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Estônia: a melhor educação da Europa

País é destaque em exames internacionais; nas escolas públicas alunos


pobres se saem tão bem quantos os ricos
Renata Cafardo, Enviada Especial
09 Junho 2018 | 20h00

TALLINN (ESTÔNIA) - A Estônia, pequeno país emergente à beira do Mar Báltico e que pouca gente sabe

o nome da capital, tem hoje o melhor sistema educacional da Europa e um dos mais bem avaliados do

mundo. Quase todas as crianças e jovens do país, dos 2 aos 19 anos, estudam nas impecáveis escolas

públicas. Uma das características que mais impressionam é o fato de os alunos pobres terem desempenho tão

bom quanto os ricos em exames internacionais. Apesar de igualitárias, as escolas não são iguais. Diretores e

professores têm tanta autonomia que podem decidir o método de ensino, se farão provas ou não e até os
móveis da sua sala de aula.

A classe de 3.º ano da professora Kreet Püriselg, de 26 anos, tem mesas redondas. Foi um pedido dela. Na

sala ao lado, são carteiras comuns e na da frente, mesas compridas em que cabem dois alunos. “Estou

estudando de que forma as crianças aprendem melhor. Elas podem escolher ficar nas mesas ou sentar-se no

chão, nas almofadas.” As crianças têm 10 anos e a aula é sobre mapas. Um dos meninos escolheu

A professora caminha entre as mesas e deixa que as crianças descubram as informações que precisam. Os

estonianos estão entre os jovens com melhor habilidade para trabalhar em grupo e resolver problemas – duas
competências hoje consideradas essenciais. Os dados são de um estudo deste ano sobre resultados do Pisa,

avaliação feita pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

A escola pública onde Kreet trabalha fica na pequena cidade de Peetri, a 15 minutos da capital Tallinn. A

instituição foi inaugurada em 2009, quando a Estônia começava a colher os louros das primeiras notas em

exames internacionais. Hoje, o desempenho dos estonianos em Ciência no Pisa é o terceiro melhor do

mundo. Na frente deles, só Cingapura e Japão.

A Estônia é também um dos países com a menor quantidade de alunos no nível mais baixo de aprendizagem:

são menos de 8%. Na Europa, a média é de 15%. No Brasil, a maior parte (cerca de 30%) está justamente
nesse nível. Isso significa que o jovem de 15 anos não consegue fazer correlações entre várias partes

diferentes de um texto.
Pobreza. O desempenho bem acima da média contrasta com outros indicadores. Apesar de crescer ano a ano,

a Estônia está na lista de países mais pobres da União Europeia. Seu PIB per capita é de € 17,5 mil (R$ 76,3

mil); a média do bloco é de € 29,9 mil (R$ 130 mil). O país tem 1,3 milhão de habitantes, o equivalente a

Guarulhos (SP). O investimento por aluno, por ano, na educação básica gira em torno de US$ 7 mil (R$ 26

mil). Na União Europeia, a média é de US$ 10 mil (R$ 37 mil).

A falta de dinheiro é compensada por um plano de educação que permanece após vários governos. Depois

que a Estônia garantiu sua independência da ex-URSS, em 1991, foi elaborado um novo currículo nacional,

atualizado sempre. O projeto teve a ajuda da Finlândia, país vizinho e de língua semelhante, que se tornou a

sensação da educação mundial no anos 2000. Entre as competências fundamentais estão aprender a

aprender, educação digital, valores éticos e empreendedorismo. Já o Brasil aprovou sua base curricular só

em 2017. Na Estônia, apesar de haver ainda muito do ensino tradicional, a ideia é a de que as matérias sejam

dadas de maneira integrada.

Na aula de Inglês dos amigos Karolina Jossep e Romeo Raadsepp, ambos de 11 anos, não há gramática. Eles

praticam a língua usando papel e tesoura para fazer uma maquete. “Ela gosta tanto que pede para ir à

escola”, diz o pai de Karolina, o empreendedor Janno Joosep. “Pra nós, o importante é que a escola a ensine

a ser independente e responsável.” Romeo também “adora estudar”. “Mas queria ser jogador de futebol

como o Neymar”, brinca, em inglês fluente, ao descobrir que a repórter é brasileira. Por baixo do uniforme

escolar, a camiseta do time francês PSG. Os dois ajudam a colega Margarita Beda, filha de russos e que não

fala bem inglês. Os russos são exceção no igualitário sistema estoniano. Eles têm, em geral, pior

desempenho que os demais, e o governo passou a pagar mais para professores desse grupo.

Além disso, a Estônia não separa bons alunos dos que têm pior desempenho, como fazem os Estados
Unidos, por exemplo. O país oferece, em todas as escolas, atendimento de psicopedagogos, psicólogos e

professores particulares para crianças com dificuldade de aprendizagem. Todos também frequentam

gratuitamente, fora do horário de aula, as chamadas “escolas de hobby”, com atividades de esporte,

tecnologia, música e artes.

“Todos permanecem juntos até o fim. O importante não é só o sistema de apoio, mas, sim, ter altas

expectativas para todo mundo”, diz a representante do Ministério da Educação Aune Valk. As avaliações
nacionais mostram que há pouca diferença de desempenho entre as escolas. “Não me lembro de nenhuma
com resultado tão ruim que precisássemos intervir.” No Pisa, o país tem um dos maiores índices de alunos

resilientes (42%), aqueles que estão entre os mais pobres da população e têm bons resultados.

Contratar e demitir

Estonianos que conviveram por cerca de 50 anos com o regime burocrático comunista e privação de bens de

consumo se orgulham hoje de um sistema educacional autônomo. “Esse é o segredo do sucesso da Estônia”,

acredita o diretor da Escola Inglesa de Tallinn, Toomas Kruusimägi. Também pública, o nome vem do fato

de as aulas de várias disciplinas serem dadas em inglês. O currículo tem ainda matérias optativas, como

Psicologia e Literatura Inglesa.

Não se faz concurso para escolher os diretores das escolas, como no Brasil. Os candidatos são entrevistados

pelo governo municipal, que analisa habilidades de gestão e educação. Um conselho com pais e professores

ajuda na decisão. Os diretores fazem o mesmo para contratar professores, que podem ser demitidos a
qualquer momento. Diretores e professores precisam ter diploma de mestrado.

“A educação é um bem muito valorizado no país”, completa Kruusimägi, repetindo uma frase ouvida várias

vezes pelo Estado. Como exemplo, cita a participação ativa dos pais na escola. São dispensados pelas

empresas para ir a reuniões e atividades dos filhos. “Nunca aconteceu de um pai faltar porque precisava

trabalhar.”

Há ainda uma licença de até 3 anos para quem tem filhos, que pode ser usada por mãe ou pai. Por isso, não

há creches no país. A maioria das crianças vai à escola aos 2 anos e meio, no que chamam de jardim de

infância. Ficam nessa etapa até 7 anos, quando começa o 1.º ano. O ensino médio acaba aos 19 anos.

Sol

“Criatividade e brincadeira”, diz a diretora da Escola Peetri, Luule Niinesalu, ao definir o que espera da

educação infantil. Nos poucos meses quentes do ano, as crianças brincam nos parquinhos da escola duas

horas por dia. Mesmo no inverno, passam meia hora do lado de fora. A Estônia tem temperatura média de

menos de 10°C em quase todos os meses. No dia em que o Estado visitou a escola, no fim de maio, fazia

25°C. A brincadeira é tão livre – e o sol tão importante – que, enquanto as crianças corriam e se balançavam,

duas professoras haviam arregaçado as roupas e se bronzeavam.

No fim da manhã, os alunos são divididos por idade e vão para as salas de aula, que têm cozinha, banheiro

com chuveiro e quarto. Alunos de 3 anos comem em silêncio e só começam a sobremesa após o último
colega terminar o almoço. Tiram sozinhos as roupas sujas de areia. De calcinhas e cuecas, escolhem

livrinhos para a leitura diária com a professora, que fala baixo e em tom sério, mas acolhedor. Meia hora

depois, sem algazarra, se deitam nas belas camas de design moderno.

As crianças acima de 7 anos, em geral, vão sozinhas à escola, a pé, de bicicletas ou patinetes. “Essa

autonomia ajuda na aprendizagem”, diz o professor de Inglês Peter Rock, de 25 anos. Muitos veem também

um grande respeito dos alunos pelos professores, que seria herança do rígido regime soviético. Kullike

Poduck, de 58 anos e que ensina Língua Estoniana há 25, elogia os estudantes, mas diz que o trabalho está

mais difícil. “Hoje a informação está em todo lugar.”

A profissão é tida como pouco interessante e o governo se esforça para atrair jovens. A média de idade dos

professores é de 48 anos, o que significa experiência e boa formação hoje, mas pode ser um problema no

futuro. Nos últimos anos, a Estônia aumentou o salário docente em 80%, de ¤ 719 (R$ 1.826) para ¤ 1290

(R$ 5.624). O objetivo é chegar a um valor 120% maior do que a remuneração média no país.

“Se continuarmos nesse caminho, só teremos cada vez mais sucesso”, diz a analista da fundação estoniana

Praxis, que pesquisa políticas públicas, Eve Mägi. “A educação é a religião da não religiosa Estônia”,

completa a outra analista Sandra Haugas. O país é considerado o menos religioso do mundo.

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