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Índice Esquemático:

1. Sobre as críticas ao austro-libertarianismo e


as problemáticas empíricas
2. A Contradição Transcendental: O Argumento
Genérico
3. Acerca da Minha Reformulação da Contradição
Transcendental: Inferências
3.1. Premissa A: Suas Inferências Lógicas
3.1.2. Estado Causador? It Doesn’t Really Matter.
3.2. Premissa B: Consequências Anti-Éticas
4. Conclusão e Resposta Adiantada para uma
Possível Solução
A ética libertária é o ponto-chave da legitimação de
uma sociedade ‘voluntarista’ (excluindo-se os
utilitaristas) nas palavras de seus seguidores, i.e.,
uma sociedade sem a presença do Estado e cuja a
organização se pauta na defesa da propriedade
privada, voluntarismo e comportamento de não-
agressão aos indivíduos ‘pacíficos’.
O que, na verdade, essas premissas éticas revelam
em sua prática e no que propõe? Depois de um certo
ponto de reflexão, é certo que qualquer sujeito
poderia encontrar uma série de objeções.

Porém, esses argumentos partem sempre de um


ponto de vista técnico ou prático (coisas do tipo: como
uma sociedade libertária lidaria com a assimetria de
informações, externalidades negativas, com o jogo
geopolítico atual, a garantia que os indivíduos seriam
totalmente éticos, como abolir o Estado frente à escala e
arsenal militar no mundo e etc).
Embora certamente eles mostrem uma certa
ingenuidade libertária frente à realidade do mundo e
a prática, eles são insuficientes para desfazer os
argumentos frente a suposta base apriorística na qual
a ética libertária está calcada (porém, mesmo esta
não está livre de problemas e contradições).

Em outras palavras, esses problemas não são


capazes de indicar algum erro na base do austro-
libertarianismo de perspectiva anarquista, por se
tratarem de problemáticas técnicas, descritivas ou
factuais frente a algo ou a meios para
estabelecimento desse ‘algo’.

A ética libertária, em outras palavras, não se ocupa


necessariamente dos meios, mas sim de indicar o
‘Norte’ pelo qual um indivíduo deve agir frente à
sociedade, ou a instituições, como a considerada
ilegítima, que é o Estado.
Por exemplo: a ocupação da ética (libertária, no caso)
não é frente a como a escravidão poderia ser abolida,
mas sim que a escravidão deve ser abolida, por se
tratar de um comportamento anti-ético.
É uma ética que é absoluta (porque é
incondicionalmente válida), objetiva (porque
independente, pra sua validade, dos desejos,
caprichos e opiniões das pessoas – apesar de
depender do exercício de tais faculdades para a sua
realização) e atemporal, ou seja, mais precisamente:
que depois de válida, depois que o ser humano
adquiriu consciência e passou a agir de forma
intencional (tanto pra quem acredita na síntese
moderna da evolução ou no criacionismo), não pode
ter sido “revogada” ou deixar de ter sido vigente em
algum recorte temporal específico, e desde então,
essa ética possui alguns princípios e regras. Tais
princípios e regras estabelecem o que é correto e
incorreto. No entanto, essa correção é absoluta ou
incondicional. O que significa isso?

Significa que não pode haver meio termo: pra todo


critério que se diz absoluto, tudo que satisfaça menos
que 100% do ideal que o critério impõe, é
automaticamente ilegítimo. Podemos pensar em
termos quantitativos para fins didáticos: 0%, 23%,
78,06% ou 99,9% de satisfação do ideal que o critério
estabelece, são todos igualmente ilegítimos. Se
pensarmos qualitativamente (o que é melhor ao se
tratar de uma ética deontologica), ou é ou não é
legítimo. Logo, tanto o maior dos Estados, quanto o
menor dos Estados, é ilegítimo.
Porém, essas problemáticas técnicas não nos impede
de servir como insight para o entendimento de como
a ética libertária é, em instância, anti-ética, ao se
pautar ou assumir como foco o comportamento que
alguém deve ter frente aos outros indivíduos, a
propriedade privada e instituições pretensamente
ilegítimas como o Estado. O problema técnico
comumente que aqui eu gostaria de apresentar,
sendo uma tese formulada (até o meu conhecimento)
entre eu e alguns colegas, do qual gostamos de
chamar de ‘contradição transcendental’, é um bom
insight para isto.
2. A Contradição Transcendental: O Argumento
Genérico
Para quem não a conhece, a contradição
transcendental é um argumento critica em resposta a
ideia de uma ética libertária, funcionando como uma
espécie armadilha. Um dos consensos principais no
que concerne a apropriação, dos autores libertários
mais famosos como Murray Rothbard e Hans-
Hermann Hoppe, é que eles seguem uma linha
lockeana de propriedade.
Para se adquirir uma propriedade privada, você
precisa se o primeiro a se apropriar daquele recurso
escasso (apropriação original), ou pode ser também
por relação de trocas voluntárias de propriedade, ou
então por herança, porque podemos considerar uma
relação contratual voluntária.

Agora pensemos, se qualquer ato que não está


descrito assim, pode ser considerado ilegítimo,
correto? O problema prático se baseia na
constatação factual de que vivemos em um mundo
onde há vários Estados, e de que todos eles cobram
impostos, ou seja, violam a propriedade de outras
pessoas; esse dinheiro beneficia outras pessoas
diretamente e indiretamente, como por exemplo, uma
pessoa que trabalha para uma instituição do governo
e que ganha o dinheiro que veio por “roubo”, e nisso
essas mesmas pessoas consomem, adquirem
propriedade com esse dinheiro e o dinheiro é
repassado para outras pessoas; tal constatação é de
que isso está acontecendo a todo momento.

Como rastrear as propriedades das devidas pessoas


e devolver o que pertence a elas de fato? Pode-se
voltar até desde o início da história da humanidade,
onde vários conflitos aconteceram, além de violações
de propriedade, há como restituir essas pessoas?
É geralmente nesse momento que se argumenta que
‘não há essa possibilidade, logo, o primeiro usuário
se torna o dono a partir de X momento ou Y situação’,
desenhando uma linha para inferir algum ponto onde
pode-se falar quando a ética libertária passará a
entrar em vigor, e a apropriação original passará a
‘contar’.
A contradição começa aqui. Que tipo de conclusão é
esta que não bate com as suas premissas? Se
alguém rouba o meu celular, re-vende o celular e não
há como eu rastrear, o celular deixa de ser meu, por
acaso? Obviamente que não.
A mesma coisa vale portanto para o imposto. Se a
ética libertária tem a pretensão de ser apriorística no
que concerne a propriedade privada, isto não pode
ser permitido.
Ou seja, como exemplificado antes, todas as
propriedades existentes (até mesmo aquelas que
existem entre sociedades que não possuem estado)
são ilegítimas, de acordo com a ética, por algum
motivo, desde os grandes empresários que fizeram
conluio com o Estado e possuem milhões ou bilhões
de dinheiro ilícitos de acordo com a ética, ou as
classes mais pobres que receberam auxílio de
programas assistencialistas e possuem dinheiro ou
propriedade obtida através de dinheiro ilegitimamente
redistribuído por meio de coerção estatal. E sim,
mesmo entre trocas voluntárias entre indivíduos,
mesmo em transações com bitcoins, e afins. Mesmo
toda a propriedade existente e adquirida por meio de
trocas comerciais, estaria ‘contaminadamente
ilegítima’ com a intervenção do Estado através de
impostos sobre o consumo e sobre a renda.

Porém, no caso da propriedade estatal, os autores


Murray Rothbard e Hans Hermann-Hoppe já nos dão
respostas. Para ser sucinto, a solução é que a
propriedade estatal seria dividida entre aqueles que
trabalharam nas estatais. Mas isso só toca em 1% do
problema. Parece-me que ambos Hoppe e Rothbard
esqueceram do quão sistêmica é a intervenção
estatal e quanta propriedade hoje é ilegítima.
Pode-se retrucar e afirmar ‘Ok, o Estado cobra imposto,
mas isso é irrelevante pois o que eu ganho com base no
meu trabalho e meu esforço é algo que pertence a mim.
Mesmo que o Estado tome uma parte disso, isso não torna
o que eu ganhei ilegítimo’.
Ah, mas não torna mesmo. E não se está falando do
que você ganhou com base no seu esforço e
trabalho.

Não. Se está falando somente de todo o resto de


coisas que você adquiriu que são ‘contaminados’,
sem você querer ou saber, da intervenção estatal.
Você trabalhou e ganhou seu salário, e então precisa
comprar coisas, certo?

Essas coisas já vem embutidas de impostos, e você


está comprando algo cujo lucro real (a propriedade
devida ao empresário caso a ética da propriedade
absoluta estivesse de facto vigente) teve uma parcela
roubada pelo Estado. Você está comprando algo que
é ilegítimo.
Não concorda? Não enxerga isso? Basta lembrar que
toda intervenção estatal é fruto de coerção e violência
ilegítima. Tudo que é fruto disso é igualmente
ilegítimo. O Estado não interfere só nos impostos. Ele
interfere na política de juros, controle da oferta
monetária, redistribuição de renda e etc.
E lembremos também que para uma ética absoluta
não existe meio termo. Isso é importante, pois se
você acredita na ética absoluta, você tem que ter a
convicção de que ela é absolutamente correta e não
pode ser relativizada. Caso contrário, a sua
mentalidade é meramente utilitarista e você nunca
esteve realmente preocupado com aquilo que é
realmente de fato correto ou incorreto. Toda
intervenção estatal é igualmente ilegítima na medida
em que um parâmetro absoluto não permite
gradações. Falando de forma mais simples: ou é 8 ou
80

Mesmo que essa sociedade não tenha mais um


Estado, as relações de propriedade foram fruto da
coerção e da intervenção ilegítima anterior de um
estado que existia. Então há propriedades ilegítimas,
e se há propriedades ilegítimas, a “sociedade” então
é igualmente ilegítima (quando falo de sociedade me
refiro ao conjunto de todas as relações sociais de
propriedade entre indivíduos e coisas, lembremos
que sociedade na concepção libertária não existe,
apenas indivíduos e recursos escassos).

A grande sacada desta ideia é o seu efeito. Deixa o


libertário com apenas duas opções:

1) aceitar que o ideal de propriedade da ética


libertária não faz sentido e aceitar que a ética é
contraditória, e portanto, arbitrária ou inválida;

2) prosseguir em relativizar e desenhar uma linha


imaginária; ou seja, falar que a partir de X ponto vale
a ética, para tentar fugir desse problema; nesse caso,
a ética libertária deixa de ser objetiva, a priori e
atemporal, e passa a ser arbitrária, passando a ser
aberta a qualquer tipo de relativismo, deixando-a
ineficaz.

Porém, não é este o insight que eu gostaria de


fornecer aqui. É um ponto de partida para algo que
eu estive pensando. Esse é o argumento original,
usado por meus colegas.

Porém, eu gostaria aqui de melhorá-lo, e aprofunda-


lo, para evidenciar que a ética libertária, quando
pretende ser a delimitação normativa no que
concerne a atitude comportamental (ou seja, como
proceder) dos indivíduos frente a outros indivíduos, a
propriedade, e ao Estado (e o procedimento ético,
nesse caso, é justamente não reconhecer
legitimidade nele), acaba sendo necessariamente
anti-ética.

3. Acerca da Minha Reformulação da Contradição


Transcendental: Inferências
Partindo do ponto anterior, creio que seja possível
afirmar via inferência que:

a) qualquer indivíduo de uma mesma sociedade,


agora, pode agredir o outro livremente, levando em
conta que este está se apropriando de sua
‘propriedade original’ através de ‘benefícios públicos’
dos impostos ou de diversas outras formas diferentes
de violações diferentes e inevitáveis descritas
anteriormente.

3.1 Premissa A: Suas Inferências Lógicas


Explicando melhor o ponto a): aqui vale lembrar que
a a ética libertária procede em afirmar que a
agressão é legítima quando há agressão a
propriedade privada primeiramente; ou seja, partindo
dessa noção, seria totalmente viável eu afirmar que
se eu desejar agredir qualquer pessoa da minha
cidade por ela estar se beneficiando de algo
comprado com o dinheiro do meu imposto (minha
propriedade), ou por inevitavelmente ter violado
minha propriedade de algum jeito (como expliquei
anteriormente), isso seria legítimo; como há o
princípio da proporcionalidade, nada mais justo que
eu compense isso podendo começar agressão contra
outrem, violando sua propriedade para me ressarcir
também.

3.1.2) Estado Causador? It Doesn’t Really Matter.


Um OBS aqui: O fato de ser o Estado ou não que
cause esse problema em primeira instância, não faz
diferença a situação, pois:

1) A ética libertária é atemporal, a priori, logo, deve


valer frente a várias situações, independente de
qualquer coisa;

2) Ela pretende delimitar o comportamento dos


indivíduos frente a outros indivíduos e as instituições,
incluindo-se aqui o Estado, afinal de contas, ela já
delimita isso ao reconhecê-lo como ilegítimo,
portanto, deve-se levar em conta o comportamento
de indivíduos frente a situações com o Estado
incluído também;

3) O Estado não pode servir de ‘linha’ pra delimitar


quando a ética passa a valer ou não, pois isso geraria
uma contradição e relativismo na própria essência da
ética. Ora, se ela deixa de valer na existência de um
Estado, para tentar contornar esse problema acima,
então não há nada mais agora que possa ser usado
para estabelecer uma inferência para a afirmação de
que o Estado é, em primeiro lugar, ilegítimo, ou de
que o imposto seria roubo, já que a ética libertária
supostamente não estaria ‘valendo ainda’ até o
Estado ser abolido;
Se ela não tem ‘eficácia’ ainda na vigência do Estado,
então ela não é:

A) a priori e atemporal;

B) válida para ser usada como sistema ético-jurídico


para então se afirmar que o Estado é ilegítimo e que
o imposto é roubo, logo, a ética perde totalmente o
seu propósito, ela deixa de existir ou implode em
relativismo, já que ela não valeria mais perante a
existência do próprio Estado. Logo, ela não poderia
ser usada no momento para afirmar que o Estado é
ilegítimo, já que ela ‘não vale ainda’;

C) A consequência mostrada em ‘B)’ seria o


problema mais fatal, pois precisamos de um sistema
ético-jurídico para delimitar o que é a propriedade em
primeiro lugar, para afirmar quando há violação e
quando algo é roubo. A propriedade sempre
pressupõe um sistema conceitual normativo ou
jurídico. Tal requisito é necessário, para que se faça
cumprir o dispositivo da legitimidade, pois do
contrário, não se poderia diferenciar a propriedade do
que é a posse – que é tão somente o controle físico.
Precisamos desse sistema ético-normativo ou
jurídico, por exemplo, para delimitar propriedade, e
também consequentemente o que seria o roubo; sem
isso, haveria uma grande confusão, por exemplo:
tomar um recurso roubado de volta do ladrão também
seria um roubo (já que depois de roubar, ele estaria
na posse do recurso).
A externalidade de um sistema normativo é o que
delimita isso, haja vista que se ele for simplesmente
uma descrição de fenômenos físicos reais, não é
possível para distinguirmos o ladrão da vítima.
Portanto, precisamos de um sistema ético-jurídico
que torne algo propriedade (legítimo) e como. Essa é
justamente a função da ética libertária, pois ela serve
como um sistema ético-jurídico; mas isso é destruído
caso se proceda em afirmar que a ética não vale
‘ainda’ na vigência do Estado, pois então propriedade
seria relativo, sua violação também, e imposto não
seria mais objetivamente roubo.
Portanto, se a desculpa for a existência do Estado (‘a
ética só irá valer no mundo austro-libertário, enquanto
estiver no Estado ainda não), para tentar contornar o
primeiro problema, você irá dar de cara com o
problema da B), eliminando a ética de qualquer
forma.
É importante frisar isso para certos sujeitos; ou seja,
aqueles que dizem que a ética não importa se já há a
presença do Estado que é ilegítimo, e que ao mesmo
tempo querem estabelecer uma ética a priori que diz
reconhecer o Estado como uma instituição ilegítima,
se baseando na mesmíssima ética.
Explicando melhor: ou seja, a ética supostamente
não seria válida ainda na existência do Estado, para
tentar evitar o problema da contradição
transcendental dentro da noção da apropriação
original, ao mesmo tempo em que a mesmíssima
ética é usada para deslegitimar o Estado agora; ou
seja, um claro erro de petição de princípio. Não se
poderia afirmar que o Estado é ilegítimo ou que o
imposto é roubo (já que o sistema ético-jurídico ainda
não seria válido no momento, causando o problema
mostrado no ponto B) se a ética só seria válida
quando o Estado não existir, para tentar fugir do
problema da contradição transcendental.
Fora, é claro, que isso mostraria que ela não é mais
apriorística e atemporal, logo, aberta para
relativizações, o que também a inválida.
3.2. Premissa B: Consequências Anti-Éticas
Prosseguindo:
Aceitando os pontos anteriores, eu posso então
afirmar que,
b) a ética libertária é uma ética que:
b.1) incita e legitima (ou no mínimo deixa uma grande
brecha para) conflitos por recursos escassos entre
indivíduos de uma sociedade, ao contrário do que ela
diz propor (ou seja, ser o que os evita ou resolve);
b.2) acaba por levar a sociedade a auto-destruição.

b.3) deixa brecha para a agressão da propriedade


privada generalizada em uma dada sociedade (o que
causa os conflitos por recursos escassos).

O ponto b.1) e b.3) contradizem a ética em suas


premissas e propósitos originais, acabando por a
colapsar.
A única forma de a salvar disto, é sacrificar o
elemento apriorístico, e apelar para o relativismo;
isso, porém, causa inúmeros outros problemas, pois
eu já poderia usar isso para relativizar a propriedade
privada ou outros preceitos de formas diferentes, e o
fim acaba sendo a própria destruição da ética no final
das contas.
Partindo do ponto b.2), se encontra o elemento final
da anti-eticidade da ética libertária; como Kant bem
demonstrou, qualquer norma que diz ou incita a auto-
destruição, ou mesmo abre a possibilidade para isto,
é necessariamente inválida. São as chamadas
normas auto-destrutivas, ou seja, as que causam
problemas no imperativo categórico, e que colapsam
conceitualmente elas mesmas. É importante afirmar
que este problema, portanto, não está acontecendo
na aplicação per se da ética, mas no nível conceitual
dela. Não tem a ver com a possibilidade de aplicação
da ética em si (o que é matéria de campo empírico,
como expliquei no começo do artigo), mas como
conceitualmente, quando colocada sobre o crivo em
uma leitura kantiana, ela se caracteriza, uma lei auto-
contraditória: pois em nível conceitual (e é importante
separar o nível conceitual do nível empírico), o seu
conjunto de proposições *necessariamente* levam
aquele resultado (também em nível conceitual) que
nos permite dizer que aquela ética, mais uma vez, em
nível *conceitual*, é ilegítima por ser uma norma
auto-contraditória.
Temos, portanto, que a ética libertária é
incorrigivelmente anti-ética em sua formulação
original. Isso, é claro, tomando-se por seus próprios
critérios: a de que ela deveria ser a solução, ou ao
menos evitar, os conflitos decorrentes da escassez
dos recursos em uma sociedade, entrando em
contradição da forma demonstrada acima. Os que
tem o desejo de se salvar disto, terão que apelar para
o utilitarismo ou outras formas de relativismo. No
entanto, estas deixam espaço aberto para
arbitrariedades, comportamentos contrários ao
austrolibertarianismo, anulando-a de qualquer forma.

Na verdade, penso eu que nem o utilitarismo poderia


sobreviver frente aos pontos b.1), b.2), b.3), restando
apenas o relativismo para os libertários; o que, em
primeira instância, é a confissão total de falta de
compromisso com a eticidade, lógica ou coerência, e
acaba por apressar seu colapso.

4. Conclusão e Resposta Adiantada Para Uma


Possível Solução
Aqui, vale uma nota final contra um provável
argumento em defesa do austro-libertarianismo: a
noção de que a ética depende da ciência do
indivíduo; ou seja, de que a pessoa não tem ciência
de quem é aquela propriedade daquele bem escasso,
e como não há como a ‘rastrear’, se aplica a
apropriação original de novo.

Isso é totalmente incoerente e relativista; se a pessoa


se apropria de algo, e depois ela perde aquilo, ela
ainda tem propriedade sobre, independente se um
terceiro não tem ciência dessa pessoa. Independente
se alguém tem noção disso, isso não mudaria meu
direito absoluto a minha propriedade privada.
Continua sendo anti-ético. A ética independe da
ciência ou não de algo ou alguém, ainda mais uma
ética que tem a pretensão de ser apriorística. Ela é
justamente objetiva porque independe, pra sua
validade, dos desejos, caprichos, opiniões e estado
de conhecimento das pessoas – apesar de depender
do exercício de algumas das suas faculdades para a
sua realização técnica.

Inclusive, se fossemos levar esse argumento até as


consequências finais, o argumento de que a falta de
conhecimento das pessoas, interferiria em algo na
questão desse texto, o Estado seria legitimado.

O Estado tem vasta propriedade. Propriedade que


não se tem mais conhecimento de seus proprietários
originais. Logo, seria legitimamente do Estado.
Se se afirmar que ele deveria perde-las pois cobra
imposto, poderia-se tão simplesmente redarguir: qual
o motivo pelo qual isso deveria ser errado se, por
exemplo, todas as ruas por onde pisas são do
estado? (fora outras coisas diretas e indiretas). O
imposto poderia ser de 90% se “ele” quiser. Como
uma família que mora em minha casa de aluguel,
cobro o quanto quiser, ela paga ou sai. Não haveria
mais violação a propriedade, dessa forma.

Eu tenho a consciência plena de que esse argumento


é totalmente inválido nas condições normais da ética
libertária, e na sua objetividade, que é totalmente
independente da ciência das pessoas acerca da
origem da propriedade, não mudando em nada o
fator ético; porém, esse argumento se tornaria
plenamente válido se retirasse o elemento da
objetividade, e passa-se a fazer relativizações com
base em ‘ciência’ ou ter o conhecimento de algo e se
isso delimitaria o que seria uma atitude anti-ética ou
não frente a isto. Portanto, esse malabarismo
argumentativo é totalmente inválido, e leva a
conclusões que são incompatíveis com a ética
libertária.

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