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21/10/2019 Para os “homens de bem”, só algumas pessoas têm direito a ter direitos | Opinião | EL PAÍS Brasil

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Para os “homens de bem”, só algumas pessoas


têm direito a ter direitos
Nesta quinta-feira, o Brasil tem enormes possibilidades de ser eleito para
mais um mandato no Conselho de Direitos Humanos da ONU. Caberá ao
Estado usar tal mandato para fazer avançar a proteção de minorias e
grupos vulneráveis

JAMIL CHADE

16 OCT 2019 - 20:10 BRT

Operação militar na favela Kelson's no Rio de Janeir em fevereiro de 2018 FERNANDO FRAZÃO (AGÊNCIA BRASIL)
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21/10/2019 Para os “homens de bem”, só algumas pessoas têm direito a ter direitos | Opinião | EL PAÍS Brasil
Operação militar na favela Kelson s, no Rio de Janeir, em fevereiro de 2018. FERNANDO FRAZÃO (AGÊNCIA BRASIL)

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Os “homens de bem” têm declarado de forma explícita: existe uma


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diferença entre humanos. Ela não é de raça e nem de cor. Não é de religião
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e nem de status social. Trata-se de uma diferença mais profunda. Uns,
artigos de Jami
segundo esse grupo, têm direito a ter direitos. Os demais? Não são Chade
humanos o suficiente para ter o direito a ter direitos. Essa fronteira entre
homens de bem e o restante da humanidade é invisível. Como se fosse
desenhada sobre a areia, essa linha aparece e desaparece em locais
diferentes, conforme a situação exige. Um garoto que rouba uma carteira
num ônibus certamente merece um esculacho. Um homem de bem que Movidos a
evade alguns milhões para não pagar impostos merece, obviamente, um sangue

advogado.

Não é por acaso que, em uma era em que a democracia é golpeada todos
os dias, há um termo que passou a ser alvo de ataques frequentes: os
direitos humanos. Sim, aquele arcabouço de leis que prevê a proibição da Ágatha, Raoni e
Marielle: a
tortura, as garantias de liberdade e a possibilidade de se defender. Aquele realidade que
sistema que também estabelece o direito à saúde, à educação e, acima de ameaça abafar a
tudo, à vida. Passou a ser lugar comum no Brasil questionar a voz de
Bolsonaro na
conveniência dos direitos humanos, visto por uma ala do país como ONU
sinônimo de um pacote de leis que defende bandidos. Mas defende de
quê? Da Justiça? Ou de justiceiros, herdeiros de uma sociedade
escravocrata, racista e injusta? Em cada ocasião que ouvimos o ódio ao conceito de direitos
fundamentais, vale a pergunta: quem é que tem medo dos direitos humanos? Num Estado
falido, será que a tortura empregada por agentes em supostos interrogatórios vem mesmo
daqueles com a ambição de garantir a segurança e Justiça a uma população?

O medo dos direitos humanos, no fundo, é o medo de que tenham de dar explicações, de
investigar, de ser transparentes na busca de criminosos. De uma forma indireta, ao apelar
para que direitos fundamentais sejam respeitados, escancara-se o despreparo do Estado
para garantir a segurança de seus cidadãos. E não a proteção de bandidos.

Quando esse arcabouço de leis coloca as mulheres num mesmo patamar de direitos em
relação aos homens, não faltam aquelas vozes que, na surdina, reclamam de que está
havendo um “exagero”. Num país com 164 estupros por dia, ouvimos recentemente um
chanceler reclamar que o moralismo estava ultrapassando a realidade da época vitoriana,
que “hoje olhar para uma mulher já é uma tentativa de estupro” e que estava “preocupado
com a demonização da sexualidade masculina”
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com a demonização da sexualidade masculina .
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Mas quem tem medo de tal situação senão aquele que vê nesses direitos humanos um limite
ao seu poder? Quando um Estado é convidado a reparar um dano histórico a um grupo da
sociedade explorado por 300 anos, rapidamente ouvimos vozes de que não é justo com os
nossos filhos ter de competir contra cotas. “Eu não sou culpado pela escravidão. Eu falo
com todos”, garantem, numa referência certamente ao porteiro, ao segurança e ao lixeiro.
Fala-se com todos no Brasil. Mas para dar ordens. Para exigir respeito. Mas será que todos
são também escutados?

Quando o direito à defesa é ignorado ou violado, rapidamente há quem tome as dores para
alertar que o crime precisa ser combatido. Que há uma “inversão” do papel entre os
delinquentes e aqueles que querem combater o crime. Um versão do século 21 para a ideia
de que os fins justificam os meios.

Numa democracia, tal atitude é simplesmente um crime, além de ser sua própria ruína.
Robert Bolt, em sua peça A Man for All Seasons, traduz em um diálogo encenado no século
16 o falso dilema de que certas pessoas não mereceriam nossas nobres instituições. Na
cena, o advogado William Roper questiona Thomas More sobre o fato de ser adequado
defender um homem que seria um representante das forças do mal na sociedade.

Então, você daria ao Diabo o benefício da lei — exclamou Roper. Sim. O que você faria?
Abriria uma grande estrada pelo direito para agarrar o Diabo?, perguntou More. Eu cortaria
toda a lei na Inglaterra para isso, respondeu Roper. E quando a última lei for derrubada e o
Diabo se virar contra você, onde é que você se esconderá se todas as leis foram destruídas?,
alertou More. Este país está repleto de leis, de costa a costa, as leis dos homens, não as de
Deus! E se você as cortar, você realmente acha que pode ficar de pé diante dos ventos que
soprariam então? Sim, eu daria ao Diabo o benefício da lei, por minha própria segurança!

Evocar o estado de direito ou direitos humanos, portanto, é garantir nossa própria


sobrevivência e liberdades fundamentais. Onde está consolidada a relação de que estados
que não seguem regras básicas de respeito ao ser humano são mais seguros? Onde estão
os indícios de que um estado que mata é aquele que mais liberdades assegura aos
“cidadãos de bem”? Onde estão as provas de que um Estado que dribla o estado de direito é
quem vai garantir a liberdade? Se essa linha entre nós e eles é desenhada sobre a areia, que
garantias temos de que um dia não seremos colocados do outro lado da fronteira por dar a
mão na rua a quem desejarmos, ler o que sonharmos, orar por quem nos inspira?

Nesta quinta-feira, dia 17, o Brasil tem enormes possibilidades de ser eleito para mais um
mandato no Conselho de Direitos H manos da ONU Caberá ao Estado sar tal mandato
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mandato no Conselho de Direitos Humanos da ONU. Caberá ao Estado usar tal mandato
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para fazer avançar a proteção de minorias e grupos vulneráveis, do estadoASSINE
de direito e do
espaço democrático. Justamente para que toda a sociedade seja preservada em seus
direitos fundamentais. A defesa dos direitos humanos é a defesa da civilização. É a garantia
de Justiça e o único caminho para a paz. Não existem atalhos. Para isso, teremos de
defender, diariamente, o direito de todos. Do rei e do diabo. E inclusive de nossos maiores
adversários.

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da eleição do Conselho de Direitos Humanos
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Eleições para o Conselho Tutelar tornam-se o novo campo de


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