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Prof.

Zanetti
Montesquieu [1689-1755] Espírito das Leis [1748] (esteve na Inglaterra entre 1729-1731). Iluminista francês.
Não há como entender Do Espírito das Leis sem considerar o enorme sucesso epistemológico e cultural do Principia
[1687] (Princípios matemáticos da filosofia natural) de Newton [1643-1727]
Entretanto, se Newton quebrou a interdição aristotélica entre mundo lunar e sublunar apresentando um
princípio comum (a gravitação) a que todas as naturezas diversas respondem igualmente; Montesquieu
retorna a política à complexidade ao apresentar três mundos, cada um com sua natureza e princípio.
Montesquieu recorre ao realismo da abordagem sociológica para justificar a razão própria (as leis) para cada forma
de Governo.

Ainda que Montesquieu não tenha formulado a divisão dos poderes tal como aparece na doutrina constitucionalista
de separação dos poderes (executivo, legislativo e judiciário) que pautou a constituição norte-americana, não há
como negar sua enorme influência.
A citação a seguir ilustra bem:
“Depois de tudo o que acabamos de dizer, parece que a natureza humana dever-se-ia revoltar incessantemente
contra o governo despótico; entretanto, a despeito do amor dos homens pela liberdade e de seu ódio contra a
violência, os povos, em sua maior parte, estão a ele submetidos. Isso se compreende facilmente. Para formar um
governo moderado é necessário combinar poderes, regulamentá-los, fazê-los agir; dar, por assim dizer, lastro a um
deles, para colocá-lo em condição de resistir a outro; e isto é uma obra-prima de legislação que o acaso raramente
produz, e também raramente deixa-se à prudência fazer. Um governo despótico, pelo contrário, salta, por assim
dizer, aos olhos; é em tudo uniforme; como, para estabelecê-lo, não são requeridas senão paixões, todo o mundo
está apto para isso.” (Livro V, XIV, p.76)
A Teoria da Tripartição dos Poderes foi "importada" pelos fundadores da república norte-americana em meados do
século XVIII d. C. e foi nos E.U.A. que ela adquiriu a sua feição constitucional contemporânea, quando agregaram à
Teoria da Tripartição dos Poderes do Estado o conceito de pesos e contrapesos políticos mútuos a fim de garantir a
auto-limitação do próprio Poder Político.

SUMÁRIO

PRIMEIRA PARTE [livro dividido em seis partes na edição considerada mais exata]

Livro Primeiro
Das leis em geral

i - Das leis quanto às suas relações com os diversos seres


ii- Das leis da natureza
iii- Das leis positivas

i - Das leis quanto às suas relações com os diversos seres


“As leis em seu significado mais amplo, são relações necessárias que derivam da natureza das coisas”
“... o mundo inteligente está longe de ser tão bem governado quanto o mundo físico, porque, embora o mundo
também tenha leis que por natureza são invariáveis, ele não as obedece com constância, como o mundo físico segue
as suas. Isso porque os seres particulares inteligentes são limitados por sua natureza, e conseqüentemente, sujeitos
a erro; e, por outro lado, é próprio de sua natureza agirem guiados pela vontade própria.”
“Como ser físico, o homem é governado por leis invariáveis, do modo que os outros corpos; como se inteligente,
viola incessantemente as leis que Deus estabeleceu, e modifica as que ele próprio estabeleceu.”
“Um tal ser poderia a todo momento esquecer seu criador. Deus chamou-o a si pelas leis da religião. Poderia a todo
momento exceder-se a si mesmo: os filósofos advertiram-no pelas leis da moral. Feito para viver em sociedade, ele
poderia esquecer-se dos seus semelhantes: os legisladores fizeram-no voltar aos seus deveres pelas leis políticas e
civis.”

ii- Das leis da natureza

“Antes de todas as leis, há as leis da natureza, assim designadas porque decorrem unicamente da constituição do
nosso ser.”
“Nesse estado [natural], todos se sentem inferiores, e é muito difícil alguém se sentir igual. Por conseguinte,
ninguém tentaria atacar o outro, e a paz seria, dessa forma, a primeira lei natural.”
“... uma outra lei natural [a segunda] seria a que o incitaria a procurar alimentos”.
“... esse apelo natural que fazem um ao outro [sexo] seria uma terceira lei natural”.
“... o desejo de viver em sociedade constitui a quarta lei natural.”

iii- Das leis positivas

“Logo que os homens se reúnem em sociedade, perdem o sentimento da própria fraqueza; a igualdade que entre e
eles existia desaparece, e principia o estado de guerra.”
“Essas duas espécies de estado de guerra [de nação para nação e de indivíduo para indivíduo] ocasionam o
estabelecimento de leis entre os homens.” O direito das Gentes [relação entre os povos]; o Direito Político [relação
entre governados e governantes]; o Direito Civil [relação dos cidadãos entre si].

[JUSTIFICAÇÃO SOCIOLÓGICA, DE EPISTEME MECANICISTA (CAUSAL)]


“... o governo mais conforme à natureza é aquele cuja disposição particular melhor se relaciona com as disposições
do povo para o qual ele foi estabelecido.”

“A lei, em geral, é a razão humana, uma vez que ela governa todos os povos da terra; e as leis políticas e civis de
cada nação devem representar apenas os casos particulares em que se aplica essa razão humana.”

“É necessário que as leis se relacionem à natureza e ao princípio de governo estabelecido, ou que se pretende
estabelecer, que elas formem este governo, como sucede com as leis políticas, quer elas o mantenham, como ocorre
com as leis civis.”
“As leis devem ser relativas ao físico do país (...); ao gênero de vida dos povos (...); com o grau de liberdade que sua
constituição pode permitir; com a religião de seus habitantes, suas inclinações, riquezas, número, comércio,
costumes, maneiras.
Enfim, elas se relacionam entre si e também com sua origem, com o objetivo do legislador, com a ordem das coisas
sobre as quais estão estabelecidas. É desses pontos de vista, portanto, que é necessário considerá-las.
É isso que pretendo fazer nessa obra. Examinarei todas essas relações; elas formam no conjunto aquilo que
chamamos de Espírito das Leis.”
“Primeiramente examinarei as relações que as leis mantêm com a natureza e com o princípio de cada governo, e,
como esse princípio exerce sobre as leis uma suprema influência, aplicar-me-ei a bem compreendê-lo; e se eu lograr
estabelecê-lo, ver-se-á dele decorrerem as leis, como se fora sua nascente.”
Livro Segundo
Das leis que derivam diretamente da natureza do governo

i - Da natureza dos três diferentes governos

“[Por sua natureza, o] governo republicano é aquele em que o povo, como um só corpo, ou somente uma parcela do
povo, exerce o poder soberano”
“o povo todo ou certas famílias, têm o poder soberano”(3º, II., p. 34)
“[Por sua natureza, o] governo monárquico é aquele em um só governa, entretanto, com leis fixas e estabelecidas”
“o príncipe tem o poder soberano, porém o exercendo segundo leis estabelecidas”(3º, II., p. 34)
“[Por sua natureza, o] governo despótico um só indivíduo [governa], sem estabelecer as leis e regras, submete tudo
à sua vontade e capricho”
“um só governa de acordo com suas vontades e caprichos”(3º, II., p. 34)

ii- Do governo republicano e das leis relativas à democracia

“Quando, em uma república, o povo, formando um só corpo, tem o poder soberano, isso vem a ser uma democracia.
Quando o poder soberano está nas mãos de uma parte do povo, trata-se de uma aristocracia”

“O povo, na democracia, é, em certos aspectos, o monarca, e, em outros aspectos, o súdito.


O povo somente poderá ser monarca pelos sufrágios, os quais constituem suas vontades. A vontade do soberano é o
próprio soberano. As leis que estabelecem o direito de sufrágio são, portanto, fundamentais nesse governo. De fato,
é tão importante regulamentar nesse governo o ‘como’, ‘por quem’, ‘a quem’, e ‘acerca de que’ os sufrágios devem
ser atribuídos.”
“É essencial fixar-se o número de cidadão que devem compor as assembléias”
“O povo, quando tem o poder soberano, deve fazer por si mesmo tudo aquilo que possa fazer corretamente; e tudo
o que não puder fazer corretamente, cumpre que o faça por intermédio de seus ministros. (...) é uma máxima
fundamental desse governo que o povo nomeie seus ministros, isto é, seus magistrados.”
“Da mesma forma que a maioria dos cidadãos que têm capacidade suficiente para eleger, mas não a têm para serem
eleitos, assim também para o povo, que tem capacidade suficiente para julgar a gestão de outrem, não é, no
entanto, capaz de governar a si próprio.”
“No Estado popular, o povo divide-se em determinadas classes. É no modo de fazer essa divisão que os grandes
legisladores se revelam; e é daí que sempre dependeram a duração e a prosperidade da democracia.”.
“Como a divisão dos que têm direito a voto é, na república, uma lei fundamental, a maneira de o conceder é uma
outra lei fundamental.”
“É ainda uma lei fundamental da democracia que apenas o povo institua as leis. Entretanto, há mil ocasiões em que
é o senado que deva estatuí-las; muitas vezes é mesmo oportuno experimentar uma lei antes de promulgá-la. A
constituição de Roma e a de Atenas eram muito sábias. Os decretos do senado tinham força de lei durante um ano;
as leis somente se tornavam perpétuas pela vontade do povo.”

iii- Das leis relativas à natureza da aristocracia

“Na aristocracia, o poder soberano acha-se nas mãos de um certo número de pessoas.”
“... não deve haver o sufrágio pela sorte.”
“Quando dos nobres são muito numerosos, torna-se necessário um senado...”
”Neste caso, pode-se dizer que a aristocracia está representada, de alguma maneira, no senado, a democracia, no
corpo dos nobres, e que o povo nada representa.”.
“Os senadores não devem ter o direito de substituir os que faltam ao senado, pois nada seria mais favorável à
perpetuação dos abusos.”.
“É preciso, em toda magistratura, compensar a grandeza do poder pela brevidade da sua duração.”
“A melhor forma de aristocracia é aquela em que a parte do povo que não participa do poder é tão pequena e tão
pobre, que a parte dominante não tem interesse em oprimi-la.”.
“... as famílias aristocráticas devem fazer parte, tanto quanto possível, do povo. Quanto mais uma aristocracia se
aproxima da democracia, tanto mais perfeita ela será; e tornar-se-á menos perfeita à proporção que se aproximar da
monarquia.”.
“A mais imperfeita de todas as aristocracias é aquela em que a parte do povo que obedece permanece sujeita à
escravidão civil dos que comandam, como na aristocracia da Polônia, na qual os camponeses são escravos da
nobreza.”.

iv- Das leis quanto à sua relação com a natureza do governo monárquico

“Os poderes intermediários, subordinados e dependentes, constituem a natureza do governo monárquico, isto é,
daquele em que um só governa baseado em leis fundamentais.”
“... na monarquia, o príncipe é a fonte de todo poder político e civil.”
“Essas leis fundamentais supõem necessariamente canais médios pelos quais o poder se manifesta, pois [ao
contrário] (...) nada poderá ser fixo, e, conseqüentemente, não existirá nenhuma lei fundamental.”
“O poder intermediário mais natural é a nobreza. Esta, de algum modo, faz parte da essência da monarquia, cuja
máxima fundamental é: “se não existir monarca, não existirá nobreza; se não existir nobreza, não existirá monarca”.
Haverá, contudo, um déspota.”.
“Aboli, em uma monarquia, as prerrogativas dos senhores, do clero, da nobreza e das cidades, e logo tereis um
Estado popular, ou então um Estado despótico.”
“Da mesma forma que o poder do clero é perigoso em uma república, torna-se tal poder conveniente em uma
monarquia, em especial nas que tendem ao despotismo. (...) Barreira sempre útil quando não existem outras, pois,
assim como o despotismo humano causa à natureza males terríveis, assim também o próprio mal que o limita é um
bem. ”.
“Em monarquia, não basta que existam classes intermediárias: é necessário, ainda, um repositório de leis. Tal
repositório só pode existir nos corpos políticos que anunciam as leis, quando elas são feitas, e fazem-nas lembrar,
quando são esquecidas. (...) O Conselho do príncipe não é um repositório convincente.”

v- Das leis relativas à natureza do Estado despótico

“[É da natureza do governo despótico que] o único homem que o exerce o faça também exercer por um só.
Um homem a quem os seus cinco sentidos dizem incessantemente que ele é tudo, e que os outros nada são, é
naturalmente preguiçoso, ignorante e voluptuoso. Ele abandona assim os negócios [as atividades executivas]. “
“[É conveniente que a administração seja] entregue a um vizir. O estabelecimento de um vizir é, nesse Estado, uma
lei fundamental.”
“Quanto mais aumenta seu império, tanto mais aumenta o seu harém e, por conseguinte, mais o príncipe está
embriagado de prazeres. Desse modo, nesses Estados, quanto maior o número de súditos que o príncipe tem para
governar, menos ele pensa no governo; quanto em maior número forem os negócios, menos se delibera sobre eles.”
Livro Terceiro
Dos princípios dos três governos

i- Diferença entre a natureza do governo e de seu princípio

“Entre a natureza do governo e seu princípio existe esta diferença: que sua natureza é aquilo que o faz ser tal como
é, e o seu princípio é aquilo que o faz agir.”
“A primeira [a natureza] constitui a sua estrutura particular; o segundo [o princípio] constitui as paixões humanas
que o fazem se movimentar.” [grifo meu]
“Ora, as leis não são menos relativas ao princípio de cada governo do que à sua natureza.”

[Entre as estruturas particulares (natureza) dos governos e as paixões específicas (princípios) que as animam, há que
existir um conjunto de lei adequado, há o espírito das leis próprio, para cada um desses quatro casos]

ii- Do princípio dos diversos governos

iii- Do princípio da democracia

[Para que um governo democrático se sustente, torna-se necessário a força da] virtude.
“[Virtude definida como aquilo que faz com que o Estado subsista] ... do amor pela pátria, do desejo da verdadeira
glória, da renúncia a si próprio, do sacrifício aos mais caros interesses, e de todas aquelas virtudes heróicas que
encontramos nos antigos, e das quais apenas ouvimos falar.”(3º, V, p.38)
“[Virtude como qualidade intrínseca ao homem de bem, expressão empregada em sentido político,] pois para ser
homem de bem é preciso ter a intenção de sê-lo e amar o Estado mais por si mesmo do que por interesse próprio.”
(3º, VI, p.39; Nota 41, p. 39).
“Refiro-me aqui à virtude política, que é a virtude moral, no sentido de que ela se dirige ao bem geral; falo muito
pouco a respeito das virtudes morais particulares, e de nenhum modo me refiro a essa virtude relacionada às
verdades reveladas” (Nota 39, 3º, V, p.38)
[Hoje, nas democracias de massa, elas parecem subsistir apenas no vigor dos líderes carismáticos, dos grandes
demagogos no exercício da função de líderes de partidos. A virtude para Montesquieu parece englobar a noção de
virtude como coragem de Maquiavel e, na terminologia de Weber, parece significar o desafio ético singular dos
líderes de partido em amalgamar responsabilidade e convicção]
“[No governo popular] aquele que manda executar as leis sente que ele próprio a elas está submetido, e o peso
delas terá que suportar.”
“... quando em um governo popular as leis não são mais executadas, o Estado já estará perdido, pois isso só pode ser
conseqüência da corrupção da república.”
“... nas repúblicas, os crimes particulares são mais públicos, isto é, atentam mais contra a constituição do Estado do
que os particulares;”(3º, V, p.38)
“A ambição é perniciosa em uma república” (3º, VII, p.39)
“Os políticos gregos, que viviam no governo popular, só reconheciam uma força que os poderia manter, isto é, a da
virtude. Os de hoje só nos falam de manufaturas, comércio, finanças, riquezas, e mesmo luxo. Quando essa virtude
desaparece, a ambição entra nos corações que a podem acolher, e a avareza penetra em todos eles. Os desejos
mudam de objeto: não mais se ama o que antes se amava. Antes o indivíduo era livre, vivendo segundo as leis; hoje
quer-se ser livre, trabalhando contra elas; cada cidadão é semelhante ao escravo que fugiu da casa do senhor; aquilo
que antes era máxima, hoje se chama de rigor; o que era regra, chama-se imposição; o que era respeito, hoje
chama-se temor. A frugalidade agora é avareza, e não desejo de possuir. Outrora, os bens dos particulares
constituíam o tesouro público; no entanto, nesse tempo, o tesouro público tornava-se o patrimônio dos particulares.
A república é um despojo, mas sua força não é mais do que o poder de alguns cidadãos e a licença de todos.”
[Nota histórica:] Atenas abrigava em si as mesmas forças enquanto dominou com tanta glória e enquanto humilhou-se com tanto vexame.
Tinha vinte mil cidadãos quando defendeu os gregos contra os persas [Nota do autor – Plutarco, in Pericles; Platão, in Crítias.](...) Tinha vinte
mil quando Demétrio de Falero os contou, do mesmo modo como em um mercado se enumeram escravos [Nota do autor – 21 mil cidadãos,
10 mil estrangeiros e 400 mil escravos. Vede Ateneu, livro VI]. (...) Sempre havia sido mais fácil vencer as forças de Atenas que vencer sua
virtude.

iv- Do princípio da aristocracia

“... é também necessário que essa mesma virtude exista na aristocracia. É verdade que ele não é, neste último caso,
tão absolutamente requerida.”
[O povo está para os nobres, assim como os súditos para o monarca] “O povo ... é refreado por suas leis. Tem, assim,
menos necessidade de virtude do que na democracia, Mas como se coibirão os nobres? (...) É necessário, então, que
haja virtude nesse corpo, pela natureza de sua constituição.”
“O governo aristocrático tem, por si próprio, uma certa força que a democracia não tem. Os nobres formam um
corpo que, por sua prerrogativa e interesse particular, reprime o povo; basta que existam leis para que, nesse
sentido, elas sejam executadas.
Entretanto, assim como é fácil a esse corpo reprimir os outros, é difícil que ele reprima a si mesmo. A natureza dessa
constituição é tal que parece pôr os mesmos indivíduos sob o poder das leis, e dela os retirar.
Ora, um corpo assim só pode ser mantido de duas formas: ou por uma grande virtude, que faz com que os nobres
fiquem de algum modo equiparados ao seu povo, formando assim uma grande república; ou uma virtude menor, ou
seja, uma certa moderação que torna os nobres, pelo menos, iguais entre si, estabelecendo assim a própria
conservação.
A moderação é, então, a alma desses governos. Refiro-me àquela que se baseia na virtude e não àquela que provém
de uma covardia e preguiça da alma.”
[Hoje, nas democracias de massa, no governo dos partidos, segundo uma leitura pluralista pessimista há um
descolamento entre elites e eleitorado (problema da falta de soberania do eleitor). Por essa leitura é possível dizer,
recorrendo à terminologia de Montesquieu que, a natureza do governo democrático é aristocrática. Daí, não há
porque estranhar quando Schumpeter [1942] listou como requisitos ao funcionamento do Estado democrático, inter
alia, que: o material humano da política deve ter qualidade suficientemente elevada; eleitores e legisladores devem
ser invulneráveis à corrupção, e ter autocontrole na crítica ao governo; bem como que, a competição deva se pautar
pela tolerância à diferença de opinião. Na terminologia de Montesquieu, a virtude definida como moderação dos
partidos]

v- De como a virtude não é o princípio do governo monárquico

“Nas monarquias, a política faz com que se executem as grandes coisas, com o mínimo de virtude possível, do
mesmo modo como, nas máquinas perfeitas, a arte emprega a menor soma possível de movimentos, forças e
rodas.” [não é preciso muito mais que essa afirmação para se confirmar que Montesquieu era monarquista]
“As leis ocupam o lugar de todas essas virtudes, das quais não se tem nenhuma necessidade, pois o Estado delas vos
dispensa; uma ação que se faz silenciosamente e que é, de certa maneira, inconseqüente.
“... nas monarquias, os crimes públicos são mais particulares, isto é, atingem mais as fortunas particulares do que a
constituição do próprio Estado.”
[O caráter vil dos cortesãos] “A ambição na ociosidade, a baixeza no orgulho, o desejo de enriquecer sem trabalhar,
a aversão pela verdade, a lisonja, a traição, a perfídia, o abandono de todas as obrigações, o desprezo pelos deveres
do cidadão, o temor pela virtude do príncipe, a esperança em suas fraquezas, e, mais que tudo, o perpétuo ridículo
lançado sobre a virtude, formam, acredito, o caráter da maioria dos cortesãos, observados em todos os lugares e em
todos os tempos. É muito desagradável, portanto, a constatação de que a maioria dos principais de um Estado sejam
pessoas desonestas e de que os inferiores sejam pessoas de bem; de que aqueles sejam mentirosos e de que os
segundos aceitem ser suas vítimas. E se entre o povo encontramos algum infeliz homem honesto, o Cardeal de
Richelieu, em seu testamento político, insinuou que o monarca deve sempre evitar tomá-lo a seu serviço [Nota 41:
“Não é preciso, está dito aí, tomar a seu serviço pessoas de baixa extração: estas são muito austeras e difíceis
(Testament, cap IV)], tanto é verdade que a virtude não é a mola desse governo. É claro que a virtude não se acha aí
totalmente excluída, mas ela não constitui a sua mola.
[Considerando que Bourdieu chama a burocracia das democracias modernas de “nova nobreza”, não é difícil
enxergar nos funcionários indicados, extraídos do empreendimento partidário eleitoralmente vitorioso, esse caráter
vil dos cortesãos descrito por Montesquieu]

vi- Qual a maneira pela qual se supre a virtude em um governo monárquico

[No governo monárquico, a mola, o princípio, é] a honra; isto é, o preceito de cada pessoa e de cada condição, toma
lugar da virtude política (...) e a representa em toda a parte. Poderá a honra (...) ligada à força das leis, levar o
governo aos seus objetivos, tal como faria a própria virtude.
[Para que um governo monárquico se sustente, torna-se necessário a força da] lei. (3º, III, p.35)
“... em uma monarquia, (...) quem manda executar as leis se julga acima destas”. (3º, III, p.35)
“... o monarca que, levado por maus conselhos ou pela própria negligência, deixar de executar as leis, poderá
facilmente reparar o mau: para isso bastará mudar o Conselho ou se corrigir dessa negligência.” (3º, III, p.35)

vii- Do princípio da monarquia

“O governo monárquico supõe, como dissemos, preeminências, categorias e mesmo uma nobreza de origem
[nascimento em contraposição ao mérito]. A natureza da honra consiste em exigir preferências e distinções, e está,
portanto, por sua natureza, colocada nesse tipo de governo.”
“... a honra tem suas leis e regras, das quais não poderia declinar; como depende mais de seu próprio capricho do
que do capricho de outrem, ela não pode existir senão nos Estados em que a constituição seja fixa e tenha leis
estabelecidas” (3º, VIII, p.40).
“A honra se vangloria de menosprezar a vida” (3º, VIII, p.40).
“Ela [a honra] possui regras e caprichos obstinados ...” (3º, VIII, p.40).
“A honra (...) reina nas monarquias e nelas dá vida a todo corpo político, às leis e às próprias virtudes.” (3º, VIII, p.40).
“[A ambição] produz bons resultados em uma monarquia: ela dá vida a esse governo, e também tem a vantagem de
não ser perigosa, pois pode aí ser incessantemente reprimida.”
“Direis que o mesmo ocorre no sistema do universo, em que existe uma força que afasta continuamente do centro
todos os corpos e uma força de gravidade que para o centro reconduz. A honra movimenta todas as partes do corpo
político: liga-as umas às outras por sua própria ação, fazendo com que cada uma dessas partes dirija-se para o bem
comum, acreditando servir seus interesses particulares.” [A onipresente episteme Newtoniana]
“E já não é o bastante obrigar os homens à prática de todas as ações difíceis e que requerem esforço, sem outra
recompensa que a repercussão dessas ações?”
[A psiquê humana na política aqui é arrolada de forma bem mais sofisticada que em Maquiavel. Que incrível
realismo político nesta última afirmação! É de um nudismo e crueza estratégica capaz de fazer inveja ao
individualismo metodológico dos teóricos da Rational Choice na segunda metade do século XX]
[Mais uma vez vale lembrar os funcionários indicados por partidos nos governos democráticos de massa, como
“corpo” movido pelos princípios da corte nas monarquias]

viii- De que honra não é o princípio dos Estados despóticos

“... sendo iguais todos os homens nesses Estados, uns não poderão ser preferidos aos outros; e se todos forem
escravos, também nesse caso não haverá preferência.”
“... o déspota só é poderoso porque lhe é dado tirar a vida. Como poderia a honra suportar um déspota? ”
“... o déspota não segue regra alguma, e seus caprichos destroem todos os demais.”.
ix- Do princípio do governo despótico

“... em um governo despótico é necessário que exista o temor; no que concerne à virtude (...)[aí] ela não é
necessária, e quanto a honra, ali ela seria perigosa.”
[Para que um governo despótico se sustente, torna-se necessário a força da] do braço do príncipe sempre erguido.
(3º, III, p.35)
“... quando no governo despótico o príncipe pára, por um momento, de manter o braço levantado, e quando não
pode destruir imediatamente aqueles que ocupam os postos mais elevados, tudo estará perdido, pois, não existindo
mais a mola do governo, que é o medo, o povo não terá mais protetor.”
“É mister que o povo seja julgado segundo leis, e os poderosos, pelo arbítrio do príncipe; a cabeça do último súdito
deve estar em segurança, e a dos paxás, sempre ameaçada.”

x- Da diferença da obediência nos governos moderados e nos governos despóticos

“Nos Estados despóticos, a natureza do governo exige uma obediência extrema, e a vontade do príncipe, uma vez
conhecida, deve ser tão infalivelmente seu efeito como uma bola atirada contra outra deve ter o seu.”
“... o homem é uma criatura que obedece a outra criatura que manda.”
“Ninguém pode expressar seus temores em relação a um acontecimento futuro, nem atribuir seus insucessos ao
capricho da fortuna. Tal como ocorre com os animais, o quinhão dos homens é o instinto, a obediência, o castigo.”
“De nada valerá opor os sentimentos naturais, o respeito para com o pai, a ternura pelos filhos e pelas mulheres, as
leis da honra, o estado de saúde: recebeu-se a ordem, e é o que basta.”
“... quando o rei condena alguém, deste não se lhe pode mais falar, nem rogar-lhe perdão (...) é preciso que a
sentença seja executada (...) a lei não pode contradizer-se.”
“Todavia, há uma coisa que se pode às vezes se oposta à vontade do príncipe, a saber, a religião. (...) as leis da
religião são um preceito superior, porque elas recaem tanto sobre a cabeça do príncipe como sobre a de seus
súditos. Contudo, não ocorre o mesmo no que concerne ao direito natural: considera-se que o príncipe não mais é
homem.”
[A força da religião vista não como peso para o despotismo, mas como contrapeso interno a ele]
“... na monarquia, o príncipe é esclarecido e os seus ministros são infinitamente mais hábeis e versados nos negócios
[as atividades executivas]do que no Estado despótico.”

xi- Reflexão sobre tudo isso


Livro Quinto
De como as leis que o legislador decreta devem ser relativas ao princípio de governo

i- Idéia deste livro

“... [a] relação das leis com esse princípio [o princípio de cada governo] fortalece todos os fundamentos do governo,
recebendo tal princípio, por seu turno, uma nova força. É assim que, nos movimentos físicos, a ação é sempre
seguida de uma reação.”

ii- O que é a virtude no Estado político

“Em uma república, virtude é uma coisa muito simples: é o amor pela república, é um sentimento e não uma série de
conhecimentos; tanto o último homem do Estado pode ter esse sentimento quanto o primeiro.”
“O amor à pátria leva à bondade dos costumes, e a bondade dos costumes o amor a pátria. Quanto mais podemos
satisfazer nossas paixões particulares, tanto mais nos entregamos às gerais.”

iii- Do que é o amor pela república na democracia

“O amor pela república, em uma democracia, consiste no próprio amor à democracia, e o amor da democracia é o
amor pela igualdade.”
“O amor à democracia é ainda amor à frugalidade.”
“O amor à igualdade, em uma democracia, limita a ambição unicamente ao desejo, à felicidade de prestar à sua
pátria serviços maiores que os prestados pelos outros cidadãos.”
“O amor pela frugalidade limita o desejo de possuir à atenção que requer o necessário para a família e até pelo
supérfluo para a pátria. As riquezas proporcionam um poderio do qual um cidadão não poderá usar em proveito
próprio, pois, caso contrário, ele prejudicaria a igualdade; e também proporcionam delícias das quais ele também
não deve gozar, porque, se o fizesse, essas delícias também acabariam por ferir o princípio da igualdade.”
“O bom senso e a felicidade dos indivíduos consiste, em grande parte, na mediocridade de seus talentos e de suas
fortunas. Uma república em que as leis tenham formado muitos indivíduos medíocres, orientada por pessoas
ponderadas, governar-se-á sabiamente, e se orientada por indivíduos felizes, será felicíssima.”

iv- De que modo se inspira o amor na igualdade e na frugalidade

“O amor à igualdade e o amor à frugalidade são extremamente estimulados pela própria igualdade e pela própria
frugalidade.”
“... em uma república, para que se ame a igualdade e a frugalidade, é preciso que as leis as tenham estabelecido.”

v- De que modo as leis estabelecem a igualdade na democracia

“Alguns legisladores antigos, como Licurgo e Rômulo, dividiram igualmente as terras.” [a partilha serve para
preservar os costumes de igualdade]
“Embora na democracia a igualdade real seja a alma do Estado, ela é, porém, difícil de ser estabelecida, que uma
exatidão extrema, a esse respeito, nem sempre é conveniente. Basta que se estabeleça um censo que reduza as
diferenças até um certo ponto; depois, compete às leis particulares igualar, por assim dizer, as desigualdades, por
meio de encargos que impõem aos ricos, e do alívio que concedem aos pobre.”
vi- De como as leis devem manter a frugalidade na democracia

“Do mesmo modo que a igualdade de fortunas estabelece a frugalidade, por seu turno a frugalidade estabelece a
igualdade das fortunas.”
“É verdade que, quando a democracia está baseada no comércio, pode muito bem suceder que os indivíduos
tenham grandes riquezas, e que os costumes sejam corrompidos. Isso ocorre porque o espírito do comércio traz
consigo o espírito da frugalidade, de economia, de moderação, de trabalho, de prudência, de tranqüilidade, de
ordem e de regularidade. Dessa forma, enquanto esse espírito subsiste, as riquezas que ele produz não apresentam
nenhum efeito prejudicial. O mal surge apenas quando o excesso de riqueza destrói o espírito do comércio: vêem-se
então subitamente surgirem as desordens da desigualdade, que ainda não se tinha feito sentir.
Para conservar o espírito do comércio, é necessário que os principais cidadãos o pratiquem; que esse espírito seja o
único a reinar e não seja atravessado por nenhum outro; que todas as leis o favoreçam; que essas mesmas leis,
mediante seus dispositivos, dividindo as fortunas à proporção que o comércio as torna maiores, ponha cada cidadão
pobre em uma situação de algum bem-estar para que ele possa trabalhar com os outros; e ponha cada cidadão rico
em uma situação medíocre, para que ele tenha necessidade de seu trabalho, tanto para conservar como para
adquirir.”
“Com efeito, em uma boa democracia, em que não se deve gastar senão o necessário, cada um deve ter o
necessário...”

vii- De outros meios que tendem a favorecer o princípio da democracia

[Quando a partilha igualitária de terras não é conveniente há que se] recorra a outros meios.
“Quando se estabelece um corpo permanente [um senado vitalício] que seja por si mesmo a regra dos costumes...”
“Há muito a lucrar, relativamente aos costumes, quando se preservam os costumes antigos. (...) [Pois,] os que
possuíam costumes simples e austeros fundaram a maioria das instituições, lembrar aos homens as antigas máximas
significa, em geral, reconduzi-los à virtude.”
“Durante um duradouro governo, chega-se ao mal descendo por um declive imperceptível, e só se retorna ao bem
mediante um esforço.”
“Máxima geral: em um senado escolhido para ser a regra e, por assim dizer, o repositório dos costumes, os
senadores devem ser vitalícios. Em um senado feito para preparar os negócios, os senadores podem ser trocados.”
“Do mesmo modo que o senado vigia o povo, cumpre que os censores vigiem o povo e o senado; é mister que eles
restabeleçam na república tudo o que foi corrompido, que apontem a indolência, julguem as negligências e corrijam
os erros, assim como as leis punem os crimes.”
“Nada conserva mais os costumes que uma extrema subordinação dos jovens aos anciãos.”
“Nada imprime mais força às leis que a extrema subordinação dos cidadãos aos magistrados.”
“A autoridade paterna também é muito eficaz para a manutenção dos costumes. Já dissemos que, em uma
república, não há força tão coercitiva como nos outros governos. É, portanto, necessário que as leis procurem supri-
la: é o que elas fazem pela autoridade paterna.”
“As leis de Roma que habituavam os jovens à dependência, estabeleceram uma longa minoridade. Talvez tenhamos
incorrido em erro, ao adotar esse costume: uma monarquia não requer tanto constrangimento.”
viii- De como as leis devem se relacionar com o princípio do governo na aristocracia

“... como é raro que nos lugares em que as fortunas dos homens são tão desiguais exista muita virtude, é necessário
que as leis tendam a dar, tanto quanto possível, um espírito de moderação, e procurem restabelecer essa igualdade
que a constituição do Estado necessariamente suprime.”
“O espírito de moderação é aquilo que na aristocracia se chama de virtude; ...”
“Se o fausto e esplendor que envolvem os reis lhes dão uma parte de seu poder, a modéstia e a simplicidade das
maneiras fazem a força dos nobres aristocráticos. Quando não aparentam distinção alguma, quando se confundem
com o povo, quando se vestem como ele, quando o faz compartilhar de seus prazeres, o povo esquece sua
fraqueza.”
“Cada governo tem sua natureza e seu princípio. Não é preciso, pois, que a aristocracia adquira a natureza e
princípio da monarquia, coisa que aconteceria se os nobres tivessem algumas prerrogativas pessoais e particulares,
distintas daquelas de seu corpo.”
“Há duas fontes principais de desordens nos Estados aristocráticos: a extrema desigualdade entre os que governam
e os que são governados, e a mesma desigualdade entre os membros do corpo que governa. Destas duas
desigualdades originam-se ódios e invejas que as leis devem prevenir ou impedir.”
“[A primeira desigualdade ocorre] se a condição dos cidadãos for diferente em relação aos subsídios. Isso ocorre em
quatro casos: quando os nobres se arrogam o privilégio de não os pagar; quando cometem fraudes para disso se
isentarem; quando os reclamam para si sob o pretexto de redistribuições ou honorários pelos empregos que
exercem; e finalmente, quando tornam o povo tributário e dividem entre si os impostos que do povo retiram. Este
último caso é raro; uma aristocracia, em caso semelhante, é o mais duro de todos os governos.”
“[Em Roma, os aristocratas] ... longe de repartir entre si as rendas do Estado, tudo o que puderam retirar do tesouro
público, tudo o que a fortuna lhes deu em riquezas, eles distribuíam ao povo, a fim de que fossem perdoadas suas
honrarias.”
“É uma máxima fundamental a que nos diz que os resultados das distribuições feitas ao povo, na democracia, são
tão perniciosas quanto úteis no governo aristocrático. As primeiras fazem perder o espírito ao cidadão, e as
segundas, a ele conduzem.”
“Na aristocracia é essencial que os nobres não arrecadem os tributos [pois] todos os particulares ficariam à mercê
dos homens de negócios; não haveria tribunal superior que os corrigisse.”
“Cumpre que as leis também lhe proíbam [aos nobres] o comércio: os negociantes tão conceituados fariam toda
sorte de monopólios. O comércio é a profissão das pessoas iguais; e entre os Estados despóticos, os mais miseráveis
são aqueles que o príncipe é comerciante.”
“As leis devem usar os meios mais eficazes para que os nobres façam justiça ao povo. Se elas não estabelecerem um
tribuno, é preciso que elas próprias sejam o tribuno de si mesmas.”
“Toda espécie de asilo contra a execução das leis arruína a aristocracia, e a tirania lhe está muito próxima.”
“Elas devem combater, em todos os tempos, o orgulho da dominação. É necessário que exista, temporariamente ou
sempre, um magistrado que faça temer os nobres, (...) magistraturas que não estão submetidas a quaisquer
formalidades [magistraturas tirânicas]. Com efeito, os censores não devem ser perseguidos pelo que fizerem durante
sua censura; é preciso que se lhes infunda confiança e nunca desânimo.”
“Na aristocracia, duas coisa são perniciosas: a pobreza extrema dos nobres e suas riquezas exorbitantes.”
“Todos os meios inventados para perpetuar a grandeza das famílias nos Estados monárquicos não seriam de bom
uso na aristocracia.”
“Quando as leis tiverem igualado as famílias, resta-lhes manter a união entre elas.”
“... cumpre que as leis não favoreçam as distinções que a vaidade faz desenvolver entre as famílias, sob pretexto de
que elas sejam mais nobres ou mais antigas; isto deve ser posto no rol das mesquinharias dos particulares.”
“Basta que se lance olhos sobre a Lacedemônia [Esparta era uma aristocracia militar]: ver-se-á como os éforos [cinco
magistrados, eleitos todos os anos; sua função consistia em fiscalizar a cidade, os funcionários e os reis.] souberam
modificar as fraquezas dos reis, as dos poderosos e as do povo.”
ix- De como as leis são relativas a seu princípio na monarquia

“Sendo a honra o princípio desse governo, as leis devem a ela se reportar. É mister que tais leis atuem para
conservar a nobreza, cuja honra representa, por assim dizer, o filho e o pai.”
“É preciso que elas a tornem hereditária; não por ser ela o meio-termo entre o poder do príncipe e a fraqueza do
povo, mas por ser o liame [a ligação] entre ambos.”
“As terras nobres, tal como as pessoas, terão privilégios. Não se pode separar a dignidade do monarca da do reino;
da mesma forma, não se pode separar a dignidade do nobre da do seu feudo.”
“Todas essas prerrogativas são peculiares à nobreza, e de modo algum passarão ao povo, a menos que se queira
ferir o princípio do governo e diminuir a força da nobreza e do povo.”
“Nas monarquias, pode-se permitir legar a maior parte dos bens a um só de seus filhos; tal permissão só é boa nessa
forma de governo.”
“É mister que as leis favoreçam todo comércio (...) a fim de que seus súditos possam, sem perecer, satisfazer as
necessidades sempre renascentes do príncipe e de sua corte.”

x- Da presteza na execução na monarquia

“[No governo monárquico] sendo os negócios dirigidos por um só, haverá maior presteza na sua execução; porém,
como essa presteza poderia degenerar em rapidez, as leis introduziram aí uma certa morosidade.”
“Elas [as leis] devem não só favorecer a natureza de cada constituição, mas, ainda, remediar os abusos que
poderiam resultar dessa natureza.”
“O cardeal Richelieu (Testament politique) queria que se evitassem nas monarquias os inconvenientes das
companhias, que tudo dificultavam. Se esse homem não tivesse o despotismo no coração, tê-lo-ia no cérebro.” ☺
“Os corpos depositários das leis nunca obedecem melhor do que quando caminham a passos mais lentos e quando
fazem sentir nos negócios do príncipe essa reflexão que quase não se pode esperar da falta de compreensão da
corte quanto às leis do Estado, nem da precipitação dos seus Conselhos.”
“Que aconteceria com a mais bela monarquia do mundo, se os magistrados, com sua morosidade, com suas queixas,
súplicas, não tivessem impedido o curso das próprias virtudes de seus reis, quando estes, consultando apenas a
grandeza de sua alma, quisessem recompensar, desmedidamente, serviços prestados com uma coragem e uma
fidelidade também sem medida?”

xi- Da excelência do governo monárquico

O governo monárquico apresenta grande vantagem sobre o despótico. Como a sua natureza exige que existam
abaixo do príncipe várias ordens que se relacionam com a constituição, o Estado torna-se mais estável, a
constituição, mais sólida, a pessoa dos que governam, mais garantida.
Observa-se por toda parte que, nos movimentos do governo despótico, o povo, guiado por si mesmo, leva as coisas
tão longe quanto podem ir; todas as desordens que ele comete são extremas, enquanto nas monarquias as questões
muito raramente são levadas ao excesso. Os chefes temem por si próprios; têm medo de ser abandonados; os
poderes intermediários dependentes não querem que o povo tome muito a dianteira. É raro que as ordens do
Estado sejam inteiramente corrompidas. O príncipe depende dessas ordens ...
“... a autoridade que os príncipes concedem a certas ordens para seu serviço lhes deve ser pouco suspeita, pois
mesmo na desordem eles apenas aspiravam às leis e ao próprio dever, e retardavam a fogosidade e os ímpetos dos
facciosos, mais do que os encorajavam.”
xii- Continuação do mesmo assunto

“É nas monarquias que, em torno do príncipe, ver-se-á seus súditos receberem sua influência: é ali que cada qual
ocupando, por assim dizer, um maior espaço, pode exercer essas virtudes [magnanimidade e glória] que dão à alma,
não independência, mas sim grandeza.”

xiii- Idéia do despotismo

“Quando os selvagens da Luisiana querem colher um fruto, cortam a árvore pela raiz e apanham-no. Eis o governo
despótico” ☺

xiv- De que que as leis são relativas ao princípio do governo despótico

“O governo despótico tem por princípio o temor; mas, para os povos tímidos, ignorantes, abatidos, não são
necessárias muitas leis. Tudo ali deve girar em torno de duas ou três idéias; assim, não é preciso que existam idéias
novas.”
“Um tal príncipe [despótico] tem tantos defeitos, que é de temer-se expor publicamente sua estupidez animal. Ele se
esconde, e o estado em que se acha fica ignorado. Felizmente, os homens são de tal modo nesses países, que
precisam tão-só de um nome que os governe.”
“A conservação do Estado não é nada mais que a conservação do príncipe, ou antes, do palácio em que está
encerrado.”
“A política, seu mecanismo e suas leis, devem ser limitados, e o governo político é ali tão simples quanto o governo
civil. Tudo se reduz a conciliar o governo político e civil com o governo doméstico, os oficiais do Estado com os
oficiais do serralho [palácio do imperador]”
“Como o princípio do governo despótico é o medo, seu objetivo é a tranqüilidade; todavia, isso não é, em absoluto, a
paz, mas o silêncio das cidades que o inimigo está na iminência de ocupar.”
“Não estando a força no Estado, mas no exército que o fundou, para defender o Estado seria necessário conservar
esse exército; este porém representa um perigo para o príncipe. Como, pois, conciliar a segurança do Estado com a
segurança da pessoa?”
“Nesses Estados, a religião tem maior influência do que em quaisquer outros; é um temor acrescido ao temor.”
“É a religião que corrige um pouco a constituição turca. Os súditos que não estão ligados à glória e à grandeza do
Estado pela honra, estão ligados a ela pela força e pelo princípio da religião.”.
“Nos Estados onde não existem leis fundamentais, a sucessão no império não poderia ser fixa. Ali, a coroa é eletiva
pelo príncipe, em sua família ou fora dela.”
“Os príncipes dos Estados despóticos sempre abusam do casamento. (...) Ali eles têm tantos filhos que quase não
podem ter afeição por eles, nem estes por seus irmãos. A família reinante assemelha-se ao Estado: é muito fraca, e o
seu chefe, muito forte; parecendo muito grande, reduz-se a nada.”

Depois de tudo o que acabamos de dizer, parece que a natureza humana dever-se-ia revoltar incessantemente
contra o governo despótico; entretanto, a despeito do amor dos homens pela liberdade e de seu ódio contra a
violência, os povos, em sua maior parte, estão a ele submetidos. Isso se compreende facilmente. Para formar um
governo moderado é necessário combinar poderes, regulamentá-los, fazê-los agir; dar, por assim dizer, lastro a um
deles, para colocá-lo em condição de resistir a outro; e isto é uma obra-prima de legislação que o acaso raramente
produz, e também raramente deixa-se à prudência fazer. Um governo despótico, pelo contrário, salta, por assim
dizer, aos olhos; é em tudo uniforme; como, para estabelecê-lo, não são requeridas senão paixões, todo o mundo
está apto para isso.

xv- Continuação do mesmo assunto


xvi- Da comunicação do poder
xvii- Dos presentes
xviii- Das recompensas que o governo concede
xix- Novas conseqüências dos princípios dos três governos

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