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Não é este o lugar de fazer um balanço do que foi essa primeira recepção.
A história nos ensina como são delicados e importantes os primeiros tempos
que seguem a todo Concüio. Delicados porque neles está em jogo não só a
"aplicação" de alguns decretos e conclusões mas a "assimilação" de um modo
de ser novo. E importantes porque neles se decide, através de tensões e con-
frontos, o destino de um Concüio e o que ele significará no futuro da vida
eclesial. Das formas mais diversas, todo Concüio é um confronto entre duas
maneiras de entender o cristianismo. E o Vaticano II não foi exceção. O
confronto entre duas eclesiologias (A. Acerbi) poderia ser estendido igualmen-
te ao confronto entre duas concepções da revelação, duas maneiras de entender
a tradição, a liturgia, etc. e, finalmente, duas maneiras de entender a missão
e a relação entre a Igreja e o mundo. O fato de o Concüio não se ler expressado
em decretos e declarações dogmáticas torna mais evidente esse confronto. Por
isso, a recepção do Vaticano II — como toda recepção — não é uma mera
questão jurídica mas um problema teológico: questão de "espírito" e do "Es-
pírito".
A s tensões dos primeiros tempos pós-conciliares são inevitáveis e exigem
muito discernimento. Porque nem sempre têm a sua origem no Concüio. É
o caso do Vaticano 11. Muito cedo as dificuldades, que foram surgindo depois
do Concüio, foram atribuídas ao Concüio. Mas só uma memória muito curta
poderia culpabilizar o Concilio por uma "crise" que tinha as suas causas
muito antes e alhures, mesmo que ficássemos só no âmbito intra-eclesial.
Desde a crise modernista ate' as resistências ao ecumenismo, passando pelo
problema dos padres operários, a "nouvelle théologie" e as dificuldades en-
frentadas pelo movimento bíblico e litúrgico, a Igreja pré-conciliar viveu de
sobressalto em sobressalto. Por isso, identificar o pós-Concüio com a crise é
idealizar o pré-Concüio como um tempo de serenidade que nunca existiu.
Parece cada vez mais claro que a intenção de João XXIII ao convocar o
Concüio era reconciliar a Igreja com o mundo moderno, ou seja, pensar
aquele "presente" à luz da grande Tradição e do Evangelho. O que implici-
tamente significava uma tomada de posição com relação ao domínio absoluto
da "pequena tradição", mesmo várias vezes centenária. Só uma lúcida sintonia
da assembléia conciliar com essa proposta pode explicar os rumos inespera-
dos do Concüio diante do que eram os projetos das comissões preparatórias.
S e g u n d a recepção porque ela se faz num outro contexto, sob outra luz
e diante de outros desafios. Mas ela pressupõe que exista inegavelmente um
"espírito" do Concüio. Espírito que certamente não se esgota na l e t r a , nem
pode ser deixado à a r b i t r a r i e d a d e das interpretações subjetivas, como tam-
bém não pode ser reivindicado em exclusividade por uma única i n t e r p r e t a -
ção a u t o r i t a t i v a . E s s e "espírito" deve ser buscado na t o t a l i d a d e d o a c o n -
t e c i m e n t o c o n c i l i a r ; desde o anúncio de João XXIII, e o que eram as suas
preocupações, até a primavera pentecostal que foi o seu resultado final, pas-
sando pelas tensões e confrontos através dos quais se deu a lenta e difícü
gestação dos textos. Porque é através de tudo isso que o Espírito se foi
manifestando. Nessa totalidade e em cada um dos documentos deve ser res-
gatado esse "espírito".