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Resenha de

“A teatralidade como vetor do ensaio fílmico no documentário brasileiro


contemporâneo” por Ismail Xavier

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE


INSTITUTO DE ARTES E COMUNICAÇÃO SOCIAL
DEPARTAMENTO DE CINEMA E VÍDEO
DISCIPLINA CINEMA E ESTÉTICA
PROF. CESAR MIGLIORIN
ALUNO FERNANDO ANTONIO MARQUES DA SILVA
Niterói, 03 de novembro de 2019
Ismail Xavier propõe que o filme-ensaio seja pensado como invenção que
abriu um conjunto de indagações geradas no confronto entre o cinema e a filosofia.

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Acentua a presença de uma dimensão reflexiva operando sobre questão, ou
imagens, pré-existentes e nos obriga a reconhecer a imagem ou cena como “forma
que pensa”, citando Goddard.
Segue examinando os procedimentos de Eduardo Coutinho em “Jogo de
Cena” (2007), filme cuja dimensão reflexiva aprofunda o debate sobre as relações
entre cinema, performance e teatro, notadamente pela escolha do espaço de
filmar e pelo estilo próprio de conduzir as entrevistas pontuando-as com
interrupções para discutir problemas de interpretação com as três atrizes
presentes.
Apresenta os conceitos de teatralidade, performance e teatro, formulados
por Josette Féral: Teatralidade é uma condição que transcende o teatro,
manifestando-se em diversas situações da vida social, é algo que pode se instaurar
pela dinâmica do olhar e graças ao investimento do observador. Como exemplo de
teatralidade temos uma cena em que sentados em um café ao ar livre observamos
o movimento da rua como uma cena interessante. A teatralidade pode ser
instituída por um performer ou por um espaço (uma arquitetura, um cenário) em
que tema promessa de ação. O Teatro seria uma das manifestações da teatralidade
que se estabelece pela intenção de atores que criam no espaço cênico uma
dualidade entre o real-aqui-agora e o mundo a que a cena remete. A performance
estaria no plano da presença, não sendo representação que remeteria a um mundo
diegético ausente.
No documentário, o efeito-câmera é uma instância da teatralidade que
acentua o gesto performático dos que estão sob o olhar da câmera, como acontece
com os entrevistados, cientes que o depoimento terá publicidade. O falar de si só
convence se a “performance” conseguir um efeito de autenticidade produzida na
encenação, para tanto o sujeito necessita acreditar que sua narração é verdade.
Em Jogo de Cena a teatralidade da situação ganha conotação específica pela
escolha de um teatro, com sua arquitetura típica, para as entrevistas das mulheres.
A câmera permanece fixa, não explora a mobilidade do cinema. A montagem
alterna entrevistas com mulheres comuns, falando de si, e atrizes interpretando
pessoas comuns respondendo a entrevista. A alternância de performances coloca a
questão da representação como centro da reflexão considerada a sua teatralidade
e performance.
A montagem do filme possui variantes que articulam identidade e diferença,
personagens que falam de si e atrizes que interpretam a partir de um script, sem
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que se torne explícito o que é “real” e o que é encenação. Na primeira variante
uma personagem narra com humor e charme o que pensamos ser sua história para
no final declarar “foi isto que ela disse” evidenciando que interpretou uma fala. Na
segunda, duas mulheres repetem a mesma história em momentos separados do
filme sem que saibamos a quem pertence à história, qual das duas está fazendo
teatro. Na terceira as atrizes Andréa Beltrão e Fernando Torres narram histórias
pessoais sem que saibamos se estão interpretando ou narrando histórias vividas por
elas mesmas.
A equivalência no efeito de autenticidade das entrevistas, nos leva a pensar
na distinção entre a teatralidade própria a performance que constrói a si própria
diante da câmera, e a teatralidade própria à representação da atriz de teatro.
Além deste eixo que problematiza o campo da representação, o filme-ensaio
de Coutinho possui um segundo eixo que é o universo intersubjetivo das
experiências pessoais das mulheres entrevistadas, em suas narrativas de dor,
amores perdidos, traições, desilusões. Neste outro eixo a reflexão que se impõe é
dirigida ao conteúdo das narrações.

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