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Para próxima Aula – 06/11/2019

A cidade” de Chico Science transmite a inquietação da sociedade sobre o cotidiano, traz consigo
a exclusão social evidente no Brasil, porque uma leitura das questões sociais retratando que a
cidade é o centro, e que o objetivo principal dela é apenas o lucro do poder e da ambição (a
cidade como mercadoria). Com uma letra produzida por pessoas que fizeram parte da realidade
da época, marcada pelo descaso e abandono, a letra da música faz uma crítica social, através do
protesto. A canção é incisiva ao dizer “o de cima sobe e o de baixo desce” pelo cenário marcado
pela desigualdade:

O Sol nasce e ilumina as pedras evoluídas/ Que cresceram com a força de pedreiros suicidas/
Cavaleiros circulam vigiando as pessoas/ Não importa se são ruins/ Nem importa se são boas/ E
a cidade se apresenta centro das ambições/Para mendigos ou ricos e outras armações/ Coletivos,
automóveis, motos e metrôs/ Trabalhadores, patrões, policiais, camelôs/ A cidade não pára, a
cidade só cresce/ O de cima sobe e o debaixo desce/ A cidade se encontra prostituída/ Por
aqueles que a usaram em busca de saída/ Ilusora de pessoas e outros lugares/ A cidade e sua
fama vai além dos mares/ No meio da esperteza internacional/ A cidade até que não está tão
mal/ E a situação sempre mais ou menos/ Sempre uns com mais e outros com menos/ A cidade
não pára, a cidade só cresce/ O de cima sobe e o debaixo desce/ Eu vou fazer uma embolada,
um samba, um maracatu/ Tudo bem envenenado, bom pra mim e bom pra tu/ Pra gente sair da
lama e enfrentar os urubus / Num dia de Sol, Recife acordou/ Com a mesma do dia fedentina
anterior.

“A divisão entre poucos que muito têm e muitos que nada possuem projeta uma sociedade
injusta e sem igualdade” (PINTO, 2012, p. 63). Uma sociedade justa não depende somente do
texto abstrato da lei. A desigualdade é uma marca no Brasil, denunciada em diversas canções
brasileiras, em que o egoísmo prevalece, a preocupação dos indivíduos é apenas com os
próprios interesses. É urgente a busca da igualdade. De acordo com (PINTO, 2012, p. 66), a
música tem em comum com o direito a perspectiva de ambos se tornarem obra de arte. Cabe ao
Estado minimizar as desigualdades. Se não houver um estímulo para se cultivar a justiça, o
egoísmo prevalecerá. O bem comum jamais será alcançado se as ações estatais não
considerarem aquilo que representa o melhor para os indivíduos em uma sociedade. As
manifestações através da música são originárias de uma relação de pertencimento em um espaço
democrático, no qual as diferenças são colocadas de lado, e é possível enxergar o próximo,
sendo todos respeitados como iguais.

BAUMAN (2010) indica que é possível analisar o Direito a partir de novos pontos de vista, pois
o conservadorismo tende a apresentar um grande atraso em relação às mudanças. Inovadores
pontos de vista nos permitem encontrar algo além do que os nossos olhos veem, a partir de
compreensão, reorganização e sensações. Nossa cognição progride nosso conhecimento. Leva-
se tempo para a substituição do quadro cognitivo. Seguindo a ideia de CERQUEIRA (2003),
lidando com a estética e os aspectos analógicos das obras, veremos como as duas interagem,
uma remetendo à outra, através da realidade social e histórica da exclusão social no Brasil.
“Cada tentativa de entender um texto é uma etapa diferente em direção à ideal, embora
irrealizável, interpretação final” (CERQUEIRA, 2003, p. 13), pois a interpretação está sempre
em andamento.
É possível colocar a problemática social da exclusão através de uma capacidade criativa para a
compreensão do mundo em que vivemos e criar um diálogo entre a realidade e a interpretação,
pois “o artista, ainda que não seja sociólogo, não cria o seu trabalho no vazio” (CERQUEIRA,
2003, p. 21). Busca-se, assim, por meio da analogia e metáfora, participação do
espectador/receptor, e da experiência espacial, uma proposta de recriação da cidade, ativada
pela arte e sua força de invenção (PRADO, 2013).

3. A cidade não para, a cidade só cresce

A exclusão social é uma marca inquestionável no Brasil. O precário acesso ao mercado de


trabalho, a baixa escolaridade, juntamente com a pobreza, produz uma sociedade profundamente
desigual e com baixo dinamismo econômico. Com a consolidação do capitalismo, a expansão da
exclusão social ocorre de forma rápida, provocando uma significativa desigualdade social. Nos
grandes centros urbanos, onde as favelas só têm aumentado, o acesso à educação e aos serviços
de saúde é mais restrito, o índice de desemprego é maior e a renda dos moradores é baixa. Por
outro lado, existem diversos bairros de luxo, onde predominam os condomínios fechados, com
saneamento básico eficiente, sistemas educacionais privados, excelentes atendimentos de saúde,
mais e melhores oportunidades de emprego.

Com o crescimento acelerado do processo de urbanização no Brasil, o sistema urbano não foi
capaz de garantir melhores condições sociais para todos, com espaços urbanos marcados por
fortes contradições de caráter social, econômico e demográfico, gerando efeitos de
desigualdades e exclusão (CORRÊA, RODRIGUES, RIBEIRO, 2009). Os grupos socialmente
excluídos são privados de praticar seus direitos básicos como cidadãos. A divisão social do
espaço urbano diminui as chances de o indivíduo alcançar melhores posições, produzindo
diversos efeitos. “Podemos dizer que se trata do Direito fora do lugar porque, pretensamente, a
lei se refere a todos os indivíduos, de acordo com os princípios do positivismo” (CARVALHO,
RODRIGUES, 2013, p. 2).

O desequilíbrio que se reproduz cada vez mais nas cidades brasileiras contribui para a formação
de cidades desiguais e injustas. Para a grande maioria da população, restam terras que a
legislação urbanística veta para a construção ou espaços precários de periferia. “As prestações
socioespaciais de serviços públicos quanto à distribuição de equipamentos de consumo coletivo
são extremamente desiguais” (CARVALHO, RODRIGUES, 2013, p. 2). A instabilidade na vida
social leva à segregação residencial como uma marca no padrão de organização social dos
grandes espaços urbanos brasileiros (CORRÊA, RODRIGUES, RIBEIRO, 2009).

A cidade real, ao definir, através da lei, formas permitidas e proibidas da produção do espaço,
tem como consequência uma posição de cidadania limitada (ROLNIK, 1999). Os espaços
populares não regulados ou em desacordo com a lei definem uma fronteira, fundamentando a
geografia social da cidade– “para dentro, o comércio, as fábricas não incômodas e a moradia de
elite; para fora a habitação popular e tudo que cheira mal, polui e contamina” (ROLNIK, 1999,
p. 4). “O urbanismo brasileiro não tem comprometimento com a realidade concreta, mas com
uma ordem que diz respeito a uma parte da cidade apenas” (MARICATO, 2002, p.122). A
sociedade cada vez mais reproduz desigualdades e privilégios. A segregação territorial dificulta
as relações democráticas e igualitárias.

A perversa política de tolerância com as formas de uso do solo desencadeou as ocupações


ilegais das favelas e loteamentos irregulares, além do Estado omitir o seu papel de planejador de
crescimento urbano (RIBEIRO, JUNIOR, 2012). A exclusão social é assustadora nas cidades do
Brasil, e muitas não integram as distintas classes, existindo uma necessidade urgente em
atualizar a questão urbana brasileira, pois a atual expansão não visa uma sociedade democrática,
justa e sustentável. É necessário atualizar o direito à cidade materializada em um novo projeto
de cidades e de organização da vida social através de práticas e políticas sócio-territoriais. Uma
reforma urbana que seja idealizada no direito à cidade deve ser baseada na negação da
segregação social, com padrões de sociabilidade e solidariedade na representação dos interesses
coletivos (RIBEIRO, JUNIOR, 2012).

RAMOS (2012) indica que habitação, trabalho, infraestrutura urbana, lazer, cultura, etc. são
condições favoráveis de integração à cidade como um todo, a qual deve ser dotada de formas e
alternativas de acessibilidade e mobilidade sustentáveis, com sistemas inteligentes de
transportes, com tarifas socialmente justas, contribuindo para a inclusão social, qualidade de
vida e participação comunitária.

A falta de urbanidade, a precariedade dos serviços públicos de educação, saúde e transporte,


representam a condição urbana em que vive a população brasileira. Para que se tenham boas
condições de vida depende-se frequentemente de políticas públicas urbanas – transporte,
moradia, educação, saneamento, lazer, segurança (MARICATO, 2013). A cidade não deve ser
apenas a organização funcional do espaço, ela é mais que isso, é o espaço de condição para uma
vida digna (IASI, 2013).

As favelas são crescentes agrupamentos de excluídos, ricos em suas misérias. São grupos
socialmente invisíveis, vivendo em habitações precárias, formando um cenário de uma cidade
dentro das cidades, vivendo em uma ordem e uma dinâmica própria, pois não há Estado dentro
da favela, é uma conjugação urbana, procedida ao relento do Poder público, é uma comunidade
de excluídos. A irregularidade de sua constituição é caracterizada pela escassez de aparelhos
urbanísticos fundamentais. É papel do Estado efetivar essa igualdade, é necessário que se subam
aos morros e eliminem os “muros e cercas”, pois as dificuldades se multiplicam com o tempo
nos subúrbios favelizados, no intramuros de uma sociedade dividida (ARONNE, 2012).

A maioria da população brasileira vive em favelas ou assentamentos precários, carentes em


diversas dimensões, mas, sobretudo na questão habitacional, o que causa uma exclusão que
reflete em diversas dimensões da vida, promovendo de maneira perversa a degradação da
qualidade de vida desses excluídos, marcados pela precariedade. “A invasão de terras urbanas
no Brasil é realidade ignorada, é parte intrínseca do processo de urbanização. Ela é estrutural e
institucionalizada pelo mercado imobiliário excludente e pela ausência de políticas públicas”
(CARVALHO, RODRIGUES, 2013, p. 4).

As cidades têm seus objetivos. São as formas mais antigas de aglomeração espacial e
manifestação de culturas. A luta pelo espaço contrapõe o direito à cidade. “É na cidade que
encontramos e de onde extraímos matéria poética para a construção de obras que visam, entre
outras coisas, ressignificar os espaços urbanos com proposições poéticas e/ou de cunho político”
(PORO, 2013, p. 79). Os espaços transformam e educam, fazem parte do que somos e todos têm
direito à experiência da cidade.

A Cidade é um palco vivo. A arte é a extensão criativa que existe nos citadinos, uma forma de
comunicação forte que conecta através do cognitivo das pessoas de forma sensível. A cidade é
capaz de nos ensinar através da coletividade, com conexões e experiências, atingindo o que
sentimos e nos transformando. Vivenciar os espaços, através dos sentidos, e com um olhar
crítico, é pensar sobre o que acontece ao nosso redor, é “ocupar de modo poético e inventivo o
imaginário urbano” (PORO, 2013, p. 87), construindo diferentes possibilidades de pensar e agir.
Analisar o que acontece ao nosso redor criticamente de forma poética é possível com o uso da
arte no cotidiano.

“O reconhecimento mais coletivo do papel central da cidade nos panoramas culturais e


civilizacionais evoca a instauração de pautas de valores e de princípios para ela” (SEIXAS,
2013). “É na cidade que se desenvolvem novos processos e ritmos de interação, de criação, de
inovação, novos modelos de relacionamento e de desenvolvimento humano” (SEIXAS, 2013, p.
15). Por exemplo, com a elaboração dos Planos Diretores Urbanos existiram novas
possibilidades, desafio que envolve reconstruir nossas cidades segundo os valores da igualdade,
da democracia e da justiça social (CARDOSO, 2012).

De acordo com FERNANDES (2013, p. 2015), O Estatuto das Cidades (Lei nº 10.257/2001):

Firmemente substituiu a noção– dominante na ordem jurídica – de propriedade privada


individual sem maiores qualificações pela noção das “funções sociais da propriedade e da
cidade”, de forma a dar suporte às políticas públicas de inclusão sócio-espacial e às estratégias
de democratização do acesso ao solo urbano e à moradia nas cidades.

O Estatuto das Cidades ao criar diversos processos sociopolíticos e mecanismos jurídicos


propôs um sistema urbano democratizado, reconhecendo os direitos coletivos. É um marco
jurídico inovador para o processo de uso, ocupação, desenvolvimento, conservação, construção
e regularização do solo. Desde a aprovação desta lei federal as cidades do Brasil têm passado
por mudanças profundas. O déficit habitacional continua enorme, porém, “diretamente
comprometida com a agenda sociopolítica da reforma urbana – e etapa crucial na construção
nacional e internacional do tão clamado direito à cidade –, a ordem jurídica brasileira já mudou
significativa e estruturalmente” (FERNANDES, 2013, p. 220).

O direito à cidade conecta com as mais variadas dimensões, sobretudo a multicultural, a partir
da criatividade e inovação da população para o seu desenvolvimento, renovando o sentimento
de pertença de todos. É nesta ordem que, através da música, se exprime vontade, possibilidades,
realidade, conexão com o meio, etc. As leis não são suficientes para que se mude o quadro de
exclusão que vivenciamos no Brasil atual. É necessário uma maior sensibilidade do governo,
operadores do direito e sociedade. Por isso o papel da música numa dada sociedade é capaz de
expor sentimentos, muitas vezes não reconhecidos, e “atingir” o próximo de modo que se reflita
sobre o meio em que vivemos.

Direito e sociedade se completam. A sociedade se aproxima do direito sob diversas formas, pois
a sociedade é politicamente, culturalmente e sociologicamente ampla. Nesse contexto, unificam-
se teorias à estética, como afirma FILHO (2012, p. 90) analisar a música, adotando o Direito
aplicável de forma mais simples e acessível a uma população que necessita conhecer esse
Direito, é, além de tudo quanto se possa imaginar, verdadeira lição de ensino do direito.

Uma sociedade bem informada rompe barreiras. “A expressão do pensamento é valorizada e


passamos a criar nossos próprios sistemas de divulgação da informação” (FILHO, 2012, p. 95).
A compreensão do Direito através da música, do cinema, da literatura, enfim, a partir de uma
visão transdisciplinar, unifica os pensamentos e ideias de uma sociedade (FILHO, 2012),
propondo maior acesso ao mundo jurídico.

4. A cidade se encontra prostituída: o Manguebeat e o Caos Urbano

As comunicações proporcionam uma integração e amplia ideias de todos numa sociedade. A


participação da sociedade produz diversos efeitos nas discussões jurídicas. A linguagem
informal da música aproxima as pessoas. A arte é a representação da vida através das
manifestações humanas. “Podemos, a partir da música, aproximar essa arte daquele que vê a
arte, mas não consegue senti-la” (FILHO, 2012, p. 98). A música aproxima identidades
diferentes, e é uma forma de reconhecimento da norma.

O Manguebeat (Manguebit ou Mangue Beat) surgiu num contexto marcado pela “ofensiva
econômica neoliberal que deixou de lado as demandas sociais e abriu assim espaço para um
„caldo‟ sociopolítico propício ao surgimento de movimentos de rebeldia e contestação”
(CARVALHO, GAMEIRO, 2008, p. 3). Mistura ritmos regionais nordestinos com funk, rock,
hip hop e música eletrônica. O movimento tem como ícone o músico Chico Science e a Banda
Nação Zumbi. Utiliza-se o caranguejo como metáfora do homem que se agarra na lama para
sobreviver. A estética do mangue incorporou elementos urbanos e as letras de música desse
movimento abordam o abandono econômico e social na cidade de Recife.

A ambição, o caos e o consumo capitalista presentes na letra retratam a desigualdade acentuada


vivida na época, mas também atual para os dias de hoje. “A cidade se encontra prostituída/ Por
aqueles que a usaram em busca de saída/ Ilusora de pessoas e outros lugares/ A cidade e sua
fama vai além dos mares/ No meio da esperteza internacional/ A cidade até que não está tão
mal”. Diante das crises recorrentes que afetam a realidade urbana desde a implantação do
projeto neoliberal, a cidade se vê obrigada a lançar-se em um mercado internacional
extremamente competitivo, onde municípios de todo o mundo lutam entre si pela atração de
turistas e investimentos privados que flutuam em busca de melhores oportunidades. O resultado
disso é o agravamento da exclusão social e a precarização dos bens de consumo coletivo
capazes de proporcionar qualidade de vida aos habitantes.

O Manguebeat, através não só das letras, mas de um movimento, é capaz de exaltar através da
arte, problemas culturais sociais e econômicos. O movimento expandiu a consciência da
população pernambucana e de todo o Brasil. As expressões musicais desse movimento buscam
entender o lugar que se vive e o mundo social. Na cidade existem ricos e pobres, porém todos
com a necessidade de viver bem. A cidade é a luta pela sobrevivência e as relações de poder
dominam a sociedade. Esse movimento “articulou manifestações tradicionais e modernas,
contribuiu para despertar a participação política e questionou o modo de construção das
políticas públicas” (CARVALHO, GAMEIRO, 2008, p. 3). As práticas coletivas de forma
autônoma são importantes para que todas as pessoas possam compreender a dinâmica de uma
cidade, caracterizando a luta, através de novos objetivos. As redes mais informais garantem a
conexão com a maioria da população.

O Manguebeat foi se instalando nas periferias das cidades, e partir daí foi penetrando nos meios
de comunicação, ganhando um espaço cada vez maior. Aproximou-se da arte do povo da
periferia, conectando problemas globais, fez ecoar no público urbano o interesse pelos temas
que afligiam essa parcela da população com a qual se identificava. Valorizou a cultura a partir
uma nova estética, para além dos instituídos desde sempre pelas elites. (CARVALHO,
GAMEIRO, 2008). A juventude da periferia passou a ser representada no cenário musical
nacional. E, mesmo sem apoio do Estado, teve grande influência na dinâmica cultural para as
favelas.

“Às letras das músicas, repletas de figuras de linguagem associadas à metáfora do Mangue e
usadas para fazer críticas sociais contundentes, o movimento adicionou a discussão sobre
cidadania e identidade cultural, usando metaforicamente a lama do mangue para tratar da
exclusão social” (CARVALHO, GAMEIRO, 2008, p. 8). Refletia sobre a necessidade urgente
de reforma para democratizar as políticas públicas culturais, havendo o reconhecimento em
diversas esferas sociais. Atribuiu-se um sentido na comunicação enfatizando a transformação
social.

“E a situação sempre mais ou menos/ Sempre uns com mais e outros com menos”. Nas
principais cidades brasileiras, áreas centrais modernas são cercadas por parcelamentos
periféricos muito pobres, geralmente irregulares – os “clandestinos” – onde a autoconstrução é a
regra. Mesmo nas áreas mais ricas, edifícios e construções sofisticados coexistem com milhares
de favelas precárias que resultam da invasão de áreas públicas e privadas. Um grande número de
lotes de propriedade privada – estimado em 40% em algumas cidades – é mantido vazio para
especulação, uma vez urbanizado à custa da ação do Estado (FERNANDES Apud
CARVALHO, RODRIGUES, 2013).

Neste sentido, a prestação social de serviços públicos quanto à distribuição de equipamentos de


consumo coletivo são extremamente desiguais, com as áreas mais pobres apresentando um
déficit de sistemas de drenagem e saneamento, equipamentos de saúde e educação, áreas de
lazer e espaços verdes. (FERNANDES Apud CARVALHO, RODRIGUES, 2013).

Os movimentos sociais avançam na luta por uma sociedade democrática. “A política de


desenvolvimento urbano que não tiver como prioridade atender às necessidades essenciais da
população pobre das cidades estará em pleno conflito com as normas constitucionais
norteadoras dessa política, com o sistema internacional de proteção dos direitos humanos”
(CARVALHO, RODRIGUES, 2013). Visto isso, “a partir do momento em que a revolução do
pensamento se formar – e já está se formando –, teremos um Direito mais próximo, mais
tecnológico e menos burocrata” (FILHO, 2012, p.99).

5. Últimas notas: ouvir mais, falar menos e executar

Através da arte, o homem exterioriza-se e representa-se. As reflexões sempre se renovam,


impedindo o fim da obra, a qual torna-se sempre questionada, analisada e interpretada. A
música tem capacidade de nos conduzir a uma realidade e retratar a exclusão social, vista como
um processo histórico, que gera forte impacto na desigualdade social. É possível a compreensão
de direitos através da arte, pois se revelam aspectos da realidade do ser humano.

Com a expansão do espaço democrático, a prestação social dos serviços públicos deveria ser
uma garantia para toda a população. Por exemplo, as moradias precárias são reflexos de uma
segregação que cresce cada vez mais, definindo fronteiras significativas de exclusão social. O
Estado, sem planejar o crescimento urbano, não visa uma sociedade democrática. Os grupos
socialmente invisíveis vivem ao relento do poder público. A questão habitacional reflete a
precariedade em que os grupos excluídos vivem. Vivemos uma realidade ignorada pelo Estado,
pois temos Planos Diretores Urbanos eficientes, em que o direito coletivo é reconhecido e se
propõe um sistema urbano democratizado, mas, no cenário de política atual, com os indivíduos
pensando cada vez mais nos seus próprios interesses, garantem a cidadania apenas para alguns.
O direito à cidade renova o sentimento da democracia no espaço urbano. Pertencer a um
território fora da lei é como não ter cidadania.

Utilizar a arte como uma análise da sociedade, é estudar o direito de uma forma poética. Das
infinitas possibilidades de conexão das pessoas, a música contribui de maneira informal para
comunicação. Ligam-se os problemas da cidade às letras de músicas, aproximando-se a
sociedade da cultura e do Direito, unificando os pensamentos. O movimento Manguebeat
ampliou ideias sociais e culturais e, até os dias de hoje, tem sido um marco na revolução de
pensamentos, contribuindo para uma reflexão maior da função social das cidades, da exclusão
social, da desigualdade, do descaso político e da ambição dos que estão no poder.

Notas e Referências:

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