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Introdução
No Estado do Amazonas existe um elevado número de agricultores familiares, a maioria
dos quais com dificuldade de manter suas atividades produtivas, ou mesmo incorporar novas
atividades e/ou tecnologias. Considerando esta situação fazem-se necessários esforços, no sentido
de capacitação dos agricultores em áreas técnicas e gerenciais, com enfoque na melhoria da
renda, da qualidade e condições de vida desses agricultores, dos trabalhadores rurais, suas
famílias e comunidade em geral. A demanda por plantas medicinais tem aumentado e é motivado
pela abundância, baixo custo e por ser um produto “limpo”, mas esta demanda tem pressionado
as áreas de recursos renováveis, comprometendo a restauração de áreas intensamente exploradas
e ocasionando a redução ou até extinção de espécies. Devido a esta prática extrativa, a legislação
tem dificultado ou até impedido a exploração de muitas espécies, fazendo-se necessário e urgente
o seu cultivo. Os agricultores familiares, na expectativa de aumentar a renda familiar com o
cultivo de plantas condimentares, medicinais e aromáticas para seu consumo e comércio,
deparam-se com dificuldades e com a falta de bons materiais de propagação (sementes e mudas
de qualidade e real identidade comprovadas).
Mas em que isto se relaciona com a produção de plantas medicinais nativas? É que quase
todas as plantas medicinais nativas da Região ainda não são cultivadas, encontrando-se em estado
selvagem, conseqüentemente em crescimento espontâneo. Portanto, é preciso entender o processo
agrícola para que se possam cultivar estas plantas e fazer delas produtos agrícolas. Por trás da
expressão variabilidade genética, encontra-se uma grande variação na dormência das sementes,
na morfologia dos indivíduos, no seu desenvolvimento, na resistência a pragas e doenças, na sua
resposta a condições de fertilidade e água do solo, etc., gerando inúmeros problemas técnicos que
dificultam o seu cultivo. Tendo em vista esta heterogeneidade, o estudo concretizou-se com o
objetivo geral de caracterizar a importância dos processos de conservação e os sistemas de
produção das plantas medicinais em conjunto com as localidades de Nova Aliança e Novo
Paraíso para futura utilização em formação e qualificação dos agricultores familiares no
município de Benjamin Constant, no Alto Rio Solimões, no estado do Amazonas.
Especificamente, definiu-se os objetivos de: a) analisar os processos de etnoconhecimento e
etnoconservação em famílias de agricultores familiares; b) levantar e registrar os conhecimentos
tradicionais sobre as plantas medicinais e os conhecimentos científicos associados, em parceria
com as localidades.
Na consecução dos objetivos explicitados, seguiu-se um percurso metodológico que
priorizou a investigação em comunidades rurais, começando por um diagnóstico das plantas
medicinais em uso pelas famílias, no qual se elencou a classificação botânica, as prescrições para
enfermidades, destacando a parte da planta usada como medicamento. Além disso, as análises
diagnósticas apontaram as plantas de maior ocorrência nas comunidades, relatando os seus
sistemas de cultivo e respectivos usos medicinais. As estratégias para conservação das plantas,
bem como o conhecimento que os agricultores familiares acumularam acerca do cultivo e dos
usos dessas plantas constituíram-se aspectos relevantes do estudo. Nas considerações finais se faz
uma reflexão sobre os resultados alcançados.
Informações locais
Segundo Hidalgo (2003) as plantas medicinais são usadas para o tratamento dos mais
diversos problemas de saúde, como resfriados, problemas de garganta, verminoses, problemas
digestivos, inflamações internas e externas, micoses e outros (Tabela 1).
Tabela 1. Relação geral das principais plantas encontradas nas localidades de Nova Aliança e Novo Paraíso no
Município de Benjamin Constant, Amazonas, Brasil, 2007.
As plantas medicinais são uma alternativa para o tratamento dos males, sendo importante
a sua manutenção e cultivo dentro das localidades. O cultivo das plantas medicinais varia de
acordo com a sazonalidade dos rios e o tamanho da planta. Durante o período de enchente e
cheia, é comum o cultivo das plantas medicinais de pequeno porte (ervas e semi-arbustivas),
condimentares em geral (canteiros suspensos), vasos e recipientes, garantindo assim a
disponibilidade espécies medicinais e manutenção da dieta alimentar. Já nos período de vazante e
seca, as plantas são cultivadas no perímetro de suas residências (sítios), ocorrendo consorciação
com outras espécies, como frutíferas e ornamentais.
As plantas mais citadas como a malva (Malva spp.), pião roxo (Jatropha gossypiifolia),
mucura-caá (Petiveria alliacea L.), coirama (Bryophyllum pinnatum) e mastruz (Chenopodiun
ambrosioides L.) estão situadas próximas aos locais de moradia (sítios), são de pequeno porte
(ervas e semi-arbustivas), facilitando assim o cultivo, tratos culturais, retirada das folhas e/ou
outras partes da planta para a preparação dos remédios caseiros. Tais plantas são geralmente
cultivadas pelas mulheres, são as matriarcas que fazem os “preparados” para os seus maridos,
filhos, demais familiares e/ou algum vizinho, e repassam as informações e receitas para as suas
gerações seguintes, mantendo assim o conhecimento e o valor cultural das espécies medicinais.
As espécies acima foram citadas como as mais importantes (e mais abundantes dentro das
localidades) pelos produtores entrevistados. Uma das causas é a fácil aquisição, pois, todas se
encontram no perímetro de suas residências, geralmente consorciadas com espécies frutíferas e
ornamentais. Cada uma com a sua finalidade e uso específico, mas quando juntas, podemos
considerar que, os produtores mantêm em seus sítios verdadeiras farmácias vivas, fazendo com
que haja alternativas de tratamento e amenização dos males.
Tabela 2. Algumas informações gerais sobre as plantas medicinais de maior ocorrência nas comunidades estudadas
(com base nos questionários aplicados em campo).
Como é Para quê
Época de Parte coletada
Espécie Propagação utilizada* serve?
Plantio para uso
(Fins)
Mastruz Período
Sumo
(Chenopodium chuvoso Sementes Folhas e ramos Vermífuga
ambrosioides L.)
Coirama (Bryophyllum Período Tosse e
Folhas Folhas Chá e in natura
pinnatum) chuvoso cicatrizante
Infecções,
Período Banho,
Malva (Malva spp.) Sementes Folhas febre e dor
chuvoso Chá e xarope
de cabeça
Mucuracaá (Petiveria Período Dor de
Sementes Folhas Banho e sumo
alliacea L.) chuvoso cabeça
Sumo Cicatrizante
Pião-roxo (Jatropha Período Folhas, (da semente) e (folhas),
Sementes
gossypiifolia L.) chuvoso sementes emplasto (das vermífugo
folhas) (sementes)
* chá, xarope, sumo, banho e in natura.
há
C
10
Nº de citações
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Figura 1. Freqüência de citações das plantas estudadas como proposta principal ou uso principal para o
tratamento dos males em duas localidades no município de Benjamin Constant, AM, Brasil, 2007.
O sumo e obtido através da maceração, que consiste em esmagar a folha ou casca, assim
podendo ou não ser diluído em água. Sua utilização pode ser feita através do consumo (como o
mastruz (Chenopodium ambrosioides L.)), para o tratamento de verminoses, ou em contato com o
local dolorido (como o mucura-caá (Petiveria alliacea L.)), para dores de cabeça. Segundo Hidalgo
(2003), o banho geralmente é recomendado para combater a febre e dor de cabeça. Consiste em
ferver o material em quantidade relativamente grande e banhar o doente. O banho pode ser dado
morno ou serenado, o qual consiste em deixar o material fervido exposto sereno durante uma
noite, administrando o banho na manhã seguinte. Os xaropes geralmente são combinações de
várias plantas, cujas finalidades são semelhantes, são sempre adocicados, pois tem o intuito de
mascarar algum sabor ou odor desagradável. Algumas espécies medicinais são utilizadas
naturalmente, ou seja, não passam por nenhum processo para a sua utilização, como é o caso de
algumas frutas, sementes ou cascas.
Considerações Finais
As populações tradicionais, durante séculos, têm conseguido ocupar o espaço amazônico
sem causar modificações danosas ao ambiente, preservando as espécies silvestres e as variedades
tradicionais, assim, diversificando a utilização dos recursos naturais a garantindo a
sustentabilidade da agricultora familiar. Através da produção sustentável de plantas medicinais
no Amazonas.
Os câmbios culturais pelas relações de contato têm sido a causa para que muitos
elementos da medicina tradicional tenham sido perdidos. Muitas famílias de agricultores
preferem ainda utilizar a medicina tradicional para tratar inúmeras enfermidades, assim
diminuindo os gastos familiares, a dependência dos serviços públicos de saúde e o difícil acesso
devido à distância existente entre as localidades rurais e as sedes dos municípios.
As populações rurais possuem um papel fundamental na conservação das plantas
medicinais e de outros recursos vegetais, sendo necessário que haja o registro e decodificação do
seu etnoconhecimento, para que sejam utilizados simultaneamente com estudos mais
consistentes. Também é importante que haja mais estudos sobre essas plantas que enfatizem
principalmente o espaçamento, cultivo com redução de luminosidade e identificação das pragas e
doenças ocorrentes na cultura.
O manejo desses recursos é uma possibilidade de manter a variabilidade genética e
ampliar o mercado consumidor das plantas medicinais, sendo estas mais adaptadas à região e
podem contribuir na melhoria da saúde das populações. Nas localidades estudadas a produção das
plantas medicinais é destinada a preparo de remédios com o intuito de não depender de remédios
dos centros mais próximos.
Referências Bibliográficas
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