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SISTEMA DE PRODUÇÃO E CONSERVAÇÃO TRADICIONAL DAS PLANTAS

MEDICINAIS POR AGRICULTORES FAMILIARES NAS LOCALIDADES DE NOVA


ALIANÇA E NOVO PARAÍSO NO MUNICÍPIO DE BENJAMIN CONSTANT-AM

Mauricio Veloso Soares(1,3), Simone de Freitas Chacon(1,3), Sandra do Nascimento Noda(2,3),


Hiroshi Noda(3,4), Marco Antonio de Freitas Mendonça (2,3), Ari de Freitas Hidalgo(2), Maria
Silvesnízia da Silva Mendonça(3), Antônia Lima da Silva(1,3), Wanderléia Gonçalves
Ribeiro(3), Maria Dolores Silva Braga(3)
(1)
Graduado em Agronomia / Universidade Federal do Amazonas, mauriciovel@bol.com.br; (2)Docente da
Universidade Federal do Amazonas, snoda@ufam.edu.br; (3)Núcleo de Estudos Rurais e Urbano Amazônico /
NERUA, nerua@inpa.gov.br; (4)Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia - INPA

RESUMO: A pesquisa, realizada na região Amazônica, objetivou registrar os conhecimentos


tradicionais (etnoconhecimento) sobre os recursos genéticos das plantas medicinais e os
conhecimentos científicos associados, em parceria com as comunidades estudadas e a interação
com outras comunidades. As estratégias de ação do projeto desenvolveram-se em comunidades
representativas do Alto Solimões: Nova Aliança e Novo Paraíso. Os passos operacionais
utilizados para amostragem e coleta de dados foram: caracterização dos ambientes e da população
residente e Estudo de Caso nos levantamentos nas comunidades, através de aplicação de
questionários, entrevistas com roteiro prévio e oficinas de trabalho, coleta de material vegetativo
tanto de propagação (sementes, tubérculos, rizomas, estacas, etc.) quanto para identificação,
através de exsicatas realizadas junto com os comunitários, assim sendo possível ter uma base dos
conhecimentos dos agricultores familiares tradicionais, através de seus relatos, com o
conhecimento científico, obtido através de levantamento bibliográfico. Os resultados obtidos
demonstram que não ocorrem diferenças entre as interpretações emic da população tradicional e
as interpretações etic desenvolvidas pelos pesquisadores, podendo, portanto usufruir do uso da
informação como fonte para análises científicas sobre o uso das plantas medicinais.

Palavras-Chave: Biodiversidade, Agricultura Familiar e Conhecimento Tradicional.

Introdução
No Estado do Amazonas existe um elevado número de agricultores familiares, a maioria
dos quais com dificuldade de manter suas atividades produtivas, ou mesmo incorporar novas
atividades e/ou tecnologias. Considerando esta situação fazem-se necessários esforços, no sentido
de capacitação dos agricultores em áreas técnicas e gerenciais, com enfoque na melhoria da
renda, da qualidade e condições de vida desses agricultores, dos trabalhadores rurais, suas
famílias e comunidade em geral. A demanda por plantas medicinais tem aumentado e é motivado
pela abundância, baixo custo e por ser um produto “limpo”, mas esta demanda tem pressionado
as áreas de recursos renováveis, comprometendo a restauração de áreas intensamente exploradas
e ocasionando a redução ou até extinção de espécies. Devido a esta prática extrativa, a legislação
tem dificultado ou até impedido a exploração de muitas espécies, fazendo-se necessário e urgente
o seu cultivo. Os agricultores familiares, na expectativa de aumentar a renda familiar com o
cultivo de plantas condimentares, medicinais e aromáticas para seu consumo e comércio,
deparam-se com dificuldades e com a falta de bons materiais de propagação (sementes e mudas
de qualidade e real identidade comprovadas).
Mas em que isto se relaciona com a produção de plantas medicinais nativas? É que quase
todas as plantas medicinais nativas da Região ainda não são cultivadas, encontrando-se em estado
selvagem, conseqüentemente em crescimento espontâneo. Portanto, é preciso entender o processo
agrícola para que se possam cultivar estas plantas e fazer delas produtos agrícolas. Por trás da
expressão variabilidade genética, encontra-se uma grande variação na dormência das sementes,
na morfologia dos indivíduos, no seu desenvolvimento, na resistência a pragas e doenças, na sua
resposta a condições de fertilidade e água do solo, etc., gerando inúmeros problemas técnicos que
dificultam o seu cultivo. Tendo em vista esta heterogeneidade, o estudo concretizou-se com o
objetivo geral de caracterizar a importância dos processos de conservação e os sistemas de
produção das plantas medicinais em conjunto com as localidades de Nova Aliança e Novo
Paraíso para futura utilização em formação e qualificação dos agricultores familiares no
município de Benjamin Constant, no Alto Rio Solimões, no estado do Amazonas.
Especificamente, definiu-se os objetivos de: a) analisar os processos de etnoconhecimento e
etnoconservação em famílias de agricultores familiares; b) levantar e registrar os conhecimentos
tradicionais sobre as plantas medicinais e os conhecimentos científicos associados, em parceria
com as localidades.
Na consecução dos objetivos explicitados, seguiu-se um percurso metodológico que
priorizou a investigação em comunidades rurais, começando por um diagnóstico das plantas
medicinais em uso pelas famílias, no qual se elencou a classificação botânica, as prescrições para
enfermidades, destacando a parte da planta usada como medicamento. Além disso, as análises
diagnósticas apontaram as plantas de maior ocorrência nas comunidades, relatando os seus
sistemas de cultivo e respectivos usos medicinais. As estratégias para conservação das plantas,
bem como o conhecimento que os agricultores familiares acumularam acerca do cultivo e dos
usos dessas plantas constituíram-se aspectos relevantes do estudo. Nas considerações finais se faz
uma reflexão sobre os resultados alcançados.

Diagnóstico nas Localidades


O levantamento dos recursos vegetais foi realizado nas localidades humanas envolvidas
no processo de manejo e/ou valoração cultural das espécies de plantas medicinais. Foram
realizados levantamentos, registros e decodificação dos conhecimentos tradicionais dos
agricultores familiares sobre o recurso estudado.
A estratégia metodológica adotada reconhece as áreas estudadas como de predominância de
agricultores familiares que fazem uso dos recursos da fauna e flora nos ambientes terrestre e
aquáticos, num processo cognitivo em acordo com a experiência histórico-cultural dos indivíduos
e as influencias externas de caráter social, político, religioso e econômico.
No levantamento dos dados empíricos utilizou-se o método “Estudo de caso” cujo quadro
de referência teórica é articulada dentro de uma problemática, onde as informações
circunstanciadas são interpretadas e adaptadas às diferentes modalidades do conhecimento (GIL,
1991; YIN, 2001). Esse método foi escolhido, tendo em vista as possibilidades de reconstrução e
de compreensão total dos fenômenos estudados pelo uso de um determinado conjunto de técnicas
de correlação de dados. Gil (1991) aponta essas técnicas como vantajosas por facilitarem o rápido
acesso aos dados sobre situações habituais em que os membros de grupos sociais encontram-se
envolvidos. O único critério de seleção e ordem de aplicação das técnicas é o grau de
compreensão dos fenômenos como um todo que as mesmas permitem, em relação à realidade
observada. Assim, quando a unidade de estudo é uma localidade, a experiência mostra que as
técnicas mais úteis são as da observação participante e de entrevistas sistemáticas e informais.
As interpretações emic refletem categorias cognitivas e lingüísticas de análise e explicação
dos povos nativos sobre os fenômenos. As interpretações etic são aquelas desenvolvidas pelo
pesquisador para fins de análises (POSEY, 1996).
Foram adotados os procedimentos:
Aplicação de questionários (formado por perguntas abertas, fechadas e de reforço);
Entrevistas com roteiro prévio (para obtenção de informações referentes aos processos
representativos, o imaginário social e cultural e as explicações dos entrevistados sobre
conservação);
Elaboração de croquis das moradias e áreas de produção (identificação da espacialidade dos
plantios com detalhamento das espécies vegetais);
Diário de campo (anotações de informações adicionais);
Coleta de material botânico (coleta de amostra, descrição botânica e localização
geográfica).
Resultados
A análise qualitativa dos dados permite inferir que o uso das plantas medicinais é
tradicional, pois as práticas cotidianas, as técnicas produtivas e os processos societários têm
profundo enraizamento nas culturas Ticuna e Cocama. A organização social e econômica
permanece com a transmissão pelas gerações do etnoconhecimento sobre a conservação dos
recursos naturais. Importante observar o fato dos conhecimentos serem transmitidos tanto por
familiares como por extrafamiliares, representados por atores sociais que mantêm relações e
hábitos culturais assemelhados pela identidade cultural e regional.

Informações locais
Segundo Hidalgo (2003) as plantas medicinais são usadas para o tratamento dos mais
diversos problemas de saúde, como resfriados, problemas de garganta, verminoses, problemas
digestivos, inflamações internas e externas, micoses e outros (Tabela 1).

Tabela 1. Relação geral das principais plantas encontradas nas localidades de Nova Aliança e Novo Paraíso no
Município de Benjamin Constant, Amazonas, Brasil, 2007.

PLANTA NOME CINTÍFICO FAMÍLIA INDICAÇOES PARTE


USADA
Açafroa Curcuma longa L. Zingiberaceae Antiinflamatório Rizoma
Açaí Euterpe precatoria Arecaceae Anemia Raiz
Amor crescido Portulaca pilosa Portulacaceae Dor de cabeça Folhas
Queimadura e
Ariá Calathea allouia Maranthaceae Folhas
Urticaria
Dor no fígado e
Boldo peludo Plectranthus barbatus Lamiaceae Folhas
enxaqueca
Caapeba Pothomorphe peltada (L.) Miq Piperaceae Emplasto Folhas
Cedro Cedrela odorata L. Meliaceae Cólicas Folhas e Cascas
Chicória Eryngium foetidum Asteraceae Febre Folhas
Cidreira Lippia alba Asteraceae Cólicas Folhas
Coirama Bryophyllum pinnatum Crassulaceae Dor no fígado Folhas
Elixir
Piper callosum Piperaceae Cólicas Folhas
paregórico
Jucá Caesalpinea ferrea Caesalpinaceae Antiinflamatório Folhas e vagens
Antiinflamatório e
Malva Malva spp. Malvaceae Folhas
febre
Mastruz Chenopodiun ambrosioides L. Chenopodiaceae Verminoses e Tosse Folhas
Mucura-caá Petiveria alliacea L. Phytolacaceae Dor de cabeça Folhas
Mururé cf. Brosimum sp. Moraceae Reumatismo Folhas e cascas
Cicatrizante e
Pião roxo Jatropha gossypiifolia Euphorbiaceae Folhas e ramos
vermífugo
Pobre velho Costus spicatus Costaceae Reumatismo Folhas
Folhas ou
Quebra-pedras Phyllanthus spp. Euphorbiaceae Dor nos rins
ramos

As plantas medicinais são uma alternativa para o tratamento dos males, sendo importante
a sua manutenção e cultivo dentro das localidades. O cultivo das plantas medicinais varia de
acordo com a sazonalidade dos rios e o tamanho da planta. Durante o período de enchente e
cheia, é comum o cultivo das plantas medicinais de pequeno porte (ervas e semi-arbustivas),
condimentares em geral (canteiros suspensos), vasos e recipientes, garantindo assim a
disponibilidade espécies medicinais e manutenção da dieta alimentar. Já nos período de vazante e
seca, as plantas são cultivadas no perímetro de suas residências (sítios), ocorrendo consorciação
com outras espécies, como frutíferas e ornamentais.
As plantas mais citadas como a malva (Malva spp.), pião roxo (Jatropha gossypiifolia),
mucura-caá (Petiveria alliacea L.), coirama (Bryophyllum pinnatum) e mastruz (Chenopodiun
ambrosioides L.) estão situadas próximas aos locais de moradia (sítios), são de pequeno porte
(ervas e semi-arbustivas), facilitando assim o cultivo, tratos culturais, retirada das folhas e/ou
outras partes da planta para a preparação dos remédios caseiros. Tais plantas são geralmente
cultivadas pelas mulheres, são as matriarcas que fazem os “preparados” para os seus maridos,
filhos, demais familiares e/ou algum vizinho, e repassam as informações e receitas para as suas
gerações seguintes, mantendo assim o conhecimento e o valor cultural das espécies medicinais.
As espécies acima foram citadas como as mais importantes (e mais abundantes dentro das
localidades) pelos produtores entrevistados. Uma das causas é a fácil aquisição, pois, todas se
encontram no perímetro de suas residências, geralmente consorciadas com espécies frutíferas e
ornamentais. Cada uma com a sua finalidade e uso específico, mas quando juntas, podemos
considerar que, os produtores mantêm em seus sítios verdadeiras farmácias vivas, fazendo com
que haja alternativas de tratamento e amenização dos males.

Informações de Cultivo e Utilização

Tabela 2. Algumas informações gerais sobre as plantas medicinais de maior ocorrência nas comunidades estudadas
(com base nos questionários aplicados em campo).
Como é Para quê
Época de Parte coletada
Espécie Propagação utilizada* serve?
Plantio para uso
(Fins)
Mastruz Período
Sumo
(Chenopodium chuvoso Sementes Folhas e ramos Vermífuga
ambrosioides L.)
Coirama (Bryophyllum Período Tosse e
Folhas Folhas Chá e in natura
pinnatum) chuvoso cicatrizante
Infecções,
Período Banho,
Malva (Malva spp.) Sementes Folhas febre e dor
chuvoso Chá e xarope
de cabeça
Mucuracaá (Petiveria Período Dor de
Sementes Folhas Banho e sumo
alliacea L.) chuvoso cabeça
Sumo Cicatrizante
Pião-roxo (Jatropha Período Folhas, (da semente) e (folhas),
Sementes
gossypiifolia L.) chuvoso sementes emplasto (das vermífugo
folhas) (sementes)
* chá, xarope, sumo, banho e in natura.

As cinco espécies de plantas medicinais apresentaram um grande espectro de tratamento


dos mais diversos problemas de saúde. Parte do conhecimento do uso das plantas medicinais
provém do contato dos caboclos com as comunidades indígenas, os quais conhecem mais
profundamente espécies da floresta, o que também explica, em parte, o maior número de espécies
medicinais. O hábito, passado de geração a geração, de uso destas plantas para o tratamento de
diversos problemas de saúde, as atividades na floresta como a caça, pesca, coleta de cipós,
extração de madeira, e outras facilitam a localização das plantas e a coleta, a facilidade de cultivo
de arbustos e ervas nas proximidades da casa não exclui o uso das espécies arbóreas nativas,
mesmo para aquelas indicadas com as mesmas finalidades (HIDALGO, 2003).
As formas de preparo são variadas (Figura 1) sendo a mais comum apresentada pelos
chás, podendo estes ser realizados com folhas, cascas e raízes, estas por sua vez podem estar
verdes ou secas. Seu consumo varia de acordo com o problema de saúde e idade do paciente,
assim, as concentrações são diferenciadas para adultos e crianças, variando assim a quantidade de
folhas ou cascas presentes nos chás.
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Figura 1. Freqüência de citações das plantas estudadas como proposta principal ou uso principal para o
tratamento dos males em duas localidades no município de Benjamin Constant, AM, Brasil, 2007.

O sumo e obtido através da maceração, que consiste em esmagar a folha ou casca, assim
podendo ou não ser diluído em água. Sua utilização pode ser feita através do consumo (como o
mastruz (Chenopodium ambrosioides L.)), para o tratamento de verminoses, ou em contato com o
local dolorido (como o mucura-caá (Petiveria alliacea L.)), para dores de cabeça. Segundo Hidalgo
(2003), o banho geralmente é recomendado para combater a febre e dor de cabeça. Consiste em
ferver o material em quantidade relativamente grande e banhar o doente. O banho pode ser dado
morno ou serenado, o qual consiste em deixar o material fervido exposto sereno durante uma
noite, administrando o banho na manhã seguinte. Os xaropes geralmente são combinações de
várias plantas, cujas finalidades são semelhantes, são sempre adocicados, pois tem o intuito de
mascarar algum sabor ou odor desagradável. Algumas espécies medicinais são utilizadas
naturalmente, ou seja, não passam por nenhum processo para a sua utilização, como é o caso de
algumas frutas, sementes ou cascas.

Conservação das plantas medicinais e agricultura familiar


Nas comunidades pesquisadas as características familiares foram representadas por
famílias extensas, em média 17 pessoas por família, com concentração das relações de parentesco
na estrutura e composição da mão-de-obra familiar comunitária, pois nas comunidades as
estratégias de conservação, manifestam-se contra a perda do material genético culturalmente
manipulado pelas famílias extensas, de forma que e a comunidade como um todo que mantém um
conjunto de germoplasma. Nas localidades de Nova Aliança e Novo Paraíso estão sendo
desenvolvidas atividades de preservação dos ambientes, com intuito de melhorar as estratégias de
conservação, sem causar modificações danosas ao ambiente.
As plantas medicinais encontram-se próximas às residências (sítios), devido ao fácil
acesso aos comunitários e manutenção (limpeza, retirada de insetos, etc), a época de plantio está
relacionada como o período chuvoso, devido à disponibilidade de água, uma vez que não há a
utilização de sistema de irrigação. As plantas de Malva (Malva spp.), Mucuracaá (P. alliacea L.),
Pião-roxo (J. gossypiifolia L.) e Mastruz (C. ambrosioides L.) são de fácil propagação devido ao
considerável número de sementes que se dispersam, assim, aumentando a população de plantas
medicinais existentes dentro das comunidades. A Coirama (B. pinnatum) apresenta propagação
vegetativa (pelas folhas), sendo também de fácil propagação.
As plantas medicinais existentes nas localidades foram trazidas durante a migração das
famílias, com isso, as plantas medicinais existentes nas localidades têm como local de origem a
última moradia (50%), transportadas em latas, sacos plásticos, vasos ou copos, sendo os outros
50% da própria localidade. A importância da conservação de inúmeras espécies de plantas
medicinais da Amazônia está na destruição acelerada da vegetação natural, por causa da
expansão agrícola, de queimadas, e o extrativismo desordenado. Com isso, muitas espécies
poderão ser extintas, antes mesmo de serem catalogadas ou de ter reconhecido seu potencial de
uso. A conservação dos recursos genéticos, aliada a uma exploração sustentável e racional das
plantas medicinais são estratégias fundamentais para nortear políticas para o setor, garantindo a
sobrevivência das espécies e suas respectivas cadeias produtivas.

Conhecimento sobre as Plantas Medicinais


O cultivo das plantas medicinais é realizado principalmente por agricultores familiares,
que as plantam em seus sítios/quintais/terreiros na terra firme e em áreas de várzea (terras
baixas). Os agricultores familiares entrevistados cultivam as plantas medicinais nas áreas de terra
firme da sede das “comunidades” e nas de várzeas em frente isto porque as áreas de várzeas são
ambientes bastantes produtivos, por possuírem solos com uma elevada fertilidade natural,
decorrente do acúmulo de sedimentos que o Rio Solimões está constantemente retrabalhando.
O cultivo das plantas medicinais muitas vezes ocorre intercalado com outras plantas
(80%), ou seja, em miscelânea (Figura 2), quando ocorre nas áreas de roça. Nas áreas de
sítios/quintais/terreiro é encontrado junto a plantas condimentares e ornamentais de maneira
agrupada, porém espalhadas compondo mosaicos de grupos de plantas por todo o espaço
produtivo. A atividade de produção das plantas, medicinais é feita pelas mulheres da família onde
o processo de trabalho é predominantemente com o uso de instrumentos manuais, como por
exemplo, enxada, terçado, etc. A preferência das ervas e arbustos é explicada pelo seu pequeno
porte, facilidade de propagação e cultivo, podendo ser mantidas em canteiros de chão ou
suspensos, assim como os diversos tipos de recipientes, estando sempre acessíveis. No caso de
inundações, são as plantas mais fáceis de serem removidas e colocadas a salvo das águas
(HIDALGO, 2003).
Homens (40%) e mulheres (60%) manuseiam o conhecimento sobre a composição da
receitas, partes utilizadas e modo de preparo e possuem noções sobre doses (distintamente para
adultos e crianças), efeitos observados e contra indicações para cada uma das receitas.
As sementes utilizadas na propagação são provenientes da própria área de produção da família ou
do intercâmbio entre os agricultores, intracomunitário e intercomunitários.
Figura 2. As plantas medicinais ocorrem em técnica de miscelânea, localizado na Localidade de Novo Paraíso,
AM, Brasil. (Foto: Simone Chacon, 2006).

Considerações Finais
As populações tradicionais, durante séculos, têm conseguido ocupar o espaço amazônico
sem causar modificações danosas ao ambiente, preservando as espécies silvestres e as variedades
tradicionais, assim, diversificando a utilização dos recursos naturais a garantindo a
sustentabilidade da agricultora familiar. Através da produção sustentável de plantas medicinais
no Amazonas.
Os câmbios culturais pelas relações de contato têm sido a causa para que muitos
elementos da medicina tradicional tenham sido perdidos. Muitas famílias de agricultores
preferem ainda utilizar a medicina tradicional para tratar inúmeras enfermidades, assim
diminuindo os gastos familiares, a dependência dos serviços públicos de saúde e o difícil acesso
devido à distância existente entre as localidades rurais e as sedes dos municípios.
As populações rurais possuem um papel fundamental na conservação das plantas
medicinais e de outros recursos vegetais, sendo necessário que haja o registro e decodificação do
seu etnoconhecimento, para que sejam utilizados simultaneamente com estudos mais
consistentes. Também é importante que haja mais estudos sobre essas plantas que enfatizem
principalmente o espaçamento, cultivo com redução de luminosidade e identificação das pragas e
doenças ocorrentes na cultura.
O manejo desses recursos é uma possibilidade de manter a variabilidade genética e
ampliar o mercado consumidor das plantas medicinais, sendo estas mais adaptadas à região e
podem contribuir na melhoria da saúde das populações. Nas localidades estudadas a produção das
plantas medicinais é destinada a preparo de remédios com o intuito de não depender de remédios
dos centros mais próximos.
Referências Bibliográficas

GIL, Antônio Carlos. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. São Paulo: Atlas, 1991. 207p.
HIDALGO, Ari de Freitas. Plantas de uso popular para tratamento da malária e males
associados da área de influência do Rio Solimões e Região de Manaus, AM. Tese de
Doutorado – Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências Agronômicas, Botucatu,
2003.
LORENZI, Harri.; MATOS, Francisco José de Abreu. Plantas Medicinais do Brasil: Nativas e
Exóticas. Nova Odessa, SP: Instituto Plantarum, 2002, 512 p.
NODA, Sandra Nascimento; NODA, Hiroshi; PEREIRA, Henrique.S; MARTINS, Ayrton.L.U.
Utilização e apropriação das terras por agricultura familiar amazonense de várzea. In:
Espaços e recursos naturais de uso comum. São Paulo: NUPAUB -USP, 2001. 294p.
NODA, Sandra Noda. Produção e Preservação de Hortaliças Tradicionais em "Sítios" nas
Várzeas no Estado do Amazonas. Horticultura Brasileira, 12(1):94, 1997, (resumo).
PHILLIPS , O. Some Quantitative Methods for Analyzing Ethonobotanical Knowledge. In :
POSEY, Darrel. Os Povos Tradicionais e a Conservação da Biodiversidade. In: PAVAN, C.
(Org.). Uma estratégia Latino-Americana para a Amazônia. São Paulo, UNESP, 1996. V.1,
P. 149–166.
YIN, Robert K.; Estudo de caso: planejamento e métodos; trad. Daniel Grassi – 2.ed. – Porto
Alegre: Bookman, 2001.

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