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CASTELLS, Manuel. “Inovação, liberdade e poder na era da informação” in MORAIS,
Dênis (org.). Sociedade Midiatizada. Rio de Janeiro: Mauad, 2006, p.225.
34
Ibid., p.225 e 226, grifos meus.
19
apagamento do sujeito, reduzido a mero reprodutor das demandas culturais
hegemônicas de seu tempo, tragado por um destino dado como natural:
35
CASTELLS, op.cit., p.225-226.
36
Até mesmo essa noção dos meios de comunicação de massa como “fenômeno global”
é bastante controversa, quando se reconhece a grave questão dos domínios monopólicos
de tecnologias e as exclusões decorrentes dessa prática. Segundo o Relatório sobre o
Desenvolvimento Humano de 2004, 80% dos habitantes do globo sequer tinham ouvido
falar de Internet e pouco mais de 10% dispunham de acesso. Um entre 250 africanos
estava conectado, em comparação com 70% de norte-americanos que navegam no
ciberespaço. Conf. Dênis de Morais, “A tirania do fugaz: mercantilização cultural e
saturação midiática” in Sociedade Midiatizada, op. cit., p. 43.
20
que constroem as suas significações. A do autor é uma entre outras,
que não encerra em si a verdade suposta como única e permanente
da obra. Dessa maneira, pode sem dúvida ser devolvido um justo
lugar ao autor, cuja intenção (clara ou inconsciente) já não contém
toda a compreensão possível da sua criação, mas cuja relação com a
obra não é, por tal motivo, suprimida37.
37
CHARTIER, R. História Cultural: entre práticas e representações, op.cit., p.59.
38
Sobre introjeção na psicanálise conferir FREUD, Sigmund. (1921) Psicologia de grupo e
a análise do ego. Edição standart brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund
Freud (ESB), vol. XVIII. Rio de Janeiro: Imago, 1977, capítulo VII e seguintes.
39
Como sabemos, a chamada Escola de Frankfurt refere-se a um grupo de pesquisadores
associados ao Instituto de Pesquisa Social da Universidade de Frankfurt, na Alemanha,
fundada em 1923. Unindo instrumentais teóricos do marxismo e da psicanálise, os
frankfurtianos formalizaram uma crítica das mais duradouras ao mundo moderno. Além
de Adorno e Horkheimer, também fizeram parte deste grupo Herbert Marcuse, Jürgen
Habermas e Walter Benjamin. Cf. sobre os frankfurtianos FREITAG, Barbara. A teoria
crítica ontem e hoje. São Paulo: Brasiliense, 2004.
40
ADORNO, Theodor e HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 1985, p.99.
21
contestar o mundo. Completamente inseridos nessa lógica mercadológica que os
envolve no trabalho e agora também no tempo de lazer – momento em que
poderiam encontrar brechas nas demandas da ideologia mercadológica – os
indivíduos alienam-se ao não perceber que o mundo que lhes é apresentado não
é algo naturalmente gerado pelo progresso da civilização moderna, mas apenas
uma, das tantas formas possíveis, de configuração da dimensão social humana.
A mídia nos deu palavras para dizer, as idéias para exprimir, não
como uma força desencarnada operando contra nós enquanto nos
ocupamos com nossos afazeres diários, mas como parte de uma
realidade de que participamos, que dividimos e que sustentamos
diariamente por meio de nossa fala diária, de nossas interações
diárias.41
De acordo com Silverstone, ainda somos nós, não apenas o aço. Dispomos
do idioma geral numa realidade da qual participamos, dividimos e sustentamos
diariamente. Não se trata de uma sociedade tecnocrática, mas de uma
socialidade pautada, entre outras miríades, também pela sociedade em rede:
41
SILVERSTONE, Roger. Por que estudar a mídia? São Paulo: Edições Loyola, 2005,
p.21.
42
Ibid., p.24-25.
22
seus conteúdos são naturalizados no cotidiano, a mídia exerce, de forma não tão
perceptível, um forte poder persuasivo na definição das identidades individuais e
coletivas, como nos alerta Pierre Bourdieu:
43
BOURDIEU, Pierre. O Poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002, p.7-8.
44
BACZKO, Bronislaw. “Imaginação Social” In: Enciclopédia Einaudi. vol.5, Lisboa:
Imprensa Nacional/ Casa da Moeda, 1985, 314.
45
BIRD, Elizabeth e DARDENNE, Robert. “Mito, Registro e Estórias: Explorando as
Qualidades Narrativas das Notícias” in TRAQUINA, Nelson (org.). Jornalismo, Questões,
Teorias e Estórias. Lisboa: Vega, 1999, p. 265.
23
Ainda problematizando a estreita relação entre mídia, imaginário e
subjetividade, a eficácia persuasiva das estruturas imaginárias coletivas sobre o
indivíduo é algo observável em diversas esferas:
46
BACZKO, op.cit., p.309.
47
PESAVENTO, Sandra. História e História Cultural, op.cit., p.41-42.
24
que asseguram tal difusão. Para garantir a dominação simbólica, é
de importância capital o controle desses meios...48
48
BACZKO, op.cit., p.313.
49
Ibid, p.312.
50
MELLO, Thereza Negrão. “História cultural como espaço de trabalho”, op.cit., p.21.
51
Neste primeiro momento de aproximação das fontes, dediquei-me, sem nenhum
recorte sistemático pré-estabelecido, à análise de filmes de ficção científica e matérias
jornalísticas que tratavam sobre cenários futuros neste período. Em seguida, faço um
segundo recorte neste empírico já abordado, pelo qual especifico alguns filmes e
matérias jornalísticas como fontes a serem diretamente trabalhadas no segundo capítulo.
25
projeções do futuro: a utópica, enunciada sistematicamente pelo suporte
discursivo a quem se autorizou o relato realista do cotidiano, isto é, o jornalismo;
e uma matriz distópica, enunciada, não com a mesma frequência, pelo suporte
discursivo autorizado a oferecer uma visão ficcional do cotidiano, ou seja, as
narrativas das artes imagéticas e literárias. Sem abrir mão de utilizar os
discursos jornalísticos utópicos como elementos da narrativa histórica aqui
proposta, procurei, contudo, concentrar a investigação sobre as narrativas
futuristas distópicas do período estudado, tal como foram expressas no cinema.
52
XAVIER, Ismail (org.). A Experiência do Cinema. Rio de Janeiro: Graal: 1983, p.15.
26
fundamental para aqueles que interrogam a modernidade, portanto, concentrei
os esforços de reflexão.
53
BENJAMIN, Walter. “A obra de arte na era da reprodutibilidade técnica” in Mágia e
técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo:
Brasiliense, 1994.
54
Xavier, Ismail, op.cit, p.10.
55
Ibid.
56
BALÁZS, Béla. “Nós estamos no filme” in XAVIER, Ismail (org.). A Experiência do
Cinema, op.cit., p.84.
27
estamos rodeados pelos personagens. Estes não precisam nos contar o que
sentem, uma vez que nós vemos o que eles vêem e da forma em que vêem.”57
57
Ibid, p.85
58
Ibid, 98.
MORIN, Edgar. “A alma do Cinema” in O Cinema ou o Homem Imaginário. Lisboa: Ed.
59
28
imagem fetichizada e magnificada nas crenças duma outra vida, nos
cultos e nas religiões61.
61
Ibid., p.34.
62
MORIN, Edgar. O Cinema ou o Homem Imaginário, op.cit., p.56.
29
norteador é de que as genuínas distopias futuristas seriam expressões do regime
noturno do imaginário, como definiu Gilbert Durand. Ao lado do regime diurno,
pautado por causas e consequências, cenário do visível, do hegemônico, a
potência imaginativa se dinamiza no regime noturno, cujas expressões remetem-
se ao tempo cíclico dos mitos, do eterno retorno das estruturas antropológicas do
imaginário, expressões do invisível, do subterrâneo da vida social e individual63.
63
DURAND, Gilbert. As estruturas antropológicas do imaginário: introdução à arqueologia
geral. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
30
francês, para quem as representações possuem “uma eficácia propriamente
simbólica de construção da realidade”, o porta-voz autorizado é aquele que tem
o poder de, por meio da linguagem, impor uma imagem autorizada do mundo
social:
Em meio à luta para imposição da visão legítima, (...) os agentes
detêm um poder proporcional a seu capital simbólico, ou seja, ao
reconhecimento que recebem do grupo: a autoridade que funda a
eficácia performativa do discurso é um percipi, um ser conhecido e
reconhecido, que permite impor um percipere, ou melhor, de se
impor como se estivesse impondo oficialmente, perante todos e em
nome de todos, o consenso sobre o sentido do mundo social que
funda o senso comum.64
64
BOURDIEU, Pierre. A Economia das Trocas Linguísticas: o que falar quer dizer. São
Paulo: Edusp, 1998, p.82.
65
Ibid., p.87.
66
BOURDIEU, Pierre, op.cit., p.89.
31
foram sentidos ao longo das quatro décadas seguintes ao fim da guerra. A vitória
do modelo americano, prenunciada com a chamada “Guerra nas Estrelas”
proposta por Ronald Reagan em 1983, consolidou-se com a abertura política
(Glasnost) e econômica (Perestroika) do governo soviético em 1985 e a
emblemática queda do muro de Berlim em 1989, mesmo ano que os países
socialistas tiveram suas primeiras eleições livres. Por mais que a antiga URSS
tenha sido capaz de manter um equilíbrio militar e tecnológico com os EUA até a
década de 1980, os americanos apoderaram-se do cetro e tornaram-se o porta-
voz autorizado para estabelecer globalmente o que era a visão legítima para o
modelo de ocidentalização e modernização do mundo, performance que já
vinham desempenhando no cenário internacional, para a grande parte dos países,
desde o final da Segunda Guerra.
67
Com a derrota alemã para as forças aliadas, no plano externo, e internamente com a
queda do general Tojo da chefia do Ministério e as manifestações antiguerra do príncipe
Konoye, o Japão já havia iniciado negociações diplomáticas com os EUA para assinar sua
rendição. Nesse sentido, a explosão das duas bombas nucleares não era militarmente
necessária, mas visava demonstrar ao mundo, e particularmente a Stalin, o poder
destrutivo das novas armas americanas, garantindo assim aos EUA o poder de
determinar a modelagem do sistema internacional com o fim da guerra. Cf. GONÇALVES,
Willians S. “A Segunda Guerra Mundial” in ARAÃO, Daniel, FERREIRA, Jorge e ZENHA,
Celeste (orgs.), O Século XX: o tempo das crises - revoluções, fascismos e guerras
(Vol.2). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
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fim do conflito, os EUA possuíam também um quase monopólio dos
bens materiais – inclusive os estoques de alimentos – necessários à
reconstrução e à sobrevivência das populações da Europa e da Ásia
Oriental. A hegemonia americana consubstanciou-se também no
plano diplomático, com a criação da Organização das Nações Unidas
(ONU), como instrumento jurídico, político e ideológico do
internacionalismo necessário à construção de um sistema mundial
calcado no livre fluxo de mercadorias e capitais.68
68
VIZENTINI, Paulo. “A Guerra Fria” in ARAÃO, Daniel, FERREIRA, Jorge e ZENHA,
Celeste (orgs.), O Século XX: o tempo das crises - revoluções, fascismos e guerras
(Vol.3). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000, p.198.
69
No Brasil, por exemplo, é neste período que o jornalismo passa por verdadeiras
transformações na sua estrutura administrativa e também editorial. Neste último campo,
destaca-se a incorporação do lead como modelo para o jornalismo pretensamente
imparcial pretendido: “A década de 50 constitui um verdadeiro marco na história de
nossa imprensa, marco que assinalaria a virtual superação, entre nós, daquilo que
autores como Habermas chamariam de fase do Jornalismo literário, e a entrada em
definitivo nos quadros do chamado Jornalismo empresarial.” Cf. LATTMAN-WELTMAN,
Fernando (et.all). A imprensa em Transição: O Jornalismo Brasileiro nos Anos 50. São
Paulo: Fundação Getúlio Vargas, 1996, p. 158.
33
cinema, André Bazin, escrevendo em 1957 sobre o cinema norte-americano,
ressaltava a força do sistema de produção hollywoodiano: “Porque, então, não
admirar aquilo que ele tem de mais admirável, ou seja, não apenas o talento
deste ou daquele criador, mas o gênio do sistema?”. 70 Sobre esse aspecto,
Thomas Schatz complementa que
70
BAZIN, André apud SCHATZ, Thomas. O gênio do sistema: a era dos estúdios em
Hollywood. São Paulo: Companhia das Letras, 1991. Introdução.
71
SCHATZ, Thomas, op.cit., introdução.
72
POLLAK, Michael. “Memória, Esquecimento, Silêncio”, in Revista Estudos Históricos, Rio
de Janeiro, vol.2, n.3, 1989, p.10.
73
Idem, “Memória e identidade social”, in Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro,
vol.5, n.10, 1992.
34
nos remete a definição dada à memória por Raphael Samuel: “É este também o
meu ponto de vista: que a memória é historicamente condicionada, mudando de
cor e forma de acordo com o que emerge no momento; de modo que, longe de
ser transmitida pelo modo intemporal da tradição, ela é progressivamente
alterada de geração em geração.” 74 E o que deve ser lembrado no imaginário
ocidental pelas gerações no século XX, em larga medida, passa por Hollywood.
Nesse cenário em que a ética yankee se fez circular nas salas de cinema
de todo o mundo, trabalhar com documentos fílmicos hollywoodianos é ter em
mãos, portanto, narrativas daquele que tinha o poder de representar. Será a
grande indústria hollywoodiana, matriz ficcional autorizada para naturalizar em
larga escala o modelo ocidental moderno como o único desejável após a Segunda
Guerra Mundial, o suporte discursivo que nos fornecerá os indícios de como o
modelo hegemônico no imaginário ocidental projetava, ao final do século XX, o
seu próprio desdobramento no futuro.
74
SAMUEL, Raphael. “Teatros de memória”, in Revista Projeto História, 14. São Paulo:
EDUC, 1997, p.44.
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