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INTRODUÇÃO

O Rio de janeiro na virada do século XIX para o século XX foi palco de importantes
mudanças na sociedade brasileira. A recém proclamada República trouxe consigo
necessidades de modificar a estrutura de funcionamento da cidade, visto que esta
recebia o importante título de capital. Sendo assim, a partir do ano de 1902, uma
série de mudanças foram promovidas com o intuito de reorganizar o espaço urbano do
Rio de Janeiro. A chamada reforma Pereira Passos empreendeu mudanças significativas
na cidade, reestruturando toda a sua arquitetura e promovendo a modernização,
inaugurada com a recém proclamada República. O século XIX foi decisivo para
questões sociais, econômicas e políticas. Um novo Brasil, com novas necessidades.
A capital da recém-criada República era de fama detestável, conhecida como a
“capital da morte”. De arquitetura pitoresca, becos e vielas faziam do centro
urbano carioca um lugar escuro e de larga proliferação de epidemias mortíferas.
Aniquilar essa imagem era essencial, visto que a cidade era o cartão postal de
veiculação da imagem do Brasil no exterior, a porta de boas-vindas. Missão
encarregada pelo presidente Rodrigues Alves ao ser eleito, pretendia modificar a
estrutura urbana carioca para lhe dar o ar de avanço e modernidade. Inaugurar,
junto ao advento republicano, um começo do novo Brasil que acabara de nascer.
Antecedendo o advento republicano, e sendo um dos fatores para a culminação do
mesmo, a lei de 13 de maio de 1888 mudou o modelo de produção que sustentou todo o
regime colonial. A libertação dos cativos pela Lei Áurea deve ser analisada
concomitantemente as questões aqui levantadas, visto que foi de suma importância ao
contribuir no inchaço populacional sentido pela sociedade carioca na virada do
século XIX para o século XX. O inchaço urbano provocado pela decadência do regime
escravocrata possibilitou acontecimentos fundamentais. Ondas de emigrantes vieram
para a capital com a intenção de ocupar cargos, agora abertos devido a mudança no
modo de produção. O inchaço urbano, a falta de planejamento e administração da
cidade, falta de saneamento básico e condições higiênicas deploráveis contribuíram
para a proliferação de diversas epidemias que assolavam os cidadãos cariocas e
afastava quem cogitava embarcar no país.
Entendendo o jornal como uma fonte rica e primária para a compreensão da
mentalidade da sociedade do período, utilizaremos como fonte o jornal a Gazeta de
Notícias em busca de evidenciar qual é a formatação que a sociedade carioca tomou a
partir das mudanças estruturais e também reformistas na investida Pereira Passos.
Busca-se no presente trabalho analisar o contexto do Rio de Janeiro do final do
século XIX e início do século XX, tendo como delimitação temporal o período do
governo Pereira Passos (1902-1903). Em nossa pesquisa iremos entender como o Rio de
Janeiro, a então capital da República, teve o seu destaque como palco das mudanças
iniciadas no fim do século XIX, como a abolição da escravidão e a proclamação da
República. Nosso objetivo foi analisar como essas mudanças, juntamente com o
projeto idealizado pela burguesia e executado pelo prefeito Pereira Passos foram
cruciais na contribuição da segregação social dentro do espaço urbano carioca.
O RIO DE JANEIRO NO INÍCIO DO SÉCULO XX
Em 1889, com o advento republicano, o Brasil experimentava um momento de
recriação. A república, para muitos, representava a inauguração de um novo Brasil
onde o jogo político se tornaria mais dinâmico e participativo, dando oportunidades
de inclusão para aqueles que antes tiveram sido excluídos das decisões públicas. O
novo modelo republicano simbolizava a esperança, o avanço, a superação e o moderno,
podendo colocar o país ao lado das nações inauguradas na Europa durante o século
XVIII. Sendo o Rio de Janeiro sede do antigo Império e a região de maior influência
nacional, foi a cidade que mais sentiu a intensidade das agitações que se moviam e
que culminaram na abolição da escravidão e na proclamação da República¹.
Resumidamente, a capital fluminense foi palco das grandes mudanças proporcionadas
pela campanha militar de 1889 e berço da incipiente modernidade². Sendo uma área de
influência nacional devido a sua importância política e econômica, O Rio de Janeiro
durante os primeiros anos de República recebe em seu território ondas de imigração
e de migração, como aponta CARVALHO (1987), onde as estatísticas apontam o
crescimento populacional na antiga capital com somas que chegam a corresponder o
aumento de 3,23% no período de 1890-1900. O aumento populacional ocasionou severos
impactos no cotidiano dos habitantes fluminenses. Uma cidade marcada pelo inchaço
urbano, falta de planejamento urbanístico e incapacidade administrativa se viu
incapaz de absorver em sua organização esse contingente extra populacional,
causando assim uma onda de subempregados e desempregados que se aglutinavam nos
centros da capital formando um exército cada vez maior de reservistas industriais,
sem ocupação fixa, disputando os escassos cargos que existiam na recém-formada
República e disputando também a atenção da vigilância policial.
O Rio de Janeiro nos primeiros anos da República foi marcado por dificuldades que
eram frequentes e observadas anteriormente na história municipal, e que foram
agravadas pelo aumento populacional. Questões como o abastecimento de água,
saneamento básico e disponibilidade de habitações para as classes menos abastecidas
ficaram em voga e denunciaram o caráter de insuficiência da administração do
município. A especulação imobiliária do Rio de Janeiro cobrava de seus inquilinos
aluguéis exorbitantes no centro, lugar mais procurado por ser o lugar com maior
concentração de empregos, que não acompanhavam as condições das classes com menos
recursos, sendo essas obrigadas a habitarem casas de cômodos, cortiços ou então
casebres nos morros que cercavam o centro da cidade. As péssimas condições de vida
na capital possibilitaram o surto de epidemias mortíferas, que assolava o rio de
janeiro e se alastravam facilmente por meio da cidade mal planejada e administrada.

O estado operava de forma privada o que era a coisa pública, sendo estabelecido um
projeto elaborado por poucos e alcançando poucos. O grosso do contingente
populacional do Rio de Janeiro estava as margens do processo
civilizador/conservador, sendo ele, o povo, entendido como causa mor da
representação do atraso.
A capital da recém-criada República era de fama detestável, conhecida como a
“capital da morte”. De arquitetura pitoresca, becos e vielas faziam do centro
urbano carioca um lugar escuro e de larga proliferação de epidemias mortíferas.
Aniquilar essa imagem era essencial, visto que a cidade era o cartão postal de
veiculação da imagem do Brasil no exterior, a porta de boas-vindas. Missão
encarregada pelo presidente Rodrigues Alves ao ser eleito, pretendia modificar a
estrutura urbana carioca para lhe dar o ar de avanço e modernidade. Inaugurar,
junto ao advento republicano, um começo do novo Brasil que acabara de nascer. A
reforma veio como força de ruptura de um recente passado colonial e escravista,
onde os elementos arcaicos e duradouros estavam presentes na estrutura
organizacional do espaço carioca, como também na sua estrutura arquitetônica.
O Rio de Janeiro ocupava lugar privilegiado na economia nacional, porto de entrada
e de mercadorias importadas e de escoação dos produtos a serem exportados. A
economia brasileira do período era baseada na exportação de produtos agrários,
definindo assim o papel brasileiro na organização mundial do trabalho como país
agroexportador, que agora operava o seu meio de produção com mão-de-obra paga.
Atrair o imigrante, principalmente europeu, para trabalhar na grande lavoura era
também um dos pontos da reforma. Trazer civilidade através da reformulação urbana e
também através do imigrante branco. Não podemos perder de vista a ocupação do negro
no espaço urbano, assunto que será aprofundado no próximo capítulo.

O Rio de janeiro na virada do século XIX para o século XX foi palco de importantes
mudanças na sociedade brasileira. A recém proclamada República trouxe consigo
necessidades de modificar a estrutura de funcionamento da cidade, visto que esta
recebia o importante título de Capital Nacional da República e era um ponto
fundamental na economia nacional. O porto carioca era responsável pelo maior
contingente de exportação de café e pela importação de industrializados de todos os
tipos. A cidade do Rio de Janeiro, que fora palco principal de grandes
acontecimentos políticos, necessitava de uma significativa reforma e reelaboração
do seu espaço com finalidade de a) modernizar e “embelezar” o cartão postal
brasileiro; b) organizar o espaço urbano com finalidade de conter os avanços das
classes populares nesse espaço; c) atrair para o país imigrantes que serviriam para
a nova dinâmica assalariada e também para o projeto de embranquecimento cultural e
étnico.
Um modelo de civilização que não absorvia na sua base prática os pobres que
habitavam os cortiços, pelo contrário, a modernização veio como forma de exterminar
o atraso representado pelos pobres. A burguesia se empenha nesse projeto,
incorporando no aparelho estatal uma ação nacionalizante, baseada em seus
interesses genuínos de manutenção da organização social vigente. O pobre era
sinônimo de atraso e insalubridade. Nesse sentido, as campanhas sanitárias tiveram
o sem maior alvo as habitações populares. Casas de arquitetura horrenda, sem luz e
ventilação, habitadas por uma população que não conhecia princípios básicos de
higiene e necessitavam ser higienizados, ou melhor, expulsos daquele ambiente.
As principais pressões modernizadoras que marcaram a virada do século XIX para o XX
tinham objetivos diversos. Em uma sociedade, a organização do espaço urbano é
equivalente ao controle burguês sobre sua horda subordinada. A ideia de “Nação
Brasileira” sempre se estabeleceu pautada em privilégios, estes raciais, econômicos
e, como consequência, políticos. Segundo FERNANDES (1975), tanto o projeto
econômico como o projeto social de “Nação” correspondiam à interesses particulares
que eram absorvidos no aparelho estatal como interesses nacionais. Em suma, o
projeto urbano modernizador das grandes capitais foi um projeto arquitetado para
atender às demandas das elites, que se viam como os únicos correspondentes à
sociedade civil.
“Quando a burguesia assume o controle do Estado, intervém através deste no
desenvolvimento das cidades, ordenando-o conforme suas necessidades e interesses.
Surge o conceito de civilidade e de modernização urbana, e a questão sanitária
contribui em muito para tais discussões, uma vez que pobreza se associa a
insalubridade” Rocha Porto, Oswaldo, A Era das demolições, Cidade do Rio de
Janeiro:1870-1920. Prefeitura do Rio de Janeiro, 1986 p.26.

Outros problemas marcavam a trajetória decadente da cidade-capital. Com a Lei de


1888, a introdução do trabalho livre é amplamente disseminada no campo e nas
cidades. As mudanças no modo de relação trabalhista influenciaram a vinda de
imigrantes europeus, buscando nos trópicos melhores condições do que aquelas
existentes nos países europeus. Recebe-se, então, na cidade correntes migratórias
vindas das áreas decadentes de produção cafeeira, buscando oportunidades na nova
sociedade organizada pela relação de trabalho assalariado. O inchaço urbano
provocado pela decadência do regime escravocrata possibilitou acontecimentos
fundamentais. O contingente populacional ex escravo se viu abandonado ao próprio
infortúnio, tendo no histórico curricular anos de trabalho braçal não qualificado.
A inserção do negro na nova sociedade de classes foi incongruente, visto que esses
disputavam cargos com imigrantes europeus (desejáveis nas melhores ocupações
remuneradas). O negro, como observa Fernandes em seu livro “o negro na sociedade de
classes”, foi marginalizado mais uma vez, sendo incapaz de ascender socialmente na
sociedade de classes que se constituía no país. Sem muitas oportunidades de ser
empregado, muitos recorriam aos trabalhos informais como fonte de remuneração e
sobrevivência. Não podendo pagar pelos preços exorbitantes dos aluguéis, habitavam
casas improvisadas, casas de cômodo e cortiços que tomavam o centro do Rio de
Janeiro como reflexo da falta de planejamento urbano das instituições
administrativas e da especulação imobiliária carioca. Não bastante, o super
loteamento da capital federal contribuiu para a precarização das relações de
trabalho. Com mão de obra abundante, o exército de desempregados se tornou um
contingente importante para os detentores do capital, vendo nesses uma massa que se
entregaria aos péssimos salários e à alta exploração.
O negro nesse bojo se viu com poucas oportunidades de ingressar na nova lógica
produtiva. A mão de obra do branco europeu foi a preferida, considerada como uma
mão de obra “civilizada”, o branco estava no centro das melhores oportunidades de
incorporação na nova vida assalariada do trabalho brasileiro. Como observa AZEVEDO,
essa relação entre negros e brancos e sua inserção no mercado de trabalho
assalariado não diz respeito ao grau de qualificação ou superioridade. Os
imigrantes que aqui aportavam, em um momento anterior, foram o exército de
desempregados não incorporados pela indústria europeia, também marginalizados nos
centros industriais. Além de que as exigências de qualificação para os trabalhos
disponíveis no período não exigiam muito. “Nesse sentido, a introdução do trabalho
livre de forma predominante e legalmente admitida, se deu no Brasil com a
preservação de um dos principais pilares da economia escravista: o modo de produção
agrário-exportador. Aos negros, dentro dessa perspectiva, sobrou o papel de serem
peças obsoletas dentro da nova ordem capitalista, sendo gradativamente substituídos
pela “civilizada” mão-de-obra do branco europeu”

“a elite das classes dominantes forçou a parte mais desesperançada e mais


desesperada das classes pobres, aqueles que penetraram no “inferno do pauperismo”,
a modificarem seu comportamento tradicional e a passarem das fileiras do
proletariado para as fileiras do lumpemproletariado; a se transformarem de reservas
do “mundo do trabalho” em reservas do “mundo do crime”; a passarem, em suma, das
“classes laboriosas para as “classes perigosas”. (p. 260)

A reforma realizada pela administração do prefeito Pereira Passos e conjunto ao


então Presidente da República Rodrigues Alves, foi um empreendimento ambicioso que
tinha como funcionalidade a renovação do espaço urbano da capital. Ao fim, segundo
CARVALHO (1998) quase vinte mil pessoas foram desalojadas sem indenização.

2.1 ADVENTO ABOLICIONISTA


“Em 1887 (o último antes da Lei Áurea de 1888) o Ministério da Agricultura, em seu
relatório anual, contabilizou a existência de 723.419 escravos no país. Desse
total, a região Sudeste, produtora de café, abarcava uma população cativa de
482.571 pessoas”
Não podemos descartar a questão da escravidão -a abolição dela- na identificação
dos agentes sociais presentes no rio de janeiro durante a grande reforma Alves-
Passos. O negro liberto do cativeiro, vislumbrou na cidade as oportunidades de
ingresso na nova lógica de trabalho, investindo então nas cidades a sua sorte e
engrossando o caldo populacional. Após a abolição jurídica, assinada em 1888, o
governo não investiu em uma política de inserção dos ex escravos na sociedade,
sendo esses abandonados à própria sorte e responsabilidade, sendo lesados ao se
inserirem em uma nova ordem que tinha a competição como premissa nas relações
sociais e de trabalho. Como define bem, “com abundância de mão de obra imigrante,
os ex cativos acabaram por se constituir em um imenso exército industrial de
reserva, descartável e sem força política alguma na jovem República”.
“A marginalização tem causas histórico-sociais que influenciaram diretamente na
exclusão dos negros e pardos da competição em condições iguais ao do branco na
sociedade de classes”.
Com a abundante presença do negro na sociedade carioca, o número daqueles que não
conseguiam se inserir no mercado de trabalho era alto. O pobre desempregado
representava, para a classe dominante, sintomas perigosos, visto que a
vulnerabilidade social poderia se tornar um rompante revolucionário. A partir desse
momento, o desempregado pobre e morador da periferia era tratado como “classe
perigosa”, aquele que deveria ser reprimido coercitivamente a todo tempo, a fim de
mantê-lo em seu lugar de ocupação social. A polícia do período foi de extrema
importância para manter a ordem vigente, reprimindo violentamente aqueles que
sofriam as mais severas punições e precariedades atribuídas as condições impostas.
A polícia servia para manter vigente a ordem e assegurar os ideais trazidos com a
reforma. Garantir que as classes menos abastadas respeitassem a modernidade que
estava por vir através da força e da repressão. Nesse sentido, a polícia se
mostrava a principal instituição para a garantia da implementação da reforma
Passos-Alves, onde a classe pobre era alvo constante de ataques para a garantia da
vigilância e da ordem pública, sendo esta entendida como ordem enviada “do alto”,
ou seja, pela classe dominante. A polícia servia para repressão dos pobres e
proteção dos ricos.

JORNAL COMO FONTE HISTÓRICA


A utilização do jornal como fonte histórica acompanhou e foi fruto do processo de
reformulação historiográfica. Segundo LUCA (2005), a utilização do jornal em
pesquisas históricas se deu devido ao aprofundamento da disciplina enquanto uma
ferramenta crítica, com maleabilidade para aprofundar, expandir seu horizonte
historiográfico e semear novas formas de construir-se, atrelando conhecimentos de
outras áreas como a sociologia, a antropologia e a linguística semiótica. Indo
contra a forma antiga e estática da historiografia, onde apenas documentos
considerados formais obtinham importância acadêmica, a Escola dos Annales inaugurou
novos tempos para a disciplina, trazendo ao centro das discussões questões que
mudaram a postura dos historiadores no modo de pensar, agir e pesquisar. A chamada
“nova História Cultural” causou um impacto feroz na organização e na estrutura,
apontando novos jeitos e influenciando novas demandas.
De acordo com LUCA (2005), a reformulação do marxismo economicista, junto a
inserção da Nova História Cultural, foi um dos fatores contribuintes para a
reformulação historiográfica e epistemológica da História. Com as novas abordagens
que se afastavam da ortodoxia econômica e consideravam elementos como a cultura,
ocasionou a eclosão de trabalhos que possibilitaram a formulação da “história dos
vencidos” ou a “história vista de baixo” fundados por E. P. THOMPSON e continuados
por outros autores, mudando efetivamente a organização e a produção dos conteúdos
de pesquisa. O novo modelo inaugurado por todas as mudanças efetivas no campo da
disciplina colaborou para a inclusão de novos modelos de pesquisa e,
consequentemente, para a revisão do material a ser utilizado na nova abordagem.
Passaram a ganhar visibilidade na nova história assuntos como cultura, gênero e
sociedade onde ganharam a centralidade de pesquisas e de problemáticas críticas,
passando a serem vias de entendimento da totalidade histórica e mecanismos a serem
destrinchados e entendidos na sua particularidade e na sua totalidade.
Apesar da utilização da imprensa na pesquisa histórica ser fruto de mudanças
estruturais e de arroubos na disciplina, o seu próprio uso passou por mudanças
particulares. Como aponta CAMARGO (1971), as utilizações dos periódicos em
pesquisas remetem muito esforço por parte do pesquisador em não tanger padrões que
confirmem apenas a sua hipótese central. O objeto deve ser utilizado como
ferramenta de análise rígida, contribuindo para as problemáticas da pesquisa, e não
como algo estático que dele será retirado apenas aquilo que é inerente ao interesse
do pesquisador, ocasionando falhas interpretativas e conjunturais. É necessário
analisar minuciosamente e estar atento aos detalhes administrativos do periódico:
Quem escreve? Para quem escreve? Onde escreve? Quando escreve?
Na década de 1970 a imprensa se apresentava com pouca utilização como fonte de
pesquisa e, quando utilizada, manifestava o comportamento característico de análise
crua do seu objeto, como conclui CAMARGO (1971, p.226)
A pouca utilização da imprensa periódica nos trabalhos de história do Brasil parece
confirmar nossas suposições. Alguns, talvez, limitem o seu uso por escrúpulo, já
que encontram, tão em evidência e abundância, as “confirmações” de suas hipóteses –
e com a mesma facilidade, também, argumentos contrários. A maioria, porém, pelo
desconhecimento, pela ausência de repertórios exaustivos, pela dispersão das
coleções. Quando o fazem, tendem a endossar totalmente o que encontram,
aproximando-se de seu objeto de conhecimento sem antes filtrá-lo através de crítica
mais rigorosa.”

O início da utilização da imprensa como fonte histórica na historiografia


brasileira apresentou falhas evidenciadas e denunciadas por Camargo, onde a falta
de aprofundamento e de análise dos pesquisadores comprometia o caráter informativo
e investigativo que um periódico pode apresentar, tornando a pesquisa mais rica e
pertinente.
A partir do século XX, mudanças sociais e culturais colocaram na rota de
preocupação dos historiadores novos modelos de pensar e fabricar a historiografia
brasileira. Mudanças nas grandes capitais, a inauguração da nova forma de governo
republicana, a efervescência no cenário do informativo impresso, a produção
cultural e outros fatores favoreceram a preocupação dos historiadores a estudarem e
se debruçarem nessas mudanças em marcha, descobrindo nos periódicos um excelente
aliado para a análise da sociedade e seus conflitos diários. Como observa LUCA
(2005),
“As transformações conhecidas por algumas capitais brasileiras nas décadas iniciais
do século XX foram, em várias investigações, perscrutadas por intermédio da
imprensa”
E, também, conclui:
A aceleração do tempo e o confronto com os artefatos que compunham a modernidade
(automóveis, bondes, eletricidades, cinemas, casas noturnas, fonógrafos, câmeras
fotográficas), a difusão de novos hábitos, aspirações e valores, as demandas
sociais, políticas e estéticas das diferentes camadas que circulam pelas cidades,
os conflitos e esforços das elites políticas para impor sua visão de mundo e
controlar as “classes perigosas”, a constituição dos espaços públicos e os meandros
que regiam seu usufruto e circulação, as intervenções em nome do sanitarismo e da
higiene, a produção cultural e as renovações estéticas, tudo isso passou a integrar
as preocupações dos historiadores, que não se furtavam de buscar parte das
respostas na imprensa periódica, por cujas páginas formularam-se, discutiram-se e
articularam-se projetos de futuro. PINSKY, Carla Bassanezi (org.). Fontes
históricas. São Paulo: Contexto, 2005, p. 120

As mudanças políticas, econômicas, sociais e culturais do século XX no Brasil


possibilitaram a utilização e o aprimoramento das fontes impressas como um aliado
primário na pesquisa cientifica e historiográfica. Utilizar o jornal como fonte
enriqueceu as pesquisas do período, dando continuidade e aperfeiçoamento ao
procedimento documental investigativo.

É função do historiador observar os fenômenos socioculturais e econômicos como


forma de analisar o homem em seu tempo. Definir as fontes utilizadas para tal
analise também faz parte do processo de preservação da memória de um determinado
tempo histórico. O jornal, por ser um veículo de comunicação de massa, se mostra
importante para a construção desse espaço. Em um periódico podemos encontrar
registros de acontecimentos importantes, bem como tendências de pensamento de uma
determinada classe social e seus conflitos em uma sociedade marcada pela luta de
classes. Com o intuito de examinar mais afundo as relações presentes na sociedade
carioca marcada por significantes mudanças estruturais e modernizadoras, o jornal
se mostrou uma ferramenta importante nesse interim. Nesse trabalho, analisaremos as
publicações do jornal “Gazeta de Notícias” do ano de 1905. A escolha do ano
corresponde a problemática a ser desenvolvida. O ano de 1905 marcou o período final
da reforma Pereira Passos (1902 – 1906), sendo consequência desta a expulsão de
quinze mil habitantes das regiões centrais sem o pagamento de indenização. Através
desse movimento modernizante, percebemos seus reflexos na reorganização do espaço
urbano carioca. Sem ter onde morar, cercados pelo descaso governamental e pela
especulação imobiliária, a classe operaria se viu obrigada a improvisar novos
mecanismos habitacionais, ocupando morros próximos aos centros ou então, aqueles
que possuíam uma melhor condição de trabalho, os subúrbios. Se busca analisar,
dentro do ano de 1905, como o veículo de informação Gazeta de Notícias tratava a
situação do caos habitacional do Rio de Janeiro e o exército de pobres
desempregados que engrossavam a população fluminense. A criminalidade e a violência
coercitiva foram assuntos muito presentes durante esse específico ano, como adiante
concluiremos, todas as políticas governamentais desde a abolição da escravidão
foram decisivas no processo de formação dessas comunidades e das “classes
perigosas” que agora, por convenção burguesa e por subordinação à ordem
capitalista, habitavam zonas periféricas. Marginalizados da civilização e
resistentes à modernização.

3.1 A GAZETA DE NOTICÍAS


Já apresentadas as preocupações acima na utilização do jornal como fonte histórica,
bem como os seus impasses na história brasileira, faremos aqui uma análise do
jornal Gazeta de Notícias a fim de traçar um perfil analítico e crítico da nossa
fonte, comprometendo-nos em estabelecer as diretrizes que administravam o periódico
como também as mentalidades que organizavam a sua estrutura de redação.
Consideramos de extrema importância a análise de um veículo de informação como
forma de traçar um perfil, visto que, como analisa Antônio Gramsci (1979), a
imprensa é o “conjunto do mecanismo editorial periódico que difunde as tendências
ideológicas que operam, contínua e simultaneamente, sobre a população” e, assim
entendendo, compreender o perfil do imprenso é também compreender suas motivações e
mentalidade, como também a sua atuação social.
Lançado no Rio de Janeiro no dia dois de agosto de 1875, com sua sede no centro
urbano do Rio de janeiro, localizada na Rua do Ouvidor número setenta, o jornal
carioca Gazeta de Notícias publicava suas primeiras cópias. Lançado como um jornal
diário, a Gazeta trouxe em sua edição de inauguração, em meio a anúncios,
propagandas e notícias do exterior, um prospecto que dizia seus interesses de
publicação e táticas de venda, como podemos observar abaixo nos fragmentos
retirados da primeira página de sua edição de lançamento em dois de agosto de 1875,
“Além de um romance, a Gazeta de Notícias todos os dias dará um folhetim de
atualidade. Artes, literatura, teatros, modas, acontecimentos notáveis, de tudo a
Gazeta de Notícias se propõe trazer ao corrente os seus leitores”
E:
“A Gazeta de Notícias distribui-se por toda a cidade, vendendo-se avulsos nos
principais quiosques, estações de bondes, barcas, e em todas as estações da estrada
de ferro de D. Pedro II”

Se estabelecendo como um dos três maiores jornais vendidos na cidade do Rio de


Janeiro, revelava esse aspecto por possuir um caráter popular e acessível. Era
vendido ao preço de 40 réis, valor que estava abaixo da média dos outros impressos
comercializados no período, como o seu maior concorrente, o Jornal do Commercio,
vendido ao preço de 100 réis. Além de um preço abaixo da média, sua distribuição
contava com um método ainda não adotado por outros impressos, sendo vendido no
centro urbano por jornaleiros que contribuíam para sua divulgação e distribuição,
em estações de transportes públicos, em livrarias e em quiosques, mais uma vez
apresentando uma postura visionária frente ao cenário onde os demais jornais eram
vendidos através de assinaturas mensais de seus leitores. O jornal Gazeta de
Notícias contou como tática de vendas a distribuição em massa, ocupando os lugares
mais movimentados da sociedade carioca, como estações de bonde, barca e trem. Como
pontua SODRÉ (1999), a Gazeta de Notícias rapidamente assumiu uma posição de
popularidade por ser um jornal “barato e de fácil acesso”.
O jornal Gazeta de Notícias tinha em seu corpo de fundadores os portugueses Manoel
Carneiro e Elísio Mendes e o brasileiro, filho de pais portugueses, Ferreira de
Araújo. Sendo o maior nome do editorial e permanecendo no posto de redator-chefe
até a sua morte em 1900, Ferreira de Araújo tinha a reputação de ser um ferrenho
modificador do meio de comunicação brasileiro, implementando no setor verdadeiras
revoluções estruturais e táticas. Era destacado por suas notas críticas e lúcidas
sobre os acontecimentos políticos nacionais, mesmo com a postura “neutra” adotada
pelo jornal. Nesse tocante, SODRÉ (1999) apresenta uma observação assinalada pelo
jornalista francês Max Leclerc, em sua passagem no Brasil no ano de 1889 com o
objetivo de noticiar as agitações que estavam acontecendo no país e na capital em
torno do movimento de proclamação da República.
(...) A Gazeta de Notícias é muito diferente; sua impassibilidade não consiste em
registrar passivamente os acontecimentos; tem como redator-chefe o dr. Ferreira de
Araújo e nisso está a sua força. O dr. Araújo é um excelente jornalista; julga
homens e coisas com condescendente ironia; escreve com precisão, elegância e
sobriedade raras; coloco-o nessa elite de brasileiros muito cultos, muito
superiores a seus concidadãos. Tem ele temperamento, caráter, espírito elevado,
inteligência aberta. Julgou de pé o Império, declarou-se então republicano por
motivos de ordem nacional; proclamada a República, estabelecida a ditadura,
conservou sua independência de julgamento. Nas questões que debate, sua opinião é
em geral decisiva. Talvez seja o único, em seu jornal e no seu país, a ter uma
ideia justa da verdadeira missão do jornalista, mas, sozinho, não conseguirá levar
a cabo a tarefa. (SODRÉ, 1999, p.252-3).

Os escritos de Leclerc sobre Ferreira Araújo ajuda-nos a ilustrar o cenário de


atuação do Gazeta de Notícias. É importante frisar que o jornal, desde a sua edição
de lançamento, se apresentava para a sociedade carioca como um jornal neutro e
apartidário, que se encarregaria de levar informações aos seus leitores de modo
imparcial. Anunciava que possuía um grande apreço pela literatura e pelas letras,
deixando claro que era um projeto aberto a qualquer tipo de pensamento e
inteligência que possuísse interesse em escrever em suas colunas. Esse pensamento
pode ser arrematado por um trecho retirado do jornal no dia dois de agosto de 1875,
em sua página inaugural:
“Não sendo a Gazeta de Notícias folha de partido, apenas tratará de questões de
interesse geral, aceitando nesse terreno o concurso de todas as inteligências que
quiserem utilizar-se das suas colunas”

A Gazeta, de fato, não apresentava uma postura engajada. Era um jornal que se
mostrava distinto dos demais em termos de conteúdo por uma característica especial,
a relevância que dava aos escritos literários. A Gazeta se tornou o jornal mais
vendido na capital, quer seja pelo seu preço acessível e popular, por sua tática de
venda de exemplares avulsos, mas, também, pela inovação do conteúdo no meio das
notícias e nas colunas destinadas à literatura. Grandes nomes passaram pelo
periódico. Nomes como Machado de Assis, que possuía colunas diárias nas quais
escrevia contos e tiragens, Olavo Bilac, José do Patrocínio, Aluísio Azevedo, entre
outros. Escrever na Gazeta de Notícias era prestígio e sinônimo de bons
vencimentos, o chefe de redação Ferreira Araújo se encarregava de selecionar os
melhores nomes da literatura para compor o time do jornal, uma espécie de troca de
favores, como bem indaga ASPERTI (2005), em sua pesquisa sobre A Gazeta de
Notícias. Ela nos apresenta a seguinte consideração:
Na verdade, podemos chamar essa abertura orquestrada por Ferreira de Araújo de “uma
troca de favores”, pois, ao passo que este consagrava os escritores dando-lhes
colunas fixas ou esporádicas em suas páginas, também consolidava a Gazeta de
Notícias como um jornal que prezava a literatura, o diferencial do moderno
periódico. O apego aos textos literários enobrecia o jornal popular dando-lhe, ao
mesmo tempo, certo status elevado e matéria interessante a ler para a elite
burguesa letrada. Sendo assim, escolhia de modo criterioso aquele que teria o
supremo privilégio de participar do grande jornal do momento. Não era aceito nas
páginas da Gazeta nenhum estreante ou mesmo já tarimbado escritor que não tivesse
excelente fama e currículo invejável.

Apesar da Gazeta de Notícias ser um jornal, relembrando os dizeres de Nelson


Werneck Sodré,” barato e popular”, a sua própria existência dentro das situações
concretas do Brasil e do Rio de Janeiro na data de seu lançamento e atuação nos
mostra a sua natureza e o público para quem a Gazeta se dirigia. É importante
destacar que o Rio de Janeiro do século XIX era um espaço social marcado pela
profunda taxa de analfabetismo, apenas 1,72% da população era letrada como bem
analisa ASPERTI (2005):
A Gazeta de Notícias trazia em seu bojo tudo aquilo que os poucos letrados da
capital federal (aproximadamente 1,72% da população carioca em 1872 era
alfabetizada) desejavam: literatura amena de romances-folhetins, pequenas colunas
de crônicas de variedades e seção de piadas, dentre tantas outras.

A alta taxa de analfabetismo da capital refletia os aspectos de uma sociedade


atrasada e colonial. Os poucos letrados, parcela composta majoritariamente pela
burguesia intelectual, possuía algumas limitações em relação aos interesses de
leitura. Como ASPERTI nos demonstra na citação feita acima, os que liam se
interessavam por assuntos rasos, como uma leitura amena de um romance, uma boa
sessão de comédia, ou então por pequenas crônicas. Nada muito pomposo ou chique,
visto que a cultura brasileira estava em processo de maturação. É nessa
contextualização que a Gazeta ganha destaque, se debruçando cada vez mais na
literatura, conquistou os leitores com suas páginas recheadas de bom humor e
romances semanais. LIMA (2010) argumenta que a atuação da imprensa durante o século
XIX é condizente com as condições existentes na sociedade brasileira. O público do
período era restrito e limitado, se interessando por conteúdos de entretenimento
como romances e crônicas.
(...)se eram poucos os que liam, ela necessariamente se destinava a uma elite
letrada; se, por outro lado, o nível cultural era incipiente, ela precisava se
popularizar, para conquistar a atenção desse público tão precário. Desse modo, o
que a análise da imprensa do fim do Império e início da República revela é o exato
grau de desenvolvimento do país - um desenvolvimento tacanho, uma modernização
ainda atrelada ao passado colonial. LIMA, Mariana. Entre Debates e Picuinhas: A
Gazeta De Notícias e a imprensa brasileira na virada do século XIX. p. 26.
O jornal Gazeta de Notícias era reconhecido pelo seu caráter popular. Seu preço e
conteúdo atraía os mais variados leitores da capital. Porém, em uma sociedade
marcada pela baixa taxa de letramento, seria a Gazeta popular? Sendo pertinente,
mesmo que desafiador, traçarmos um perfil do jornal e de seu público, tentaremos
nesse capítulo entender para quem o Gazeta escrevia.
Evidenciando o seu caráter popular, vendido por um preço acessível em todos os
cantos da cidade, dentro das especificidades existentes na sociedade carioca, a
única classe social capaz de ser absorvida como clientes, por conta das suas
condições de letramento, era a elite intelectual burguesa. Como mostramos acima,
apenas 1,72% da população carioca era letrada, portanto, a única capaz de consumir
o periódico funcionalmente. LIMA (2010), afirma que, por conta do contexto
sociocultural do Brasil, é necessário reforçar que no período de surgimento da
Gazeta todos os veículos de informação existentes eram destinados à uma elite
intelectual, a única capaz de ter acesso ao conteúdo. Ainda endossa que os
periódicos faziam o que podiam para manterem-se no mercado, diversificando seu
conteúdo para servir o pouco contingente letrado existente no Rio de Janeiro.
Ao mesmo tempo que a Gazeta se destacava pela democratização da leitura, vendendo
em espaços onde o carioca circulava e a preços baixos, o contingente de leitores do
impresso conservava-se dentro de uma casta social, a burguesia. LIMA (2010) conclui
que o periódico é fruto de seu tempo, uma sociedade marcada por contradições que
refletem a ambiguidade existente no jornal.
“Assim, elitista e popular a um só tempo, a Gazeta figura como uma curiosa mistura
de modernização e atraso, refletindo a situação do Rio de Janeiro na época.”

A Gazeta de Notícias era reconhecida e entendida por seus contemporâneos como sendo
um jornal neutro (VIDIPÓ, 2016). O próprio periódico trabalhava sua imagem de tal
forma. Porém, será necessário apontarmos o posicionamento tomado pela Gazeta em
momentos importantes de mudanças na estrutura social do país no século XIX,
contribuindo para o mapeamento do perfil do impresso. Em 1888, o país atravessava
um momento crucial: a pressão dos movimentos de libertação dos escravos, culminando
no sancionamento da decisiva lei de treze de maio de 1888, a Lei Aurea. O jornal,
no entanto, não se posicionou nos primeiros anos de tensão das discussões. Como
observa VIDIPÓ (2016), apenas a partir de março de 1888, às vésperas do
pronunciamento real, que a Gazeta apresenta um posicionamento diante aos
acontecimentos.
No entanto, a partir do mês de março inicia-se uma mudança de posição no jornal com
pequenas notas de proprietários de escravos que libertavam seus cativos sem
condições. No dia 9 de março de 1888, o jornal informa a tomada de decisão da
Assembleia Provincial de São Paulo de instituir um imposto sobre a propriedade dos
cativos. O periódico, então, comemora dizendo que a abolição estava posta, pois o
imposto de 400$000 inviabilizava a permanência da posse dos escravizados, ou
melhor, a escravidão na província. VIDIPÓ, George. A Gazeta De Notícias Do Rio De
Janeiro e os momentos decisivos (1888-1889). p. 3.
A comemoração acerca da inviabilidade da manutenção da escravidão contradiz a
neutralidade proposta pelo jornal. Segundo VIDIPÓ (2016) apud. PESSANHA (2006), a
neutralidade não existia, era mera estratégia de venda dos periódicos com o intuito
de alcançar um maior público. Sendo assim entendido, enquadraremos a Gazeta no
quadro dos jornais não neutros. A sua parcialidade contraditória se intensifica no
ano de 1889, onde o seu posicionamento contrário ao império e a favor da república
passa a tomar contornos. No dia quatorze de julho de 1889, é estampada em sua
primeira página uma gravura em homenagem ao centenário da Revolução Francesa e da
Queda da Bastilha. Mudando o seu esquema de publicações, a gravura abrangia o
público não letrado e gerava impacto naqueles que sabiam ler.
A república voltou a ter ênfase em 14 de julho de 1889, com o centenário da
Revolução Francesa e a Queda da Bastilha. O jornal muda a estratégia da primeira
página, em vez de uma grande manchete, publica uma grande gravura da Bastilha
compondo com um histórico daquele dia de 1789, assinado por Michelet. A gravura era
um inovador recurso técnico que o Gazeta de Notícias havia implantado em novembro
do ano anterior. Com esse recurso o periódico podia atingir um público não letrado
e ser marcante para o letrado. VIDIPÓ, George. A Gazeta De Notícias Do Rio De
Janeiro e os momentos decisivos (1888-1889). p. 8

Os apontamentos apresentados nesse capítulo mostram marcas da sociedade carioca do


século XIX, momento no qual a Gazeta de Notícias inicia a sua carreira na imprensa.
De caráter popular e elitista, neutro e parcial a um só tempo, o periódico se
adaptava conforme as condições para o seu funcionamento implicavam. A sobrevivência
de um jornal no período era uma tarefa árdua, bem apontada por ASPERTI (2005). Os
editoriais serviam ao público o que era de seu interesse, um interesse raso e
limitado em termos culturais, como forma de popularizar-se e manter-se no mercado.
As ambiguidades que acompanhavam a Gazeta e que nós pontuamos, são de suma
importância para compreendermos a fonte utilizada em nossa pesquisa. Concluímos
então que o jornal Gazeta de Notícias era destinado à uma elite intelectual, que
conservava interesses culturais não densos em um primeiro momento. Fez-se
necessário a adaptação do conteúdo como forma de popularizar-se no mercado restrito
e limitado, onde apenas a burguesia intelectual era o seu público, dado as
condições de letramento da capital. Não apresentava engajamento político, porém,
mesmo que intitulando-se um periódico neutro, assumia posições parciais em momentos
decisivos.

3.2 A GAZETA E A VIRADA DO SÉCULO XIX PARA O XX


A virada do século trouxe para o Rio de Janeiro o anúncio de tempos modernos. A
partir do ano de 1902, o então prefeito Pereira Passos botou em marcha uma série de
mudanças na estrutura da capital. A reforma empreendida pelo prefeito tinha como
objetivo a modernização da capital inspirada nas cidades europeias, ao exemplo de
Paris. Como trabalhamos no primeiro capítulo, a reforma foi crucial na recriação do
espaço urbano carioca, tendo a burguesia assumido o controle, utilizava-se do
aparelho de estado para garantir seus privilégios e desejos, expulsando do centro
urbano aqueles que não eram compatíveis com a modernização proposta pelo governo
Passos. Não só a arquitetura da cidade ganhava uma nova formatação, a vida na
capital respirava “ares modernos” onde a burguesia estava empenhada em superar o
seu passado colonial. A república e as reformas trazidas por ela, refletiram também
na organização da imprensa, influenciando o meio sob a égide do discurso
modernista. O Rio de Janeiro se modernizava, a imprensa também. De acordo com
ASPERTI (2005), as mudanças organizadas por Pereira Passos aconteceram
concomitantemente à modernização da imprensa carioca.
É importante entendermos que a Gazeta surge em um Brasil imperial, no ano de 1875,
onde o trono controlava as ideias que circulavam nas cidades. Veículos de
informação que sustentavam uma opinião contrária ao governo vigente eram
perseguidas e sofriam embargos burocráticos que implicavam no seu funcionamento. Ao
contrário, aquelas que sustentavam posições favoráveis ao governo, mantinham o seu
funcionamento e contavam com um importante aliado, tanto financeiro quanto
ideológico. Segundo SODRÉ (1999), os meios de comunicação social brasileiros têm em
sua história marcas de uma profunda disputa ideológica e de uma repressão à
liberdade de expressão. Sodré mostra em seu trabalho a presença marcante da relação
entre estado e imprensa numa dialética infindável na construção de ambos no seio
brasileiro. Ele analisa a interdependência desses dois setores, principalmente da
imprensa em relação as verbas cedidas pelo poder público como forma de manutenção e
mantimento. Porém, essa relação compromete um dos princípios básicos da existência
da imprensa: denunciar e fiscalizar o poder público. Visto que essa se torna
totalmente dependente do capital público para seu amplo funcionamento, muitas vezes
se atrela ao governo vigente, defendendo-o e servindo de base de apoio na
veiculação da imagem positiva dessa administração, perdendo o seu caráter
investigativo e denunciativo.
PESSANHA (2006), em sua tese de doutorado evidencia as diferenças nos receituários
dos dois jornais. O Paiz, periódico abertamente conservador e que apoiava o regime
monárquico, portanto aliado ao governo vigente. E a Gazeta, jornal isento de
engajamento político, porém, com ideários liberais que em situação de adversidade,
sustentaram um posicionamento contrário a corte.
Como vimos no capítulo acima, nem sempre o Gazeta se mostrou neutro e imparcial na
forma que apresentava o seu conteúdo, mesmo rotulando a si mesmo um jornal que
defendesse essa posição. Na importante passagem de um regime monárquico para o
republicano, mostrou-se favorável ao segundo, atrelando-se ao incipiente governo.
Mesmo com a modernização trazida à imprensa no começo do século XX, influenciada
pela passagem do modelo político, a Gazeta passou por dificuldades que
influenciaram a mudança tática de seu conteúdo. Após a morte do redator-chefe, José
Ferreira Araújo no ano de 1900, o periódico passa por uma fase de declínio.
Considerado a mente e alma do jornal, fez-se necessário mudanças que pudessem
sustentar a sobrevivência da Gazeta após a considerável perda.

AS “CLASSES PERIGOSAS” NO JORNAL A GAZETA DE NOTÍCIAS NO ANO DE 1902


O jornal Gazeta de Notícias era reconhecido pelo seu caráter popular. Seu preço e
conteúdo atraía os mais variados leitores da capital. Porém, em uma sociedade
marcada pela baixa taxa de letramento, seria a Gazeta popular? Sendo pertinente,
mesmo que desafiador, traçarmos um perfil do jornal e de seu público, tentaremos
nesse capítulo entender para quem o Gazeta escrevia.
Evidenciando o seu caráter popular, vendido por um preço acessível em todos os
cantos da cidade, dentro das especificidades existentes na sociedade carioca, a
única classe social capaz de ser absorvida como clientes, por conta das suas
condições de letramento, era a elite intelectual burguesa. Como mostramos acima,
apenas 1,72% da população carioca era letrada, portanto, a única capaz de consumir
o periódico funcionalmente. LIMA (2010), afirma que, por conta do contexto
sociocultural do Brasil, é necessário reforçar que no período de surgimento da
Gazeta todos os veículos de informação existentes eram destinados à uma elite
intelectual, a única capaz de ter acesso ao conteúdo. Ainda endossa que os
periódicos faziam o que podiam para manterem-se no mercado, diversificando seu
conteúdo para servir o pouco contingente letrado existente no Rio de Janeiro.
Ao mesmo tempo que a Gazeta se destacava pela democratização da leitura, vendendo
em espaços onde o carioca circulava e a preços baixos, o contingente de leitores do
impresso conservava-se dentro de uma casta social, a burguesia. LIMA (2010) conclui
que o periódico é fruto de seu tempo, uma sociedade marcada por contradições que
refletem a ambiguidade existente no jornal.
“Assim, elitista e popular a um só tempo, a Gazeta figura como uma curiosa mistura
de modernização e atraso, refletindo a situação do Rio de Janeiro na época.”

A Gazeta de Notícias era reconhecida e entendida por seus contemporâneos como sendo
um jornal neutro (VIDIPÓ, 2016). O próprio periódico trabalhava sua imagem de tal
forma. Porém, será necessário apontarmos o posicionamento tomado pela Gazeta em
momentos importantes de mudanças na estrutura social do país no século XIX,
contribuindo para o mapeamento do perfil do impresso. Em 1888, o país atravessava
um momento crucial: a pressão dos movimentos de libertação dos escravos, culminando
no sancionamento da decisiva lei de treze de maio de 1888, a Lei Aurea. O jornal,
no entanto, não se posicionou nos primeiros anos de tensão das discussões. Como
observa VIDIPÓ (2016), apenas a partir de março de 1888, às vésperas do
pronunciamento real, que a Gazeta apresenta um posicionamento diante aos
acontecimentos.
No entanto, a partir do mês de março inicia-se uma mudança de posição no jornal com
pequenas notas de proprietários de escravos que libertavam seus cativos sem
condições. No dia 9 de março de 1888, o jornal informa a tomada de decisão da
Assembleia Provincial de São Paulo de instituir um imposto sobre a propriedade dos
cativos. O periódico, então, comemora dizendo que a abolição estava posta, pois o
imposto de 400$000 inviabilizava a permanência da posse dos escravizados, ou
melhor, a escravidão na província. VIDIPÓ, George. A Gazeta De Notícias Do Rio De
Janeiro e os momentos decisivos (1888-1889). p. 3.
A comemoração acerca da inviabilidade da manutenção da escravidão contradiz a
neutralidade proposta pelo jornal. Segundo VIDIPÓ (2016) apud. PESSANHA (2006), a
neutralidade não existia, era mera estratégia de venda dos periódicos com o intuito
de alcançar um maior público. Sendo assim entendido, enquadraremos a Gazeta no
quadro dos jornais não neutros. A sua parcialidade contraditória se intensifica no
ano de 1889, onde o seu posicionamento contrário ao império e a favor da república
passa a tomar contornos. No dia quatorze de julho de 1889, é estampada em sua
primeira página uma gravura em homenagem ao centenário da Revolução Francesa e da
Queda da Bastilha. Mudando o seu esquema de publicações, a gravura abrangia o
público não letrado e gerava impacto naqueles que sabiam ler.

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