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1. Introdução
A existência dos elementos normativos do tipo nem sempre foi aceita pela doutrina e
pelos Tribunais. É somente com a constatação de que o tipo não era puramente objetivo
que se passa a defender a existência de elementos valorativos no tipo penal, e não
unicamente descritivos.
Assim, este trabalho se destina a uma análise das peculiaridades dos elementos
normativos do tipo, abordando o seu surgimento, o seu conceito, as suas características
e a sua relação com os elementos descritivos do tipo.
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Os elementos normativos do tipo: surgimento,
caracterização e a problemática do erro
A noção de tipo é fruto de uma longa evolução histórica e dogmática. O filósofo alemão
Ernst Beling foi o primeiro a conferir um conceito dogmático de delito, passando este a
ser visto como uma ação típica, ilícita e culpável. O conceito de tipo, segundo Beling,
com base no modelo causal do século XIX, era objetivo e livre de valor, sendo objetivo
porque os elementos subjetivos pertenciam à culpabilidade e livre de valor em razão de
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toda a valoração pertencer à antijuridicidade.
Assim, o sentido de tipo penal se esgotava na descrição externa de uma ação qualquer,
pelo que ainda não se falava nos elementos normativos e na sua diferenciação dos
elementos descritivos do tipo.
Aqui cabe ressaltar, todavia, que, para Maximilian Herberger, a origem dos elementos
normativos se dá anteriormente a Mayer, e isso nos idos de 1904 com Eduard
Kohlrausch, que em um trabalho de inspiração neokantiana expôs a diferença entre
descrições e valorações, fazendo um dualismo metodológico entre as ciências da
natureza e as ciências do espírito. Os elementos normativos, segundo Eduard
Kohlrausch, se caracterizavam por precisões ontológicas, epistemológicas e sistemáticas,
da seguinte forma: não são perceptíveis sensorialmente, estão referidos a processos de
valoração ou de compreensão intelectual e não descritiva e são elementos da
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antijuridicidade.
elementos normativos do tipo passa a ser defendida por outros autores, com
consequente negativa do tipo puramente objetivo, tornando-se o posicionamento
majoritário.
Com o advento do finalismo, o tipo passa a ser a descrição legal da conduta proibida e
está condicionado ao modo de compreensão dessa conduta em sua fase antecedente, ou
seja, como conduta final. Passou a ter grande relevância o desvalor da conduta em
detrimento do desvalor do resultado.
Formam-se três tipos gerais de delito, quais sejam: dolosos, culposos e omissivos. Nos
delitos dolosos, há a vontade de ação orientada à realização do tipo de um delito.
Nestes, o tipo se desdobra em duas partes: tipo objetivo e tipo subjetivo. O tipo objetivo
representa a manifestação exterior da vontade, enquanto que o tipo subjetivo
compõe-se do dolo, como elemento subjetivo geral, e dos elementos subjetivos
especiais. Com relação aos delitos culposos, o tipo se refere a uma ação contrária ao
dever de cuidado. É uma ação não dolosa, já que a vontade de ação não está
direcionada à realização do tipo de um delito. Por fim, os delitos omissivos derivam de
uma norma de comando ou determinação, consistindo na infração do dever de agir ou de
impedir o resultado proibido.
Com relação à teoria social da ação, os seus primeiros defensores adotavam a teoria
causal quanto à estrutura do tipo. Todavia, com Jescheck e Wessels, passa-se a
defender o tipo como o conjunto de características que assinalam o conteúdo de injusto
de determinado delito. A ação socialmente relevante apresenta-se como uma conduta
dirigida ou dirigível volitivamente a determinado objetivo, devendo o tipo ser
segmentado em tipo objetivo, com seus elementos descritivos e normativos, e em tipo
subjetivo e, ainda, de acordo com a atividade, em tipo doloso, culposo ou omissivo.
Por fim temos o funcionalismo, tendo como seus principais expoentes Roxin e Jakobs.
Nessa corrente doutrinária também é ressaltada a presença de elementos normativos no
tipo e não apenas elementos descritivos.
Para Roxin o tipo possui uma função sistemática, uma função dogmática e uma função
político-criminal. Em sentido sistemático, o tipo compreende o conjunto de elementos
que permitem saber de que delito tipicamente se trata. Pelo sentido sistemático
assegura-se no conceito de delito a diferenciação de seus elementos, quais sejam,
tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade. Com relação à função político-criminal,
refere-se à função de garantia que o tipo desempenha, respeitando o princípio da
legalidade. Por fim, a função dogmática consiste em descrever os elementos cujo
desconhecimento exclui o tipo; serve à identificação do erro e seu efeito de eliminar o
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dolo.
E é com o funcionalismo de Roxin que o tipo penal passou a ter uma tríplice dimensão,
qual seja, objetiva, normativa e subjetiva. Segundo essa corrente, para a configuração
do tipo não basta apenas a adequação típica e a conduta dolosa ou culposa, sendo
necessário verificar ainda a dimensão normativa. Com o funcionalismo passa a fazer
parte da dimensão normativa da teoria do tipo penal a imputação objetiva. Assim, a
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Os elementos normativos do tipo: surgimento,
caracterização e a problemática do erro
Ressalte-se ainda que, embora Roxin mantenha a divisão finalista em tipo subjetivo e
tipo objetivo, entende que não existe no tipo elementos puramente objetivos ou
subjetivos. Afirma que essa divisão serve apenas para a ordem externa, devendo ser
desconsiderada onde contrarie o sentido de um conceito.
Por fim, para Jakobs a realização do tipo constitui uma etapa da imputação. O injusto
deve ser compreendido pelo confronto entre tipicidade e antijuridicidade. O tipo de
injusto é visto como o conjunto de caracteres que assinalam legalmente a intolerância
social de uma conduta, que só pode ser desconsiderada com a incidência de uma norma
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permissiva.
Quanto aos elementos formadores do tipo penal, Jakobs não se distingue de forma
relevante dos demais funcionalistas.
Não é possível falar em elementos normativos sem vinculá-los à ideia de valor e ato de
valoração. Mas o que é valor, o que é valoração?
Segundo a Filosofia, não há como trazer um conceito rigoroso do que seja valor, sendo
plausível apenas tentar uma clarificação do seu conteúdo. Nesse sentido, considera o
valor como algo que é objeto de uma experiência, de uma vivência. "Todo valor é dado
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pela nossa consciência dos valores, na vivência que deles temos."
O valor não é algo em si mesmo existente, mas algo existente para alguém. Assim, o
valor é a qualidade da coisa que só pode pertencer-lhe em razão do sujeito com
consciência capaz de registrá-la. Isso não significa que o valor valha só para este ou
aquele sujeito e não para os outros, devendo-se entender que o valor se acha referido
àquilo que há de comum em todos os homens.
Miguel Reale faz um estudo sobre as características do valor. Umas das características
que apresenta é a bipolaridade, ou seja, um valor sempre contrapõe um desvalor, não
havendo como desvincular a ideia de valor positivo em contraposição ao valor negativo.
Além disso, o valor implica em uma tomada de sentido e em preferibilidade, ou seja, o
valor pressupõe sempre uma tomada de posição do homem, bem como envolve uma
ideia de orientação para o fim a que se pretende. E, entre outras características, fala na
historicidade dos valores, já que estes sofrem alterações de acordo com as mudanças da
sociedade, com as suas concepções morais, culturais, jurídicas, religiosas e outras.
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Entende ser o mundo histórico-cultural a projeção histórica dos valores.
No mesmo sentido, expõe Paulo Dourado de Gusmão que os valores são modos de
qualificar a vida, a sociedade, a família e o homem, variando os modos dos valores com
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as pessoas, com o tempo, com as culturas, enfim, com as sociedades.
Assim, valores não são uma realidade ideal a ser contemplada pelo homem, mas são
algo que o homem realiza em sua própria experiência e que vai assumindo expressões
diversas através do tempo.
Por fim, é clara a relação entre valor e elementos normativos. Não é possível entender o
significado dos elementos normativos do tipo penal sem que se parta da premissa de
que o tipo é portador de valores. Os elementos normativos são aqueles que exigem um
juízo de valor para o seu conhecimento, estando estritamente relacionados a valores.
São exemplos de elementos normativos do tipo: coisa móvel, coisa alheia, funcionário
público, casamento, função pública, impostos, perigo moral, dignidade, bens de
produção, enfermidade incurável, entre tantos outros usados na descrição típica pelo
legislador.
Tal relação é muito importante e muito discutida entre os autores, mormente quanto à
possibilidade ou não de ser afirmada uma distinção absoluta entre esses dois elementos
do tipo.
referem a coisas e fatos externos, perceptíveis pelos sentidos. Entende que podem
existir as seguintes circunstâncias descritivas do fato: (a) elementos típicos objetivos do
mundo sensível externo, como coisa móvel, homem, mulher, entre outros e; (b)
elementos típicos subjetivos, que se referem a fatos psíquicos que se realizam na alma
do autor, como as intenções, a satisfação do instinto sexual, o fato de causar escândalo
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e outros.
Por outro lado, consoante o segundo critério, a distinção entre elementos normativos e
elementos descritivos do tipo tem como base a conexão daqueles às normas. Os
elementos normativos são aqueles que remetem ou pressupõem uma norma, de modo
que para entender o seu significado é necessário recorrer-se a essas disposições
normativas. Assim, os elementos normativos, ao contrário dos descritivos, visam dados
que não são simplesmente perceptíveis pelos sentidos, mas que só são compreensíveis
em contato com o mundo das normas. Neste sentido temos Luzon Peña, Mir Puig,
Jakobs, Frisch, entre outros.
De acordo com Jakobs, funcionalista sistêmico, todos os elementos estão delimitados por
uma norma. No tocante aos elementos normativos em sentido estrito, enquadram-se os
elementos que são referidos a norma ou os que são completados normativamente. Com
relação aos elementos referidos a norma, tem-se o grupo de conceitos que se refere à
determinada ordem social, ou seja, "pressupõem um catálogo de expectativas
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consolidadas na vida social e por isso pressupõem normas sociais". Exemplifica esse
grupo com os elementos associação, lesionar, destruir, escrito pornográfico, entre
outros. O dolo nesses elementos deve estender-se ao que há detrás do conceito, ou
seja, à ordem.
Nesse ponto, cabe mencionar que, entre esses dois principais critérios doutrinários
mencionados de distinção entre elementos normativos tipo e elementos descritivos do
tipo, quais sejam, a necessidade de um ato de valoração ou de conexão a uma norma,
não há uma distinção drástica, sendo possível encontrar as duas ideias em uma mesma
definição. Além disso, a remissão a uma norma implica em uma valoração, assim como o
ato de valoração implica na referência a uma norma, de modo que os dois critérios não
são totalmente desconexos.
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Os elementos normativos do tipo: surgimento,
caracterização e a problemática do erro
Ressalte-se, ainda, que esses não são os únicos critérios utilizados para a distinção dos
elementos normativos do tipo e dos elementos descritivos do tipo. Alguns autores se
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valem dos pressupostos da Filosofia Analítica da linguagem para analisar a distinção
entre elementos descritivos e elementos normativos do tipo. Neste sentido, na década
de 70 temos Darnstädt e na década de 80 podemos citar Burkhardt, Kindhäuser,
Shüluchter, e posteriormente Suay Hernández.
Como exemplo de fato institucional cita o casamento. Explica que o fato de um homem e
uma mulher emitirem determinadas palavras em frente de um funcionário público só
possui importância em razão das regras convencionais, representando tal ato o
casamento e todas as consequências jurídicas que dele advém. Da mesma forma, um
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documento só possui valor de prova porque assim foi convencionado.
Nos elementos descritivos, os objetos são designados por meio de juízos teóricos, sendo
que esses juízos implicam na constatação de um fato no bruto ( factum brutum),
expressando as qualidades que caracterizam o objeto no mundo.
Já nos elementos normativos, os objetos são designados por meio de juízos práticos. Os
juízos práticos aludem como hão de serem realizadas as ações, expressam o que existe
ou está em vigor, porém não dizem como são os objetos e como se identificam. São
qualidades que só resultam das atitudes do homem com as coisas e com outros homens.
Esses são alguns dos conceitos trazidos para elementos descritivos e elementos
normativos do tipo. Contudo, a diferenciação entre esses elementos não é unânime na
doutrina, havendo autores que a negam, bem como autores que a relativizam.
descritivos do tipo, seja por defenderem que todos os elementos do tipo são normativos,
seja por entenderem que todos são elementos descritivos, e havendo ainda aqueles que
consideram que esta distinção não é relevante.
Erik Wolf nega a distinção entre elementos normativos e elementos descritivos do tipo
sob o fundamento de que todos os elementos são normativos, em sentido amplo.
Entende que ao serem os elementos utilizados pelo Direito Penal na descrição típica,
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automaticamente passam a ser vinculados a valores jurídico-penais.
Sob esse mesmo aspecto tem-se Bockelmann, defendendo que pouco menos da
totalidade dos elementos do tipo são normativos, sendo possível a compreensão do
significado desses elementos só pelo conhecimento do sentido normativo que possuem.
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O finalista Karl Heinz Kunert, por sua vez, entende que todos os elementos do tipo são
descritivos. Defende que a essência do tipo consiste na descrição da matéria de
proibição, pelo que "a valoração prévia em que descansa só pode produzir-se através do
tipo em sua totalidade, então cada elemento individual do tipo, contemplado por si só,
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unicamente pode ter caráter descritivo". E, segundo o seu entendimento, os
elementos descritivos descrevem não só objetos, mas também podem descrever
processos e situações externas, fenômenos naturais ou culturais.
Por fim, podemos citar também Tonio Walter, que rejeita essa distinção sob a alegação
de que ao se atribuir aos elementos descritivos a característica de descrição de objetos
do mundo real e aos elementos normativos a de relação com os pressupostos lógicos de
uma norma, atende o primeiro caso à função e o segundo caso à origem, pelo que a
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distinção é supérflua, não sendo possível nenhum dos pontos de vista.
Para explicar essa afirmação, cita-se com frequência o elemento "pessoa", presente em
algumas descrições típicas. Este elemento do tipo pode ser considerado descritivo, já
que é perceptível sensorialmente, não sendo necessário se valer de uma norma jurídica
para a sua compreensão. Todavia, pode também ser considerado um elemento
normativo já que é necessária uma valoração para se compreender quando ocorre o
início e fim da vida humana, questão de fundamental importância, por exemplo, para o
crime de aborto, previsto na legislação brasileira nos arts. 124 a 126 do CP
(LGL\1940\2).
Todavia, defende Roxin que inclusive elementos que a primeira vista são descritivos,
devem ser interpretados conforme o fim de proteção do correspondente preceito penal,
logo, conforme critérios normativos. De outro lado, entende que também poucos
elementos normativos são puras valorações, senão que possuem um substrato
descritivo. Por exemplo: o elemento "documento" não existe só por seu conteúdo
jurídico, tendo também uma base material perceptível pelos sentidos; o elemento
"injúria" não é reconhecido apenas pela reprodução de um juízo de valor social,
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necessitando também de um processo acústico ou de sua fixação em um objeto.
Por fim, Ellen Schlüchter, entre tantos outros autores, também defende a ausência de
diferenciação qualitativa entre elementos normativos e elementos descritivos do tipo,
porém sob um enfoque diferente. Entende que os elementos normativos são aqueles que
remetem a outra norma, seja jurídica ou não. E a extensão desses elementos é a norma
a que remetem. Todavia, essa norma também possui intenção e extensão, pelo que os
elementos normativos possuem uma dupla referência. A primeira refere-se à norma
extrapenal a que remetem e a segunda a determinados estados de coisas que estão
compreendidos nos conceitos da norma à que o elemento normativo remeteu. Assim, a
extensão dos elementos normativos inclui os supostos âmbitos factuais que constituem a
referência dessa norma, bem como os seus conceitos.
Dessa forma, considera Schlüchter que entre elementos normativos e descritivos não há
uma diferença qualitativa, pois ambos denotam um âmbito de estado de coisas como
extensão, havendo apenas uma diferença no número de operações intermediadoras para
se chegar a esse âmbito. Os elementos normativos do tipo possuem um processo de
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dupla remissão, o que não ocorre nos elementos descritivos do tipo.
Enfim, esses são alguns dos autores que defendem a ideia de relativização entre
elementos descritivos e elementos normativos do tipo, ideia essa cada vez mais
frequente e indubitavelmente majoritária.
Ao final, cabe uma última observação. Embora muitos autores defendam a relativização
da distinção entre elementos descritivos e normativos do tipo, continuam, por razões
terminológicas ou didáticas, mantendo uma distinção entre esses elementos.
No ordenamento jurídico brasileiro não se faz a distinção entre erro e ignorância, pelo
que, de um modo geral, verifica-se que o erro ocorre quando o conhecimento do sujeito
e a realidade não coincidem, sendo essa discrepância devida ao fato de o sujeito não ter
representação alguma da realidade ou ter uma falsa representação.
Várias são as indagações que surgem ao se falar em erro sobre os elementos normativos
do tipo. Sendo o erro sobre os elementos normativos do tipo importante, o será como
erro de tipo ou erro de proibição? Será que se trata de um novo tipo de erro que não se
pode compreender dentro dessas categorias fundamentais de erro ou de um erro de
ambas as classes? Ou será que todo erro sobre os elementos normativos será um erro
irrelevante? Esses são apenas alguns dos questionamentos possíveis acerca do erro
sobre os elementos normativos do tipo.
Mas, para analisar nessa problemática e facilitar o estudo, é necessário distinguir entre o
erro sobre a representação fática de um elemento normativo do tipo e o erro sobre o
sentido de um elemento normativo.
Logo, não sabendo que no caso concorre um elemento normativo do tipo, não cabe a
imputação ao sujeito de uma conduta dolosa. Todavia, a depender do caso, poderá ser
afirmada a culpa, e isso quando verificada a inobservância por parte do sujeito do dever
de cuidado ou a criação de um risco não permitido. Cabe ressaltar, contudo, que só
haverá que se falar em crime culposo quando haja a previsão legal expressa de tipo
culposo, e não apenas doloso.
Assim, o que se verifica é que quando o erro recai sobre a representação fática de um
elemento normativo não há grandes discussões, havendo um consenso na doutrina.
saber o que deve ser abrangido pelo dolo, ou seja, qual a compreensão do sentido do
elemento normativo que é suficiente para que possa ser afirmada ou não uma conduta
dolosa do autor.
Será que não se pode alegar o desconhecimento de um elemento típico, pelo que este
tipo de erro será sempre irrelevante? Ou será que para o dolo é necessária uma
subsunção do elemento exata ao sentido que lhe é dado pela lei? E ainda, não será
suficiente apenas uma valoração paralela desse elemento à valoração jurídica para que
haja o dolo?
A distinção entre erro de fato e erro de direito tem origem na jurisprudência penal de
antigamente do Tribunal do Reich (Tribunal do Império Alemão) que, com base no
princípio error iuris nocet ou ignorantia iuris non excusat, negava relevância a qualquer
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erro de direito, considerando importante apenas o erro de fato.
Posteriormente, passa-se a fazer distinção entre erro de direito penal e erro de direito
extrapenal. Haverá erro de direito extrapenal quando este recair sobre normas alheias
ao direito penal e erro de direito penal quando este recair sobre normas penais. O erro
de direito penal é considerado irrelevante, enquanto que o erro de direito extrapenal se
equipara ao erro de fato, sendo excludente do dolo.
Assim, o erro sobre um elemento normativo será sempre relevante no caso de erro de
fato, ou seja, erro sobre as circunstâncias fáticas. Mas, se o erro for sobre o sentido do
elemento normativo, configura-se erro de direito, devendo-se distinguir entre o erro de
direito penal e erro de direito extrapenal. Se for erro de direito penal (quando incidente
sobre um elemento normativo penal), será irrelevante; lado outro, sendo erro de direito
extrapenal (incidente sobre um elemento normativo extrapenal), será relevante,
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havendo a exclusão do dolo.
Cabe ressaltar, ao fim, que essa teoria foi rechaçada quase que de forma absoluta pela
doutrina. Uma das críticas é a feita pelo funcionalista Roxin, dizendo que erros de direito
penal e de direito extrapenal não são claramente delimitados entre si, bem como não é
convincente a ideia de que a relevância de uma matéria depende de estar regulada ou
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não pelo Código Penal (LGL\1940\2), interferindo na relevância do erro.
Todavia, alguns autores supõem um retorno a essa distinção entre erro de direito penal
e erro de direito extrapenal. Neste sentido Kuhlen, se diferenciando dos demais autores
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pós-guerra ao defender uma maior proteção às normas de Direito Penal.
O responsável pela ideia de valoração paralela foi Mezger, com a sua teoria da valoração
paralela na esfera do profano. Após Mezger, outros autores abordaram a questão do dolo
em relação aos elementos normativos valendo-se do juízo de valoração paralela, o que
tornou essa teoria hoje amplamente majoritária. Neste sentido temos o finalista Wezel e
Kauffmann, os funcionalistas Roxin e Jakobs, entre tantos outros. Claro que os
fundamentos trazidos por cada um desses autores variam, até mesmo porque adotam
metodologias diferentes, sendo semelhante a base da teoria, qual seja, a ideia geral de
valoração paralela e de não necessidade de uma subsunção jurídica exata do elemento.
Segundo Mezger, não se pode exigir para o dolo do autor uma valoração jurídica
equivalente à que o juiz realiza quando do julgamento do fato, ou seja, uma subsunção
formal dos fatos de acordo com a lei, e isto porque falta ao sujeito formação jurídica
para que possa realizar uma subsunção do elemento exata à trazida pela lei. Lado outro,
também não se pode reduzir o conhecimento às puras circunstâncias de fato, sem ao
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menos saber-lhes o significado.
Mezger defende que, no que tange aos elementos normativos do tipo, o conhecimento
que se deve exigir para o dolo é uma valoração paralela à do juiz na esfera intelectual do
autor. Em suas palavras, por valoração paralela na esfera do profano deve-se entender
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"uma apreciação da significação dos fatos no mundo intelectual pessoal do autor".
Só haverá erro sobre os elementos normativos quando o sujeito nem sequer tenha tido
essa consciência aproximada e própria do profano sobre o significado de um elemento.
Se o sujeito não sabe que procede injustamente, não comete um delito doloso, logo,
haverá a exclusão da culpabilidade, segundo a metodologia neokantista de Mezger.
Críticas há ainda em relação ao termo "valoração". Segundo Puppe, este termo gera a
impressão de que para conhecer o sentido do elemento típico deve-se realizar um juízo
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de valoração, quando na verdade trata-se de um ato de conhecimento/entendimento.
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Além disso, também a palavra "paralela" sofre objeções. Para Puppe e Frisch, a
utilização desta palavra dá a ideia de que o sujeito deve conhecer no fato algo distinto,
que não coincide com o sentido do elemento típico, mas somente dele se aproxima. Dá a
falsa impressão de que se rebaixam as exigências para o conhecimento do sentido do
elemento normativo.
Welzel, finalista, expõe que nas circunstâncias de fato a lei descreve no âmbito social
uma determinada conduta humana, podendo essas circunstâncias ser descritivas ou
normativas.
fato com exatidão jurídica, basta que tenha conhecimento acerca da significação e
função que os fatos designados com tais conceitos possuem na vida social, em que
também se baseia a definição jurídica trazida pela lei.
Mas, essa estimação social da circunstância de fato pelo autor deve guardar paralelismo
com a jurídica feita pela lei. A este respeito se fala em subsunção das circunstâncias de
fato "na forma do leigo" (Binding) ou em uma "valoração paralela na esfera do leigo"
(Mezger), ou ainda, e mais acertadamente segundo Welzel, em um "juízo paralelo na
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consciência do autor".
Traz alguns exemplos da aplicação dessa teoria. Quando no Código Penal (LGL\1940\2)
Alemão se fala em "direito alheio de caça" (§292), basta que o autor tenha a consciência
de que o animal pertence a outro, já que somente os especialistas têm conhecimento
exato acerca da propriedade de animais selvagens no sentido legal. Do mesmo modo,
com relação ao delito de falsificação de documento, o que o autor deve conhecer é a
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função probatória deste, não sendo necessário saber a sua definição jurídica exata.
O que se verifica, assim, é que é irrelevante que o autor da conduta saiba exatamente
como a lei define o elemento. Compreendendo o autor o conteúdo material da
circunstância de fato em significação correspondente à estimação legal, já possuirá
conhecimento suficiente para que se possa afirmar o dolo.
Se o sujeito realiza corretamente o juízo paralelo, mas crê que o elemento sobre o qual
realizou o juízo paralelo não se encaixa no conceito legal sobre o qual se está tratando, o
que ocorre é um erro de subsunção. Não afeta o dolo o fato de o sujeito acreditar que a
conduta não se enquadra no tipo legal por interpretar de modo restrito os conceitos
utilizados pelo tipo.
Por fim, a teoria de Welzel, assim como a de Mezger, sofre críticas de ordem
terminológicas, como a crítica feita por Puppe e Frisch em relação à palavra "paralela".
Expõe que é necessária uma concepção mais dinâmica, que conceda importância à
bidimensionalidade da linguagem ou dicotomia entre a linguagem cotidiana e a
linguagem legal. Para a imputação da ação punível é necessário conectar o mundo do
sujeito com o mundo das normas jurídicas, que nada mais são do que construções
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jurídicas.
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Os elementos normativos do tipo: surgimento,
caracterização e a problemática do erro
Já a linguagem legal cumpre mais uma função operativa do que informativa. A função da
linguagem legal consiste em garantir a seguridade jurídica, buscando maior precisão e
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colocando limites na formulação dos tipos.
Assim, junto à valoração paralela na esfera do profano deve haver uma valoração
paralela na esfera do juiz ou, mais exatamente segundo Kaufmann, a valoração paralela
é feita tão somente pelo juiz, pois o autor não julga o seu fato por meio de uma
valoração paralela, mas sim por meio dos padrões de condutas sociais por ele
conhecidos.
Cita o caso do sujeito que altera a comanda de consumo de um bar. Entende que é
correta a solução apresentada pela doutrina majoritária de erro de subsunção. O erro do
sujeito é irrelevante, pois conhecia a função das marcas/riscas que alterou na comanda
de consumo, ainda que não considerasse aquele papel um documento. Para Kaufmann, o
sujeito na maioria das vezes não possui uma representação jurídica de seu fato, mas
apenas do significado social de sua conduta e isto de maneira imprecisa e com
linguagem coloquial reduzida. É o que ocorre nesse caso, o sujeito não pensa em um
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delito relacionado a documento, mas pensa em manipulação, farsa. Assim, para a
imputação, deve-se relacionar o que o sujeito pensa por manipulação com o conceito de
falsificação de documento.
5.2.2.4 Roxin
Ressalta, todavia, que é muito difícil que se encontrem elementos puramente normativos
ou puramente descritivos, pelo que ambas as formas de conhecimento certamente
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seriam necessárias na maioria das circunstâncias de fato.
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Os elementos normativos do tipo: surgimento,
caracterização e a problemática do erro
A valoração paralela corresponde ao conhecimento necessário para o dolo, uma vez que
o "objeto do dolo não são os conceitos jurídicos ou a antijuridicidade da ação, senão as
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circunstâncias de fato, ou seja, os fatos externos junto com o seu significado social".
Roxin defende, todavia, que é errada a ideia de que valorações jurídicas errôneas ("erros
de direito") sempre resultam em um erro de subsunção e que às vezes configuram um
erro de proibição. Explica que somente quando o sentido social de uma circunstância de
fato é compreendido sem o conhecimento do conceito jurídico que a caracteriza, é que
as falsas interpretações (subsunções errôneas) não afetam o dolo. Mas, quando essa
concepção jurídica equivocada veda ao sujeito o sentido social de sua atuação, tal erro
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exclui sim o dolo em relação aos elementos normativos.
Assim, há casos em que o conteúdo do sentido social não pode ser entendido sem uma
determinada qualificação jurídica. Se alguém, por exemplo, em razão de uma concepção
jurídica equivocada, entende como própria uma coisa alheia, haverá a exclusão do dolo.
O contrário ocorre quando um estudante, ao mudar de residência, leva consigo um livro
que havia comprado juntamente com o seu antigo companheiro de casa. Nesse caso há
um erro de subsunção irrelevante, pois o estudante sabia que a coisa não lhe pertencia
exclusivamente, não cabendo alegar que entende como alheia somente a coisa que
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pertence totalmente a outrem.
Enfim, de acordo com a teoria de Roxin, o erro sobre o sentido um elemento normativo,
a depender da valoração feita pelo sujeito do fato, poderá ser um erro irrelevante ou um
erro relevante, quando então poderá ser afirmado o erro de tipo ou o erro de proibição.
5.2.2.5 Jakobs
saber como surgiu a propriedade, como foi adquirida. Nesse caso, se há um erro acerca
do substrato, não haverá a exclusão do dolo. Por exemplo, se o autor da conduta supõe
que subtrai da vítima uma coisa que por esta foi adquirido por meio de um legado,
quando na verdade foi adquirida por herança, é irrelevante para o dolo. O sujeito sabia
que a coisa era alheia, que pertencia à vítima, não sendo relevante se foi adquirida por
legado ou herança. Logo, haverá dolo quando o autor, conhecendo das circunstâncias
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fáticas, supõe erroneamente acerca do seu fundamento ou origem.
Por fim, quem, tendo relacionado corretamente o substrato e a sua consequência, supõe
que também outras circunstâncias objetivamente inapropriadas desencadeariam a
consequência, só atua com dolo se o seu erro não afeta mais do que casos marginais.
Por exemplo, o conceito de propriedade não se torna errado se o sujeito considera
erroneamente, e sem relação com o comportamento concreto, que um legatário adquire
a propriedade imediatamente ou que não seja possível adquiri-la em hasta pública. Mas
se o autor acredita que a propriedade é um direito que pode ser, dentre outros modos,
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adquirido pela subtração, falta-lhe conhecimento suficiente da regulamentação.
5.2.3.1 Kindhäuser
Todavia, segundo Kindhäuser, para a questão do dolo não interessa a distinção entre
elementos normativos e elementos descritivos. O que se deve distinguir é o
conteúdo/sentido de uma afirmação típica das condições fáticas que devem ser
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realizadas para que essa afirmação seja verdadeira.
Com isso se distingue o erro sobre o sentido do erro sobre a verdade. Para
diferenciá-los, um erro sobre o sentido se corrige mediante um esclarecimento sobre a
as regras idiomáticas, enquanto que o erro sobre a verdade se corrige com um juízo
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empírico de que as coisas não têm as propriedades que o autor as atribuiu. Logo, o
erro sobre o sentido é de natureza analítica, pois quem se encontra em um erro de
sentido desconhece as condições sob as quais a situação de fato expressa mediante uma
oração é verdadeira; já o erro sobre a verdade é de natureza empírica, uma vez que
quem se encontra em um erro sobre a verdade não sabe que existem as condições sob
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as quais a situação de fato expressa por uma oração é verdadeira. O erro sobre a
verdade é relevante para o dolo, enquanto que o erro sobre o sentido está relacionado à
culpabilidade, podendo ser um erro penal irrelevante ou levar a um erro de proibição.
Importante mencionar ainda que Kindhäuser entende ser permitido pelo direito penal a
punição de alguém por um fato doloso mesmo que o agente não conheça a norma que
proíbe o seu comportamento, e isso ocorre quando o sujeito podia e devia evitar o
desconhecimento dessa norma. Para Kindhäuser, espera-se que um cidadão leal ao
direito extraia de certas circunstâncias realizadoras do tipo a conclusão da proibição da
realização dessas circunstâncias. Não se exige o conhecimento do sentido de um
predicado presente no tipo, mas que na análise do caso concreto possa o sujeito concluir
pela danosidade de sua conduta. É o que ocorre, por exemplo, no caso da alteração do
controle de consumo, já que o autor podia conhecer a proibição de sua conduta, pelo
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que deve ser punido.
Por fim, a teoria de Kindhäuser é criticada por alguns autores. Segundo Suay Hernández,
diante de uma diferença das intenções técnica e vulgar, Kindhäuser entende que se trata
de um erro de sentido e que, portanto, é irrelevante. Contudo, para Suay Hernández,
antes de afirmar a irrelevância deste tipo de erro deve-se analisar a aceitação geral do
padrão, do conceito utilizado, a sua divulgação, bem como o grau de certeza que
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Os elementos normativos do tipo: surgimento,
caracterização e a problemática do erro
70
proporciona na determinação da extensão do elemento típico.
Segundo Schlüchter, para que se possa falar em comissão dolosa devem-se reduzir as
exigências do aspecto subjetivo do fato até o ponto em que se possa reconhecer o
sujeito como instância decisória, tendo o sujeito apreendido o significado lesivo de sua
conduta. Assim, para cada elemento típico deve-se perguntar se o sujeito compreendeu
o estado de coisas, determinado pelo tipo, que se refere ao bem jurídico. Só haverá dolo
quando o sujeito tiver apreendido o conteúdo do significado relacionado ao bem jurídico,
não sendo necessário o conhecimento da significação global do elemento (normativo)
73
típico.
Tischler também critica a tese de Schlüchter, expondo que a sua teoria não se diferencia
das anteriores e nem é mais precisa ou mais útil do que elas. Entende que a autora não
76
vai nada além do critério de valoração paralela que tanto rechaça.
E, para melhor compreensão de sua teoria, Suay Hernández expõe dois grupos de casos
de erro devidos a uma incongruência entre o significado que os termos legais possuem
na linguagem técnica e na linguagem vulgar, quais sejam, os termos legais
normatizados e os termos legais vagos.
Entende por termos legais normatizados aqueles que não são propriamente normativos,
mas que foram normatizados pela interpretação jurídica, de modo que para
compreender corretamente o seu significado deve-se conhecer o padrão jurídico
estabelecido pela doutrina, distinguindo-se o seu significado dos usos lingüísticos
comuns. Suay Hernández realiza um estudo específico sobre o termo "danificar ou
destruir" nos delitos de dano. Nesses delitos o bem jurídico protegido é a propriedade,
78
que pode ser entendida como domínio sobre bens.
Expõe que a jurisprudência alemã inclui nos delitos de dano exemplos como: prejudicar
animais alheios, alterar o sistema nervoso de um cavalo, ensinar expressões
pornográficas a um papagaio, colocar cartazes em paredes, introduzir percevejos em um
hotel, entre outros.
Analisa a situação em que, realizando um dos exemplos acima, o autor do fato sabe que
prejudica as faculdades dominicais de uso e disposição, porém não chega a pensar que
está danificando ou destruindo uma coisa. Para a teoria da valoração paralela na esfera
do profano, o sujeito sabia que seu comportamento prejudicava as faculdades de
disposição do proprietário, tendo uma compreensão suficiente do elemento típico,
resultando em um erro de subsunção irrelevante. Assim também para Schlüchter, por o
sujeito ter abarcado os componentes do elemento típico referidos ao bem jurídico, é
dizer, o prejuízo para as faculdades dominicais, devendo-se afirmar sua atuação dolosa.
79
Todavia, de acordo com Suay Hernández, a solução será outra. Nos casos citados não há
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Os elementos normativos do tipo: surgimento,
caracterização e a problemática do erro
Após, Suay Hernández fala dos termos legais vagos. São termos que tradicionalmente se
consideram valorativos, como "ato de exibição obscena", "pornográfico", "bons
costumes", entre outros que provocam incertezas quanto aos seus significados. Entende
que essas expressões podem ser determinadas objetivamente, porém não em termos
absolutos, mas sim em termos relativos. Traz como exemplo o termo obsceno ou
pornográfico, que deverá ser definido de acordo com os usos/costumes majoritários,
tanto técnicos como vulgares. Todavia, mesmo assim, persistirá uma zona de
indeterminação com relação aos contornos da extensão. Em razão disto, defende que
deve ter mais amplitude o erro de tipo com relação a esses termos legais vagos, pelo
que o erro de subsunção sobre o caráter pornográfico deverá ser tratado como um erro
81
de tipo, excludente do dolo.
Essas expressões reportam a uma relação comunicativa entre os sujeitos. Por exemplo,
no caso de atos lúbricos ou de exibição obscena, o autor do fato deve saber que realiza
um ato de exibição e que este no contexto em que se encontra é interpretado como
obsceno, independentemente da opinião que tenha a esse respeito. Assim, entende Suay
Hernández que um erro do sujeito sobre a mensagem que objetivamente transmite o
seu ato será um erro sobre um elemento do tipo e não um erro sobre a antijuridicidade.
82
Por fim, entende que há situações em que o conhecimento do âmbito fático denotado
pelos elementos típicos leva também ao conhecimento de uma forma de contrariedade
ao Direito, concorrendo assim tanto os elementos do erro de tipo com os elementos do
erro de proibição. Nestes casos entende Suay Hernández que se deve dar prevalência ao
erro de tipo. Mas isso não impede as possibilidades de erro de proibição nesses casos,
pois este tipo de erro claramente se dará quando o autor atua sob a crença errônea de
83
que concorre uma causa de justificação.
Para Miguel Díaz y Gárcia Conlledo, quando fala nos termos legais normatizados, Suay
Hernández equipara casos em que a interpretação dogmática terá que complementar a
construção do tipo com aqueles em que o resultado da interpretação vai mais adiante do
que expressam as próprias palavras da lei e que, portanto, se põem em perigo o
princípio da legalidade e da seguridade jurídica. Entende este autor que nos casos em
que a interpretação vai além do teor literal possível, ampliando a responsabilidade penal,
o que se deve dizer não é que essa interpretação colocou em perigo os princípios da
legalidade e da seguridade jurídica, mas que houve vulneração aberta do primeiro
princípio, pelo que outra coisa não é possível senão a inconstitucionalidade da
interpretação. Da mesma forma, se os preceitos penais são muitos vagos, a solução é
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declarar a inconstitucionalidade.
Ingeborg Puppe, funcionalista, traz a teoria das orações logicamente equivalentes. Inicia
explicando que o sujeito para atuar dolosamente deve representar o sentido do tipo e
não necessariamente o seu teor literal.
Para Puppe, um tipo não é uma frase completa, mas sim uma função de frase que
representa uma referência entre os indivíduos e que pode ser satisfeita por uma
diversidade de situações em razão de suas indeterminações. Um tipo descreve, desse
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modo, muitos fatos, e os fatos são a intenção do tipo, e não sua extensão. Diante
disto, Puppe defende a importância da formulação típica, pois através dela o legislador
não apenas delimita o âmbito do objetivamente punível, como também determina o
sentido do tipo que representa os conhecimentos que deverão existir para que se possa
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Os elementos normativos do tipo: surgimento,
caracterização e a problemática do erro
afirmar o dolo.
E, para saber se o dolo do autor abarcou o sentido do tipo e de seus elementos, bem
como se houve erro de tipo ou erro de proibição, Puppe propõe o procedimento das
orações logicamente equivalentes (L-equivalentes). Orações logicamente equivalentes
são aquelas que descrevem a mesma realidade ou fato, de modo que para o
conhecimento do sentido do tipo basta que o sujeito represente uma oração que guarde
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relação de especialidade conceitual com a oração típica ou com uma equivalente.
Traz como exemplo o cliente que troca as etiquetas de preços de duas mercadorias de
um armazém. Para que saiba que tal fato configura falsificação de documento não é
necessário que represente um conceito logicamente equivalente àquele de documento
trazido pelo tipo penal, basta que tenha a consciência de que gerou a aparência de que o
dono do armazém emitiu mercadorias em um preço mais barato do que na realidade o
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fez.
E, no caso concreto, para saber se o sujeito incidiu em erro e de que natureza, o juiz
deverá apresentar ao acusado frases que guardem uma relação de especialidade com a
oração típica (equivalente). Se realmente o sujeito sofreu erro de tipo, não irá confirmar
qualquer das orações. Já se o erro foi meramente conceitual (erro de subsunção), em
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algum momento o acusado irá confirmar uma das orações que propôs o juiz. Esse
método se aplica aos elementos normativos, permitindo a identificação do tipo do erro e
se relevante penalmente ou não.
Por fim, Puppe fala especificadamente dos elementos normativos que não expressam
uma relação jurídica, mas um juízo de valor normalmente negativo como, por exemplo,
"comportamento injuriante", "cruel" e "ato atentatório à dignidade". Expõe que, nestes
tipos de elementos normativos, da mesma forma, haverá erro de tipo quando o erro
recair sobre o sentido do tipo e erro de subsunção quando incidir sobre o seu teor literal.
Ressalte-se, ao fim, que a teoria de Puppe é alvo de diversas críticas. Uma das críticas é
a feita por Kindhäuser, entendendo que a teoria de Puppe possui dificuldade prática,
tendo em vista a dificuldade do juiz, para descobrir se está diante de um erro de tipo ou
de subsunção, em oferecer orações equivalentes ou que guardem relação de implicação
91
com a oração típica.
6. Conclusão
Mas, quando o erro incide sobre o conceito ou sentido de um elemento normativo do tipo
não há unanimidade na doutrina. Entende-se que não são adequadas as teorias que
consideram suficiente para o dolo apenas o conhecimento das circunstâncias fáticas,
alegando ser irrelevante todo e qualquer erro sobre o sentido do elemento normativo.
Também não apresentam melhor solução as teorias que exigem para o dolo um
conhecimento exato ao jurídico do significado ou sentido de um elemento normativo do
tipo, já que entre os leigos raramente seria afirmado o dolo, pois estes na maioria das
vezes não possuem conhecimentos jurídicos exatos.
Reconhece-se que é necessário um meio termo entre essas teorias. E tal é dado pelo
entendimento de que para o dolo é suficiente que o sujeito realize uma valoração do
elemento ao nível do que socialmente se entende. O dolo não deve possuir como objeto
os conceitos jurídicos em si, mas as circunstâncias de fato e o seu significado social.
Conclui-se desse modo que não é possível a elaboração de fórmulas gerais para a
solução do problema do erro sobre os elementos normativos do tipo. É necessário o
estudo de cada caso concreto, suas peculiaridades, bem como uma análise dos termos
da lei utilizados na descrição típica.
Por tudo isso, fica evidente a importância prática e doutrinária do estudo dos elementos
normativos do tipo. Esses elementos são cada vez mais numerosos, integrando a maioria
absoluta dos tipos penais, bem como é muito frequente a ocorrência de erro sobre esses
elementos no caso concreto, questão esta de difícil solução.
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11. Welzel, Hans. Derecho penal alemán. Trad. Juan Bustos Ramírez e Sérgio Yáñez
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17. Burkhardt, Björn. Rechtsirrtum und Wahndelikt - Zugleich Anmerkung zum Beschluβ,
JZ, 1981, p. 683, apud García Conlledo, op. cit., p. 52.
18. Kindhäuser, Urs Konrad. Rohe Tatsache und normative Tatbestandsmerkmale, Jura,
1984, p. 465 e ss., apud Suay Hernández, op. cit., p. 299.
20. Wolf, Erik. Der Sachbegriff im Strafrecht, RG-Fg V, 1929, p. 56, apud García
Conlledo, op. cit., p. 55.
21. Bockelmann, Paul. Strafrecht Algemeiner. 4. ed. München: Beck, 1987, p. 76, apud
García Conlledo, op. cit., p. 55.
23. Dopslaff, Ulrich. Plädoyer für einen Verzicht auf die Unterscheidung in deskriptive
und normative Tatbestandsmerkmale, GA, 1987, p. 19, apud García Conlledo, op. cit., p.
56.
24. Walter, Tonio, Der Kern des Strafrechts, Mohr Siebeck Tübinge, 2006, p. 219, apud
García Conlledo, op. cit., p. 57.
25. Jescheck, Hans-Heinrich. Derecho penal: parte general. Trad. Dr. José Luiz
Manzaneres Samaniego. 4. ed. Granada: Comaris, 1993, p. 244.
26. Kaufmann, Arthur. Parallelwertung, 1982, p. 10, apud Gárcia Conlledo, op. cit., p.
57.
30. A teoria da distinção entre erro de fato e erro de direito é baseada na teoria do dolo,
de cunho neokantista, sendo que para essa o dolo e a culpa pertencem à culpabilidade,
não sendo elementos do tipo. Logo, para a teoria do dolo, se não há dolo,
consequentemente há a exclusão da culpabilidade. É somente com o finalismo que o
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Os elementos normativos do tipo: surgimento,
caracterização e a problemática do erro
31. Elementos normativos penais são aqueles que guardam relação com normas penais;
já os elementos normativos extrapenais também guardam relação com normas jurídicas,
mas de ramo diferente do Direito Penal.
37. Dopslaff, Ulrich. Plädoyer für einen Verzicht auf die Unterscheidung in deskriptive
und normative Tatbestandsmerkmale, GA, 1987, p. 22, apud Garcia Conlledo, op. cit., p.
352.
40. Frisch, Wolfgang. Rechtfertigung und Entschuldigung III, 1991, p. 151, apud Garcia
Conlledo, op. cit., p. 358.
44. Kaufmann, Arthur. Die Parallelwertung in der Laienspähre, Göttingen, 1959, p. 33,
apud Suay Hernández, op. cit., p. 307.
50. Kuhlen, Lothar. Die normativen Merkmale der strafrechtlichen Tatbestände. Berlin:
Walter de Gruyter, 1958, p. 463, apud Suay Hernández, op. cit., p. 308.
63. Kindhäuser, Urs Konrad et al. El error en el derecho penal. Buenos Aires: Ad Hoc,
1999, p. 144.
68. Kindhäuser, Urs Konrad. Zur Unterscheidung von Tat - und Rechtsirrtum, GA, 1990,
p. 412, apud García Conlledo, op. cit., p. 227.
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Os elementos normativos do tipo: surgimento,
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91. Kindhäuser, Urs. Rohe Tatsache und normative Tatdestandsmerkmale, Jura, 1984, p.
413, apud García Conlledo, op. cit., p. 350.
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