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Uma ampla reforma na cara do povão

Alceu A. Sperança

Tem alguma coisa


errada no conto do pacote
tributário. A maior lorota
da paróquia, digna de um
conto do vigário, é a
proposta de lutar contra o
retorno da CPMF, agora
rebatizada como CSS, e
propor em seu lugar uma
“ampla reforma
tributária”.

Claro, a imensa maioria é favorável a essa tese, aliás convincente e


sedutora. Mas deixa explicar, antes de linchar, que é uma armadilha.
O que o cidadão da rua tem na cabeça com essa mesma palavra de ordem
(“ampla reforma tributária”) é diferente do que os manipuladores do poder
têm em suas cabeças malandras.
Para o nosso já soterrado cidadão, “ampla reforma tributária” quer dizer
passar a limpo todo esse emaranhado incompreensível que sangra a metade
dos ganhos dos mais pobres. É a vontade de chegar a um percentual razoável.
A contribuição justa de cada um para o progresso de todos.
No entanto, o que o senhor dos anéis e dos dedos imagina quando aceita a
troca da nova CPMF por uma “ampla reforma tributária”? Imagina arrecadar
ainda mais do que arrecadaria com a volta da velha CPMF.
Com isso, ficam todos contentinhos, com a sensação de que derrotaram a
nova CPMF, sem notar que defenderam não a sua, mas a mesma “ampla
reforma tributária” que o senhor dos anzóis queria com sua “ampla” isca.
Uma “ampla reforma” pode ser traiçoeira e dar em maior carga no bolso do
cidadão. A amplitude não tem sinal de mais ou menos: tal sinal vai se dar na
correlação de forças no Congresso Nacional.
Como a maioria é governista e de direita, trocar a CPMF por uma “ampla
reforma tributária” pode ser pior que trocar seis por meia-dúzia. Pode ser
assinar embaixo do que não se quer.
Mas se é arriscado trocar
a nova CPMF por uma
“ampla reforma tributária”,
que pode ter sinal de mais e
não de menos, qual deveria
ser nossa atitude, como
cidadãos politizados e
participantes?

Primeiro, esperar não é saber. Como quem tem, tem medo, quem tem
sindicato que o fortaleça, para não ficar de braços cruzados agora, esperando
um improvável milagre “dilmístico” despencar alegremente do céu e depois
ter que cruzar os braços em uma greve geral.
Olha a Intersindical aí, gente!
Não dá pra fechar os olhos à Europa e aos EUA. Na Europa, a crise vai
derrubando países como na teoria do dominó: derruba um, vão caindo os
outros. O nível de pobreza cresce nos EUA. Ameaça retornar aos níveis da
década de 60, quando foi inventado o Bolsa-Família lá deles, copiado aqui no
Brasil pelos irmãos siameses que governam o País já há cerca de duas
décadas.
Como a conta da CPMF não fecha com o sinal de mais ou de menos da
“ampla reforma tributária”, também não fecha a conta do aumento da idade
para aposentadoria. Como o cidadão vive mais, terá que trabalhar mais, dizem
os governistas. Epa! Vamos checar melhor isso aí com um camaradinha
cortador de cana.
Há duas décadas, quando começou a “ampla reforma” neoliberal que nos
governará por mais quatro anos, os cortadores de cana chegavam a suportar 30
anos de trabalho. Atualmente, um cortador aguenta trabalhar nos canaviais no
máximo por 12 anos. Nesse caso, a idade para se aposentar deveria diminuir e
não aumentar.
Nessa coisa de “ampla reforma”, enfim, a amplitude depende da vontade de
quem dá as ordens. Hoje, no Brasil, quem manda são bancos, transnacionais,
ruralistas, empreiteiras e outras empresas prestadoras de serviços
governamentais.
Povo? Dizem que vão reformá-lo amplamente, até que pare de se queixar.
alceusperanca@ig.com.br
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O autor é escritor

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