Caracterização da População Utente da AJPAS no Casal da Boba

Characterization of the population using the AJPAS in Casal da Boba

C., Sara1, T.O,Isabel2, C.A,António3 & G.S.,Vitalina4, J.,Ana5, C.A.,Rita6

1
Aluna de Análises Clínicas e Saúde Pública da Universidade Atlântica
2
Docente da Estatística da Universidade Atlântica
3
Médico de Saúde Pública e Presidente da Direcção da AJPAS.
4
Advogada e Presidente do Conselho Fiscal da AJPAS.
5
Docente de Investigação aplicada II da Universidade Atlântica
6
Aluna de Análises Clínicas e Saúde Pública da Universidade Atlântica

RESUMO
JUSTIFICATIVA E OBJECTIVOS: O estudo
em desenvolvimento propõe explorar características
da população utente da AJPAS no Bairro da Boba
em geral segundo um conjunto de parâmetros. A
realização deste estudo de caracterização dos
utentes da AJPAS no Casal da Boba tem como
principal objectivo conhecer em pormenor as
especificidades da população que utiliza esta
associação. Trata-se de um estudo com um fim
descritivo e exploratório com relevância per si e pelo
facto de constituir uma base para conhecer a
evolução registada na população em possíveis
estudos posteriores.
MATERIAL E MÉTODOS: A recolha de dados
foi realizada através de um inquérito realizado aos
utentes da AJPAS no Casal da Boba. A análise
estatística foi realizada em SPSS v. 17.0.
RESULTADOS: De acordo com os resultados
obtidos dos utentes da AJPAS no Bairro da Boba,
verificou-se uma prevalência do género feminino,
utentes com idade superior a 60 anos, com estado
civil viúvo, e nenhuma escolaridade, na sua maior
parte reformados. Os utentes são na sua maioria
portugueses, vivendo em habitação social e
sozinhos, na maioria. O rendimento por agregado
familiar é maioritariamente entre 260-500€. Quanto
a patologias, a hipertensão e hiperlipidémia são as
mais prevalentes nesta população; e grande maioria
usa as unidades de saúde públicas e tem médico de
família. Quanto à utilização da AJPAS, os utentes
usam na sua maioria os serviços de enfermagem e
consulta de rotina, considerando esta unidade muito
útil e imprescindível.
CONCLUSÕES: Com os resultados deste
estudo pôde-se conhecer melhor a população
utente da AJPAS no Bairro da Boba.
Palavras-chave: Saúde Pública, Saúde, perfil
de população, Bairro da Boba, AJPAS
INTRODUÇÃO
O acesso da população aos serviços de saúde é
uma condição de vital importância para uma
eficiente assistência à saúde, sendo que a
localização geográfica dos serviços é um dos
factores que interferem nessa acessibilidade.
O acesso e a utilização dos serviços de saúde pelos
imigrantes têm que ser considerado segundo a sua
origem, prestando atenção às múltiplas diferenças
como o idioma, os estilos de vida, a religião, a
cultura, as tradições, os códigos de saúde, a
alimentação e o estatuto económico. Sendo que
estas diferenças podem determinar a adaptação de
algumas das intervenções a desenvolver nesta
população com o objectivo de favorecer a sua
acessibilidade e garantir uma assistência de saúde
com qualidade.
A Amadora é um dos concelhos que abrange uma
proporção de imigrantes mais elevada no país.8 O
Município da Amadora foi fundado a 11 de
Setembro de 1979, sendo constituído por 11
freguesias distintas (Alfragide, Brandoa, Buraca,
Damaia, Falagueira, Venda Nova, Mina, Reboleira,
Venteira, Alfornelos e São Brás) estando localizada
na Área Metropolitana de Lisboa Norte, fazendo
fronteira terrestre com os Municípios de Lisboa,
Odivelas, Sintra e Oeiras.3
Tendo em conta a composição demográfica do
Município da Amadora, e as freguesias com
condições socioeconómicas desfavoráveis, como a
Brandoa, Buraca, Damaia, Falagueira, Mina e
Venda Nova, onde se apresentam maiores níveis de
carência, devendo-se ao elevado número de
alojamento sem as condições mínimas de
habitabilidade e pela baixa escolaridade dos
residentes aliada ao desemprego, esta população
torna-se mais susceptível quanto às questões da
saúde, dificultando o seu acesso ao sistema de
saúde.3
O Casal da Boba, situado na freguesia de S. Brás,
no concelho da Amadora, é uma urbanização criada
por iniciativa da Câmara Municipal da Amadora com
o propósito de realojar famílias oriundas de bairros
do concelho que consistem maioritariamente em
indivíduos de ascendência africana, com problemas
de exclusão social, tais como desemprego, baixos
rendimentos, baixa escolaridade, instabilidade
familiar e ausência de documentação. O lugar de
origem, a identidade cultural e racial e a
indocumentalidade são categorias que muitas vezes
condicionam a acessibilidade dos cuidados de
saúde por esta população.
Neste bairro, a AJPAS possui um “Serviço Médico
de Apoio à População”, que contribui
especificamente no apoio à população em distintas
áreas como sejam a prestação de cuidados em
saúde materna, o planeamento familiar, a saúde
infantil, a vacinação, promovendo ainda campanhas
de informação/sensibilização referentes à infecção
pelo HIV/SIDA e riscos subjacentes realizando
campanhas dirigidas a adolescentes e jovens
acerca da saúde sexual. A AJPAS efectua ainda
distribuição de preservativos e realização de
consultas de saúde sexual e reprodutiva/
sexualidade destinadas aos jovens. Para além do
“Serviço Médico de Apoio à População” sediado no
Bairro do Casal da Boba, a AJPAS possui ainda
uma Unidade de Saúde Móvel com o objectivo de
chegar não só ao Casal da Boba, mas também a
outras populações igualmente carenciadas.
Dentro da área metropolitana de Lisboa, existem
Unidades de Saúde Móveis apoiadas pelo Ministério
da Saúde que actuam nos seguintes locais: Cascais
(no âmbito dos projectos “Nasci e agora?” e “Saúde
em Movimento”), Lumiar (no âmbito de projectos de
intervenção comunitária e no Bairro da Cruz
Vermelha), Marvila (no âmbito de projectos de
intervenção comunitária nos Bairros dos Alfinetes e
Marquês de Abrantes), Oeiras (no âmbito do
projecto NAUS), Pontinha (no Bairro Olival do
Pancas) e Venda Nova (no âmbito de projectos de
intervenção comunitária no Bairro 6 de Maio, Estrela
de África, Casal da Boba, Casal do Silva e Casal da
Mira).12
A Unidade de Saúde Móvel presente no Casal da
Boba tem como função acrescentar conhecimentos
à população de maneira a contribuir na mudança de
atitudes e comportamento no campo da saúde:
testes de rastreio para a avaliação de factores de
risco e/ou doenças (pressão arterial, auscultação
cardíaca, vigilância de colesterol e diabetes),
planeamento familiar (distribuição de preservativos
e pílulas grátis), grávidas não vigiadas e crianças
sem vigilância de Saúde Infantil, e finalmente,
vacinação de crianças.
O presente estudo de investigação será
fundamental no momento actual, pois discute-se
cada vez mais as problemáticas e as diferenças e
desigualdades no âmbito da imigração. Será
relevante avaliar os níveis de bem-estar e de saúde
dos residentes, visto que este bairro, como outros
existentes no concelho e até no país, apresenta
condições socioeconómicas desfavoráveis que
condicionam o acesso da sua população aos
cuidados de saúde primários. Espera-se assim, com
o presente estudo, contribuir para um melhor
conhecimento das populações desfavorecidas do
Casal da Boba e do acesso destas aos serviços de
saúde e perceber até que ponto há necessidade de
criar outras entidades de saúde para chegar à
população. Espera-se igualmente avaliar a utilidade
da AJPAS no bem estar no Casal da Boba.
MÉTODO
Foi criado um inquérito especificamente para a
recolha de dados para elaboração deste estudo. O
inquérito para a caracterização do utente
compreendeu 5 grandes áreas de intervenção
pertinente: dados pessoais, informação acerca da
situação familiar, patologias ocorrentes (diabetes,
hipertensão, hiperlipidémia, obesidade),
informações relativamente à utilização de
unidades/serviços de saúde públicos, e por fim,
utilização de unidades de saúde da AJPAS e como
os utentes as consideram.
A primeira parte do inquérito tem como objectivo a
recolha de dados para a caracterização geral dos
utentes (dados pessoais), em que se solicitam
dados genéricos de caracterização da população,
como a idade, o género, naturalidade e habilitações
literárias; na segunda parte do inquérito, as
questões recaem sobre aspectos para a
caracterização familiar e o estatuto socio-económico
do utente; na terceira parte do inquérito, as
questões incidem sobre a utilização de serviços de
saúde e se possui ou não médico de família; na
quarta parte do inquérito, as questões incidem na
ocorrência de patologias como o colesterol,
diabetes, hipertensão e obesidade e, por fim, na
quinta parte do inquérito as questões têm como
objectivo caracterizar acerca da utilização da
Unidade de Saúde da AJPAS por parte dos utentes
inquiridos, como o ano em que começaram a utilizar
esta Unidade de Saúde, a frequência com que a
utilizam e os serviços que utilizam e como os
indivíduos consideram esta unidade (pouco útil, útil,
muito útil, imprescindível). %
A análise estatística dos dados recolhidos foi Habitação
realizada em SPSS v. 17.0. Própria 00,00
Habitação Social 100,00
RESULTADOS Arrendada 0,00
Outra 0,00
Habilitações literárias
A amostra inquirida foi constituída por 17 utentes,
Nenhuma 52,94
em que, na sua maioria, é do género feminino
>4º Ano 29,41
(88,24%) e viúvo (41,18%). No que diz respeito ao
4º Ano 11,76
estado civil, a restante população encontra-se
9º Ano 5,88
sobretudo em situação casamento/união de facto
12º Ano 0,00
(35,29%) ou solteiro (23,53%). Os utentes têm
Universitário 0,00
sobretudo idade superior a 60 anos (70,59%). A
Nº Elementos do
generalidade dos utentes é de Naturalidade
agregado familiar
Portuguesa (58,82%). (Tabela 1).
1 47,06
2 23,53
%
3 0,00
Sexo 4 11,76
Feminino 88,24 5 0,00
Masculino 11,76 6 5,88
Idade 7 0,00
<15 5,88 8 5,88
15-25 0,00 9 0,00
26-45 11,76 10 5,88
46-60 11,76 Tabela 2 – Caracterização dos utentes quanto à situação
>60 70,59 habitacional.
Naturalidade
Portuguesa 58,82 No plano da situação profissional (gráfico 1)
Africana 35,29 constata-se que a grande maioria das pessoas está
Americana 5,88 reformada e que apenas 5,88% se encontra
Estado civil empregada. Encontra-se assim uma grande
Solteiro 23,53 discrepância entre utentes empregados e
Casado 29,41 desempregados. O rendimento da maioria dos
Divorciado 0,00 utentes encontra-se num intervalo de 250-500€. Foi
Viúvo 41,18 calculado o rendimento médio por cada pessoa,
União de Facto 5,88 tendo em conta o número de elementos que
Tabela 1 – Caracterização geral dos utentes (dados compunham o agregado familiar divido pelo ponto
pessoais). médio dos rendimentos familiares (<250€: 125€,
250€-500€: 350€, 500€-1000€: 750€); que se
verificou que grande parte dos inquiridos vive com
A maior parte da população não possui habilitações 325€/mês, apesar de o rendimento médio variar
literárias ou possui habilitações literárias inferior ao entre 60€ e 375€ por pessoa do agregado familiar.
ensino primário. No que diz respeito à situação (Gráfico 2)
habitacional, a maior percentagem de utentes vive
em habitação social; analisando o parâmetro de
número de elementos do agregado familiar, é
possível verificar que 47,06% dos utentes vive
sozinho, mas apesar disso é possível enfatizar que
o número de elementos no agregado familiar vai até
10. (Tabela 2).
 70,00% 90,00%
58,82%
60,00% 80,00%
52,04%
50,00%
70,00%
40,00% 35,29%
29,41% 60,00%
30,00%
Rendimento 50,00%
17,65%
20,00% Emprego
40,00%
10,00% 5,88%
Sim
0,00% 30,00%

20,00%

10,00%

0,00%
Gráfico 1 – Caracterização dos utentes quanto ao
emprego e ao rendimento.

Gráfico 3 – Caracterização dos utentes quanto a

patologias.

Relativamente à utilização de serviços de Saúde

Públicos verifica-se que grande parte dos sujeitos
inquiridos utiliza os serviços de saúde públicos
(centros de saúde e Hospital Amadora-Sintra); em
que apesar da maior parte dos utentes ter médico
de família, uma grande percentagem dos utentes
não possui o médico de família. (Gráfico 4)

100,00%
88,24%
90,00%
Gráfico 2 – Caracterização dos utentes quanto ao 82,35%
rendimento médio por pessoa do agregado familiar. 80,00%

70,00%
Em relação a patologias incidentes nesta amostra
populacional, verificou-se que a patologia mais 60,00%
52,94%
frequente entre os utentes do Bairro da Boba é a
50,00%
hipertensão e a hiperlipidémia. (Gráfico 3)
40,00% Sim
Não
30,00%

20,00%

10,00%

0,00%
Usa Usa Tem
centro Hospital médico
de de
saúde família

Gráfico 4 – Serviços de Saúde Públicos utilizados pelos

utentes da AJPAS no Bairro da Boba.
Quanto à utilização de Unidade de Saúde AJPAS,
verifica-se quanto à freqüência de utilização desta
unidade pelos utentes é na sua maioria, no
momento do inquérito, utilizada pela primeira vez, e
com igual percentagem, utilizada uma vez por mês.
(Gráfico 6)
A utilização da AJPAS é utilizada para a maior parte
dos inquiridos para consulta médica de rotina, e
para os restantes (17,65%) para consulta médica de
rotina e enfermagem. (Gráfico 5). Por fim, quanto à
utilidade desta unidade, temos que para os
inquiridos era prescindível e muito útil. (Gráfico 7)
Gráfico 5 – Caracterização dos utentes quanto ao serviço
usado na AJPAS.
Gráfico 6 – Caracterização dos utentes quanto à
frequência da utilização da AJPAS.
Gráfico 7 – Grau de utilidade dos serviços de saúde da
AJPAS para os inquiridos.
DISCUSSÃO
A maior parte dos utentes da AJPAS no casal da
Boba é do género feminino. O facto de haver uma
significativa predominância de mulheres na
população utente já era esperado, pois em estudos
voltados destaca-se que geralmente há uma
procura maior de consultas médicas por parte das
mulheres.
No que concerne à faixa etária, verificou-se que a
população utilizadora da AJPAS tinha mais de 60
anos, ou seja, 70,59% da população atendida. Tal
resultado demonstra que os utilizadores tendem a
ser primordialmente constituída por idosos.
Quanto à naturalidade dos utentes inquiridos,
verifica-se que a maior parte são portugueses, mas
há também uma grande parte de outros países,
como África e América (41,17%), sendo este valor
de imigrantes esperado visto este bairro ser na sua
grande maioria habitado por imigrantes,
principalmente por africanos. Em matéria de
habitação, os inquiridos ocupam, na totalidade dos
casos, alojamento de âmbito social, visto este bairro
ser de cariz social.
Em relação ao número do agregado familiar,
denota-se que maior parte dos utentes vive
sozinhos, isto provavelmente terá a ver com o facto
de a sua maior parte serem viúvos e idosos, em que
os filhos se encontram em idade adulta, logo não
permanecem morando com a família de origem;
apesar da maior parte dos utentes viverem
sozinhos, há que enfatizar que 11,76% dos utentes
têm um agregado familiar com mais de 8 pessoas,
sendo que a média de pessoas por agregado
familiar em Portugal é de 4,8 pessoas.8
Outra questão estudada foi o nível de escolaridade
dos utentes, em que se pôde observar que a maior
incidência se deu no grupo “sem nenhuma
escolaridade” e “escolaridade inferior ao 4º ano”,
Em relação ao estado profissional dos utentes
percebeu-se que a grande maioria são reformados,
sendo um valor normal, visto grande maioria dos
utentes inquiridos serem de idade superior a 60
anos, e em seguida com 35,29%, estão
desempregados, verificando-se uma grande
incidência de desemprego nesta população,
comparadamente com a percentagem de população
empregada (5,88%).
Devido à grande taxa de desempregados e de
reformados, denota-se que o rendimento por
agregado familiar se encontra entre 260-500€, e que
o rendimento médio por pessoa do agregado
familiar se encontra em 325€.
Quanto a patologias, os problemas de saúde mais
evidentes constata-se que a maioria afirma ter
problemas de saúde sendo os mais evidentes
problemas relacionados com hipertensão e
hiperlipidémia, isto poderá dever-se ao facto de a
população ser na sua maioria idosa.
Quanto à utilização de serviços de saúde públicos,
nomeadamente os centros de saúde e o hospital
Amadora-Sintra, verifica-se que grande parte dos
utentes inquiridos na sua maioria utiliza ou já utilizou
por momentos estes serviços de saúde públicos;
apesar da maioria dos inquiridos possuir médico de
família, ainda há um número elevado de inquiridos
que não o possui.
Quanto à utilização da AJPAS, é utilizado em
consultas médicas de rotina e enfermagem, sendo
utilizada maioritariamente para pedido de receitas
para medicamentos, pois de acordo com relatos dos
utentes, por vezes o acesso a consultas em centros
de saúde é demoroso; achando por isso a AJPAS
como muito útil e imprescindível, pois é de extrema
importância para estes utentes a presença de apoio
médico no seu bairro, visto encontrarem-se
geograficamente longe dos centros de saúde mais
próximos e não possuírem condições económicas
para suportar o custo do meio de transporte para o
centro de saúde mais próximo.
CONCLUSÃO
A análise dos dados socio-demográficos desta
população permite concluir que a população utente
da AJPAS é particularmente marginalizada, no
sentido em que a maior parte não beneficia de
apoios sociais, muitos não têm emprego, vivendo na
mesma habitação por vezes 10 pessoas. Apesar de
se verificar que grande parte usa os centros de
saúde e tem médico de família, ainda existem
muitos sujeitos que não possui médico de família.
Assim, este estudo da caracterização dos utentes
da AJPAS no Casal da Boba teve como principal
objectivo conhecer em pormenor as especificidades
da população, constituindo uma base para um futuro
conhecimento da evolução desta população e na
identificação das suas principais necessidades,
servindo de base à adopção fundamentada de
estratégias, de acordo com as características
particulares que apresenta.
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