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A SOGRA QUE ENGANOU O DIABO - CORDEL DE LEANDRO GOMES DE

BARROS
Dizem, não sei se é ditado, E nisto ouviu-se um estouro!
Que ao diabo ninguém logra; Gritou a velha: — Jesus!
Porém vou contar o caso Ligeira se ajoelhou
Que se deu com minha sogra. E, depois, se persignou
As testemunhas são eu, E rezou o Credo em cruz!
Meu sogro, que já morreu,
Nisto, o diabo fugiu.
E a velha, que é falecida.
E, quando a velha se ergueu,
Esse caso foi passado
Ele chegou de mansinho,
Na rua do Pé Quebrado
Dizendo logo: — Sou eu!
Da vila Corpo Sem Vida.
Agora sou teu amigo
Chamava-se Quebra-Quengo Quero andar junto contigo,
A mãe de minha mulher, Mostrar-te que sou fiel.
Que se chamava Aluada Minha carta, queres ver?
Da Silva Quebra-Colher, A velha pediu pra ler
Filha do Zé Cabeludo. E apossou-se do papel.
Irmã de Vítor Cascudo
— Dê-me isto! grita o diabo,
E de Marcelino Brabo,
Em tom de quem sofre agravo.
Pai de Corisco Estupor;
Diz a velha: — Não dou mais!
Mas ouça agora o senhor
Tu, agora, és o meu escravo!
Que fez a velha ao diabo.
Disse o diabo: — Danada!
Minha sogra era uma velha Meteu-me numa quengada!
Bem carola e rezadeira, Sou agora escravo dela!
Tinha seu quengo lixado, E disse com humildade:
Era audaz e feiticeira; — Dê-me a minha liberdade,
Para ela tudo era tolo, Que esticarei a canela!
Porque ela dava bolo
Disse a velha: — Pé de pato,
No tipo mais estradeiro.
Farás o que te mandar?
Era assim o seu serviço:
Respondeu: — Pois sim, senhora,
Ela virava o feitiço
Pode me determinar,
Por cima do feiticeiro!
Porque estou no seu cabresto
Disse o demo: — Quebra-Quengo, Carregarei água em cesto,
Qual é a tua virtude? Transformarei terra em massa,
Dizem que és azucrinada Que para isso tenho estudo;
E que a ti ninguém ilude? Afinal, eu farei tudo
Disse a velha: — Inda mais esta! Que a senhora disser — faça!
Você parece que é besta!
Disse a velha: — Vá na igreja,
Que tem você c’o que faço?
Traga a imagem de Jesus.
Disse ele: — Tudo desmancho,
Respondeu: — Posso trazê-la,
Nem Santo Antônio com gancho
Mas ela vem sem a cruz,
Te livra hoje do meu laço!
Porque desta tenho medo!
Ela indagou: — Quem és tu? Disse a velha: — Volte cedo!
Respondeu: — Sou o demônio, Ele seguiu a viagem
Nem me espanto com milagre, E ao sacristão iludiu:
Nem com reza a Santo Antônio! Uma estampa lhe pediu
Pretendo entrar no teu couro! Que só tivesse uma imagem.
A velha, então, conheceu E com traiçoeiros laços
Do cão o quengo moderno, As sogras auxiliando…
E, receando que um dia
Deste fato as testemunhas
A levasse para o inferno,
Já disse todas quais são.
Para algum canto o mandou
Agora, quer o senhor
E em sua ausência traçou
Saber se é exato ou não?
Com giz uma cruz na porta.
Invoque no espiritismo
Voltou o cão sem demora,
Ou pergunte ao caiporismo,
Viu a cruz, ficou de fora,
Este que sempre nos logra,
Gritando com a cara torta.
Se sua origem não veio
Gritou o cão no terreiro: Do diabo imundo e feio
— Aqui não posso passar! E do quengo duma sogra!
Venha me dar minha carta,
Quero pro inferno voltar!
Disse a velha que não dava,
Mas ele continuava
A rinchar como uma besta.
— Pois fecha os olhos! ela diz.
Ele fechou e, com giz,
Fez-lhe outra cruz bem na testa!
Aí entregou-lhe a carta
E o demo pôs-se na estrada,
Dizendo com seus botões:
— Não quero mais caçoada
Com velha que seja sogra,
Porque ela sempre nos logra!
Foi, assim, a murmurar.
Quando no inferno chegou,
O maioral lhe gritou:
— Aqui não podes entrar!
— Então, já não me conhece?
Perguntou ao maioral.
— Conheço, porém, aqui
Não entras com tal sinal:
Estás com uma cruz na testa!
Disse ele: — Que história é esta?
Que é que estás aí dizendo?
Mirou-se dum espelho à luz:
Quando distinguiu a cruz,
Saiu danado, correndo!
E, na carreira em que ia,
Precipitou-se no abismo,
Perdeu o ser diabólico,
Virou-se no caiporismo,
Pela terra se espalhou,
Em todo lugar se achou,
Ao caipora encaiporando,
Embaraçando seus passos

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