me exortasse sobremaneira a escolher um
estado mais alto, quando sugeria que, se possível, todos os homens
vivessem como ele. Mas eu, ainda bastante fraco, procurava uma condição
mais cômoda. Era esse, em tudo, o único motivo de minhas hesitações,
enfraquecido que estava por preocupações enervantes, pois, devendo
entregar-me à vida conjugal, via-me sujeito a outras obrigações que não
queria suportar.4

Próximo aos 32 anos, em 15 de agosto de 386, ele estava no jardim de uma casa
que alugava com alguns amigos conversando com seu melhor amigo, Alípio, sobre a
disposição de sacrifício pessoal e santidade de um monge egípcio chamado Antônio.
Ele estava atormentado com a sua escravidão ao pecado, enquanto outros estavam
livros em de tais condutas por meio do relacionamento com Cristo. Ele narra sua
conversão como sendo um evento dramático:

Quando essas severas reflexões me fizeram emergir do íntimo e expuseram


toda a minha miséria à contemplação do coração, desencadeou-se uma
grande tempestade portadora de copiosa torrente de lágrimas. Para dar-lhes
vazão com naturalidade, levantei-me e afastei-me de Alípio, o necessário
para que sua presença não me perturbasse, pois, a solidão me parecia mais
apropriada ao pranto. Alípio percebeu o estado em que me encontrava: o tom
da voz embargada pelas lágrimas, ao dizer-lhe alguma coisa, havia-me
traído. Levantei-me; ele permaneceu atônito, onde estávamos sentados.
Deixei-me, não sei como, cair debaixo de uma figueira e dei livre curso às
lágrimas, que jorravam de meus olhos aos borbotões, como sacrifício

3 AGOSTINHO, Confissões
4 AGOSTINHO, Confissões
agradável a ti. E muitas coisas eu te disse, não exatamente nestes termos,
mas com o seguinte sentido: “E tu, Senhor, até quando? Até quando
continuarás irritado? Não te lembres de nossas culpas passadas”! Sentia-me
ainda preso ao passado, e por isso gritava desesperadamente: “Por quanto
tempo, por quanto tempo direi ainda: amanhã, amanhã? Por que não agora?
Por que não pôr fim agora à minha indignidade”? Assim falava e chorava,
oprimido pela mais amarga dor do coração. Eis que, de repente, ouço uma
voz vinda da casa vizinha. Parecia de um menino ou menina repetindo
continuamente uma canção: “Toma e lê, toma e lê”. Mudei de semblante e
comecei com a máxima atenção a observar se se tratava de alguma cantilena
que as crianças gostam de repetir em seus jogos. Não me lembrava, porém,
de tê-la ouvido antes. Reprimi o pranto e levantei-me. A única interpretação
possível, para mim, era a de uma ordem divina para abrir o livro e ler as
primeiras palavras que encontrasse. (...). Apressado, voltei ao lugar onde
Alípio ficara sentado, pois, ao levantar-me, havia deixado aí o livro do
Apóstolo. Peguei-o, abri e li em silêncio o primeiro capítulo sobre o qual caiu
o meu olhar: “Não em orgias e bebedeiras, nem na devassidão e libertinagem,
nem nas rixas e ciúmes. Mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo e não
procureis satisfazer os desejos da carne”. Não quis ler mais, nem era
necessário. Mal terminara a leitura dessa frase, dissiparam-se em mim todas
as trevas da dúvida, como se penetrasse no meu coração uma luz de
certeza.5

Desta maneira Agostinho aderiu a fé cristã. Este é o evento mais marcante da


vida de Agostinho

SE TORNOU MONGE E POSTERIORMENTE BISPO

Valério, bispo de Hipona, já estava em idade avançada e por isso não


conseguia atender as necessidades pastorais dos cristãos. Os cristãos da cidade
estavam convencidos que era necessário um substituto para Valério que fosse capaz
de cumprir as funções pastorais e combater os hereges. Valério aproveitou a presença
de Agostinho na cidade para anunciar a necessidade de um novo presbítero,
Agostinho era um de seus ouvintes, assim que o povo o reconheceu, todos
começaram a gritar: “Agostinho presbítero, Agostinho presbítero”, Agostinho tentou
fugir deste ofício por não se sentir capaz de ser um pastor, porém entendeu que o
clamor do povo era um sinal divino e aceitou essa escola do povo. Em 391 ele foi
ordenado sacerdote com o apoio do povo e de Valério. Inicialmente era pastor auxiliar
de Valério. Anteriormente, Agostinho tinha sua dedicação total aos estudos, agora
porém, se envolvia nos compromissos da igreja, e pregava regularmente. Por conta
do ministério pastoral, Agostinho direcionou seus estudos para as Escrituras
Sagradas. Em 395 ele foi consagrado como bispo da cidade de Hipona.

5 AGOSTINHO, Confissões
Sobre isto, Agostinho comenta:
"Vim, pois, a esta cidade (Hipona) para ver um amigo, a quem queria ganhar
para Deus e para nosso convento. Vinha seguro, porque tínheis bispo. Mas,
surpreendendo-me, forçaram-me a receber as ordens sagradas, e por este
degrau cheguei à dignidade episcopal. Nada trouxe aqui; só vim com a
própria roupa. E, como aqui queria viver em comunidade com meus irmãos,
o ancião Valério, de feliz memória, conhecendo meu propósito, me deu o
horto, onde agora, está o convento. Comecei a recrutar alguns irmãos que
tinham vocação, pobres como eu, pois nada possuíam e, imitando o que eu
fiz quando vendi e dei aos pobres o preço da minha pequena herança,
seguiram o meu exemplo os que quiseram aderir-se a mim para viver em vida
comum, sendo grande e abundantíssima a herança de todos: Deus, nosso
Senhor"6

E também:
“Eu fui agarrado, fui feito padre, o que por fim me conduziu ao episcopado.” 7

PRÁTICA PASTORAL

A igreja de Hipona gostava muito de Agostinho, e os membros tinham medo de


perdê-lo, esse foi um dos motivos que impulsionou Valério à consagrá-lo bispo, sendo
assim o seu sucessor. Ele se entregou completamente à igreja, se dedicou à cuidar
das pessoas e direcionou todas as suas habilidades para isso, quer seja por meio da
pregação quer seja por meio do aconselhamento. Desde então, os últimos 35 anos de
sua vida foram dedicados ao ministério. Possídio, um amigo de Agostinho, escreveu
sobre isto:

"Mas, o bem-aventurado ancião Valério, mais que ninguém transbordava de


alegria, dando graças a Deus pelo benefício singular que havia feito à sua
Igreja, começou a temer -e isto é coisa muito humana- que lhe enviassem
para alguma outra Igreja, privada de sacerdote, consagrando-lhe bispo. E
assim haveria de acontecer, sem dúvida, se não houvesse evitado o vigilante
pastor, ocultando-lhe num lugar onde não pudessem encontrá-lo. Por isto,
mais receoso a cada dia que passava, o venerável bispo, conhecendo sua
fraqueza e idade avançada, com uma carta secreta recorreu ao bispo de
Cartago, alegando sua idade avançada e gravidade de seus males, e rogando
que ele nomeasse Agostinho bispo auxiliar de Hipona, não tanto para que lhe
sucedesse na cátedra, mas para que colaborasse com ele no exercício
pastoral. Por escrito, conseguiu o que desejava e pedia com tanta insistência.
Mais tarde, convidado para uma visita e estando presente na basílica de
Hipona, o primado da Numídia, Megálio, bispo de Calama, o bispo Valério
surpreendeu-o com a manifestação de seu propósito a todos os bispos que,
por casualidade, estavam presentes e a todos os clérigos e fieis de Hipona,
sendo acolhida a proposta por todos os ouvintes com alegria, congratulações
e clamores de aprovação e desejo. Somente Agostinho recusava a

6 AGOSTINHO, Sermão 355.1, apud A. HAMMAN, Santo Agostinho e seu tempo


7 AGOSTINHO, Sermão 355.1, apud A. HAMMAN, Santo Agostinho e seu tempo, p. 213-4
consagração episcopal alegando que isto ia contra o costume que não
permitia outro bispo na diocese, enquanto vivesse seu bispo. Todos lhe
convenceram do contrário, dando-lhe exemplos de Igrejas africanas e fatos
semelhantes em Igrejas ultramarinas, coisa que ele ignorava. Finalmente,
cedendo à pressão de suas razoes e pedidos, aceitou receber em seus
ombros o encargo de um grau superior. Porém, depois, disse e escreveu que
não deveriam tê-lo consagrado, fazendo isso com ele, estando o bispo
vivo..."8

Em sua época, o pastor exercia várias tarefas, tais como: administração dos
bens da igreja, julgar no tribunal da cidade, cuidar dos pobres, dos órfãos e das viúvas,
pregar, aconselhar os que precisassem, proteger a fé dos hereges e organizar os
concílios juntamente com outros pastores. E Agostinho se ocupava em todas essas
atividades.

Como bispo, Agostinho instruía os novos na fé; defendia a Igreja contra os


hereges, pregava nos cultos.

"Fundou um mosteiro junto à Igreja e começou a viver com os servos de Deus


segundo o modo e a regra estabelecida pelos apóstolos. Sobretudo, cuidava
para que ninguém naquela comunidade possuísse bens, que tudo fosse
comum e se distribuísse a cada qual segundo sua necessidade... E São
Valério, seu ordenante, não cabia em si de gozo... e lhe deu poder para pregar
o Evangelho em sua presença e dirigir frequentemente a palavra ao povo,
contra o uso e costume das igrejas da África... Depois, alguns presbíteros,
com a permissão de seus bispos, começaram também a pregar ao povo
diante de seus pastores"9

Ele entendeu que, como pastor, a sua vida estava a serviço dos outros. Sendo
assim, ele não tinha descanso, e se dedicava totalmente a cuidar das pessoas e ajuda-
las no que fosse preciso. Um título que Agostinho poderia atribuir para si mesmo seria
“servo de todos e da Palavra”, pois tudo o que fazia era para o bem das pessoas e a
sua mais sublime atividade era pregar as Escrituras. Ele era muito solicitado por
diversas pessoas, e as vezes era difícil dar uma atenção especial para cada questão
específica que lhe era solicitado. Como pastor da cidade de Hipona, todos os
procuravam para aconselhamento e não apenas aconselhamento, mas também para
julgar as causas da cidade como se fosse um juiz civil, pois naquele tempo e naquela
região, o bispo também desempenhava tal papel. Além das próprias pessoas de
Hipona, ele era buscado por pessoas de outras cidades também, isto devido a sua

8 POSSÍDIO, Vida de Santo Agostinho


9 POSSÍDIO, Vida de Santo Agostinho
grande fama em toda aquela região. O própria Agostinho comenta sobre suas
atividades:

“Se eu vos pudesse contar todas as horas de meus dias e de minhas noites
que devo conceder às necessidades dos outros, ficaríeis apavorado e
surpreso com a massa de assuntos que me impedem de consagrar-me à
redação que me solicitais e que eu lamento não poder retomar. ”10

E também:

“Pregar, discutir, admoestar, edificar, estar à disposição de cada um – que


fardo, que trabalho! ”11

De fato, ele considera o ministério pastoral um fardo, por conta de todas


atividades que ele tinha que desempenhar, e as vezes não tinha tempo nem para si
mesmo. Apesar de todo fardo, Agostinho sabia que no final das contas todo serviço
era dedicado a Cristo, e nesse sentido, valia a pena pois tudo era feito para a glória
de Deus. Ele mesmo reconhecia que a tarefa era difícil, e que as vezes ele não sabia
em que deveria focar em meio a tantas atribuições:

“O dever de me dedicar às tarefas que me são impostas não me deixa tempo


para fazer aquilo que seria do meu agrado. Esses trabalhos devoram o pouco
de lazer que me resta, em meio aos assuntos e chamados alheios. Por vezes,
fico obsedado, não sabendo mais para onde me voltar. ” 12

Suas atribuições pastorais traziam benefícios para:

1) À igreja de Hipona, a que estava e sentia-se ligado: a pregação (duas


vezes por semana – sábado e domingo –, às vezes por mais dias
consecutivos ou ainda duas vezes ao dia), a audientia episcopalis, que
ocupava também o dia todo, o cuidado com os pobres e os órfãos, a
formação do clero, a organização dos mosteiros masculinos e femininos,
a administração dos bens eclesiásticos de que não gostava, mas
tolerava, visita aos enfermos; 2) à igreja africana: participação nos
conflitos programados anualmente, frequentes viagens para responder
ao convite dos colegas ou para atender a necessidade eclesiásticas; 3) à
igreja universal: controvérsias dogmáticas, resposta a muitas
interpelações, livros e livros sobre as mais variadas questões que lhe
eram propostas e impostas. 13

10 AGOSTINHO, Carta 139.2, apud A. HAMMAN, Santo Agostinho e seu tempo, p. 219.
11 AGOSTINHO, Carta 139.2, apud A. HAMMAN, Santo Agostinho e seu tempo, p. 220.
12 AGOSTINHO, Carta 139.2, apud A. HAMMAN, Santo Agostinho e seu tempo, p. 220.
13 A. Trapè. Cit., p. 55.
A PREGAÇÃO

Um dos seus principais exercícios como Bispo de Hipona era a pregação. O


formato de sua pregação era circular e repetitiva, pois as pessoas entravam e saiam
para ouvir em meio às suas atividades corriqueiras. As pessoas ficavam ao redor dele
em pé, enquanto ele ficava sentado pregando. Ele pregava todos os dias, e alguns
dias mais de uma vez. As vezes ele pedia absoluto silêncio, visto que a sua voz não
poderia sobressair se as pessoas falassem ao mesmo tempo.

Na sua pregação, tinha abertura para uma interação e dialogo. Algumas pessoas
gritavam, outras aplaudiam, outras faziam aclamações ao pregador, alguns
começavam a discutir com ele e pedir explicações sobre alguma passagem bíblica.
Ele também era zeloso para não cansar o povo que o ouvia com uma mensagem
enfadonho e demasiadamente longa. Ele se esforçava para que o povo entendesse a
sua mensagem, como disse van der Meer: “No púlpito ele nunca usava linguagem que
estivesse acima das mentes dos seus ouvintes, mas sempre escolhia as palavras de
modo que todos entendessem”14. Ele entendia que a pregação era alimento para os
seus irmãos em Cristo, como ele mesmo disse “Eu os alimento com aquilo de que me
alimentei. [...] Ponho alimento despensa da qual eu mesmo vivo”15. Usava bem
parábolas, exemplos cotidianos e uma linguagem que o povo entendesse. Se
dedicava a ser o máximo possível fiel às Escrituras Sagradas.

Agostinho entendia que o pregador tinha um papel duplo, o de incentivar o bem,


mostrar o caminho do que é bom, ao mesmo tempo contradizer o mal. Nesse sentido,
para ele, o pregador também deve cumprir uma tarefa de apologética, isto é, defender
a fé verdadeira com base nas Escrituras. Sobre isto ele comenta:

“O pregador é o que interpreta e ensina as divinas Escrituras. Como defensor


da fé verdadeira e adversário do erro, deve mediante o discurso ensinar o
bem e refutar o mal. Nesta tarefa, o mestre deve tratar de conquistar o hostil,
motivar o indiferente e informar o ignorante sobre o que deve ser feito ou
esperado. Mas ao encontrar ouvintes benévolos, atentos, dispostos a

14 VA DER MEER, Frederick, Augustine the Bishop, p. 258.


15 Sermão 339.3.3.
aprender ou que os tenha assim conquistado, deverá prosseguir em seu
discurso como pedem as circunstâncias.” 16

Sendo assim, Agostinho ensina que o pregador deve fidelidade às Escrituras para
cumprir as funções citadas acima. As palavras da pessoa que prega, não devem ser
oriundas de sua própria imaginação, porém, devem ser fundamentadas nas Escrituras
e, ao mesmo tempo, embasadas com citações das Escrituras. Mesmo que tal
pregador não tenha a capacidade de falar com eloquência, a fidelidade dele às
Escrituras suprirá a deficiência da ausência de eloquência, para Agostinho.

“É, pois, de toda necessidade para o orador – que tem o dever de falar com
sabedoria, ainda que não consiga fazê-lo com eloquência – ser fiel às
palavras das Escrituras. Pois quanto mais ele se reconhece pobre quanto às
suas próprias palavras, mais convém sentir-se rico quanto àquelas outras
palavras. Justificará, desse modo, o que disser com as suas próprias
palavras. Assim, quem era menor por seu próprio vocabulário crescerá pelo
testemunho das magníficas palavras da Escritura. Ele agradará, certamente,
ao provar com citações escriturísticas, já que pode desagradar com suas
palavras pessoais. ”17

A sua pregação tinha grande influência sob a vida e o comportamento das pessoas.
Uma pregação eficaz que tocava o coração das pessoas e era capaz de transformá-
las. Ele relata uma ocasião em que, por conta da sua pregação, os cidadãos de
Cesaréia da Mauritania desistiram de fazer uma guerra civil, e ao final, foram
conduzidos a dar graças a Deus:

“Assim, um dia, em Cesaréia da Mauritania, eu falava para levar os cidadãos


a desistirem de uma guerra civil, ou antes de uma guerra mais do que civil,
por eles chamada a Caterva. Consistia em combates por bandos. Na
verdade, não eram somente os cidadãos que se dividiam em dois grupos,
mas também parentes próximos, irmãos e até pais e seus filhos se batiam
entre si, com lançamento de pedras sem interrupção durante dias, em certa
época do ano. Matavam-se mutuamente o quanto podiam. Falei,
naturalmente, em estilo sublime, o melhor possível, para tirar e banir de seus
corações e de sua vida, por minhas palavras, um mal tão cruel e inveterado.
Entretanto, não acreditei no sucesso até que entendi suas aclamações. E não
acreditei nestas enquanto não vi se derramarem as lágrimas. Suas
aclamações indicavam que foram instruídos e comovidos; suas lágrimas, que
estavam convencidos. Desde o instante em que eu as vi correr tive plena
confiança, antes de tirar a prova de que eu havia vencido plenamente o
abominável costume ligado pelos pais, avós e antepassados mais distantes,
enraizado no coração, e exercer sobre eles um poder tirânico. Apenas, tendo
terminado meu discurso, conduzi seus corações e bocas a renderem graças

16 AGOSTINHO, A doutrina cristã, p.211


17 AGOSTINHO, A doutrina cristã, p.213
a Deus. Eis já perto de oito anos ou mais que, por um favor de Cristo, nenhum
combate desse gênero foi tentado mais nessa cidade. “ 18

INFLUENCIA

Alípio, seu antigo amigo, foi ordenado bispo de Tagaste, com isso, muitas igrejas
Africanas vieram pedir pastores formados por Agostinho. Alguns desses
recomendados foram: Profuturo, bispo de Cirta; Evódio, bispo de Uzalis; Possídio,
bispo de Calama; Severo, bispo de Milevi; Urbano, bispo de Sicca; Bonifácio, bispo
de Cataque, todos eles estiveram sob a influência de Agostinho para a formação como
pastor. Com o seu mosteiro, Agostinho mentoreou vários homens que posteriormente
foram enviados às igrejas como pastores, sendo assim, ele não se dedicava apenas
a igreja de Hipona, mas também a formar novos obreiros para as outras igrejas.

OBRAS

Ele escreveu muitas obras como: “Confissões”, “A cidade de Deus”, “Do Livre-arbítrio”,
“A doutrina cristã”, “A Trindade” entre outras obras. Essas suas obras não eram
meramente teóricos, porém estavam relacionados ao seu pastoreio, a sua vida
cotidiana e a sua prática cristã. Antes da sua ordenação ele se dedicava a dialogar e
escrever sobre assuntos filosóficos abstratos e as vezes até um pouco distantes da
realidade do cidadão comum. Depois que virou pastor os seus escritos eram um
reflexo do seu ministério pastoral. É importante destacar que, apesar de gastar todo o
seu tempo servindo as pessoas, ainda assim buscava tempo a noite para escrever,
mesmo depois de um dia cansativo e trabalhoso como informa Edward L. Smither:

“A jornada espiritual de Agostinho levou-o do especulativo ao prático. Seus


escritos anteriores a 391, redigidos em momentos de lazer em Cassicíaco ou
em Tagaste, tratavam em grande parte de questões filosóficas. Todavia,
muitos dos seus livros, cartas e sermões posteriores à sua ordenação em 391
eram exegéticos ou pastorais, destinados a atender às necessidades da
igreja, embora também tenha escrito obras polêmicas para refutar os
maniqueus, os donatistas e os pelagianos. Como presbítero e bispo,
Agostinho não teve o luxo de ser um erudito profissional, e muitos dos seus
escritos foram compostos de noite, depois de um dia de enfretamento dos
desafios da obra da igreja. Sua carta a um jovem filósofo, em 410, ilustra até

18 AGOSTINHO, A doutrina cristã, p. 265,266.


de forma um tanto rude os seus pensamentos sobre a especulação filosófica:
‘Eu gostaria de soltar você das suas excitantes investigações e tocá-lo para
o tipo de cuidados e preocupações que tenho que enfrentar’. Conforme
Agostinho foi assumindo os cuidados do ministério, seu foco foi passando da
especulação filosófica para o viver cristão prático. “19

Seus escritos teve grande impacto em sua época como ressalta Smither: “Seus
escritos foram conhecidos, durante sua vida, por toda igreja de língua latina, e foram
preservados na biblioteca de Hipona”. Suas obras tiveram as intenções de: refutar os
hereges, especialmente os pelagianos (e o próprio Pelágio), os maniqueísta e os
donatistas; instruir outros pastores ou preparar pessoas para o ministério pastoral;
edificação dos cristãos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É evidente que há vários fatores de diferenças entre pastorear uma igreja no século
XXI e o ministério pastoral de Agostinho. Porém há algumas coisas que Agostinho
pode ensinar aos pastores com o seu exemplo e com as suas palavras. O bispo de
Hipona entendeu que ser pastor é uma tarefa de muita seriedade pois este serviço
envolve o cuidado com pessoas e o destino eterno delas, e até mesmo por este temor
ele resistiu ao seu chamado no início, porém entendeu que Deus estava o conduzindo
para o bispado. Os pastores do tempo atual devem encarar com a mesma seriedade
ou até mesmo um temor superior ao de Agostinho à este ofício, para que tudo que
seja feito, tenha zelo e dedicação, com a mesma motivação que Agostinho tinha, que
era fazer tudo para a glória de Deus.

O seu exemplo ensina também que, apesar do foco principal do pastor ser com o
cuidado espiritual das pessoas, a matéria, isto é, o corpo e as necessidades físicas
não devem ser desprezadas. Ele buscou imitar os cristãos da igreja primitiva que
repartiam tudo em comum e ninguém tinha necessidade alguma, como diz o livro de
Atos capítulo dois, do verso quarenta e quatro até o verso quarenta e seis. O pastor
de uma igreja também deve se preocupar se os membros de sua igreja têm suas
necessidades supridas, e assim buscar ajudar aos que precisam, mesmo que ele não
tenha condições financeiras de suprir as necessidades de todos, deve incentivar a

19 SMITHER, Edwards L. Agostinho como mentor. p. 121, 122.


caridade, a solidariedade e as obras, pois ajudar ao próximo é uma característica que
o cristão deve ter, e principalmente o pastor que é o líder espiritual. Incentivando a
solidariedade, Agostinho não apenas praticou uma boa obra, mas também ensinou
aos outros a fazer o mesmo, tornando a comunidade cristã um ambiente onde as
pessoas evidenciam a virtude de fazer bem ao próximo.

Como todo pastor, ele também foi um pregador das Sagradas Escrituras. Como foi
visto, ele tinha uma profunda reverência com as Escrituras. Para Agostinho, o que
deve ser pregado são as Escrituras Sagradas e não a própria opinião do pregador.
Vale ressaltar também que, para ele, o texto sagrado não era apenas alimento para o
povo, mas primeiramente alimento para a sua alma, e ele só poderia alimentar os
outros porque já tinha sido alimentado, e os alimentaria com o próprio alimento que
recebeu que é a mensagem das Escrituras. As Escrituras cristãs são úteis para
fortalecer o povo de Deus para a vida cotidiana, ao mesmo tempo também é
indispensável para refutar o mal e ensinar o bem, e o pastor deve ser o instrutor que
guia os cristãos pelos livros da Bíblia ensinando-lhes o bem e também
desmascarando o mal para que este seja rejeitado. O pastor fala com o povo a
linguagem do povo, pois de nada adiantará falar numa linguagem rebuscada onde os
seus ouvintes não entendem, a linguagem e a retórica pode ser chamada de “serva”
da mensagem, ou seja, são utilizadas com o fim que a mensagem seja transmitida, e
a mesma é esta, que seja incentivado o bem ao próximo e a devoção a Deus segundo
o exemplo e ensino de Agostinho. Assim como Agostinho, o pastor deve ter também
sensibilidade para entender as questões e demandas do povo, e pregar o que as
Escrituras dizem sobre a situação específica em que o povo se encontra, para que
não esteja falando de algo fora da realidade dos seus ouvintes. Isso é bem ilustrado
na pregação citada em que o bispo de Hipona clamou ao povo que desistissem da
guerra civil que eles pretendiam fazer e o povo foi conduzido ao arrependimento e a
oração a Deus. Este é o papel do pregador, trazer a mensagem fiel das Escrituras ao
povo e conduzi-los a Deus.

Como foi dito no início, ele foi um dos teólogos mais importantes da história por conta
da sua influência em vários ramos do Cristianismo. Agostinho era um homem da vida
prática, mas também possuía uma profundidade no seu pensamento teológico e
filosófico. A sua maior obra é uma autobiografia (Confissões) em formato de oração a
Deus, porém ele escreveu muitas outras obras que deixou um legado imenso para
cristãos e não cristãos sobre diversos assuntos. Sendo assim, os pastores fariam bem
em se dedicar a escrita no tempo livre pois estariam servindo não apenas os cristãos
do seu tempo e da sua comunidade, mas também servindo às pessoas do futuro com
o conhecimento como no caso de Agostinho que até hoje vem servindo as pessoas
com as suas obras.

Todo esse serviço, e todas essas atividades requeria de Agostinho renuncia aos seus
próprios interesses e principalmente ao uso do tempo para si próprio. Fazem bem os
pastores que se dedicam mais aos outros do que a si mesmo, que entrega a própria
vida para servir ao povo de Deus, quer seja em aconselhamentos, pregações,
instruções, debates ou em escrever obras. Acima de tudo, o pastor deve dedicar o
seu tempo e a sua vida a Deus, em comunhão com Deus e buscar viver em santidade
de maneira que agrade a aquele que o chamou para o ministério pastoral, pois como
disse Agostinho, os bispos:

“Devem ser apreciados não pelo seu título, que muitas vezes é indignamente
obtido, mas segundo a santidade que não é comum aos bons e aos maus”. 20

Com isso ele não entendia que o pastor era um cristão superior ou diferente, mas que
deveria se esforçar mais do que os outros pois estava me posição de liderança
espiritual.
A observação da vida e obra de Agostinho, principalmente o seu ministério, deve
incentivar aos pastores e também aos que desejam este ofício a fazer o que fazem ou
irão fazer com excelência, negando a si mesmo, fazendo o bem e conduzindo as
pessoas a Deus.

20 AGOSTINHO, A cidade de Deus, 20.21, p. 2074.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

AGOSTINHO, Santo. Confissões. Col. Patristica, v. 10. Trad. Maria Luiza Jardim
Amarante. São Paulo: Paulus, 1997.
AGOSTINHO, Santo. A doutrina cristã. Col. Patristica, v. 17. Trad. Nair de Assis
Oliveira. São Paulo: Paulus, 2002.
Agostinho. A cidade de Deus. 2. Ed. Trad. J. Dias Pereira. Lisboa: Calouste
Gulbenkian, 1991-200. 3v.
SMITHER, Edwards L. Agostinho como mentor. 1ª Edição. – São Paulo: Editora
Hagnos, 2012
MECONI, David Vincent. STUMP, Eleonore. Agostinho. [tradução Jaime Clasen] –
São Paulo: Editora Ideias & Letras, 2016.
FERREIRA, Franklin. Agostinho de A a Z. – São Paulo: Editora Vida, 2006
POSSÍDIO, A vida de Santo Agostinho. São Paulo: Paulus, 1997.
PIPER, John. O legado da alegria soberana. São Paulo: Shedd, 2005.
HAMMAN, A. Santo Agostinho e seu tempo. São Paulo: Paulinas, 1989.
Ordem de Santo Agostinho
<http://www.agostinianos.org.br/curso-santo-agostinho>. Acesso em 30 de Maio de
2017.

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