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Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores Quem sabe faz a hora

Não espera acontecer

Geraldo Vandré Nas escolas, nas ruas


Campos, construções
Somos todos soldados
Armados ou não
Caminhando e cantando Caminhando e cantando
E seguindo a canção E seguindo a canção
Somos todos iguais Somos todos iguais
Braços dados ou não Braços dados ou não
Nas escolas, nas ruas
Campos, construções Os amores na mente
Caminhando e cantando As flores no chão
E seguindo a canção A certeza na frente
A história na mão
Vem, vamos embora Caminhando e cantando
Que esperar não é saber E seguindo a canção
Quem sabe faz a hora Aprendendo e ensinando
Não espera acontecer Uma nova lição
Vem, vamos embora Vem, vamos embora
Que esperar não é saber Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer Não espera acontecer
Pelos campos há fome Vem, vamos embora
Em grandes plantações Que esperar não é saber
Pelas ruas marchando Quem sabe faz a hora
Indecisos cordões Não espera acontecer
Ainda fazem da flor
Seu mais forte refrão Geraldo Vandré, 1968.
E acreditam nas flores

Apesar de Você
Vencendo o canhão

Vem, vamos embora


Que esperar não é saber Chico Buarque
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer

Vem, vamos embora Hoje você é quem manda


Que esperar não é saber Falou, tá falado
Quem sabe faz a hora Não tem discussão, não
Não espera acontecer A minha gente hoje anda
Falando de lado
Há soldados armados E olhando pro chão, viu
Amados ou não
Quase todos perdidos Você que inventou esse estado
De armas na mão E inventou de inventar
Nos quartéis lhes ensinam Toda a escuridão
Uma antiga lição Você que inventou o pecado
De morrer pela pátria Esqueceu-se de inventar
E viver sem razão O perdão

Vem, vamos embora Apesar de você


Que esperar não é saber Amanhã há de ser
Quem sabe faz a hora Outro dia
Não espera acontecer Eu pergunto a você
Onde vai se esconder
Vem, vamos embora Da enorme euforia
Que esperar não é saber Como vai proibir
Quando o galo insistir
Em cantar Um homem na estrada recomeça sua vida
Água nova brotando Sua finalidade: A sua liberdade
E a gente se amando Que foi perdida, subtraída
Sem parar E quer provar a si mesmo que realmente mudou
Que se recuperou e quer viver em paz
Quando chegar o momento Não olhar para trás, dizer ao crime: Nunca mais!
Esse meu sofrimento Pois sua infância não foi um mar de rosas, não
Vou cobrar com juros, juro Na FEBEM, lembranças dolorosas, então
Todo esse amor reprimido Sim, ganhar dinheiro, ficar rico, enfim
Esse grito contido Muitos morreram sim, sonhando alto assim
Este samba no escuro Me digam quem é feliz, quem não se desespera
Vendo nascer seu filho no berço da miséria
Você que inventou a tristeza Um lugar onde só tinham como atração
Ora, tenha a fineza O bar e o candomblé pra se tomar a bênção
De desinventar Esse é o palco da história que por mim será
Você vai pagar e é dobrado contada
Cada lágrima rolada Um homem na estrada
Nesse meu penar
Equilibrado num barranco, um cômodo mal
Apesar de você acabado e sujo
Amanhã há de ser Porém, seu único lar, seu bem e seu refúgio
Outro dia Um cheiro horrível de esgoto no quintal
Inda pago pra ver Por cima ou por baixo, se chover será fatal
O jardim florescer Um pedaço do inferno, aqui é onde eu estou
Qual você não queria Até o IBGE passou aqui e nunca mais voltou
Você vai se amargar Numerou os barracos, fez uma pá de perguntas
Vendo o dia raiar Logo depois esqueceram, filha da puta!
Sem lhe pedir licença Acharam uma mina morta e estuprada
E eu vou morrer de rir Deviam estar com muita raiva (Mano, quanta
Que esse dia há de vir paulada!)
Antes do que você pensa Estava irreconhecível, o rosto desfigurado
Deu meia noite e o corpo ainda estava lá
Apesar de você Coberto com lençol, ressecado pelo Sol, jogado
Amanhã há de ser O IML estava só dez horas atrasado
Outro dia Sim, ganhar dinheiro, ficar rico, enfim
Você vai ter que ver Quero que meu filho nem se lembre daqui
A manhã renascer Tenha uma vida segura, não quero que ele
E esbanjar poesia cresça
Como vai se explicar Com um oitão na cintura e uma PT na cabeça
Vendo o céu clarear E o resto da madrugada sem dormir, ele pensa
De repente, impunemente O que fazer para sair dessa situação?
Como vai abafar Desempregado então, com má reputação
Nosso coro a cantar Viveu na detenção, ninguém confia não
Na sua frente E a vida desse homem para sempre foi
danificada
Apesar de você
Um homem na estrada
Amanhã há de ser
Outro dia Um homem na estrada
Você vai se dar mal
Etc. E tal Amanhece mais um dia e tudo é exatamente
Lá lá lá lá laiá. igual
Calor insuportável, 28 graus
Chico Buarque, 1970. Faltou água, já é rotina, monotonia
Não tem prazo pra voltar, há! - Já fazem cinco
dias
São dez horas, a rua está agitada
Homem Na Estrada Uma ambulância foi chamada com extrema
urgência
Racionais MC's Loucura, violência, exagerado
Estourou a própria mãe, estava embriagado
Mas bem antes da ressaca ele foi julgado
Arrastado pela rua o pobre do elemento A Justiça Criminal é implacável
Um inevitável linchamento, imaginem só! Tiram sua liberdade, família e moral
Ele ficou bem feio, não tiveram dó Mesmo longe do sistema carcerário
Os ricos fazem campanha contra as drogas Te chamarão para sempre de ex-presidiário
E falam sobre o poder destrutivo dela Não confio na polícia, raça do caralho!!!
Por outro lado promovem e ganham muito Se eles me acham baleado na calçada
dinheiro Chutam minha cara e cospem em mim é
Com o álcool que é vendido na favela Eu sangraria até a morte (já era, um abraço!)
Por isso a minha segurança eu mesmo faço
Empapuçado ele sai, vai dar um rolê
Não acredita no que vê, não daquela maneira É madrugada, parece estar tudo normal
Crianças, gatos, cachorros disputam palmo a Mas esse homem desperta, pressentindo o mal
palmo Muito cachorro latindo ele acorda ouvindo
Seu café da manhã na lateral da feira Barulho de carro e passos no quintal
Molecada sem futuro, eu já consigo ver A vizinhança está calada e insegura
Só vão na escola pra comer, apenas nada mais Premeditando o final que já conhecem bem
Como é que vão aprender sem incentivo de Na madrugada da favela não existem leis
alguém Talvez a lei do silêncio, a lei do cão talvez
Sem orgulho e sem respeito, sem saúde e sem
paz Vão invadir o seu barraco, é a polícia!
Vieram pra arregaçar, cheios de ódio e malícia
Um mano meu tava ganhando um dinheiro Filhos da puta, comedores de carniça!
Tinha comprado um carro, até Rolex tinha! Já deram minha sentença e eu nem tava na treta
Foi fuzilado a queima roupa no colégio Não são poucos e já vieram muito loucos
Abastecendo a playboyzada de farinha Matar na crocodilagem, não vão perder viagem
Ficou famoso, virou notícia Quinze caras lá fora, diversos calibres
Rendeu dinheiro aos jornais, ham!, cartaz à E eu apenas com uma treze tiros automática
policia Sou eu mesmo e eu, meu Deus e o meu orixá
Vinte anos de idade, alcançou os primeiros No primeiro barulho, eu vou atirar
lugares Se eles me pegam, meu filho fica sem ninguém
Superstar do notícias populares! E o que eles querem: Mais um pretinho na
FEBEM
Uma semana depois chegou o crack
Gente rica por trás, diretoria Sim, ganhar dinheiro ficar rico enfim
Aqui, periferia, miséria de sobra A gente sonha a vida inteira e só acorda no fim
Um salário por dia garante a mão-de-obra Minha verdade foi outra, não dá mais tempo pra
A clientela tem grana e compra bem nada
Tudo em casa, costa quente de sócio Bang! Bang! Bang!
A playboyzada muito louca até os ossos
Vender droga por aqui, grande negócio Homem mulato aparentando
Sim, ganhar dinheiro ficar rico enfim Entre vinte e cinco e trinta anos
Quero um futuro melhor, não quero morrer É encontrado morto na estrada do
assim M'Boi Mirim sem número
Num necrotério qualquer, um indigente sem Tudo indica ter sido acerto de contas entre
nome e sem nada quadrilhas rivais
O homem na estrada Segundo a polícia, a vitima tinha vasta ficha
criminal.
Assaltos na redondeza levantaram suspeitas
Logo acusaram a favela para variar Racionais MC’s, álbum Raio X Brasil, 1993.
E o boato que corre é que esse homem está
Com o seu nome lá na lista dos suspeitos,
pregada na parede do bar

A noite chega e o clima estranho no ar


E ele sem desconfiar de nada, vai dormir
tranquilamente
Mas na calada caguetaram seus antecedentes
Como se fosse uma doença incurável
No seu braço a tatuagem, DVC, uma passagem,
157 na lei
No seu lado não tem mais ninguém

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