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OS POEMAS
POSSÍVEIS
OS POEMAS
POSSÍVEIS
Duarte, Bruno
Os poemas possíveis / Bruno Duarte. -– Sorocaba :
Recanto das Letras, 2018.
56 p.
ISBN: 978-85-69943-81-5
CATAR ....................................................... 10
MANHÃ, TARDE E NOITE ..................... 12
SUBMERSO .............................................. 16
POEMA LÍQUIDO ................................... 17
MEU CORPO ........................................... 18
EM SEU CORPO ...................................... 20
EPÍLOGO .................................................. 23
MONÓLOGO DE UM RIO ..................... 26
ALICE ........................................................ 28
NO PRINCÍPIO ........................................ 32
AS TETAS DA MISÉRIA ........................... 35
BICHO ...................................................... 37
ASSIM É BOM ........................................... 39
ELE SE FOI ................................................ 43
MUNDO in MUNDO .............................. 45
CUSTOS .................................................... 47
TODAS AS PUTAS .................................... 51
1
O poema
antes de escrito
não é em mim
mais que um aflito
silêncio
ante a página em branco
Ferreira Gullar
BRUNO DUARTE
CATAR
sair catando
bitucas
de cigarros
à beira da pista
à beira do mar
catando
conchas
catar retalhos
para formar
um cobertor
e me aquecer
do frio
catar migalhas
para matar
minha fome
e catar
as palavras
à beira da
solidão
10
BRUNO DUARTE
para compor
minha dor
cantar as
misérias
as sujeiras
do mundo
e me esquecer
da vida
11
BRUNO DUARTE
os dourados
cabelos da manhã
penteio
em sorrisos diáfanos
quando
me despertas
colocando
suas mãos
férvidas
sobre meu
corpo recém
sonhado
12
BRUNO DUARTE
quando me
despertas
suave
tarde de primavera
beijando-me
com seus
lábios florais
molho-te
até a raiz
o caule
defloro
sua flor
de
perfume
espectral
14
BRUNO DUARTE
e quando
finalmente
tuas mãos
noturnas
me embalam
num
sono profundo
sobre suas
pálpebras
mergulho
num lindo
ressoar
de poesias
e eis
então
meu primeiro
poema feito
em sonhos
17
BRUNO DUARTE
com imagens
um tanto quanto
abstratas
e adormeço
sob o negro
lençol de
sua imensa
escuridão
15
BRUNO DUARTE
SUBMERSO
sub
merso
em versos da
taciturna solidão noturna
vou aos poucos me perdendo
o ar cada vez mais rarefeito vou
me dissipando paulatinamente até
por fim transformar-me nessa luz miúda
duma vida escura que a chamam de poesia
16
BRUNO DUARTE
POEMA LÍQUIDO
não queira
beber de meu poema
tampouco banhar sua alma
em meus versos
não queira congelar meu poema
em cubos de sofrimento
nem refletir-se em suas cristalinas
linhas com sua arrogância narcisista
não queira engarrafar meu poema
em pequenos vidros de veneno
e com ele envenenar as pessoas por dentro
nem queira assassinar essas almas desavisadas
afogando-as em minha lírica de sangue
17
BRUNO DUARTE
MEU CORPO
meu corpo
é um hospício
onde reside
um poeta louco
é um abrigo
onde abriga
um poeta perdido
é um templo
que guarda em si
um poeta sem fé
é uma alcova
onde adormece
um poeta devasso
18
BRUNO DUARTE
é um túmulo
onde está preso
um poeta assombrado
é uma estrada
onde caminha
um poeta errante
é uma taberna
onde repousa
um poeta ébrio
é um livro
que guarda
todos os versos
de um poeta
19
BRUNO DUARTE
EM SEU CORPO
20
BRUNO DUARTE
21
BRUNO DUARTE
22
BRUNO DUARTE
EPÍLOGO
não busque
olhares em meus olhos
nem sorrisos
em meus lábios
tudo que havia
para dizer já foi dito
nenhuma expressão
você verá em meu rosto
e de meus beijos
já não mais sentirá o gosto
não busque
calor em meu corpo
não espere de
meus braços abraços
algum
pois tudo que
havia para amar amei
tudo que havia para
chorar chorei
23
BRUNO DUARTE
de minhas mãos
nem mais um afago
de meu coração
nem mais um palpitar apaixonado
de minhas manhãs
nenhuma será ensolarada
e de minhas noites
estrela alguma brilhará
em meu céu escuro
24
BRUNO DUARTE
e sobretudo
não espere de mim
mais do que flores
numa coroa com teu
nome escrito
no dia de seu funeral
25
BRUNO DUARTE
MONÓLOGO DE UM RIO
afogaram-se
em mim todos
os amores
apenas restando
rancores
submersos no limbo
obscuro de alguma caverna
e as dores
ah as dores
às vezes ressurgem em minha
superfície
feito corpos putrefatos
e infestam a tudo
com seus fétidos odores
26
BRUNO DUARTE
à minha margem
brincam crianças
desprovidas
de futuro
sem rumo
a esmo no mundo
escuro
infinita noite
sou um lugar
perigoso
cheio de armadilhas
um passo em
falso
te puxo
para o fundo sem
fim do abismo da solidão
27
BRUNO DUARTE
ALICE
ali
Alice estava
contemplando abismos
dum país distante
diante
do precipício ali
Alice estava
caminhando pelos
labirintos de sua alma
ali
Alice estava
experimentando o ópio
da existência humana
na toca do coelho ali
Alice estava mergulhada
no êxtase da loucura
sentindo-se
um tanto quanto diminuta
28
BRUNO DUARTE
ali
Alice estava
formando rios de lágrimas
após comer do bolo de larvas
correndo em círculos
no esgoto ali
Alice estava ouvindo
estórias de um rato
fétido e asqueroso
ali
Alice estava
após se perder pelos
caminhos escuros ali
Alice estava fumando
da pedra que trocou
por sexo oral em plena
luz do dia jogada na rua afogada
em vômitos da overdose ali Alice está
29
2
o gari vai varrendo o mundo
e nada fica limpo
a sujeira tá no coração do homem
NO PRINCÍPIO
no princípio era
o verbo
agora é a verba
os dez por cento
da miséria
por uma lavagem
cerebral no
centro orbital
da guerra
nesse mar de caos
de cabeças decapitadas
de rendas per capitas
do mal
de lamas de
quinze minutos de fama
de estupros coletivos
de garotas propagandas
32
BRUNO DUARTE
no princípio era
o verbo
hoje é o abismo
o precipício
o fundo do
fundo do poço
da fé cega
do buraco de minhoca
do buraco negro
do medo
que espreita
da dor que
espreita
da fome de fome
da sede de sede
vamos todos
indo rindo
de nossas próprias
graças desgraças
caminhando
mergulhando nesse
33
BRUNO DUARTE
rio de merda
nos afundando
cada vez mais
no fundo do
fundo do fundo
desses dias tão rasos
no princípio
era o verbo
mas agora é
o que me falta
34
BRUNO DUARTE
AS TETAS DA MISÉRIA
35
BRUNO DUARTE
36
BRUNO DUARTE
BICHO
não
não é um bicho
ali mexendo na
sua lata de lixo
não é um bicho
ali naquela jaula
bicho não é
ali sangrando no
meio da rua
crivado de bala
bicho não é
ali mendigando uma
moeda
bicho não é
ali deitado na calçada
drogado de cachaça
bicho não é ali
morto largado na vala
enterrado sem nome
37
BRUNO DUARTE
nem nada
bicho não é ali
gritando entrega
a porra da bolsa
se não atiro na
sua cara
bicho não é
aquele ali vivendo
feito bicho não
não é um bicho
ali vivendo
naquele lixão
38
BRUNO DUARTE
ASSIM É BOM
Quanto mais
eles trabalham
menos eles pensam
assim é bom
assim é bom
Quanto mais
doentes ficam
mais remédios
vendemos
assim é bom
assim é bom
39
BRUNO DUARTE
Quanto mais
eles se matam
entre si
mais audiências
ganhamos
e mais propagandas
vendemos
assim é bom
assim é bom
40
BRUNO DUARTE
Quanto mais
medo
mais cercas elétricas
mais câmeras
mais livros de
autoajuda
mais igrejas
abertas
mais pessoas
trancadas
assim é bom
assim é bom
Quanto mais
guerras
mais armas vendidas
menos pessoas no mundo
assim é bom
assim é bom
41
BRUNO DUARTE
Quanto mais
desordem e caos
mais ordem para
o povo
mais progresso
para nós
ordem e progresso
assim é bom
assim é bom
assim é bom
42
BRUNO DUARTE
ELE SE FOI
ele se foi
nem disse adeus
apenas disse até mais
foi cedo demais
embora já fosse tarde da noite
ele se foi
nem barulho fez
embora o impacto
tenha sido violento
43
BRUNO DUARTE
ele se foi
e deixou um vazio
que encheu
todo o ser daquela mãe
ele se foi
pra onde eu não sei
só sei que quando se foi
estava indo pra São Paulo
pela rodovia Fernão Dias
44
BRUNO DUARTE
MUNDO in MUNDO
a hiena
come carniça
e ri
penso nisso
olhando
as pessoas
ali no lixão
a felicidade
nos olhos
quando se
aproxima mais
um caminhão
45
BRUNO DUARTE
penso no
verso de Miró de
Muribeca
que diz
que urubu
come carniça
e voa
e noutro
verso que diz
que a sujeira
tá no coração
do homem
vou pensando
enquanto cato
minhas latinhas
que brilham ao sol
do meio dia
46
BRUNO DUARTE
CUSTOS
Quanto custa
viver a vida?
Qual o custo
de ver a vista?
Qual desconto
pagar à vista?
Quanto custa
ser bem visto?
Pra ter o visto?
Ficar bem vestido?
Quanto custa
cada coisa que se finda?
Cada veste cada vista?
Ser bem atendido?
47
BRUNO DUARTE
Quanto custa
cada sonho? uma boa
noite de sono?
Cada sorriso quanto custa?
Se é em dinheiro
ou não?
Cheque especial?
Cartão?
Me diz:
Quanto custa
qual o custo
para ser feliz?
48
3
só as putas sabem o valor do amor
Marcelo Yuka, em Astronautas Daqui
BRUNO DUARTE
TODAS AS PUTAS
Em cada puta
De cada esquina
Deixei um pouco
Da minha grana
Da minha fome
Da minha sede
Em cada puta
De cada esquina
Deixei um pouco
Da minha febre
Do meu vazio
Do meu sangue
Em cada puta
De cada esquina
Deixei um pouco
Da minha porra
Da minha pele
Da minha poesia
51
BRUNO DUARTE
Em cada puta
De cada esquina
Deixei um pouco
Do meu silêncio
Do meu grito
Do meu abismo profundo
Em cada puta
De cada esquina
Deixei um pouco de mim
E agora em mim
Resta um pouco
De cada puta de cada esquina
52
Este livro foi impresso pela gráfica Forma Certa
para a Editora Recanto das Letras
em abril de 2018.
ISBN 978-85-69943-81-5
9 788569 943815