Você está na página 1de 6

A esquerda e a criminalidade: dois pesos, duas medidas, um método

O discurso da esquerda culpa a desigualdade social pela violência. Mas quem podem
culpar quando o assassinado não é rico, ou é da mesma classe do assassino?

Por Flávio Morgenstern

Se você quer ser um intelectual respeitado e admirado por muitos jovens que seguirão suas
brilhantes análises da realidade como um Decálogo revelado, a receita não é nada complexa:
basta analisar todos os problemas sociais pela ótica da “desigualdade social”.
Repetir esse bordão até furar faz com que sua platéia acredite estar diante de uma pessoa
crítica e consciente, um típico “cabeça” lutando por um mundo melhor.

Pouco importa que a Etiópia ou a miserável Albânia tenham índices de desigualdade


social“superiores” ao Canadá ou à Suíça, o que justificaria que um suíço pegue uma pena mais
leve do que um etíope ao roubar e matar um trabalhador. Sobretudo porque, para acreditar em
políticas sociais ligadas a essas ideologias, é imprescindível desconhecer completamente o que
gera a desigualdade social, e que desigualdade está longe de ser um mal em si.
Como demonstra Robert Nozick, um país onde todos ganhem R$ 100/mês é extremamente
igualitário, e um inferno na Terra. Um país onde os mais pobres ganhem R$ 1 milhão/mês e os
mais ricos R$ 1 bilhão é um país extremamente desigual, e um país que parecerá o lugar para
onde as pessoas boas vão depois que morrem (vide o ensaio Uma única lição de economia).
Mas pouco importa fazer contas e conhecer a realidade. Basta ver ricos e pobres por aí, e
acreditar que todos os problemas têm como causa algumas pessoas terem mais renda do que
outras. É isso que arrebanha universitários “politizados”.
Por isso, sempre que algum problema extremamente chocante acontece, é um exercício de
sociologia escatológica dar uma olhada nos chamados “blogs progressistas”, a nova roupagem
dos nossos velhos esquerdistas com suas ideologias ultrapassadas, para analisar até latrocínio por
essa roupagem.

O caso mais recente e o da dentista Cinthya Magaly Moutinho de Souza, queimada viva
num assalto em São Bernardo do Campo. Três assaltantes a mantiveram no consultório junto
com uma paciente. Vasculhando tudo, não encontraram dinheiro. Cinthya, então, lhes entregou
seu cartão bancário e sua senha, mas avisando que tinha pouco dinheiro. Um dos bandidos foi a
um caixa, sacou apenas os R$ 30 que estavam em sua conta, voltou e foram embora. Depois que
a paciente saiu, voltaram, trancaram Cinthya por pura birra e atearam fogo no seu consultório
(onde também morava com sua família), a matando no local.

É o tipo de crime que choca qualquer ser humano com respeito pela vida alheia. Com um
pingo de sensibilidade pela dor, pelo sofrimento, pela visão de outro ser humano como um
semelhante, aquele laço de humanidade.que nos identifica e nos protege.

Não é o caso, todavia, de quem pensa tão somente por estatísticas incapazes de explicar
como a pantomima da “desigualdade social”. Quando crimes chocantes ocorrem, basta correr a
blogs de “formadores de opinião”, que esbravejam intracicladianamente contra o horror da
desigualdade, e que ela faz com que os pobres, sem opção, caiam na criminalidade, para
encontrar opiniões simplesmente insanas ou um silêncio estrepitoso e extremamente revelador do
que essas pessoas pensam.

Um Sakamoto, por exemplo, quando um jovem universitário morre nas mãos de um


“adolescente” 3 dias antes de completar 18 anos com um tiro, não deixa de usar da linguagem
metonímica(não percam este vídeo por nada nessa vida) para dizer que “se um jovem aperta um
gatilho, fomos nós que levamos a arma até ele e a carregamos”. Ora, é um joguinho de palavras
para chamar atenção de quem adora culpar “a sociedade” e suas diferenças (sua “desigualdade”)
por tudo. É o mesmo caso do pagodeiro alçado a vereador Netinho de Paula dizendo que “a
sociedade paulistana é racista”.
Na prática, ambos desistem desse discurso com o sabor das conveniências. Ora, se
Sakamoto estivesse comentando um caso de estupro (e sempre teve pompa e circunstância para
falar, como nos estupros na van no Rio de Janeiro ou de uma menina de 14 anos na praia na
mesma cidade, tudo nos últimos dias), será que ele também faria um joguinho de palavras
simplesmente ridículo como “se uns jovens fazem uma roda de estupros seguidos enquanto o
namorado da vítima assiste a tudo amarrado, fomos nós que algemamos a vítima e a
estupramos”, para abusar de um eufemismo (por puro respeito ás vítimas) inexistente no texto
do blogueiro Sakamoto? E no caso de Netinho, é de se crer que o racismo seja considerado uma
imbecilidade completa. Será que o vereador diria a seus eleitores: “a sociedade paulistana é
completamente imbecil”? Ou ele diz isso, ou acredita que o racismo não é uma imbecilidade
completa. Tertium non datur.
O caso da dentista assassinada é outro que gera um estrepitoso silêncio. Ora, é fácil para
Sakamoto fazer uma analogia perniciosa (para não dizer francamente mongolóide) com um
revólver, com uma morte por um botão. Será que ele também gostaria agora de dizer que nós, “a
sociedade”, tivemos o trabalho de assaltar, ver que a vítima não possuía dinheiro e voltar á cena
do crime só para matá-la de uma maneira cruel e dolorosa? Será que não vai ter um textículo do
Sakamoto dizendo que “se jovens ateiam fogo numa dentista sem dinheiro, fomos nós que
levamos o álcool às suas mãos e riscamos os fósforos”? Ou será que, sem um botãozinho, a
metáfora do Sakamoto aparece até a ele próprio em toda a sua crueldade, insensibilidade e
estupidez?
Nessas horas, ao se correr para o blog dos nossos queridos defensores de bandidos, como
não dá para fazer muita analogia e fugir do fato óbvio (gente má e que deveria estar, na melhor
das hipóteses, presa, está solta e atentando contra a vida da população), tudo o que conseguimos
é um silêncio. Como não dá para defender sua agenda de governo (muitas vezes francamente
defensora, quando não financiada, por um partido político), não há nem uma palavra de amparo.
Nem um suspiro, um “que coisa triste isso que aconteceu”. Não é nem preciso analisar a fundo a
contradição da realidade com as idiotices que defendem: poderiam ao menos demonstrar
sentimentos humanos.

Humanos, criminosamente humanos

Mas nem sentimentos humanos existem em tais formadores de opinião. Tudo o que podem
fazer é silenciar, esperar a poeira baixar. todos esquecerem do assunto e não estarem mais tão
sensíveis, para depois dizer que diminuir a maioridade penal não serve pra nada, que é a
sociedade e até a “ostentação” que são culpadas da violência.
Como já foi demonstrado aqui, tudo isso se deve a um erro de representação e linguagem.
Usando apenas termos coletivos e abstratos, de contornos imprecisos e que sequer conseguem
definir quem faz parte dessa idéia genérica e quem está do lado de fora, não conhecem agentes
humanos na história ou na sociedade, e sim apenas idéias. Assim, quando mulheres correm o
risco de estupro, não culpam estupradores, mas sim “o machismo” (como se estupro fosse uma
“idéia”, uma “ideologia” defendida por algo além de alguns tarados por aí, agentes humanos que
já deveriam estar na cadeia). Quando um assassinato ocorre, também não é culpa de assassinos,
e sim da “sociedade”, da “elite”, da “burguesia” (termos que geralmente tomam por idênticos) e
assim vai.
Foi o que fizeram Túlio Vianna e Marilene Felinto no assassinato que talvez mais tenha
chocado a cidade de São Paulo, a brutalidade contra os jovens Liana Friedenbach e Felipe Caffé,
seqüestrados e assassinados em 2003. A brutalidade feita contra Liana foi o extremo do que é um
ato de covardia de “machos” contra uma mulher: estuprada seguidamente até destruírem sua
vagina e morta lentamente a golpes de faca no meio de um estupro de forma inacreditavelmente
dolorosa.

Hora de culpar “o machismo”? Não, para nossos pensadores de esquerda, quando uma
mulher sofre absurdamente assim, aí é culpa da sociedade. Para Marilene Felinto, o problema é
a “elite paulista – esta de nomes estrangeirados, pronta para impor-se, para humilhar e
esmagar sob seus pés os espantados ‘silvas’, ‘sousas’, ‘costas’ e outros nomezinhos portugueses
e afro-escravos” (sic³). Um discurso que flerta perigosamente com a xenofobia e o racismo anti-
semita a ponto de poder ser encontrável facilmente em um discurso de Adolf Hitler.

Se estupro, seqüestro e assassinato são crimes hediondos, Felinto não tem tanta certeza: “O
que torna um crime mais ‘hediondo’ que outro? Só se for a classe social da vítima: quando é
rica e loirinha, então, o crime é mais hediondo do que se a vítima for um ‘Pernambuco’
qualquer”. Ignorando a nojeira que são essas palavras, ainda mais vindas de uma mulher que
infelizmente pode ser vítima da mesma violência, para a colunista da Caros Amigos, tudo o que
importa´são “classes sociais” e quanto as pessoas ganham. No caso, se o crime é contra uma
“loirinha rica” (sic), aí devemos nos preocupar é com Pernambuco, o monstro que a manteve sob
cativeiro, a estuprando infindavelmente por 5 dias e a “compartilhando” com os amigos –
porque, afinal, é um pobre coitado sem “sobrenome estrangeiro”.
Já para o doutor em Direito Penal Túlio Vianna, é uma boa hora para criticar as revistas
que nunca lhe pagaram uns trocados para mostrar suas grandes contribuições intelectuais à
humanidade, dizendo que ”a mídia-urubu e seus consumidores de carniça impressa e
gravada” está querendo dizer que a vida do estuprador Champinha, o organizador do seqüestro,
não vale nada (ó, pobrecito!!), enquanto a de Liana e Felipe vale, “também de um ponto de vista
exclusivamente econômico pelos investimentos que foram feitos”.
Qual o sentimento de humanidade profunda dessas pessoas agora que uma dentista foi
presa por não ter mais do que R$ 30 na conta bancária? Não importa quem seja a vítima (mulher,
pobre, trabalhador, criança etc), sempre arruma-se um motivo para… defender o assassino, e não
o assassinado.
Uma gramática para a morte

Trata-se, mais uma vez, da linguagem dialética (ou pseudo-dialética) que domina a
esquerda, que faz com que alguém dominado por alguns pequenos dados de ideologia (cabresto)
esquerdista dificilmente consiga escapar da gaiola cerebral, não importa quantos argumentos
retumbantemente óbvios e acachapantes sejam colocados diante de seu nariz.

Enquanto é comum que pessoas ligadas a áreas técnicas tenham um pensamento linear
(exemplo óbvio dos economistas: a economia de mercado é que gera riqueza, inclusive para os
pobres; ao se socializar a produção e alguém parar de receber conforme o que produz, a
produção inteira cai e toda a população fica pobre), o esquerdista, a chamada “mentalidade
revolucionária” (uma endemia de proporção global), pensa de forma dialética.

Para alguém contaminado por tal pensamento, as coisas vão e vem e se transformam em
suas teses e antíteses transformando-se umas nas outras, importando tão somente que a
conclusão se mantenha intacta: eles devem se manter no poder e a força do Estado deve ser
controlada tão somente por eles.

A economia vai bem? Graças ao nosso Partido. A economia vai mal? Então precisamos dar
mais força ao nosso Partido, para não piorar ainda mais.

Ora, criminalidade deveria ser a preocupação número 1 (talvez mesmo a única) de um


Estado. Se um Estado é necessário, não é justamente para evitar a violência contra o próximo, e
para o tal monopólio da violência nos proteger da violência desabrida e arbitrária? Portanto,
deveria ser exatamente o que mede a qualidade do nosso governo.

Mas pelo contrário, nossos índices de homicídios alcançam praticamente 50 mil por ano.
Somos o país que mais mata no mundo. Nenhuma guerra mata tanto (a guerra do Iraque gerou
cerca de 20 mil mortes entre militares e civis em uma década, e todos criticam George W. Bush
como um carniceiro psicopata fascista até hoje, mesmo tendo criado a guerra mais cara do
mundo justamente para evitar um morticínio civil).
O que a mentalidade de nossos formadores de opinião (e pedidores de voto) faz? Culpa da
desigualdade. Não importa que ao mesmo tempo defendam um governo que, supostamente, está
fazendo diminuir a mesmíssima desigualdade (e propagandeiem isso como papagaios). Claro, só
falta descobrir uma metonímia adequada para “explicar” o fato de assaltarem uma dentista e
assassiná-la porque ela só tinha R$ 30. Com um detalhe: um dos suspeitos, que a própria mãe
ajudou a identificar, fugiu no carro da mãe. Num Audi.

Da mesma forma, não adianta argumentar calmamente que a desigualdade não gera
violência (afinal, o próprio discurso deles os desmente pelas estatísticas). O que importa é a
conclusão. Como se vê, não há vergonha alguma para um “progressista” defender uma coisa e
logo depois defender o exato oposto – ou mesmo defender as duas coisas ao mesmo tempo,
talvez em lugares distintos ou, no caso da relação da criminalidade com a desigualdade, no
mesmo lugar. O que importa é dizer que o progressismo está correto, e que a propriedade dos
outros é que gera o nosso atual estado caótico. Quem não viu o petista Eduardo Guimarães dizer,
na última Sexta-Feira Santa, que há 2 mil anos, o primeiro comunista foi morto pela direita
(sic²)?
O fundador da esquerda moderna, por exemplo, queria abolir a propriedade privada, e
portanto a família deixaria de existir (já nasceríamos sem pai e mãe conhecidos, sendo todos
tutelados pelo Estado, tornando-nos funcionários públicos de nascença). Seu alvo era a
propriedade, mas sua crença na destruição da família como conseqüência inescapável advinha de
acreditar ser ela a “superestrutura” da economia, que seria a “infraestrutura” da sociedade.

Ora, sabemos que a família não serve apenas para um fator econômico, e abolir a
propriedade privada gerou o Holodomor, os 4 milhões de mortos de fome na Ucrânia em 2 anos
(sem falar em pelo menos uns 12 milhões dos mais de 61 milhões de mortos de Mao Zedong). O
que fizeram os intelectuais da Escola de Frankfurt e Gramsci, com um programa
maravilhosamente bem aplicado que continua sendo expandido até os dias de hoje? Inverteram
infraestrutura com superestrutura, afirmando defender o mesmo autor do Manifesto Comunista, e
atacaram a família, assim conseguindo uma tutela cada vez maior de pessoas dependentes do
Estado – e fazendo com que a propriedade das famílias cada vez mais virasse terra de ninguém
para ser compartilhada pelos burocratas que dominam o Estado.

É o mesmo que nossos pensadores e intelectuais fazem com a violência, ao teorizar sobre a
“desigualdade” ou culpar “o machismo da sociedade” por estupro e assassinato, mas nunca
culpar o agente humano: o assassino ou o estuprador. E tome-se ideologia anti-liberal.

Com esse tipo de pensamento perigosíssimo, que deve ser compreendido com cuidado e
ser tratado com precisão cirúrgica ao se conversar com defensores da esquerda, só nos resta fazer
algumas perguntas aos nossos amigos de esquerda:

1) Como já disse o Francisco Razzo, se ela tivesse não R$ 30, mas 3 mil, estaria viva. É
mesmo a desigualdade social que gera violência? Os ricos é que têm medo de assassinato e são
vítimas da violência, então?

2) Vocês além das armas, vão proibir álcool e fósforos? Novo sentido pra arma de fogo.

3) Se a desigualdade social gera violência, seria justificado alguém cometer violências


contra a presidente Dilma Rousseff. Refutem, por favor, mantendo o mesmo tipo de discurso, em
no máximo 500 caracteres.

4) Vocês tratam dinheiro como se fosse ânimo (é o marxismo aplicado, uma hora as
pessoas encherem o saco e fazerem revolução). A sociedade que vocês defendem deve ser
dominada pelos hipersensíveis ou pelos histéricos cheios de ódio? Só essas duas alternativas são
viáveis.

5) Vocês pretendem “ressocializar” quem volta a uma cena de crime já consumado apenas
para matar com fogo? Pretendem fazer isso como? Com serviço social e leitura do Gabriel
Chalita?

6) Quando se trata de estupro, vocês nunca, nunca nessa vida toda discutiram a
“desigualdade social” e a “ostentação” que existir mulher bonita enquanto o pobre da favela é
um coitado feio e lascado que nunca vai ir pra cama com a mulher que ele acha atraente. Vocês
pretendem algum dia terem o mesmo discurso para o estupro que têm para a violência, o
assalto, o assassinato?
7) Vocês já estão cogitando o lema “mata, mas não estupra”?
8) Não acreditamos que cadeia resolve nada, acreditamos só que não estar na cadeia gera
mais mortes. Se esses assassinos ou o cara que matou o universitário no Belénzinho ou o
Champinha ou os caras que mataram o João Hélio etc etc etc estivessem na cadeia, essas pessoas
estariam vivas. Somos assim, tão nazi-fascistas?

9) Até agora não rolou um pio de Sakamoto, Marilene Felinto, Túlio Vianna, Juarez Cirino
dos Santos et caterva explicando o crime pela desigualdade social ou, ao menos, tratando-o algo
triste para a vítima, e não apenas uma peça que teve de ser imolada no altar da futura sociedade
livre, planificada e igualizada. Nessas horas, resta só silenciar, esperar passar, e depois voltar a
defender bandido?
10) Os latrocínios aumentaram 250% no ABC em uma década. Enquanto isso, vocês
adoram a presidente e blá blá blá. Já está na hora de organizarmos outra marcha contra o Marco
Feliciano, ou a grande preocupação de vocês agora é outra?

Como disse Rafael Dias no Twitter (@rwdias), seres humanos para a esquerda são só
estatística. Ficam nossas condolências por este triste episódio, e nosso desejo que as leis mudem
para que novas vítimas não nos causem mais tanto temor.

Você também pode gostar