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ADEMAR BOGO

Setor de Formação Nacional – MST

Julho 2007.
SUMÁRIO
01 – À organização
02 – Noite companheira
03 – Ao destino
04 – A flor e o militante
05 – À imagem
06 – Aos dentes
07 – Á cooperação
08 – Ao suor
09 – Aos sonhos
10 - À terra
11- A democracia
12 - Ao tempo
13 - Ao perfume
14- À solidariedade
15 - Para sermos iguais
16 - Ao Socialismo
17 - O nosso Afeganistão.
18 - A Cuba
19 - Ao Che
20 - Ás verdades já aprendidas
21 – Ao Natal na Reforma Agrária
22 – À poesia sertaneja
23 – Ao ano novo
24 - Às palavras
25 – Às ilusões
26 - Ao Josué de Castro
27 - À Mulher
28 – À Palestina
29 - Ao mês de Abril
30 – Às Sementes
31 – Á Utopia
32 - À Verdade
33 – A Ética e a Moral
34 – Aos filhos da Guerra Fria
35 – Ás vítimas da ALCA
36 - Ao passarinho do sertão
37 – À Juventude
38 – Às Eleições
39 – Aos que educam
40 – Ao Estudo
41 – Ao José Gomes
42 – Às Crianças Palestinas
43 – Ao Presidente
44 – Ao ano do alimento
45 - Aos despejados
46 – Ao Jornal Brasil de Fato
47 - Pela Paz
48 – À indignação
49 – Às vítimas das Drogas
50 - Aos que resistem
51 – Às vítimas da liberdade
52 – À autodeterminação
53 – À felicidade
54 – À beira da estrada
55 - Ao aniversário
56 – Aos festejos juninos
57 – Ao Boné do MST
58 – À cordialidade
59 – Ao Estado de Direito
60 – À Consciência
61 – À Organicidade
62 – A quem lavra
63 - Ao Ânimo
64 – À irreverência
65 – Aos Pais sem terra
66 – À Pátria
67 – Ao dia da Árvore
68 – À Obediência
69 – À Primavera
70 – Às vítimas de injustiças
71 – Às semelhanças
72 – Aos Presos da Terra
73 - À Soberania
74 – Ao Senso Moral
75 – À Biodiversidade
76 – Ao direito de existir
77 – A quem serve
78 – Às crianças brasileiras
79 – Ao Livro
80 – Aos Finados
81 – Às condolências
82 – A Palmares de Zumbi
83 – Aos 20 Anos
84 – À alegria
85 – À Ética órfã da Política
86 – Ao Oito de Março
87 – Aos críticos
88 – Ao óbvio
89 – Aos desatentos
90 – Às Famílias Sem Terra
91 - À herança
92 – Ao Dia do Livro
93 - Às cores
94 – Ao desrespeito
95 - À Militância
96 – À Educação
97 – Ao cultivo da Base
98 – À Justiça
99 – Á Política
100 – À Devolução
101 – Aos Dilemas da Humanidade
102 – Aos Partidos Políticos
103 – Às Sesmarias
104 – À Olga
105 – Ao Trabalho Voluntário
106 – Às Eleições
107 – Às Escolas
108 – Ao Marighella
109 – A quem constrói
110 – Ao Jequitinhonha
111 – Às Vitórias
112 - À Formação
113 – À Mística
114 – Às Marchas
115 – Às lutas
116 – À Sutileza
117 – Às Jornadas
118 – À Agroecologia
119 – Aos que Marcharam
120 – Ao Futuro
121 – Ao Comportamento
122 – À Salvação da Alma
123 – Às Mensalidades
124 – À Franqueza
125 – À Generosidade
126 – À Firmeza das Idéias
127 – Ao Calcanhar de Aquiles
128 – Ao Termo Inteiro
129 – Às Causas e os Efeitos
130 – Aos Provérbios Populares
131 – Às Décadas
132 – Às Jornadas Socialistas
133 – À Pátria de Caveiras
134 – Às Bandeiras
135 – A Nós
136 – A Grande Política
137 – À Confiança
138 – Ao Desarmamento
139 – Ao Rio São Francisco
140 – Ao Reconhecimento
141 – Aos Desaparecidos
142 – Aos amigos e amigas do MST
143 – Ao Fogo
144 – Às Afrontas
145 – Ao Combate
146 – Ao Papai Noel
147 – À Imaginação
148 – Ao Ano Novo
149 – À Continuidade
150 – Aos Desejos
151 – À Dor
152 – À Reflexão
153- À Paixão
154 – Às Seqüências
155 – Ao Carnaval
156 – À Revitalização
157 – Aos Imortais
158 – Às Inocentes
159 – Ao Êxito
160 – À Existência
161 – A quem Zela
162 – Às mudas
163 – Ao Viver
164 - Ao 1º de Maio
165 - À Tecnologia
166 – Aos Sem Lugar
167 – Aos Filhos Da Barbárie
168 – Às Modas e os Modelos
169 – Aos Dias Normais
170 – À Dialética do Futebol
171 – À Cultura Popular
172 – À Legítima Defesa
173 – Às Viagens
174 – Às Sementes Humanas
175 – Ao Gênero
176 – Ao Saber Popular
177 – À Espera
178 – Aos lados
179 – À Ironia
180 – Ao Aprendizado
181 – Aos Eleitores
182 – Às Crianças Sonhadoras
183 – Aos Movimentos Sociais
184 – Ao Arrependimento
185 – Aos Tempos Imortais
186 – Aos Enigmas
187 – À Esperança
188 – Ao Pensar
189 – À Atualidade
190 – À Conjuntura
191 – Ao Ascenso
192 – Ao criador
193 – Ao Projeto
194 - Feliz Ano Novo
195 – Ao Estorvo
196 – Aos Ancestrais
197 – Ao Luto
198 – À Poesia
199 – Às mães camponesas
200 – Ao Congresso
201 – Aos Olhares
Cartas de amor
Nº 01

À ORGANIZAÇÃO

Corre o tempo mansamente, como as águas dos riachos, a procura do que o destino lhes
prometeu: desafiar o infinito para ser eterno.
O tempo vive a contradição de ser velho e novo ao mesmo tempo. Quando uma saudade o
torna saudosista, surge uma vontade de fazer algo que ainda não existe, e, como criança, engatinha
em busca das condições de provocar a nova travessura. Iniciar mais um passo, pela corcunda da
velha história.
Uma organização também tem os seus tempos: velhos e novos. Desliza sobre eles pelas
colunas de gente, como se fossem trilhos, que levam os vagões da história, carregados de saudades
e sonhos.
O caminho feito precisa ser cuidado, para que as fezes do inimigo não venham tirar o
perfume das flores já floridas. A história tem esta preciosidade, de guardar oxigênio, escondido nos
pulmões das gerações que nascem, com pena e saudade das que já foram.
Os corpos são canais que se encostam para deixar passar o sangue e os sonhos produzidos.
Os que se enterram, formam o canal já pronto; os que se movem, cavam ainda o lugar onde se
deitarão para envelhecer. Envelhecer é ficar parado. Novo é o que se realiza.
Orgulhosa é a história. Tem o cuidado de não se repetir, pelo simples fato de que não pode
voltar atrás. Voltar significa pisar sobre o próprio corpo. Por isso segue em frente. A cada dia
aparece com um novo vestido. Mais triste, quando seus filhos não pensam nada novo. Mais florido,
quando os sonhos se transformam em passos e desafiam todos os limites.
Quando pára, uma organização envelhece. Quando a poesia não se transforma em canto,
quando a vitória não se transforma em pranto.
Quando repete e pisa o próprio peito, tentando caminhar o passo feito. Anda para trás;
quando os pulmões não sentem os aromas das manhãs.
Se as gerações de quadros não se multiplicam, são pedaços do canal não feito que para trás
ficam; por onde vazará a energia, perdida, que tira da organização a própria vida.
Quando as relações entre as pessoas não evoluíram, as mulheres ainda têm o seu senhor, é
sinal que o coração bate, mas já não tem amor.
Onde o jovem no campo em tenra idade, diverte-se atraído pelas luzes da cidade. E a criança
cansada já de andar, ainda não aprendeu a soletrar, a palavra liberdade.
Se o veneno é jogado sobre a terra, é porque foi declarada a guerra, contra inimigos
“inferiores”, que nada podem, a não ser, ajudar os humanos a desenvolver valores.
Quando a teoria se torna escassa, é porque apenas se percebe a força que vem da massa; mas
se a força tem pouca consistência, falta aí um bocado de ciência.
Se as instâncias já não são tão ativas, se tornaram pouco representativas e correm o risco de
andar a esmo é preciso incentivar, todos a participar, e cada um representar-se a si mesmo.
Cada passo em cada tempo. Criar um pouco por dia. Avançar com humildade. Banhar-se de
rebeldia.
Cartas de amor
Nº 02
NOITE COMPANHEIRA

Há como tradição em nossa cultura, de usar o preto como sinal de luto e respeito pelos que
já foram se plantar, na terra conquistada e, preparar na eternidade o lugar para nós que ainda aqui
penamos.
Mas o vermelho é a cor dos lutadores! Ele deve simbolizar como no nascimento, o sangue
que traz à vida, este acontecimento. E o que é a morte senão um novo renascer? A não ser que este
que se vai, viveu apenas a vida do corpo, por isso, apenas devolve à terra o que dela recebeu.
O preto da noite nada tem de tristeza! Como uma barraca de lona preta armada, nos faz
nascer para um novo dia cheio de luzes, repleto de belezas.
É isso que diz nossa bandeira. Em suas cores predomina o vermelho que acalora, mas tem lá
o preto, porque a noite não quis ficar de fora.
Um Sem Terra é filho da noite que os caminhões transportam em busca do amanhecer. O
ronco que causa medo também anuncia a liberdade, mostrando que o balançar é parte deste jeito
novo de nascer.
Caminhos estreitos não diminuem as distâncias, porque a hora é a barra do dia. Se correr
demais, tem que parar, se atrasar um pouco, precisa andar mais ligeiro, a hora de nascer não espera
por ninguém, porque ninguém segura do nascer a rebeldia.
É bom viajar à noite, cada coisa quer ficar perto da gente para não se perder. Ao mesmo
tempo em que tememos; nos escondemos. É o jeito de saber acontecer.
Dizem que à noite, “todos os gatos são pardos”, ninguém se diferencia quando carrega os
fardos. Seguimos alinhados na longa penitência, mas quem faz a estrada não é a força, mas sim a
persistência.
E o preto da noite se mistura ao carvão das fogueiras, ao bramido das lonas estiradas, às
letras da bandeira. Também alcança o fundo das panelas que, envergonhadas, já não vão às
prateleiras.
A fumaça das lenhas encharcadas, quando teimam em não queimar, sai preta. As roçadas
aceradas ficam escuras, a espera do plantar que irá abraçar a colheita.
O feijão preto, o caldo fresco, o pão queimado. Tudo se combina. A cor dos olhos que
descobre a terra por debaixo da neblina.
O Assum Preto tem o canto mais lindo e sertanejo. No temporal que engole sem dó cada
lampejo. E nos olhos que se fecham, para provar o calor de cada beijo.
A semente germina em cada cova, aberta em plena luz, tapada se escurece. Para lembrar do
tempo; fecham-se os olhos para que a escuridão revele em plena prece; o que diz o coração que bate
em sua caixa escura e assim se aquece.
Enfim, o escuro da noite, na bandeira vira cor, não é dor, não é pranto ou sentimento. É
apenas um jeito diferente de dizer, que um Sem Terra precisa pra nascer, um abraço apertado vindo
do firmamento.
Noite, amiga e companheira, quantos latifúndios já dobrastes sob os pés descalços deste
heróico povo? Fazei de nós eternos caminhantes, para que, em um tempo, não tão distante,
possamos ver de suas entranhas, nascer também um mundo novo.
Cartas de amor
Nº 03

AO DESTINO

Aprendemos na filosofia que, “A história não é se não a luta do ser humano para alcançar
seus objetivos”. Sendo assim, deveríamos entender que, nos movemos em torno de sonhos
individuais e coletivos que estabelecemos.
Somos então, se quisermos, responsáveis pelo nosso destino, ou pelo que podemos ser no
futuro.
Laio, antigo senhor de Tebas, soube pelo oráculo que seu filho Édipo recém nascido,
haveria um dia de assassiná-lo, e, se casaria em seguida com a própria mãe. Antecipa-se ao destino
e manda matar o próprio filho. Mas suas ordens não são cumpridas e o menino abandonado,
crescerá com outra família em um lugar distante.
Um dia ao consultar o oráculo, Édipo, toma conhecimento do destino que lhe fora
reservado, e para não matar o suposto pai que o criou, foge de casa. No caminho encontra um
desconhecido, desentende-se com ele e o mata, sem saber que é Laio, seu pai verdadeiro. Foge para
a cidade de Tebas e encontra Jocasta, viúva de Laio. Ignorando ser sua mãe verdadeira, casa-se
com ela e assim se cumpre a ordem do destino.
Esta história poderia ter outro final, se Laio tivesse assumido e resolvido o problema de
outra forma, ficando junto ao filho e estabelecido um novo objetivo a ser alcançado com ele para
mudar o próprio destino.
Existem muitas coisas a nosso redor que, fingimos não ser conosco, ou tentamos nos livrar
das responsabilidades como fez Laio com Édipo, mas como tal, um dia as conseqüências cairão
sobre nós mesmos ou sobre as futuras gerações.
Tomemos como exemplo a destruição da natureza. Há dezenas de anos vêm-se derrubando
árvores, aplicando-se inseticidas, adubos químicos, provocando erosão, e tantos outros males.
Lentamente secam os rios, extinguem-se os pássaros e insetos, não chove mais regularmente,
reproduzem-se com maior facilidade as formigas e os cupins, e cada vez fica mais difícil produzir e
permanecer na agricultura.
Se há 100 anos atrás, alguém escrevesse: chegará o dia em que o filho, Ignorante, matará a
própria mãe, casará com a Fome sua irmã; terão muitos filhos, magros, doentes e analfabetos.
Morrerão de calor, de sede, sem comida e envenenados. Quem acreditaria?
Novamente o destino apresentaria duas alternativas: matar o filho logo ao nascesse ou
educá-lo para que soubesse medir as conseqüências de seus atos, colocando em sua consciência,
valores como objetivos a serem alcançados.
Nossos descendentes daqui há muitos anos, poderão contar outra história, se agirmos
diferente. Dirão eles: Houve um Movimento que decidiu imitar o criador. Ao mesmo tempo em que
fazia nascer as criancinhas, as educava para que conhecessem e respeitassem os pais, os irmãos e a
natureza.
Preparava jardins, reconstruía as florestas, fazia renascer os rios através do plantio de
árvores em suas margens, não usava venenos nem adubos químicos e respeitava todas as espécies
de vida, pois sabia que nenhuma era menos importante que a vida humana.
Tinha claro que sua tarefa era preparar o ambiente onde viveriam as futuras gerações,
tornando-as arquitetas de seus próprios sonhos.
Cartas de Amor
Nº 04

A FLOR E O MILITANTE

As plantas forjam sua descendência, preparando com paciência o botão, depois a flor, de
onde saem as sementes e se espalham como gente.
Presa ao galho a flor serve às abelhas, que procuram através de seu quartel a matéria para
fazer o mel; por isso se deixa penetrar, sem medo de se machucar.
Saciadas, as abelhas vão embora. Levam a doçura repartida para manter a vida da colméia.
Voltam noutro dia para completar a ceia.
A flor em seu balanço fica para cumprir o destino sem descanso: perfumar o ambiente e
fazer no silêncio aparecer cada semente. Bela missão é essa de servir: exalar perfume e produzir.
O militante não é a abelha que vai de flor em flor, mas a própria flor que atrai para si a
responsabilidade, de responder a cada uma com doçura e verdade que, lutar e vencer é saber
perfumar de amor à humanidade. Envolver cada pessoa num grande abraço e, depois, andar juntos
os outros passos.
Para avisar as abelhas, a flor, usa o perfume e sua cor; sinais que orientam também o lutador.
Passado os dias a flor madura e satisfeita, deixa murchar as pétalas de seu brilho, para fazer
nascer de si os próprios filhos. E como uma caverna que abre suas portas, deixa sair contentes as
sementes que transparecem mortas.
Mas é engano. A semente quer o tempo de germinação para, em silêncio levantar-se
lentamente do chão; imitar a sua espécie com as cores; crescer e também se encher de flores.
A planta da semente busca entrar por cada fresta, puxada pelo sol, ajuda a construir e a
expandir a floresta.
Militantes: mulheres e homens em cada ação fazem-se a si próprios e a organização. Tem
ela o jeito de seus passos, o carinho de seus gestos e a acolhida de seus braços. Confundem-se em
suas identidades, que ao não poder vê-los a sociedade, procura seu perfume em cada marca de
saudade.
Militante, é aquele que se comporta como a flor exuberante, não como as estrelas que
brilham mas estão muito distantes. Flor é como gente, nasce em toda parte, e por saber o seu lugar,
transforma-se em semente. Estrela não! Nasce uma vez só e vive de seu brilho, sem nunca poder
dizer que teve um filho.
A flor perfuma o jardim e a mesa do auditório. Murcha de pressa na sala do escritório. Se
não houver cuidado, o ar ali ventila mais pesado e a flor perde o encanto e a alegria. Como o
perfume é um tanto destemido, quer espaço para circular e se livrar da poeira da burocracia.
As flores se multiplicam com o vento. Por que não crescem em quantidade nos
acampamentos e assentamentos? Será por causa da fumaça ou por que o brilho das estrelas inibe o
seu crescimento?
É no formar da flor que com a militância se encontra a semelhança. Quanto mais flor, mais
perfume, mais semente. Quanto mais gente, mais força e mais esperança.
Cartas de Amor
Nº 05
À IMAGEM

Narciso, um menino na antiga Grécia, nasceu muito bonito. Cresceu sendo admirado por
todos, principalmente pelas mulheres; mas ele não sabia e não ligava para isso.
Seus pais guardavam o segredo e temiam pelo futuro do rapaz. Ao consultar o oráculo, uma
espécie de “consulta aos deuses”, o sacerdote lhes dissera que ele teria vida longa e feliz, desde que
nunca visse sua própria imagem.
Um dia seus pais se descuidaram e ele debruçou-se sobre um lago para beber água, viu sua
imagem e apaixonou-se por ela. Não suportando a paixão, atirou-se na água para pegar a imagem e
morreu. Compadecida, a deusa do amor o transformou numa bela flor, que ao florir, se debruça
sobre as águas, para refletir e admirar a própria imagem.
Nascemos e crescemos também nós como Narciso. Já não podíamos nos apaixonar pela
liberdade porque as cercas tapavam a face da terra bela, e, não conseguíamos ver nossa beleza
refletida na beleza dela.
Quem não vê a imagem de sua face refletida em outro alguém, não se apaixona nunca nem
amará ninguém.
Vivemos muitos anos sem saber que a beleza e a força dos Sem Terra, somente eram vistas
pelo temor da classe dominante. Estes evitavam que chegássemos perto das cercas para não
acordarmos o latifúndio massacrante.
Um dia, porém, ao debruçar-nos sobre o lago do latifúndio, vimos nosso esqueleto refletido,
como a rosa na pintura do vestido. Mergulhamos por entre os fios de arame farpados, levantamos
barracos e bandeiras e, na canseira, morremos como seres explorados. Renascemos na história
como seus construtores e sujeitos para formarmos com as faces rosadas, um jardim de um novo
jeito.
Com a força de todas as raças nos reunimos, para formar uma só imagem feita com todas as
cores. Resgatamos o que tinham tomado das gerações passadas: os sonhos e a auto-estima, e
escrevemos em cada alma, um canto de amor à vida.
Descobrirmos a beleza contida em cada gesto de solidariedade. Percebemos que ela é a
sinfonia nascida da ansiedade que, existe em todos os corpos, impulsiona a formação e sustenta a
ousadia, de quem sonhou um dia, construir com as próprias mãos a liberdade.
Assim fizemos despertar a primavera nas consciências. Nascemos de passos firmes movidos
com paciência. Descobrimos que é possível negar a imagem distorcida pela miséria e reconstruí-la
com as cores, sons, perfumes e conhecimentos, sem mágoa, dor ou arrependimento.
Assim, nos igualamos à flor que desabrocha para deixar ver a sua beleza . Fechar-se é
sufocar o perfume, inibir as cores e violentar a natureza.
Narcisos Sem Terra somos. Tossindo entre a fumaça no meio dos latifúndios ou na beira das
estradas, como flores vermelhas já desabrochadas.
Ao balanço do vento resistimos. Mas um dia as pétalas cairão devagarinho. Não será o final,
apenas um sinal para os que vierem, para que enxerguem o caminho.
A cada passo mais certeza nasce das entranhas do vencer. Como as flores de Narciso,
gritamos aos quatro ventos: para renascer é preciso ter a coragem de morrer.
Cartas de Amor
Nº 06
AOS DENTES

Quem já parou para pensar onde fica o lugar de cada dente? Sentimos falta ao sorrir quando
deixam de existir, estes que deveriam estar bem na frente.
Se não sorrimos a boca fica pequena e a face carrancuda. Por isso é que precisamos ter
cuidado, porque uma vez só podem ser trocados; a natureza só nos deu uma muda.
Quando nascemos o leite materno traz os dentes em separado, e nos entrega quando nos
deitamos para mamar. A outra muda vem no “bolso”, que fica a nosso gosto o dia de se plantar.
Como uma roça que amadurece pouco a pouco, vamos colhendo e replantando cada um, até
que um dia em uma avaliação, nos damos conta que, da velha geração dos dentes, já não sobrou
nenhum.
Aí o fogo do açúcar desfila suas chamas e come o tronco esburacando o caule de cada
arvorezinha, que aos poucos deixa de ser branquinha e, como um tição preto fumegante, dói
entristecendo ainda mais a gente.
Então o que fazer para aliviar a tal “queimura”?- pensa triste a pobre criatura, se debatendo
segurando o toco. Vai enraivecido procurar socorro, quando alguém puxando o dente adoecido,
enaltecido ali lhe deixa um grande oco.
Fica, portanto um vazio na fileira. Por que será que nasceram em carreiras, como soldados à
espera do combate? Mas não tem jeito, assim é que foram feitos.
E lá se vai o desdentado levando um vazio em cada pelotão. Todos notam sua ausência, mas
ninguém fala, pois, soldado lembra repressão!
A marcha segue em frente em seu destino, mas os lábios escondem algo clandestino, por não
sorrir abertamente e bem feliz.
É que, como as florestas a golpes de machado se deitaram, os ricos sem vergonha
desdentaram, grande parte dos pobres de meu país.
E os lábios tapando essa caverna, se contorcem toda vez que alguém palpita e, expõe em
outra boca bonita, os danados enfileirados bem certinho. ‘Como fica bem você de dentes’, diz ele
escondendo a janela um tanto envergonhado. ‘É pena que não são meus, são emprestados!’.
Quando sem dentes a gente não é nada, fugimos até de quem gosta de contar piadas, porque
inevitavelmente teremos que sorrir. É um sacrifício ter que conversar, principalmente quando a
prosa demorar, cansa o lábio superior para não deixar a boca abrir.
Mas, o sacrifício não é apenas ao lábio de cima! Morre com os dentes arrancados também a
auto-estima, que cada qual com ela nasceu.
Por isso, dente não é só dente, é mais! É aquilo que faz da gente um ser social altivo,
sorridente e feliz. Sem eles também se derrota um gigante país.
Que mais dizer aos militantes, que lutam e labutam na linha de frente? Pouco precisa dizer
mais; preocupar-se com quem vem atrás, porque, nessa história há uma só verdade. Para se
conquistar totalmente a liberdade, os lutadores precisam ter os dentes.
Não é por nada não, (mais um aviso): é que um ser humano mesmo valente e bravo, somente
deixará de ser escravo, quando puder soltar livre o sorriso.
Cartas de amor
Nº 07

A COOPERAÇÃO

Vamos falar da morte como algo natural. Na vida e na morte da convivência social.
A princípio, só há morte de algo já formado, que com o tempo em outros elementos vai
sendo transformado.
Até aqui nada de especial, pois a transformação concreta também é natural. Cada coisa vai
crescendo em pleno movimento, como se em toda massa existisse um bom fermento.
Cresce então em quantidade, e quando alguém percebe e impõe seu jeito, aparece ali a
qualidade. Isso ganha importância quando passa pelas mãos da militância.
Assim podemos formular uma questão: é possível morrer em nós o espírito da cooperação?
Vejamos pela história, onde foi que ela apareceu? No inicio da formação humana quando
um só macaco não podia carregar um cacho de bananas. Assim sustentavam em vários o peso sobre
as pernas e levavam o alimento até as cavernas.
Mais adiante, a roda em movimento, fez do ofício profissão e os instrumentos passavam de
mão em mão, até que um dia a máquina a vapor, engoliu um a um cada trabalhador. Sobraram os
mais experientes, que foram levando a cooperação em frente.
Assim a história deu seu giro, as mudanças foram transformando-se em suspiros e
alcançaram a informática e a genética. Os que não acompanharam, impressionados, ficaram com a
sua aparência ainda mais patética.
Este veloz desenvolvimento chegou arrastando-se até a porta de nossos assentamentos. - O
que quer? – perguntam os mais preocupados - Transformar cada Sem Terra em um cooperado?
Assim se tentou dar vida a algo que nasceu sobre a terra repartida.
Porque morre então a cooperação, se é ela a principal força de produção?
O campo é diferente da cidade companheiro. Lá, para organizá-la basta ter um patrão “com
bom” dinheiro. Na agricultura é diferente, para cooperação viver e ir em frente, deve nascer
primeiro no coração da gente.
Ainda falta algo para esta tese ser verdade. No campo a cooperação deve ter germes de nova
sociedade. Sobrevive, quando as pessoas aprendem a ser livres, firmes, como os pilares de uma
comunidade.
Um pouco mais talvez ainda resta, é difícil diferenciar ao longe como na floresta, algo que
pelo jeito não se diferencia. A árvore só pode ser diferente se aprender a espalhar sementes e fazê-
las nascer apesar da sombra fria.
Por isso cooperar entre os arames dos lotes é difícil como buscar água no deserto, no campo
esta idéia só dá certo, quando se misturar trabalho com ideologia. Aí, cooperar, lutar e amar,
rimarão nos versos da mesma poesia.
Para isso precisa formação. A consciência substitui o patrão. A força organizada constrói a
utopia. Uma coisa apenas ainda falta, é manter a velocidade sempre alta, nas rodas que transportam
a alegria.
Cartas de amor
Nº 08

AO SUOR

Quando o suor nasce da pele nua, anuncia que o trabalho e a luta continuam a moldar o
corpo dos guerreiros. Mas é sinal também que sobre a terra, colocada como esteira, há espaço para o
abraço da guerreira.
Os tempos ficam difíceis de viver, principalmente porque o suor deixa de verter. Fica no
corpo procurando atalho, porque o capital elimina os postos de trabalho.
Sem trabalho os córregos não descem pelo couro e o ser humano deixa no país de ser o
principal tesouro.
Fala-se em indigência quando o trabalho deixa de ser consciência e o ser social mendiga
pelas ruas. Dorme estirado em pleno chão, mesmo no frio aparenta ser verão, deixando as costas e
as pernas todas nuas.
Sem suar o corpo está na ociosidade, por ter saído do campo e migrado para a cidade. Ali,
sem trabalho não há vida, não há renda, enquanto a terra adormece por debaixo das fazendas.
O retorno é inevitável para quem quer renascer. Se, é de terra que foi feito o homem e terra
voltará a ser! Só há duas formas para isso poder acontecer: suar ou se deixar morrer.
Na terra conquistada o ser humano torna-se semente que rompe como o fogo o elo das
correntes. A fome vai embora quando se tem algo para ocupar os dentes.
Quando os elos na terra conquistada não abrem de verdade, estão congelados sob o frio da
propriedade, fazendo os lutadores, da terra, tornar-se proprietários e senhores. Esta friagem
corrosiva mata toda a energia criativa e impede a prática de valores.
Não somente por falta de valores morrem as sementes, também das flores que não nascem
livremente, no meio da terra conquistada, ressequida. Se apenas do egoísmo o suor brota, a
liberdade ainda é tão remota, quanto a uva não plantada: nunca se tornará bebida.
O suor do retirante é frio. Parte silencioso como as águas do rio, que choram lambendo a
raiz da castanheira. Passo a passo sem pressa de chegar, pois não tem tempo e nem lugar, onde
depositar sua canseira.
Mas o suor que faz o passo faz também o militante. Caminha como a sombra se esgueirando
entre as frestas retorcidas da utopia. Sabe que no lombo desnudo das montanhas, descansa o
despertar de um novo dia.
O parasita não sua, porque bebe o suor do condutor que com ardor a causa então provoca.
Ao contrário, o danado acomodado nada oferece em troca.
Pior ainda, quando atacado o parasita, procura mil recursos e passa a defender-se com
discursos. Bate forte com a mão direita sobre o peito, acha ter mais importância e, na sua
ignorância, pensa também ter mais direitos.
O suor faz o caráter, ajeita a conduta e da história alinha a construção. Faz o militante
aprender, a tomar o fio da liberdade e tecer a esteira da própria libertação.
Cartas de amor
Nº 09
AOS SONHOS

É proibido sonhar quando a alma não quer sentir e, nem sequer imaginar os passos que deve
dar, teimando em se acomodar pra não ver a flor florir.
Há sonhos que dão errado. Há sonhos de desespero. Há sonhos de pesadelos e, alguns de
solidão. Há sonhos egoístas, fatalistas, entreguistas que alimentam a exploração.
Os sonhos verdadeiros são coerentes; espalham em cada passo um bocado de sementes, para
fazer o jardim do amanhecer. São os que movem as mãos e os braços, para oferecer o corpo, aos
abraços de prazer.
Sonhar que se está sozinho é não ser nada. Os sonhos são a madrugada que espera o dia se
fazer. Pesadelo não existe para quem sonha ao lado de alguém que também sonha. Que não se
envergonha de sonhar com outro alguém, que busca o mesmo destino, como o menino que chama
pela mãe.
Sonhar é não querer ir só para um lugar melhor. É ver em cada olhar um pedaço do lugar
onde descansa a esperança. Quem sonha sempre é criança; tem energia, tem alegria, tem
confiança...
É duro sonhar perto dos desanimados. É como ver a flor se abrir às margens de um rochedo:
o sonho é engolido pela indecisão e o medo.
É preciso sonhar com as montanhas de onde vem o guerrilheiro ao lado da companheira,
trazendo uma bandeira embrulhando o coração. Trazendo a revolução organizada em fileiras,
desfazendo-se em brincadeiras de roda, de São João; que se misturam à poeira dos passos de cada
irmão.
É preciso sonhar com a floresta que se empresta para cada geração. Que pede proteção, dá o
fruto e a raiz, cura a dor e a cicatriz feita na pele queimada. Dá sombra, terra molhada e faz a gente
feliz.
Sonhar com a água doce na cacimba e no açude. Sonhar com a juventude; as margens do rio
perfeitas. Sonhar com as boas colheitas das lavouras irrigadas; com a água à beira da estrada, que
nos leva até ao futuro. Sonhar também com ar puro, e o beijo da namorada.
É preciso sonhar mais: sentir de perto o distante, aproximar o horizonte e surpreender a
utopia, que chega um pouco por dia em cada passo caminhado. Sonhar com o céu nublado
prometendo água nova, com as sementes nas covas; nascendo um povo mudado.
Sonhar com os passarinhos cantando sobre as escolas. Sonhar com jogos de bola, com
danças e cantorias. Sonhar com a alegria que se dá até de esmola.
Sonhar com muitos valores, com uma nova cultura e, também com a ternura e a
generosidade. Com a solidariedade na palma da mão aberta; cama, colchão e coberta e uma mesa
com fartura.
Sonhar enfim com a vida, com respeito e igualdade. Sonhar com dignidade e um mundo não
dividido. Com um povo tão sabido que chega até ser medonho. Sonhar em fazer do sonho um
grande acontecimento; onde os dedos se cruzando, segurem a delicadeza e, acalentem a pureza de
quem sonha, mas lutando.
Cartas de Amor
Nº 10
À TERRA

Disse o velho índio à tribo, mantendo no olhar o brilho: “O que acontecer à terra, acontecerá
a seus filhos”.
É a sentença dada pela própria natureza, que mostra aos homens tão “fortes” a sua grande
fraqueza; por não saber conviver, destroem só para fazer, da morte surgir riqueza.
E assim despem a terra, de toda sua cobertura, deixando à mostra as feridas em sua carne
batida, veias secas, sem poder levar a vida.
Parece uma chapa quente expulsando os animais, os pássaros e os insetos; povos perdem os
direitos, deixando de ser sujeitos, e vão se amontoando em alguns poucos locais.
Em seu ventre machucado jogam os fortes venenos, como se fosse remédio. Os filhos que
nela vivem misturando a dor e o tédio, procuram sem resultado, o ar puro, que vinha de trás da
encosta. Hoje a chuva cai e lava deixando os ossos à mostra.
Como a careca do homem se descabela a montanha, luzindo ao calor do sol que bate em sua
crosta dura, onde as unhas dos arados passam, mas já não arranham.
Folhas secas já não caem. A terra morre de fome. E se ela nada produz, nada os seus filhos
comem. Sem água a terra endurece. O peixe some, e então no homem, a fome cresce.
Quando a lua surge no alto, já não tem o que fazer. Olha acanhada e não vê aquele
trabalhador que, banhado de suor, parava pra adormecer.
As fases da lua não vogam, crescente, cheia ou minguante, isso ficou tão distante, esquecido
na memória, porque hoje a grande glória, das modernas invenções é cuidar das plantações com água
que queima o abrigo, como se milhões de insetos fossem todos inimigos.
Muita contaminação, muita fome, muita sede. Não há canto de cigarras nem gente que arma
redes. Já não se espalham sementes, nem há vizinhos e visitas, falta pomares floridos, danças,
vestidos de chita.
Os pobres tocos das árvores, abraçados às cicatrizes, olham tristes para os troncos que
arrastados vão embora. Igual à população que um dia deixou o sertão; sem raízes vive agora.
Terra escura, vermelha ou matizada, deixou de sorrir porque se aposentaram as enxadas. Em
cada cabo havia gente, com os pés espalhando o mato e que produziam canções naquele mundo
pacato.
O silêncio das enxadas calou o braço sofrido que ficou sem serventia, como o dia de chuva
forte. A terra perdeu aos poucos milhões de seus habitantes, as empresas transformaram sábios em
ignorantes.
Não se sabe o que se planta, o que se colhe e o que se come. Hoje nos laboratórios sementes
mudam de nome, que depois vão lá pra terra como se fosse uma guerra onde há duas partes lutando.
A cada palmo plantado, tanques, em tratores traçados, vão a vida bombardeando.
A terra boa, mas queimada, perde sua vitalidade, enquanto os braços balançam na total
ociosidade. Sempre é tempo de alertar, com a sã filosofia; que um povo não será livre e nem terá
alegria, enquanto seu alimento e todas as sementeiras, forem, produzidas e trazidas, de fora de suas
fronteiras.
Cartas de amor
Nº 11

À DEMOCRACIA

É de fato uma loucura, gente de alta cultura e de moral tão tacanha, pregar a democracia,
agarrados ao poder, mas que de tanto esbanjar, decidiram se fartar de coisas bastante estranhas.
Primeiro comeram o espaço e nossa população, sem ter lugar pra ficar abandonou o sertão.
Veio morar na cidade, onde as imobiliárias, já tinham se precavido e o povo foi espremido nas
encostas sedentárias.
Aí comeram as florestas para fazer mais fortuna. Todos os animais silvestres e as espécies
mais comuns foram todas dizimadas, porque para esta camada já não há limite algum.
Comeram o conhecimento e os bancos das escolas, o povo ficou sem ter o direito de estudar
e nem casa pra morar neste mundo traiçoeiro, porque esta minoria, com toda a sabedoria, comeu
também o dinheiro.
Foram avançando mais e comeram a saúde. Os dentes da juventude, sem ficarem intrigados,
é por isso que dizemos de modo pouco feliz que somos enquanto país, os campeões dos
desdentados.
Comeram a voz do povo e este deixou de falar, só tem direito de ver o que alguns podem
fazer de forma impopular, sentindo grande emoção, na voz da televisão e nas letras do jornal.
Ainda comeram os empregos não há onde trabalhar. As pernas de nosso povo para não poder
andar. Dos braços, comeram o esquerdo e os dedos da mão direita, deixando o indicador, para usá-
lo com temor e aliviar as tensões, nas máquinas eletrônicas, no tempo das eleições.
Democracia de um dedo só? Faz dó, faz dó, faz dó...
Desta forma acreditam que existem iguais direitos, porque todos os políticos de fato são
sempre eleitos e, esta é uma verdade que não há quem não aceite. Mas de que vale apertar os botões
em um só dia, é isto democracia se em casa falta até o leite?
Muitos até se convencem e a farsa, ajudam a montar. Fecham um olho ao Tio Sam, mas não
é para piscar. É apenas para dizer que o dedo só dá prazer, pra aquele que se eleger, e que nada irá
fazer para lhes desagradar.
A democracia do medo é feita por um só dedo, que tira o que deu de tarde, já no outro dia
cedo.
Mas a história é muito sábia, pouco a pouco nos ensina, que a pobreza não é feita por
orientação divina e nem a democracia, usando apenas um dedo, onde gente até por medo, vota em
quem lhe domina.
Pouco a pouco a consciência vai ocupando o vazio, resgatando todo o brio deste povo
brasileiro. Do sono vai acordando, para fazer vomitar tudo o que os ricos comeram, e se eles nunca
entenderam entenderão num só dia: que o dedo indicador mesmo se erguendo sozinho, pode apontar
o caminho da nova democracia.
Cartas de Amor
Nº 12
AO TEMPO

Um povo desenvolvido, sentia-se protegido por um pássaro veloz. Uma águia na verdade,
que comia as liberdades, impondo pesadas ordens, com a força de sua voz.
Seu ninho, uma atração. Levava com a força de suas pernas, as riquezas que encontrava, e
quando alguém a contestava, usava a “palmatória”, uma nota promissória, de certa dívida externa.
Seus vôos não tinham divisas nem fronteiras. Seus produtos deviam estar em todas as
prateleiras. Sua língua? Uma imposição. A moeda? Uma lei: a dolarização.
Armamentos? Sempre produziu. Poluía o planeta com gases e fumaça, e se alguém a
contestasse, saia das reuniões fazendo ameaças.
Suas relíquias? Preservadas. Forças altamente preparadas, delas tomavam conta. Constava:
uma casa branca, dois prédios de 122 andares, e um conjunto de cinco pontas.
Um dia a águia e seus filhos adormeceram. Três penas de sua cauda desprenderam e velozes
voaram para o ar. Por azar, foram se chocar contra as torres alvissareiras, e lá desceram elas
mergulhadas na poeira.
A águia triste e desmoralizada, por ter levado tal rasteira, procurava os culpados, com olhar
desconfiado, pois, as penas tinham se desgarrado de sua própria sambiqueira.
Quem provocou as penas a voarem? Quem instigou de longe e de bem perto? Quem
bombardeou nas selvas e no deserto? Quem matou com chumbo e de fome a céu aberto milhões de
inocentes? Pois, as penas que caíram, eram frutos bem maduros que jogaram suas sementes. Bem
entendido: “Quem com unhas fere, com unhas será ferido”.
E o que faziam os “vitimados” quando a águia ciscava e abatia, durante anos, meses e dias,
outros Estados? Por acaso não era terrorismo, jogar bombas, durante a madrugada, quando dormiam
as crianças desde de Granada? A seguir os milhões que morreram de emboscadas, em outros
pontos, vítimas da triste sina, como até hoje na extinta Palestina, sem direito a gritar, e muito menos
a se mostrar na tela da televisão? Dizem que: “Quem vê cara não vê coração”, mas muito
sentimento pode esconder um grande fingimento.
Pedir clemência a quem, se és poderosa? Pedir ajuda a quem, se tens autonomia? Não há
coisa mais hipócrita e ilegítima, quando o carrasco se coloca como vítima.
Enfim, o tempo venceu mais uma vez. A eternidade não existe para um reinado! Todo poder
pode ser contestado. Ninguém é tão sabido que não aprenda uma lição. Se um povo pode ter a sua
nação. Um país a sua soberania. A prepotência tem limites e se deita diante de quem aprendeu a
olhar o tempo com os olhos marejados de utopia.
Terrorismo é o que vivemos aqui, marcados e mandados pelos silvos do FMI. Viver
sobressaltados em permanente insônia, vendo as garras da águia depredar a Amazônia. Ser
obrigados a engolir a Coca-Cola e ver nossas crianças e jovens sem escola.
Terrorismo não é apenas bombardear, se chocar e matar seres altivos. É mais! É fingir que
mata de repente, no entanto deixa a penar, vivos. Ter que tirar da boca a comida e engolir em seco
uma ferida, enquanto o império mantém-se na orgia, bebendo a hemorragia de nossa carne
ressequida.
Salve o tempo! Salve o tempo! É o único instrumento que ninguém cala, nem derrota, nem
impede de existir. É ele quem faz o amanhecer, e deitado na linha do horizonte deixa o sol nascer
para fazer sorrir. Seca o orvalho, e no galho, faz a flor se abrir.
Cartas de Amor
Nº 13

AO PERFUME

O ódio é um péssimo companheiro. Filho do descontrole emocional. É quase irracional.


Com ele o império vira bicho: se retrai, se contrai, se destrói. Não se faz herói da prepotência nem
da indecência, pois a conseqüência é o lixo.
A indignação não é ódio. É razão misturada a sentimentos. Sem momentos de avalanches,
que desmanchem a consciência. É clemência, paciência e generosidade. É não aceitar pela metade
algo que deve ser inteiro. É ver no desconhecido um companheiro, quando luta pela mesma
liberdade.
O ódio do império esconde um grande medo: ser surpreendido por segredos. Por isso
alimenta a mágoa, que lhe cega a esperança. Fica com a desconfiança de beber a própria água.
Repetindo: de que vale a prepotência, a ganância, a intolerância e a mágoa, se, quem se diz dono do
mundo, no fundo, tem medo de beber a própria água?
É bom ver a opulência desmanchando-se em poeira. É como se uma espessa cabeleira fosse
varrida pela ventania, pagando em um só dia, o que fez o tempo inteiro. Sentindo de perto o cheiro
da vergonha do Rei que ficou nu. Sem ninguém que o conforte, como um chicote em sua mão,
batendo sem perdão, no próprio couro cru.
Satisfação; é um sentimento onde se mistura suspiro com sorriso. Onde o juízo acalenta a
utopia. Vê, prevê e guia, a arte de edificar ternura.; um renascer em cada criatura que se alimenta de
eterna rebeldia.
Chega o dia em que os tiranos ficam como os cães idosos que perderam os dentes e já não
mordem, mesmo mantendo nos velhos olhos a sanguinária ira. Suas causas são feitas de mentiras e
não servem para animar a liberdade. Nem a noite que amedronta, controla a eternidade. Ela não
detém a ousadia da luz, que arrebata seu capuz, com gestos de solidariedade.
A mesma força que obriga os tiranos a se unirem, pode levá-los à destruição. A força dos
povos nutre-se de indignação. Pode acordar em luta após a longa pausa, e unir-se ao redor de uma
só causa: pisar sobre os tiranos e resgatar em dias todos os anos, que se perderam por debaixo da
opressão.
Como as florestas incendiadas, clamando pela chuva se parecem as nações. Devem aos
tiranos, o que já não podem mais pagar. Como o fogo que queima devagar até chegar ao lago da
revolta. Ali o grande encontro guarda uma saída: voltar, e numa festa, fazer como a floresta: em
cada galho, vê um atalho para deixar brotar a nova vida.
As mãos dos lutadores estão ligadas aos braços que distribuem abraços, e não à violência e
ao terror, estas são as armas do imperador, que faz da dor a sua missão. Põe a culpa de seus atos em
quem canta uma canção, condenando a harmoniosa melodia. Esconde-se por trás da economia como
um rato a espreitar o queijo, e não sabe o calor que tem um beijo, pois sua boca é amarga e cheia de
covardia.
É por tanto, conveniente, espalhar a semente do amor como um costume. Pois, por mais que
o ódio provoque muita dor e, leve o tirano em sua ira até pisar a flor, terá sempre primeiro que,
passar pelo canteiro e respirar o seu perfume.
Cartas de Amor
Nº 14
À SOLIDARIEDADE

Somos como os brotos das sementes espalhados campo a fora, em busca de uma fresta na
terra para respirar a liberdade. O canto da verdade pertence ao que chamamos vida; semente é como
gente, não pode ser comida.
A aurora do nascimento avisa pela dor quando a semente quer deixar de ser flor. Fecundar é
sua vontade. Procura por isso resvalar pela umidade, por um canal que lhe instigue o olho a abrir-se
feito a força de um vulcão, para romper a crosta, que se prostra, diante da marcha desta revolução.
Se a crosta é dura os ombros do broto forçam sua abertura. Assim, com força e com ternura,
desponta aquilo que procura forma, não é uma reforma, é nascimento de algo terno e puro, que quer
espaço, para ligar-se por um laço, do passado ao futuro. Onde se vê, por antecedência, o fruto já
maduro.
A chuva como lágrimas refrescantes, lava os olhos nas cascas das sementes, enfileiradas nos
canteiros, que sobem com uma boina na cabeça como um novo guerrilheiro que, envergonhado com
matizes indefinidos, põe força para ser reconhecido, é o lutador se fazendo em cada um de seus
gemidos.
E o horizonte se estende como uma bandeira à espera pelos passos de quem caminha.
Engatinha preguiçoso na garupa das montanhas a espera do aceno do raiar do novo dia,
desvendando os segredos e aproximando a utopia.
Os brotos temerosos nascem enrolados. Os destemidos buscam desde cedo seguir o seu
caminho. Os que olham para cima, já tomaram em suas mãos a auto-estima. O queixo levantado em
constantes movimentos, como um tornado sendo o acontecimento.
O universo é o invólucro da semente humana, nele se encontram os povos para lutar contra
os senhores, dando força e vida aos valores.
A castanha tem a casca dura, mas o broto teimoso sempre fura a sua rudeza. Nenhum
império com sua fúria incontida, pode deter um nascimento, pois dentro dele apesar do sofrimento,
existe vida, força da natureza.
A casca da semente em sua triste fadiga, cumpre o papel de ser barriga. Por mais dura que
seja por fora, guarda dentro de si a aurora do dia que se avizinha. A utopia é uma arvorezinha, que
dorme e quer nascer, depende do querer de quem os seus passos alinha.
É justo que existam diferenças. Sementes de todas as qualidades, cada qual com sua
identidade. Delas, vêm os brotos com suas cores: operários, camponeses, professores, como na
floresta, cheia de silenciosos construtores.
Há sementes em todos os continentes, África, Antártida, Ásia, Europa, Oceania e América,
algumas com fuzis em punho buscam abrir a terra, é a rebeldia dizendo ser capaz, de lutar contra a
vontade dos impérios e fazer nascer a paz.
O imperialismo é um inseto que come o olho da semente. É preciso combatê-lo ferozmente,
não importa com que roupa se apresente. Sua perversidade se combate de verdade com a
solidariedade de todos os continentes.
As potências perderão sua arrogância, no dia em que a sua ganância tiver a sentença escrita
em uma lauda: A vida é para se viver, mas quem quiser estuprar os outros para com isso ter prazer,
terá que comer, se quiser, a própria cauda.
Cartas de Amor
Nº 15

PARA SERMOS IGUAIS

Para ver-nos nas flores, façamos os jardins. Eles crescerão na alma das futuras gerações, que
repetirão em canções as intenções plantadas; como as rosas rosadas que espelham as paixões.
Para ver-nos nas águas, preservemos os rios. Eles são os trilhos que multiplicarão os filhos
de todas as espécies. Com os bens naturais é preciso fazer mais, assumir o seu cuidado. As
empresas multinacionais entram cada vez mais, no coração das águas para controlarem os passos da
vida. Com sofisticadas redes, prendem os direitos, fazendo de quem da terra é sujeito, beber a
própria sede.
Para ver-nos nas árvores, preservemos as florestas. Elas garantirão para cada geração a
recompensa: cuidar de suas doenças e purificar o ar. Ajudarão a molhar e a evitar os desertos que já
estão bem perto. Só no Brasil, ficamos envergonhados, de saber, que já chegam a 574 Km².
Para termos o pão, preservemos a terra. Ela é a mão que alimenta oferecendo a cada boca
suas colheitas. A erosão, a contaminação o fogo e a má utilização dos recursos naturais, já fazem a
cada hora, uma espécie ir embora, de flores, ervas, insetos ou de animais. E para nunca mais.
Para ouvirmos um canto, preservemos os passarinhos. Eles sempre dizem do seu jeito, que o
maior tesouro do homem ou do touro, está no próprio peito. Não é o coração, mas a força da paixão
que move a tempestade da vontade de voar, e ao mesmo tempo de cantar. O pássaro não engana;
por ser qualificado, aplica o ditado de “assobiar e, ao mesmo tempo, chupar cana”.
Para ganharmos um beijo, preservemos o homem e a mulher. É a única possibilidade de
dizer que a vontade de amar triunfará. Preservemos o olhar para poder andar. Preservemos o amor
para zelar da flor. E preservemos a verdade para que vingue a solidariedade.
Como é difícil provar que o futuro se constrói pelo presente! Que, quem aqui está, nada mais
fará que lutar para preservar o que se tem, que tomamos emprestado das gerações que vêm. Todas
nascem pacíficas e controladas, mas se obrigam a lutar para consertar o que, os que passam
primeiro, como em fim de festa, sujam o espaço inteiro.
Quem nasce achará seu espaço já virado, por aqueles que não souberam comportar-se no
presente ou no passado.
O imperialismo destrói e impõe normas para que as sobras dos rios se tornem grandes
negócios. Já não se coloca como sócio, quer ser proprietário, da água onde ela estiver. Por isso
dizem que o FMI, recomenda às nações que acelerem as privatizações de todos os mananciais. Isso
é demais!
Dizem que estratégico é investir na indústria, no petróleo e em tecnologias. Mas as
conseqüências por todos conhecidas é que: uma nação sem água e sem comida, não terá sua
descendência repetida. Estratégico mesmo é investir na vida.
“Quem semeia ventos, colhe tempestades”. Ainda falta revelar-se totalmente esta verdade.
Façamos alguma coisa! Ainda sobra da vida, pelo menos a metade.
Cartas de Amor
Nº 16

AO SOCIALISMO

É preciso despertar enquanto é cedo. Perder o medo de dizer de que lado se está. Como a
chuva que também cai devagar, e não deixa de cumprir com sua sina; molha todas as plantas com
neblina e lava a poeira do calor. Beija a boca doce de cada flor e limpa as impurezas do ar que o
império contamina. Por isso, desperta América Latina!
É verdade que tivemos no passado erros cometidos pelo “socialismo de Estado”, que nos
jogou para a periferia da história. Que negou quase um século de memória e de sonhos
interrompidos por canhões, mas jamais tantos povos e nações, conseguiram juntamente tanta glória.
Um vazio pode-se dizer. Um vazio nasceu no lugar das frustrações. Mas quem é o império
para querer dar lições, qual chicote querendo acariciar? Sopra onde não pode beijar, qual dragão
sem sorrir mostrando os dentes, faz da mídia um chocalho de correntes, tripudiando sobre alguém
que não morreu. Se de um lado se agarra aos judeus, de outro devora os palestinos, e oprime
africanos e latinos, pondo a culpa no tempo que não cedeu.
É verdade que há uma confusão que engole as utopias. Desmontou-se a ideologia na
maioria das cabeças congeladas. Que tinham aprendido a marteladas, pela ordem dos partidos
comunistas, mas então não eram marxistas? Pois, a ciência não pode ser acorrentada.
Dois pólos continuam a se enfrentar, mesmo tendo caído o muro de Berlim. Aquilo não
significou o fim da briga entre a ética e a opulência. Acontece que, quando se tira da história a
ciência, os sentimentos é que tomam conta, por isso um dos pólos virou o islamismo e se defronta,
no vácuo deixado pelo socialismo.
É isso que precisamos decifrar. Caso contrário ficaremos sobre o muro. A guerra não é entre
puros e impuros, mas entre ricos e desfavorecidos. Os Talibãs por mais erros que tenham cometido,
influídos por sua religião, mas por trás de seus atos existe uma nação, que há anos luta contra
impérios intrometidos.
O imperialismo é o inimigo da humanidade. Ele faz o terror entrar pelas janelas. Milhões e
milhões morrem asfixiados, sem poder dizer sequer um não. Já foram ao Vietnã e perderam para
nossa alegria, preparemo-nos pois, chegará o nosso dia, de lutar cantando uma canção.
Pátria ou morte! Pátria ou morte! Viva a solidariedade. É a guerra do míssil contra a carta
que leva até a casa do império o pó que envenena o ar, para ele saber como é ruim morrer sem
respirar, como faz morrer nosso planeta. Morte ao boi, “ao boi da cara preta” que não pega
ninguém, pois as crianças já não têm mais medo de careta.
Religião é religião e não ciência, passou a ocupar este lugar depois que a ideologia dos
pobres falhou em sua experiência, mas terá que se reabilitar. Não existe tempo e nem lugar, pois
esta profecia não se supera não! Somos a última classe em ascensão, para chegarmos à nova
sociedade; onde o pão se servirá repartido em metades; as pessoas se abraçarão mas sem cinismo;
não haverá paz na terra nem perdão, enquanto a humanidade numa só revolução, não implantar
amplamente o socialismo.
Cartas de Amor
Nº 17

O NOSSO AFEGANISTÃO

O nosso Afeganistão é aqui com guerra e tudo, governado também por cabeçudos, com
apenas uma diferença: lá o povo reage à sentença imposta pela crueldade, aqui apesar da fome
imensa, ainda se prega a passividade.
Há um “novo” vocábulo criado pelo imperialismo, descrito em todas páginas de jornais,
chamam de bioterrorismo e nada mais, aos ataques sofridos com um pó, mas quem primeiro
inventou este arsenal que agora não consegue controlar?
A ciência a serviço do mal, ligada à área da biologia, já na guerra da Coréia no século
passado, os americanos têm usado sem se quer prever os requisitos e explodiram uma bomba com
mosquitos, eliminando milhares de vidas, e assim se forçou um armistício e as coréias ficaram
dividas.
No Vietnã não foi tão diferente, um agente poderoso foi usado, para secar as florestas e
facilitar o combate aos guerrilheiros, a guerra terminou muito ligeiro, sem o império ter chegado ao
seu intento, mas o veneno ficou e com o vento, foi entrando após a guerra em todos os pulmões, por
isso por várias gerações, ali se suporta o sofrimento.
Na guerra do Irã contra o Iraque, onde o império em detrimento da miséria, ensinou o
segundo a produzir as bactérias que hoje são usadas nesta fúria insana, comendo as narinas da nação
americana, que queimam igual ferro envolto em brasa, o medo chegou às portas de sua casa, e olha
que faz apenas uma semana!
Mas a arma mais potente em andamento, que ataca primeiro a legislação, são os trangênicos,
meu amigo, meu irmão, que comem as vísceras no atacado. Nos shoppings e nos supermercados, se
disparam os mísseis contra a vida, é o bioterrorismo então legalizado, que o povo enganado leva
como comida.
Ao contrário do que faziam no passado, onde as ameaça aos humanos eram feitas em
segredo, todas as espécies hoje estão com medo a espera de que lhes roubem os seus genes, como os
órgãos de crianças que também pelo império econômico traficados, é o terrorismo mais
qualificado, que apenas ao império só faz bem.
E o terror da dívida externa? É a ciência econômica a serviço do mal, que dá plenos direitos
ao capital, usando siglas para disfarçar o nome, enquanto 50 milhões de brasileiros já não comem, é
terror ou não morrer de fome? Por que isto o império ignora? Uma dúzia de crianças morre a cada
hora, é o presente e o futuro do Brasil que se consome.
Bioterrorismo, é o termo, pois surgido, criado, alimentado e desenvolvido, pela ganância e a
elevada ignorância dos Estados Unidos, que inventaram através de sua ciência, mísseis que valem
milhões. Os pobres fazem das cartas seus canhões, e as enviam com cuidado e muito zelo, tendo
como custo apenas um simples selo, é o troco dos cordeiros dados aos leões.
Por último, é preciso destacar que, a tecnologia dia a dia foi poluindo o ar. O tratado de
Kioto o império não assinou. De que vale o ar condicionado e o computador, se o dono do mundo
tem medo de respirar?
Bioterrorismo é quando os inventos saem dos laboratórios pelas mãos dos professores e vão
comer os intestinos de seus próprios inventores. Então por que reclamar? Deve saber morrer, quem
ensinou a matar!
Cartas de Amor
Nº 18

A CUBA

Estivemos em Cuba em busca de alento para nossos sentimentos. Era verdade o que se dizia;
lá povo é um composto de coragem e ousadia. Não se entrega nem desanima, anda de cabeça
erguida demonstrando auto-estima.
A quem vai, a princípio a surpresa é instigante, pergunta-se sobre o grande comandante que,
embora o tempo lhe tenha tirado das faces a juventude, comporta-se como um guerrilheiro, move-se
o tempo inteiro e aparenta boa saúde.
O que vimos ali, com o que temos aqui, não se compara. O povo segue fielmente os
ensinamentos de Martí e Che Guevara. Convencido, não pensa o contrário. Empenha-se no trabalho
voluntário.
Os camponeses têm consciência da missão e produzem alimentos para toda a nação.
Misturam ideologia e sentimento; há uma estátua de Martí em cada assentamento. Exposto, em uma
praça florida. Ali se percebe que a ideologia tem vida.
Como um menino, Fidel passeia entre o povo. É o velho guerrilheiro que encarna as
qualidades sonhadas do homem novo. Com sua farda verde oliva, demonstra confiança, não
descansa. Anda e abraça com simplicidade, apesar de sua idade.
Perdeu a maciez da pele e a robustez das pernas que o fazem andar mais lento, mas não
demonstra fraqueza nem temor. É querido pelo povo por ser este lutador, que, não pára de falar do
socialismo, enquanto, sem trégua combate o imperialismo.
Não há propagandas de mercadorias. Nas ruas se respira ar puro e ideologia. Todos sabem,
em qualquer idade, o que é a revolução e a ela se dedicam com paixão.
Em Santa Clara está o Che, descansando no memorial com mais 38 guerrilheiros postos em
forma, onde ele é o comandante. A arquitetura é feita como se eles descansassem para seguir
adiante.
Os valores estão em toda parte. Comprova-se de fato que a revolução é uma arte. As
proporções entre nós são diferentes e mudam a consistência. Lá o país é pequeno, mas o povo é a
potência. Aqui o país é imenso, mas pequena é a consciência.
O que dizer para aqueles que criticam? Que o socialismo de lá é cheio de defeitos? Para
quem quer mordomias, de fato em Cuba não tem jeito. Não cabe lá a “democracia” daqui com suas
injustiças astronômicas. Lá o povo tem o básico e não vota em máquinas eletrônicas. Nem por isso
deixa de ser feliz, participa ativamente da defesa do país. Quem assim procede é bem visto. Quer
mais democracia que isto?
Aos que lá vão e voltam magoados e criticando, é sinal que estão se petrificando.
Quanto a nós, dizemos sem constrangimento, que Cuba representa um farol neste momento.
Aceso no meio do oceano, nas barbas do Tio Sam, expondo sua ousadia. É sinal que aquele povo se
alimenta de utopia.
Resumindo, pode-se dizer livremente sem apertos: fomos a Cuba, não vimos erro algum;
estavam escondidos atrás dos acertos.
Pátria ou morte! Venceremos! Não são palavras vazias, são atitudes e valores em construção
que somente as entende quem vive em uma revolução.
Cartas de Amor
Nº 19

AO CHE

Em Santa Clara de longe se avista, o grande comandante comunista. Jovem e esbelto na


estátua que o moldura, parecendo ser viva a criatura.
Não há quem não se emocione ao ver o retrato tão fiel, talvez mais do que ficar frente a
frente com Fidel.
Em outro ponto, é outra a situação. Pode-se descer e pegá-lo pela mão. Está logo à frente de
onde, na batalha decisiva, o trem saiu dos trilhos. Sem o fuzil. Olhar de confiança. Nos braços
carrega uma criança como se fosse um filho. Assim também nós nos sentimos, descendentes do
comandante que seguimos.
No memorial estão os guerrilheiros, enfileirados como companheiros, a espera da voz do
comandante, dando-lhes ordens para seguir adiante. Ali se encontram objetos deformados que
foram tão preciosos quando por eles usados.
Mas o Che não está apenas neste velho mostruário. Está no coração do povo, no trabalho
voluntário. Na moral, nos valores e nos sentimentos. Na defesa do país e no comportamento.
As crianças têm orgulho de serem socialistas. Defendem a revolução e todas as suas
conquistas. Tem no olhar uma chama de esperança. Percebe-se apenas pela voz que são crianças.
A juventude está à disposição, para cumprir socialmente a sua função. Em suas faces já não
se vê as velhas cicatrizes, buscam manter da cultura suas raízes e vão, em massa, prestar ajuda
solidária a outros países.
Ali se vê que o Che não foi apenas um comandante militar. Mas um ser inquestionável que
sentia e sabia amar. Que tinha um pensamento em cada mão, na boca, uma sing ela canção, que
atraia os ouvidos de seu povo e ouvindo cada qual se tornou novo.
Este artista arquiteto de um só sonho, que enfrentava o perigo tão risonho, pois sabia o valor
que tinha a vida. Como pode sua voz ser esquecida, se suas ordens eram cantos nas trincheiras?
Seus planos eram como brincadeiras, de crianças tentando moldar o mundo, por isso era seu
carisma tão profundo de enfrentar limites e desrespeitar fronteiras.
Poeta do fuzil que não podia caber só em uma ilha. Seguiu pelas Américas abrindo trilhas,
como um raio de luz penetrando nas florestas. Com suas idéias foi rasgando frestas, nas velhas
teorias petrificadas. Fez dos passos, teses elaboradas que, a seu ver sempre foram modestas.
Guerreiro da consciência. Lutador para extirpar a ignorância. Deu aos humanos a máxima
importância, porque acreditava na ciência. Transformou o conformismo em impaciência. Os limites
em degraus entre as batalhas. Colocou os acertos sobre as falhas. Combateu em si mesmo as
deficiências.
Como podemos esquecer ou fingir estar distante? deste ser que nos chama ardentemente.
Nas batalhas estará sempre em nossa frente. Sendo assim o nosso eterno comandante.
Cartas de amor
Nº 20
ÀS VERDADES JÁ APRENDIDAS

Não diga que é preciso organizar o povo


Nem que os Bancos exploram o cidadão
Que a água não pode ser privatizada
E o caminho é a revolução.
Que a terra está entregue ao latifúndio
A renda está muito concentrada
O governo é conivente com o império
Que as idéias socialistas não estão superadas.
Que a soberania está quase perdida
O desemprego é irreversível
O homem está irreconhecível
Porque o consumismo já o venceu.
Que há milhões de indigentes pelas ruas
A fome come a vida das crianças
O povo perdeu as referências
A mídia atenta contra a inteligência
E a “esquerda” se rendeu.
Não diga que a globalização não é coisa do presente
Que a “elite” é inconseqüente
Os governos de “esquerda” são incoerentes
E o império já domina a humanidade.
Que o problema do povo é a propriedade
Que a riqueza é a fonte da violência
E que é preciso elevar a consciência.
São verdades talvez muito batidas
Que sem ação podem perder a própria vida.
Não. Não diga nada!
Pergunte se há um caminho... uma estrada?
Se está disposto a alinhar os passos
E convencido a descruzar os braços
Para agarrar com força a solução?
Pergunte o que é a revolução?
Porque é chegado o momento
Onde as palavras já não servem como exemplo.
Entenda de uma vez:
Que a dominação e a liberdade podem ter a mesma idade.
Há momentos em que uma só olhada
Organiza uma longa caminhada
E incendeia o coração dos que já não se queixam.
Acredite, que tudo guarda uma força interna
Que as injustiças não conseguem ser eternas
Simplesmente, porque os revolucionários não deixam.
Cartas de Amor
Nº 21

AO NATAL NA REFORMA AGRÁRIA

Neste ano, no natal, não ouviremos sinos, porque as risadas dos “meninos”, que passeiam
livres e contentes, já podem mostrar e exibir os seus presentes. Ao contrário de seus pais quando
crianças, onde o natal servia apenas de frustrações das esperanças.
Agora nos pés cansados pode-se ver que estão todos calçados. As camas deixaram de ser
giraus e a comida melhora sempre mais.
Nas cozinhas fervem as panelas. A energia substitui a luz das velas. Nos terreiros passeiam
as galinhas, é a prova de que a lona nunca abandona aquele que com luta o passo alinha.
As lágrimas agora são de emoção. Escorrem pelas faces qual perfume em formação
limitando a fonte que do rio e a nascente. Com a alegria de receber e dar presentes, gotejam sem
envergonhar o rosto. O pão é comido com mais gosto. Nos berços já não morrem os descendentes.
O natal na reforma agrária tem gosto de vitórias, como se um canto nascesse em cada dia. A
ocupação enfim se fez poesia, a decisão também se fez destino, e o homem velho renasceu, se fez
menino.
A mãe consegue se deitar mais cedo. Nas noites já não sopra mais o medo de não se ter
futuro. O fruto pende dos galhos já maduro. O leite como nas cachoeiras penetra borbulhante em
cada mamadeira.
O fogo aceso no terreiro, espera a visita de um guerreiro que partiu e não viu cada vitória.
Vive, em todo caso, na memória e festeja soprando as labaredas, que se movem como se fossem de
seda.
O mugir dos animais completa os sons da harmonia, que faz do latifúndio um tempo antigo,
onde vegetava só capim, agora, enfim, amadurece o trigo.
Violas e violeiros; vultos de outrora renascendo. Roupas que não têm mais os remendos.
Chapéus que não estão mais esgaçados. Lembranças que contam o passado. Lágrimas que secam
sem surgir. É o tempo de se permitir; viver, sonhar e ser sonhado.
Porteiras escancaradas dormem silenciosas, quietas. Roseiras orvalhadas se emprestam aos
poetas que deitam nos jardins para poder amar; sem medo de que alguém venha chamar, ou pedir o
lugar destes casais, já há tantos lugares tão iguais, que falta gente para os ocupar.
Neste natal, há mil coisas sendo ditas. Há mil faces rosadas, mais bonitas, há mil beijos
saindo em cada boca. Há mil coisas sendo repartidas, há mil desejos a realizar na vida que é tão boa
que parece curta e pouca.
Será assim: todos os natais sem sinos, porque as gargalhadas das meninas e meninos
penetrarão na alma dos adultos, expulsarão dali a cada ano os desânimos e os defuntos. Renascerá
assim sempre a certeza, de que, reforma agrária é gente e natureza, que se encontraram para viver
juntos.
Cartas de amor
Nº 22
À POESIA SERTANEJA

Sem a terra repartida, que prazer que tem a vida?


Pensava o sertanejo sem um prato de comida.
Só um punhado de terra daria conta de sua lida?
Onde plantaria seus pés todos cheios de feridas?
Se por tudo onde passava, a cerca estava estendida
Ia mais rápida do que ele caminhando nas subidas.
Com pernas feitas de estacas e a espinha retorcida
De arames com seus grampos, margeando a estrada sem vida.
Deitou-se para morrer sob a lona ressequida
Mas teve sorte o poeta de sonhar com a saída
E ao acordar divulgou a mensagem recebida
E contou aos seus vizinhos, o que vira em sua dormida.
Sonhei com terras plantadas, sonhei com flores floridas
Sonhei com casas pintadas... frutas amadurecidas.
Sonhei com jovens cantando em escolas construídas
Com mulheres liderando as batalhas tão sofridas.
Sonhei com árvores grossas e matas verdes crescidas
Sonhei com água corrente despencando das descidas.
Sonhei com trabalho feito com as minhas mãos despidas
Cereais e plantações se transformando em comida
Abraços dados com força em cada espécie de vida.
Sonhei com ocupações, marchas e estradas compridas
Sonhei com a revolução, multidões vendo saídas
Riquezas acumuladas de uma só vez repartidas.
Sonhei puxar com as mãos, todas as idéias retidas
Em levar conhecimento a consciências adormecidas.
A levantar a bandeira de todas causas perdidas
Sonhei com grandes vitórias e a dominação vencida.
Sonhei com minha cabeça, levantada e bem erguida
Sonhei em fazer a história sem coisas dadas escondidas
A buscar com minhas forças as coisas oferecidas.
Sonhei em fazer do campo de minha pátria querida
Um lugar de gente livre se amando em terras carpidas
Um espaço de prazer sem ter vontades contidas.
E todos os que ouviram, sentiram as forças retidas
A moverem devagar as pernas enfraquecidas
E levantaram os corpos feito uma água fervida
Borbulhando contra as cercas que fácil foram rompidas
E os arames gotejaram toda maldade contida
Ali nasceu uma estrada... nunca mais interrompida.
Hoje a terra repartida, dá gosto viver a vida.
Cartas de Amor
Nº 23
AO ANO NOVO

Este ano vai ser bom, choveu em todo o país. Prenuncia a fecundação de um sonho que tem
raiz. Se chove na agricultura, a nossa velha cultura diz que o tempo vai ser bom. Com a semente na
mão perfura-se todo o chão pra se fazer o plantio, mas, se isso não se fizer, sobre a terra despida
ficam marcas e feridas da água que vai pro rio.
O “bem” tem sua aspereza, semelhante à rapadura, que oferece doçura extraída da dureza.
Assim é a natureza e a vida que segue em frente, quando o “bem” fica doente é preciso ter cuidado,
porque o sonho plantado pode morrer com a semente!
Mas o ano vai ser bom também para quem lutar, é preciso semear nesta terra preparada. É
preciso resgatar (isto é uma grande verdade), a nossa privacidade duramente escrafunchada. Onde
os nossos inimigos semearam muito medo, descobriram alguns segredos de nossa germinação, por
isso com as próprias mãos, torturam os brotos nascendo.
Recompor nossos segredos é a tarefa imediata. Sem eles, as velhas chibatas baterão sem
resistência, porque toda persistência vem de segredos mantidos. Mas, quando são descobertos, os
inimigos ficam certos, de nos terem demolido.
Muitas forças de esquerda se queimaram com a luz, já são brotos de bambus num caule oco
grudados, iludidos, mascarados, já sem criatividade, pensam que sem germinar podem crescer e
chegar a ter própria identidade.
A identidade do broto é a do caule que o sustenta, enquanto o caule agüenta o broto segue
com vida. Mas quando há epidemias, ou fortes crises de vento, o mesmo comportamento tem o
broto infeliz, porque da velha matriz vem sua profissão de fé, pois é a mesma raiz que os faz ficar
em pé.
As sementes não são brotos, têm raízes independentes, crescem e são resistentes, tendo a
própria identidade. Germinam no campo certo, fazem surgir o projeto de uma nova sociedade.
Isso é que dá garantia aos segredos preservados, os brotos domesticados já não querem ter
segredos, para não se surpreenderem por isso tremem de medo, sempre que o caule balança, como
se fossem crianças querendo adormecer, e na sua ilusão louca, levam o dedo até a boca e fingem
sentir prazer.
Se no país chove bem, bem a semente germina, renasce a auto-estima e passa a ser o
fenômeno, é este o grande termômetro que mede a germinação, quando com o coração rega-se a
força dos passos e sustenta-se com os braços o projeto em formação.
Ser fenômeno das mudanças com suas mil inovações. Fazer nossas plantações com sementes
naturais. Reproduzir nos quintais, hortaliças e pomares; plantar em todos os lugares vontade de lutar
mais.
Ser fenômeno político que atrai a juventude. Mostrar, tomar atitudes frente a degeneração.
Dar ao jovem condição de ser também dirigente; colocá-lo frente a frente com a própria libertação.
Construir novas consciências em milhões de estrategistas; fazer das forças ociosas e das
massas submissas, potenciais de enfrentamento, e assim, massa e fermento, farão a revolução. Por
tudo o que relatamos é que enfim acreditamos, que o novo ano vai ser bom.
Cartas de Amor
Nº 24
ÀS PALAVRAS

Falar a verdade é importante; mas não deve haver nada mais atormentante que a alma dos
políticos. Usam a boca como arma para disparar palavras sem prudência, fazem isto para se
garantir, mas não deixam de ferir de morte as suas próprias consciências.
Quando o político é eleito, só elogios se vêm sair da caixa de seu peito. Quando perde, fica
retrancado: não fala de imediato; analisa os fatos para depois emitir o seu “achado”.
Quando perde uma, duas, três e vai tentar a quarta vez, no desespero, começa a elencar os
erros. Rebela-se de um jeito bem primário e aventureiro; acha que os adversários o derrotaram não
pelas virtudes, mas pelas palavras rudes usadas pelos companheiros.
Assim expõe a sua sentença: “Quereis vós, que vosso candidato vença com esse palavreado?
Que iremos re-estatizar as empresas já privatizadas, resgatar o dinheiro, não pagar a dívida externa
e estatizar o sistema financeiro? Isto não se diz mais não senhor, nem mesmo em campanhas para
vereador! Muito menos para presidente. As palavras devem ser bem diferentes!”.
Dizem que o peixe morre pela boca, isto é verdadeiro? Quem morre pela boca é o político
interesseiro; com uma advertência: morre em sua consciência por primeiro.
Com belas falações, questiona os companheiros em suas razões: “Porque é que perdemos
tantas eleições?” E dispara a resposta desta vez sem emissários: “Não pode ser pelas virtudes de
nossos adversários!”
Vejamos então. Se há doze anos a esquerda não ganha a eleição por ter a língua afiada,
significa que seus erros estão nas palavras “mal” faladas? Esta é a lógica da reflexão: falando
“bem”, a direita ganhou cada eleição!
Então o jeito é se “desmanchar”. Deixar de falar tão diferente, engrenar um discurso
eloqüente que não diga nada, mas que engane muita gente.
Na verdade o que está sendo dito, há muito tempo na memória vem escrito. Pelos ternos bem
cortados já transparecia. Para alguns porém era bobagem, mas de fato, nesta tenção imensa, a
linguagem era ainda o que fazia a diferença.
Por isso é preciso prestar sentido: Neste país, de esquerda ainda há algum partido? Se pelo
sim, responda com ações. Se pelo não, poupe o ar de seus pulmões.
Não é virtude ao errado se igualar. Mudar o discurso e rastejar para ver se a elite o aceita. A
verdade é dizer sem emoção, a “esquerda” já perdeu a próxima eleição, e não é por capricho nem
vingança, é que na elite há pessoas de inteira confiança e não será mudando de discurso nem de
jeito, que um candidato de fora desta classe será aceito. A não ser que seja por acidente, mas aí o
candidato já estará bem diferente.
É uma pena ver os sonhos desfolhados, mas os passos haviam denunciado, que, por falta de
formação e militância, os combates perderam a importância. Por isto sobraram as palavras para
modificar neste arsenal. Isto frustra quem ainda da revolução é um devoto, mas o segredo está em
que, para caçar votos, é inútil um quadro formador, precisa-se em cada esquina de um bom
“atirador” (de palavras afinal), conhecido como cabo eleitoral. Há milhares no Brasil com nome e
endereço, o que diferencia um do outro, é apenas o preço.
Só há um jeito de chegar a vencer e governar: não deixar nenhuma palavra se render e com
elas organizar aqueles que precisam do poder. Somente assim e deste jeito, não se perde a vergonha
e o respeito.
Cartas de Amor
Nº 25
ÀS ILUSÕES

Por que será que a elite após quinhentos anos de poder, deixaria alguém que não é de sua
classe se exceder, e o país por ele governar? Isto é o que se deve perguntar àqueles que mansamente
se aproximam, principalmente quando as pesquisas os animam.
A democracia burguesa é como um carro rodando estrada a fora. Nele há um motorista
treinado pela tradição. Mesmo cansado e sonolento, deixa o carro andar mais lento, mas não entrega
nem por um momento o controle do regime que leva a multidão.
Este carro a dirigir pode ser dado, se um dia estiver muito atolado e iniciar as rebeliões de
passageiros. Aí o motorista de mansinho, chama um ajudante, se afasta, e finge ir embora, mas fica
controlando os movimentos lá de fora.
Sabendo que o carro fácil não sairá; ajuda os passageiros a reclamar para poder ir de volta ao
volante. Por isso se posta mais adiante e espera a hora certa de dar o golpe certeiro, taxando o
ajudante de barbeiro, vendo o carro patinando no atoleiro.
Se por acaso houver reações das multidões, enlameadas pelo barro, o “fugitivo” muito
esperto e cheio de confiança, chama os seguranças e manda descer todos do carro.
Aí impõe as ordens até o dia que bem quiser. Como não foi previsto outro carro, a multidão
tem de seguir a pé, prometendo vingar-se mais adiante, quando houver alguma eleição mais
importante.
Assim a chuva passa, seca a estrada; o carro sai em disparada, rumo ao destino repensado. O
motorista já não tem o mesmo brilho, aí passa o volante, não ao ajudante, mas a um de seus filhos;
e lá ficam os ajudantes enciumados a protestar, e o carro segue devagar, carregando as multidões
para lugares pintados de ilusões.
Os ajudantes, todos de cara feia, a cada quatro anos são chamados a uma ceia. Num grande
parlamento para discutirem porque o carro anda lento. Passam as horas, a ceia termina, aí
descobrem que o carro anda lento por não ter buzina. Então convocam uma eleição para o povo
(que até então nada pôde opinar), decidir que tipo de buzina colocar. E assim procedem, mas o carro
continua andando devagar.
Passa-se o tempo, ceias vão e ceias vêm, e o carro já não atrai mais ninguém, apenas os que
vão para ceiar. Xingam-se novamente em mesas regadas de champanhe e caviar, culpando-se uns
aos outros, porque o carro anda devagar.
Trocam o motorista e nada modifica. Os ajudantes se revoltam porque novamente ele
pertence à classe rica e nada de bom pode surgir. Propõe-se na próxima ceia, tomar o carro e
começar a dirigir.
Vem a próxima ceia convocada pela elite. E a direita distribui todos os convites como se
fosse uma grande brincadeira. E novamente, ocupa a maior parte das cadeiras.
Os ajudantes revoltados ameaçam não comer. “Que nada”, diz a elite, “ganhamos foi por
pouco até”. A multidão iludida renova sua fé e continua a andar a pé.
Os ajudantes fingem não compreender, mas gostam de estar ali, mesmo sem dirigir,
aproveitam todos os dias as muitas regalias, por viajarem (mesmo como ajudantes), no sistema da
classe dominante.
Assim é. A multidão composta pelo povo. Se quiser viajar e ter prazer, deve lutar para ter
um carro novo; onde não haja privilégios de ceias e bacanais de doutores ou de turistas, e que
todos, de algum jeito, tenham o direito, de serem motoristas.
Cartas de Amor
Nº 26
AO JOSUÉ DE CASTRO

Caro poeta da fome. É uma alegria relembrar em poucas linhas seu afetuoso nome.
Ao ler seu livro “Homens e Caranguejos”, (que sabedoria bela), é onde seu carisma de poeta
se revela. Em palavras muito bem repartidas, nos diz que, a linguagem ou melhor, a gíria da fome,
sempre vem com palavras evocando comidas.
Em seu tempo, a propósito de tudo, se dizia: “É uma sopa, é uma canja, é um tomate, é uma
ova, é um abacaxi, é uma batata, é pão-pão é queijo-queijo”. Sem muita precisão para que isto
aconteça, diz você que é porque, “as comidas subiram à cabeça”.
Pensando bem, este vocabulário é bem maior. Quando alguém deixa passar uma
oportunidade diz-se que “dormiu de touca”, mas ao ver algo gostoso, “ficou com água na boca”. Na
dureza se diz que é “um angu de caroço”, ou então que é “carne de pescoço”. Para alguém que é um
tanto mal falada, “é uma galinha”, “uma pirua”, mas pra coisas duvidosas e falcatruas, diz-se que é
“uma marmelada”.
Quando há algo que perturba o destino, diz-se que “é um pepino”. Se alguém é desajeitado,
feio e com pouco luxo, fala-se que “é um bucho”. “É um filé”, se diz a alguém muito bacana, mas
para quem não atina muito bem, “é um banana”.
Paremos por aqui. Mas você acertou com precisão ao descrever o drama da fome em suas
verdades. “Esta presença constante da fome sempre fora a grande força modeladora do
comportamento moral de todos os homens desta comunidade: dos seus valores éticos, das suas
esperanças e de todos seus sofrimentos dominantes. Vê-los agir, falar, lutar, sofrer, viver e morrer,
era ver a própria fome modelando, com suas despóticas mãos de ferro, os heróis do maior drama da
humanidade – o drama da fome”.
Mas veja caro amigo; nossa linguagem toda, hoje corre perigo. De um lado o imperialismo
em sua louca corrida, vem mudando o comportamento e os nomes de todas as comidas. Toucinho
de porco já é bacon, sanduíche com ovo é cheese egg, algo sem gordura virou light e o que não tem
açúcar agora é diet.
Por outro lado, queira você saber, até a esquerda virou ligth e assim pensa chegar ao governo
e ao poder. Está mudando de bagagem, e das muitas coisas que está descarregando uma delas é a
linguagem. Neste teatro onde os líderes buscam fama, creia, ignoram o triste drama. Temos hoje,
início do novo século XXI neste país, o grande recinto, cerca de 50 milhões de pobres e famintos,
que usam a gíria da fome todo dia. Mas a “esquerda” nada fala. Esta gíria espanta a burguesia.
Já não se fala em classes, nem em revolução, daqui a pouco num gesto sobranceiro,
abandonam a palavra companheiro e passam a chamar-se de irmãos. Afinal, menos radical.
É triste, mas vivemos este tormento; aqueles que deveriam falar da fome e combatê-la, já
não a mencionam, e se chegarem ao poder, irão mantê-la.
As mudanças virão, mas por outro caminho. No dia em que a palavra “poder” significar:
feijão, arroz, leite, verdura, rapadura...e não aceitação, submissão e safadeza pura. A gíria da fome
será ultrapassada, ficarão outras como: “É uma barbada”. “É uma parada”. “É uma pelada”...A
geografia da fome será enfim modificada. Neste dia (que sem tardar veremos), voltaremos a nos
chamar de Camaradas!
Cartas de amor
Nº 27
À MULHER

Qual é a palavra certa que rima com mulher? É o que intriga o poeta que se debate em vão.
Pois há palavras em certas situações, que não rimam não.
É o caso da palavra mulher, que às vezes não rima, por ela estar acima. Semelhante a
montanha que não se acanha em expor sua beleza. Feita do mesmo material do que as baixadas, e
vivem tão ligadas na formação da bela natureza.
A montanha eleva-se com fulgor, para sentir primeiro o perfume da flor. A planície é fértil e
esparramada. Há porém uma diferença; na planície espalham-se os cultivos, nas montanhas
passeiam os seres vivos sem preocupação e medo; por isso é ali onde se escondem os maiores
segredos.
A mulher como a montanha, em tudo vê primeiro. Cria e promove o guerrilheiro que fica
dentro dela para se proteger; que pensa em descer, levar os sonhos e faze-los acontecer. O homem é
a planície, lá embaixo suporta grande peso, partilha o sonho ileso do novo amanhecer.
A planície jamais será montanha e a montanha não quer planície ser. Ambas têm suas
funções, vivem em plena integração. É triste, monótono, cansativo e intediante, quando uma da
outra está distante.
Andar pela planície “não” se cansa, é como ser homem em todo tempo em que a história
avança. Subir a montanha é mais complicado. É como ser mulher, o esforço é dobrado em todas as
idades. Mas, o respeito e o direito um dia se abraçarão e construirão um mundo de igualdade.
Afora esta simbologia, mulher rima com rebeldia. Sua força não está nos braços, nas pernas,
nos pés ou em cada mão. Isto é uma evidência, está em sua consciência que move a resistência e se
torna paixão. De novo, mulher rima com coração. Poderia até rimar com revolução, mas seria
crueldade; pois revolução é um nascimento, e nesta obra de atrevimento, o homem tem direito a
fazer a metade.
É preciso romper a terra para fazer nascer às flores, por isso a subversão dará a condição de
modificar o conteúdo dos valores.
Mas é preciso deixar algo por escrito: é importante combater todos os mitos. Que “a mulher
é um poço de bondade”, “santa” e “devagar”, que sua força está em saber, que só pode exercer, o
poder, como “rainha do lar”.
Que o seu brilho está obscurecido porque ela é “dependente do marido”. Voltemos à nossa
simbologia; a montanha não depende da planície para se proteger de qualquer ventania. Ao
contrário! Ela é quem enfrenta os ventos e desafia os raios.
A saber; a história será diferente, quando a mulher deixar de ser estranha de si mesma e
perceber, sem ignorância, que sua importância é a mesma da montanha. Sem ela não nascem
cachoeiras, não se pára o vento, nem se faz poesia com rima, sem a auto-estima.
As montanhas ficam em pé porque na superfície, suas raízes estão ficadas nas planícies.
Bem comparado! Olhando de outra forma e cheios de esperanças, sem que as ilusões e os
preconceitos nos domem. A força das mudanças está, em entender que, só poderão acontecer, no dia
em que cada mulher, mesmo com todas as cicatrizes, tiver suas raízes, plantadas no coração de cada
homem.
Cartas de amor
Nº 28
À PALESTINA

Palestina, pátria sem lugar.


Menina que ainda há de nascer
Povo que resiste, que luta, que insiste sem medo de morrer.
Cercado por tanques, bombas, repressão...
Que marcam o chão com sangue vertido
Que mancham o tecido do destino
Com desenhos de flores transparentes
Que fazem de sua gente
Armas e explosivos.
Redobram pedidos e apelos cansativos
E vêem se transformar de uma vez só
A paz misturada a cinza e pó
Dissolvendo os mortos nas trincheiras com os vivos.
Não são terroristas, são armas de guerra!
Último recurso encontrado para conquistar sua terra.
Terror é o que faz o senhor tirano
Que dá a Israel três bilhões por ano
Para sustentar a urgia de Sharon...
Que é apenas o dedo no gatilho
Do império caudilho que perdeu o coração.
Palestina pátria por nascer...
Que queremos ver já de imediato
Que seja de fato
A pátria do povo...
Que renasce novo
Por trás dos escombros e da poeira.
Que erguerá nos ombros
A sua bandeira
A primeira do milênio cristão.
Que se torne exemplo de nação
De força e de coragem
Que empreenda os passos desta viagem
Que leva à solidariedade.
E o império?
Que engula a crueldade e entrave a sua garganta
Sufocado morra, enquanto o povo canta
Embalado pelo som da liberdade.
Cartas de Amor
Nº 29

AO MÊS DE ABRIL

Sempre que chega este mês, dá vontade de chorar. Dá vontade de dizer, e vontade de lutar,
por motivos muito certos, pois é como ficar perto de um tempo sem lugar.
Tempo que a história comeu. Tempo que a história não deu, só tirou. Tempo que a história
marcou, nas curvas com sangue novo. Tempo que levou do povo a esperança de viver. Tempo que
nos fez sofrer e nos faz sofrer de novo.
Tempo que prendeu a terra por detrás da propriedade, que edificou as cidades, e quis levar o
sertanejo. Tempo que matou o desejo de cada um ter sua terra, que fez dos sítios taperas sem ter
roças nem manejos.
Mas há os que resistiram, se transformaram em sementes, se tornaram caminhantes nesta
estrada de emboscadas, que viram seus próprios filhos, servir de alvo aos gatilhos; morrer sem
buscar nada.
As datas pouco revelam, as estatísticas também, pois o número não revela a tristeza que
contém. Sempre se houve dizer, que há gente que quer comer, mas a fome só quem vê, é quem de
fato a fome tem.
Matar se tornou cultura; bem como abrir sepulturas pra enterrar quem vai embora. Já é coisa
natural, gente se tornou animal, pois basta apenas um sinal pra se matar a qualquer hora.
Aí não tem julgamento, e também não tem prisão, fica livre o pistoleiro, o policial e o
patrão. Na casa ficam as crianças, levando as tristes lembranças teimando em ser cidadãos.
Os motivos são diversos, mas as causas são iguais, morrem filhos nas favelas com balas de
policiais. Na roça é assim também, morre quem não está bem, pois ao governo convém, deixar
matar muito mais!
O tempo na mão dos ricos cumpre um destino fatal, sempre que há um escândalo, uma
chacina mortal, lá vai a televisão, tapar na imaginação o que fizeram de mal.
Mas não puderam tapar, em Eldorado do Pará, onde por bem ou por mal, despertou nossas
consciências e se tornou referência, símbolo internacional.
E o Dezessete de Abril manchou de sangue e repique, pois governava o Brasil o esperto
Fernando Henrique, que levará para a história as marcas no paletó, do sangue dos dezenove, que
eles mataram sem dó, e em sua farsa de estadista, constará também na lista, estas manchinhas de pó.
Abril do descobrimento. Abril da inconfidência. Abril lá do Carajás que já nos tira a
paciência. Abril das marchas e lutas, de combates e resistências. Abril de esperanças vivas que
anima nossas consciências, e nos faz seguir em frente, apesar das deficiências.
Esta chama da esperança é quem nos leva pra frente, armando lonas na terra em todos os
continentes, para dizer ao império, este sujeito demente, que embora ele tenha as armas, nós temos a
força da gente, que apesar de nos matar, o tempo não vai faltar, pra nos ver independentes.
Cartas de Amor
Nº 30
ÀS SEMENTES

A história das sementes está ligada à vida humana, através da simbologia e das lendas,
formando a pedagogia, para que, nesta longa travessia, cada geração aprenda.
Vejam por exemplo a semente do milho. Um velho índio ao morrer chamou seu filho,
propondo-lhe com voz indagadora, que o levassem e o enterrasse no meio da lavoura.
Com um nó na garganta disse que, sobre a sepultura, três dias depois, rebentaria uma planta.
Com sua voz comovente disse mais, que não a comessem e o fruto guardasse por semente. Deste
jeito aconteceu e foi assim que o milho apareceu.
No sertão nordestino, onde a seca já faz parte do destino; a família sertaneja para proteger a
semente, empreende contra a fome uma difícil peleja.
Guardada em litros e em garrafões, as sementes resistem aos sucessivos verões. Vira um
calor do inferno, quando a seca se prolonga comendo o próprio inverno.
Preservadas as sementes do gorgulho, comê-las por necessidade é uma improbidade, é o
mesmo que comer o próprio orgulho; ou ainda mais, mesmo em meio a esta intensa matança,
comer as sementes é devorar a esperança. Isto porque, quando o inverno vier, não se tem o que
plantar.
A história humana é muito parecida, sempre coube a alguns povos, grupos e movimentos,
suportar o peso e os tormentos, para guardar as sementes, por isso é que elas têm suas lendas,
misturadas com as lendas da gente.
Desde os pergaminhos que os anciões baseados em sua fé, escondiam para não serem
destruídos, para que as futuras gerações, soubessem o que tinha acontecido. Até os dias atuais, as
sementes são preciosas demais. Ninguém pode comê-las, por isso é preciso defendê-las.
Usamos como referência, Cuba. Se ela for comida pelo imperialismo, perderemos a semente
deste bravo socialismo. Será uma derrota para a América Latina, perdendo-se esta semente fina.
Se Israel comer a Palestina em sua essência, não teremos mais a semente que instiga a
resistência e então, ficaremos sem um ponto de partida, por isso a Palestina não pode ser comida.
Se no Brasil, por ódio ou por vingança, o governo comer o MST, perderemos sem querer a
semente da esperança. A reforma agrária será interrompida, porque a semente da luta e da ousadia,
também foram comidas.
É assim que devemos observar. Uma semente é mais do que semente. Ela tem um pouco de
vegetal, um pouco de animal, e o restante é feito dos sonhos da gente.
As sementes são como um povo construído, tem sua força, sua fé e seus valores. Atentar
contra elas, é sermos roedores, que fazem da vida apenas um consumo. É um dever fazer a história
enveredar para outro rumo.
Não é verdade que a semente precisa morrer para poder ter vida; pelo menos estas que
citamos, pois já estão nascidas. É verdade, porém, que para preservá-las nos custará a vida.
Mas de que vale viver, se deixarmos a semente morrer? É melhor que ela permaneça e que
de nós pelo menos nunca esqueça. A mão que semeia, da vitória nunca será alheia!
Cartas de Amor
Nº 31
À UTOPIA

Utopias são fantasias que escondemos na consciência, por isso é que, somente as cultiva
quem tem perspectivas; assimila e conduz a história com paciência.
As fantasias nunca se realizam do jeito que são imaginadas, mas são importantes, elas
ajudam a caminhar adiante, fazendo com os passos, pedaços de nossa estrada.
Quem não tem fantasias, vive do passado, espera o amanhecer de braços cruzados. Não tem
inspiração, não gosta de emoção e o mundo segue em frente com seus passos, lentos e cansados.
Só existe uma maneira da história não ter pausa, é quando a utopia se torna causa. Como
uma nuvem distante, chama os lutadores para seguir adiante.
Utopia sem luta não tem graça, é como confundir uma nuvem com fumaça, que, pode ser
tocada pelo vento. A nuvem é mais do que fumaça, é instrumento, guarda em si o segredo da
esperança, por isso é que, olhar no alto as nuvens ninguém cansa.
Mas há um grande perigo, é preciso ter cuidado com o inimigo. A alma do carrasco é seca e
fria; não tem constrangimento, este monstro fedorento, gosta de entrar dentro da utopia.
Ao entrar ali se acostuma, e a ordem da utopia desarruma. Desmancha as fantasias e enche a
memória com espanto, tentando confundir o choro com o canto.
Nos últimos anos o que tem acontecido? O governo brasileiro prepotente, embrutecido,
mandado por um caubói violento e alucinado, entrou na utopia que tínhamos formulado.
Nas fantasias dos homens, de cada um ter a sua terra, impuseram leis, processos e devaneios,
que fizeram a utopia adormecer, nos postos dos correios.
As mulheres, que sonharam com suas casas em bom estado, algumas receberam uma gaiola
de 42 metros quadros; e milhares delas nada receberam; assim as fantasias das moradias também
adormeceram.
Os jovens, que sonharam ter escola de boa qualidade, receberam transporte para irem até a
cidade, aprenderem ali o ABC, sem gosto, nem graça, nem cor; e cedo o jovem Sem Terra aprendeu
o que é ser perdedor.
A militância, como artista de novela, foi fichada, filmada, retratada pela repressão candente,
ganhando status de liderança e dirigente. Sentiu as fantasias dissolverem-se dentro e fora, quando as
vitórias decidiram ir embora.
A mídia fez o seu papel, mostrou para a sociedade um “movimento infiel”, que se dissolve
com luzes e refletores, por isso desarrumaram as virtudes e valores.
Repressão, processos, mapeamento, censura, fome, e morte por vingança, sempre foi o
preço a ser pago por quem alimenta uma esperança. Por isso, um movimento é como um ser vivo,
para viver precisa de segurança.
Precisamos agir com ousadia, despejar os poderosos de nossas fantasias. Eles não trazem
nenhuma solução. O povo constrói as utopias com suas mãos.
Utopia só tem quem quer e acredita. Dentre todas, as dos revolucionários, são sempre as
mais bonitas.
Cartas de Amor
Nº 32
À VERDADE

Difícil é saber o que é a verdade nua e crua, até porque na vida que levamos, nos
acostumamos, a cada um ter a sua.
Estavam seis cegos conversando, diz a lenda, quando ouviram um grito alucinante: “lá vem
o elefante, quem puder que se defenda!”
Os cegos ficaram ali parados, curiosos e com medo. Era a chance de conhecerem um
elefante, tocando-o com os dedos.
O animal andando lentamente, avistou os cegos e parou em sua frente. Um a um foram à
identificação, tocando o elefante com as mãos.
O primeiro partiu, feito uma centelha e pegou o elefante pela orelha. O elefante se moveu
feito um ginete, dando ao cego a impressão de ser, bravo e valentão, mas fino e largo igual a um
tapete.
O segundo na tromba se agarrou. Não teve dúvidas, e logo interpretou: sendo roliça, torcida
e espichada, para ele o elefante era como uma cobra bem criada.
O terceiro agarrou-se a uma perna e fez a sua previsão. O elefante era roliço, forte e alto
como uma árvore do sertão.
O quarto cego mansamente sem fazer intrigas, tocou o elefante na barriga e respondeu de
uma forma precisa: o elefante era como uma parede, forte e lisa.
O quinto cego, cheio de desconfianças, tocou em uma das presas e disse que o elefante era
semelhante a uma lança.
O sexto cego na cauda então pegou e por certo se decepcionou. Ao ver aquela corda longa e
fina disse que o elefante era frágil como uma goteira de neblina.
Assim voltaram a sentar-se e a tecer a discussão, cada qual querendo ter razão. Todos
felizes, com sorrisos muito vivos, confiando que o elefante era pois inofensivo.
O elefante cansado e com os olhos tesos, começou a deitar-se sobre os cegos indefesos, que,
ao escorarem o elefante com as mãos, sentiram o peso e mudaram de repente de opinião.
Após o sufoco para se retirarem e deixá-lo à vontade, concluíram em frente a igreja, que um
homem só, por mais sábio que seja, jamais conseguirá saber toda a verdade.
Nos tempos atuais, onde a ciência avançou bem mais que o próprio entendimento, as
técnicas parecem fazer um testamento, contra o ser humano e as espécies entristecidas. O que
importa é o lucro que mantém a ganância das empresas enfurecidas, e não a vida.
Se a verdade está com as empresas, quem pagará os prejuízos e as despesas, quando verem
as espécies dizimadas? Quando as árvores morrerem envenenadas, os peixes deixarem de nadar, as
borboletas deixarem de voar, as sementes deixarem de nascer, e os humanos deixarem de comer?
A verdade, companheiros caminhantes, é que as empresas transgênicas se agarraram aos
cascos do elefante. Dizem, ser ele como um rolo compressor, por onde passa soca a terra sem ter
medo, enquanto a transforma em um grande lajedo. O que sobrar das pisadas deste monstruoso
elefante, será a herança que a humanidade terá para seguir adiante.
Quem não quiser ser também pisado, arme-se de porretes, foices e machados, para cortar
deste elefante imperialista as suas intenções. Só assim salvaremos as futuras gerações.
Cartas de Amor
Nº 33

À ÉTICA E A MORAL

A ética e a moral são elementos importantes, na vida e na conduta de qualquer ser social;
elas dão forma ao comportamento e ajudam distinguir um ser humano de um jumento. Embora
muitas vezes isto nos cause enganos, pois, há jumentos com mais moral que muitos seres humanos.
Ambas estão muito ligadas, mas para efeito de entendimento é bom verificá-las de formas
separadas. Enquanto a ética é a razão e o julgamento, a moral é a norma que orienta, dá forma ao
caráter e ao comportamento.
Não existe ética e moral que valham para a eternidade, elas mudam de acordo como muda a
sociedade. Para facilitar façamos uma comparação de profunda natureza; no capitalismo, abençoado
é quem acumula, riqueza ao lado de riqueza; o socialismo não admite desigualdades e pobreza.
Cada coisa em seu lugar. O ser humano constrói o meio que pretende habitar, por isso
chamamos a atenção: há ética na base desta construção?
Vamos tornar isto tudo mais preciso. Enquanto a moral é a norma, a ética é o juízo. Nas
tarefas de militância, estas questões ganham muita importância.
Elas não podem servir apenas para orientar as críticas, pois estamos envolvidos em
atividades políticas, onde o erro nunca pode ser normal. Quando isto acontece, a consciência mais
nada de bom nos oferece, e estamos próximos da morte da moral.
Mas é importante descrever onde se aplica e o que mesmo na vida cada uma significa.
Quando fazemos uma ocupação, ao quebrar o cadeado da porteira, para o militante é uma
grande brincadeira. Mas há ética e moral neste gesto, pois se mistura bravura com protesto.
Há um confronto entre o bem e o mal. Pois neste caso a norma do capital é dizer que a
propriedade privada é sagrada. Mas o juízo, diz que esta norma está errada.
Por qual razão deve existir a vida se não temos o direito a produzir comida? Aqui está a
confrontação, por isso é ético e moral fazer a ocupação.
Mas sendo vitoriosa a ocupação, o primeiro gesto é anunciado, que a chave do cadeado da
porteira mudou de mão. A terra não pertence mais ao fazendeiro, mas ao homem e a mulher que se
tornaram companheiros.
Que ética e moral aplicar agora ali dentro? Todas aquelas que distancia o homem do
jumento. Preservar tudo o que à vida dá importância e apagar as impressões digitais da ignorância.
Organizar-se, torna-se necessidade, pois ali deve surgir uma comunidade, onde homem e
mulher se respeitam e valorizam, pois só assim os sonhos se concretizam.
Mas é preciso estar atentos e prontos a tomar as providências. Quando as palavras não
incomodam mais, é sinal que os erros dominaram a consciência.
Só teremos ética e moral de verdade no dia em que elas estiverem a serviço, nas mãos dos
construtores, de edificar valores que se destinem a preservar a solidariedade.
Cartas de Amor
Nº 34

AOS FILHOS DA GUERRA FRIA

Qualquer ser social e político sem deixar faltar nenhum, que nasceu em qualquer instante,
antes de noventa e um, é filho da guerra fria, de uma luta infernal que a gente pouco sabia, mas que
se iniciou no dia que acabou a guerra mundial.
Existia uma divisão feita pelo capital. Como se fosse possível separar o bem do mal.
Disputavam o espaço com armas muito potentes, queriam nesta geografia, fazer uma “guerra fria”,
ganhar corações e mentes.
Vidas pelo mundo todo foram marcadas e matadas. Invasões de territórios sem se preocupar
com nada. As Famílias repartidas, como é o caso da Alemanha, mas nunca se perguntaram quem
perde na guerra ou ganha?
De fato havia duas idéias, que se enfrentavam no espaço. Uma do capitalismo, outra com
punhos de aço, pretendia se defender, pra garantir o poder, sem temer frio nem cansaço.
Mas esta disputa aberta, marcou o tempo e a história, por quase cinqüenta anos entre
derrotas e vitórias, e as gerações passando, sem querer tudo guardando dentro da pobre memória.
Houve tempos de progresso, de ânimo e euforia. Ninguém percebia os perigos que, na
marcha os inimigos iam entrando na utopia.
Entrando e desarrumando a ordem de toda a causa, como se a inteligência tivesse dado uma
pausa. Dos blocos, as definições, as idéias e as razões vinham em forma de “palpites”, pois os dois
assim diziam que desmanchavam e faziam, sem nunca temer limites.
Tudo se tornou herança da influência desses mantos; de um, herdamos o mercado, de outro o
desencanto, perdemos identidades, esperanças e saudades; tudo jogado num canto.
Da guerra ao liberalismo, ao desmanche das fronteiras; o mercado come tudo; resistências e
barreiras, se colocou entre nós, como um bravo porta voz, revirando as algibeiras.
E todo o aprendizado do bloco da resistência, parece estar superado ou entrado em
decadência, a guerra fria acabou, mas as marcas que deixou faz tremer qualquer consciência.
Os valores e as virtudes se espalharam com o vento, poucos falam de utopia, de entusiasmo
e sentimento, pois o império em poucos dias, formulou a pedagogia de medo e constrangimento.
Um guerreiro constrangido perde a motivação, se defende o socialismo é taxado de antemão,
de ter dado passos em falso e debalde ter lutado, em cada revolução.
Uma coisa é muito certa, nos deixa muito contentes, é que a velha guerra fria com seus
métodos prepotentes, não conseguiu derrotar e nem mesmo esfriar os nossos corações quentes.
É com eles que seguimos, sentindo pulsar nas veias, as sabedorias dos povos brilhando igual
lua cheia; não terá mais guerra fria, porque a nossa utopia, limpa a terra e já semeia.
Cartas de Amor
Nº 35

ÀS VÍTIMAS DA ALCA

De que vale ter o fruto se invadem nossa colheita? Ter a cama e o colchão sem saber quem
nela deita? Ter a música e a poesia e a alegria desfeita?
Se o pão depois de amassado é negado a quem o faz? Se o sonho de liberdade já liberdade
não traz?
Se a terra preparada terá de engolir sementes, com venenos no embrião, como se a produção
não pertencesse à gente? Fosse usada pelos fungos ou outras espécies de vida! Com tantas
mudanças feitas que sabor terá a comida?
Quase um bilhão de pessoas estão na mira de um “rei”, que manda às suas empresas, com a
técnica que têm, tomar todas as riquezas, como se não houvesse ninguém.
De que vale ter a água se tomarão nossas fontes? As florestas e os minérios se as controlam
com fuzil? Será que não somos nada ou nada mais é o Brasil?
Como um barco rebocado, arrastam os continentes. Os povos ficarão soltos, sem trabalho e
sem correntes. Não pensarão em futuro pois tudo será presente.
O império come as fronteiras como as paredes da casa. Os sonhos perdem a força, como os
pássaros sem asas.
O orgulho nacional, da bandeira e do hino, não terão mais seu vigor, o império dita o
destino. A cultura das nações terá substituições, música por toques de sinos.
De que vale ter cultura e tanta sabedoria, se o império traz tristezas e leva toda a alegria,
deixando em nossas cabeças um mundo de fantasias?
De que vale ter um povo, e ser tratado como gado? De que vale ter governo se já não temos
o Estado? De que vale ter igrejas se já não temos pecados? De que valem os funerais se já não
sabemos mais, em que pátria somos enterrados?
Se deixarmos isto ir adiante, não teremos descendentes. Os netos serão caubóis ou multidões
de indigentes. Não terão identidade, nem a possibilidade de viver dignamente.
Aos pobres não resta muito, há só uma alternativa, ou põem os pés a caminho, como uma
locomotiva, encarando o rei de frente com a força combativa.
Não queremos um país isolado por vaidades, nem ser povo superior aos povos da
humanidade. Queremos anexar-nos pela solidariedade.
Pela solidariedade? Sim. E não pela exploração. Cada povo tem direito a construir sua
nação. Liberdade só existe se houver libertação.
Nenhum povo pode ser oprimido e saqueado, cada qual dá o respeito, pra ser também
respeitado. Parece que há alguns povos, que se julgam superiores, não sabem que a humanidade,
aprendeu com sua idade punir os dominadores.
Por isto o caminho é a luta. Atacar todos os lados. Enfrentar todas as forças, com facões,
foices, machados... eles produzem as vítimas; produzamos os soldados.
Cartas de Amor
Nº 36

AO PASSARINHO DO SERTÃO

Transformou-se em passarinho pra poder cantar o sertão. Tinha sua terra, seu ninho, deles
vinha inspiração. Fez da seca seu escudo, da poesia fez seu estudo, doutor em belas canções.
Não tinha asas de pássaro, mas delas não precisava, pois com a imaginação o sertão
sobrevoava, buscava em cada galho, ou numa flor que caía, tecer com versos um atalho, pra poder
criar poesia.
Somente um passarinho poderia relatar, o que há em nosso sertão, em toda noite de luar. Viu
morrer Nanã de fome, viu nordestino migrar, mas ele ficou ali, usando o próprio sentir, para a sua
vida animar.
Patativa do Assaré, poderia ser do Brasil, e também da humanidade. Por uma simples
verdade, de que quem nasceu e se doou, a vida inteira cantou com tamanha liberdade, não poderia
ser mesquinho e acabar dentro de um ninho e ser de alguém propriedade.
Com a sua ideologia viva, era assim o Patativa, gostava de ter um lado, defendia o sofredor,
por ser um trabalhador, sabia o que era um arado.
E as poesias de sua mão grossa, com sabedoria imensa, quando os olhos lhe falhavam ditava
suas sentenças, por fim lhe faltou a voz, mas resistia entre nós com sua forte presença.
Aquele que faz poesia é igual a um passarinho, mesmo ficando calado, isolado em seu
cantinho, carrega a simbologia de ser a própria poesia se emendando em pedacinhos.
Patativa do Assaré, mistura de ave e gente. Quando queria trabalhar, naquele lugar tão
quente, se tornava brasileiro e passava o dia inteiro produzindo sua comida, mas, de um momento
para outro, virava um pássaro solto fazendo poesias da vida.
Quis partir, deixar a terra e as árvores do sertão, assim é a natureza que nos leva pela mão;
nos faz tropeçar nos anos e um dia interrompe os planos como um final de canção.
Este passarinho alegre, vai continuar entre a gente, quando não for pelas letras, será pela
voz consciente, que nos dirá em cada verso, que este pequeno universo será seu eternamente.
Patativa da poesia, do canto do sabiá, que colocou os poetas, cada qual em seu lugar.
Aqueles que na cidade, com a sua honestidade podem a vida rimar; e os demais no sertão, disse ele
com razão: “Cante lá que eu canto cá”.
Dizer adeus não precisa, pra quem estará presente. Assim se resume a vida, de quem vive
plenamente. Ainda mais quem faz poesia, terá sempre a garantia, seja de noite ou de dia é um
perfume que se sente.
Patativa passarinho, que tudo dito ou cantado, seja herança de beleza, a nós, teus filhos,
doado. Carregaremos contentes pois sempre será presente o que fizeste no passado.
Termino com um verso seu, escrito no pé da serra, onde a poesia se chama “Caboca de
Minha Terra” é ali onde você diz com seu jeito natural: “Quem me dera sê poeta/Da mais rica
inspiração/ Pra na linguage correta/ Fazê do choro canção/ Fazê riso do gemido./ Ah! Se o esprito
sabido/ De Catulo e Juvená/ Falasse por minha boca,/ Promode eu cantá a caboca/ Da minha terra
natá”.
Cartas de Amor
Nº 37
À JUVENTUDE

Malditos os que fazem da juventude instrumento de guerra, que lhes negam o conhecimento
dizendo não ter vagas nas universidades. Malditos os que vendem o destino e fazem da pátria um
puteiro, onde o dólar com sua inteligência come a virgindade e a consciência; estes pararão um dia,
em nossa mágica utopia de jovens guerreiras e guerreiros.
Aos que traficam ilusões, fazendo da juventude massa esquartejada com o objetivo único de
frustrar carreiras ainda por nascer. Aos que se agarram ao mercado mundial para alimentar o capital
matando todas as soberanias; aos que fabricam fantasias e usam as drogas como escudo, aos que
pensam que assim podem tudo, haverão de parar em nossa rebeldia.
Estes que usam da violência para matar os sonhos, e levam das nações suas riquezas, que
comem todas as certezas, investem os esforços em novas tecnologias, enquanto o povo come
apenas uma vez por dia, pagando com a vida a crueldade; eles que acreditam na luxúria, pararão um
dia em nossa fúria, que corre em busca da solidariedade.
Aos que desconstroem a história feita, impedem que façamos as colheitas e buscam os
produtos importados; aos que já vêem o trabalhado eliminado e acreditam na especulação, sentirão
a justiça, pois, chegar no dia em que o jovem acreditar, que o caminho é a revolução.
A todos os que pensam que as fronteiras não existem, e fazem dos países um só tapete para o
capital, estes que se dizem do “bem” para combater o “mal”, que perseguem a natureza e a matéria
prima; saberão o que é o enfrentamento, quando a juventude unificar o pensamento e resgatar em si
a auto-estima.
E os parasitas que vivem de orgias, que penetram as consciências com insanas ideologias e
fazem da juventude bravos consumidores. Aos que da terra julgam-se senhores, que dividem o
mundo em raças e religiões; eles que acreditam nos canhões e se agarram às torneiras do petróleo,
sentirão o peso de nosso repertório, nas formas de lutas que unificam todas as nações.
Aos que degradam a democracia, fazendo da juventude apenas eleitores, e se apegam ao
princípio da “Ordem de Direito”. Aos que pensam fabricar o futuro deste jeito, enquanto se
divertem nos escombros da paciência, saberão pela desobediência, o que é da história ser sujeito.
Aos que apostam na exploração e na eternidade do capitalismo que transformam a utopia e o
socialismo, em imensas frustrações; que iludem grandes multidões, com as farras dos shoppings e
das novelas, terão de apertar a própria goela quando despertar a fúria das nações.
E assim veremos florir os girassóis, ouviremos canções de liberdade, viveremos em uma
sociedade, onde florescerão todas as virtudes. Sentiremos o pulsar de cada coração e a igualdade
não terá fronteiras; no dia em que a nossa bandeira, estiver na mão da juventude.
Cartas de Amor
Nº 38

ÁS ELEIÇÕES

Ninguém é obrigado a se render, nem mesmo os princípios renegar, ocorre que, se alguém
visa o poder, há dois caminhos a escolher, servir ao Rei ou a ele combater, para fazer-se um dia lá
chegar.
Aqueles que combatem são mal vistos. Por isto devem ter muitos cuidados. Aqueles que se
aliam são bem vistos, não se cuidam, contam-se preservados. Terão porém a frustração, de serem
nesta relação, talvez um dia abandonados.
A natureza é muito mais sabida do que certos políticos que de moral já andam nus, de nada
vale dourar um tico-tico, se o ninho foi feito para anuns. Cada macaco que cuide de seu galho, não
nascem mudanças sem trabalho, nem papagaios em ninhos de urubus.
Dá pena vê-los angustiados, por não poderem fazer duas coisas desiguais. Servir ao povo ou
ao governo? Ser o senhor ou o capataz? Fechar a mão ou abrir a palma? Vender o corpo ou só
alma? Depois de tudo o que ainda mais?
Assim se vive caro amigo, grande dilema na conjugação, do verbo perseverar apenas no
passado, sem no presente ter sua relação. Como será ele no futuro se o poder estiver consigo, de
acreditar que será coerente, sendo embalado pela indecente, mão criminosa do eterno inimigo?
Como entender que após anos de briga o cão e o gato tenham amizade? Ou o cão perdeu o
seu caráter, ou o gato mudou de personalidade.
Como os passarinhos que buscam os alpistes, estão os eleitores na porta do alçapão,
frustrados de alcançar grandes mudanças, no dia que chegar a eleição. Se ficam fora não há, ora,
outra trilha; se adentro vão caem na armadilha, de servir ao senhor da escravidão.
Finge quem trai não ser tão ingrato, para aliviar o peso da consciência, de que é apenas
candidato, mas que sua ética está em sua vivência. Muda as palavras encolhe o conteúdo, ajeita o nó
da gravata e sobre tudo, perfuma a pele e muda a aparência.
Militância já não é necessária. A mídia com seu charme e com suas cores, “levará” através
de suas mensagens, esperanças para os trabalhadores. Têm consciência que, parte disto, será uma
grande enganação, mas plantarão uma péssima semente, dando a entender que daqui pra frente, luta
de classes é na televisão.
Bem, já chega por ora as linhas ditas, temos muitas tarefas a fazer, esperando que as idéias
malditas, não façam um dia alguém se arrepender. Que não tenha de explicar aos netos, as razões e
as ilusões desta grande perda, e perguntar-se com lágrimas nos olhos, de que valeu ter enganado a
esquerda?
Quanto a nós, sigamos o velho estilo, de na base seguir a construção, pois assim estaremos
mais tranqüilos, quando raiar o dia da revolução.
Cartas de Amor
Nº 39
AOS QUE EDUCAM

Educar é uma arte tão antiga como as cores, que se eternizam nas pétalas das flores. E, por
mais que os diplomas nos encham de vaidades, ninguém jamais conseguiu desativar esta atividade.
Há os que educam pela convivência, outros pela profissão, e, uns terceiros, pela aparência.
Estão os últimos nas escolas privatizadas, vendendo ali o conhecimento, que muitas vezes em si não
vale nada.
Se o conhecimento liberta, é preciso que as portas das universidades estejam sempre abertas.
Se ficarem fechadas, para uma grande massa de jovens, também não valem nada. Quem tem a
chave para ali entrar, são poucos e escolhidos, enquanto uma imensa quantidade, tenta e paga para
serem excluídos.
É a lei do mais forte aplicada à educação. Os que perdem sua vaga, culpam-se pela rejeição,
como se não tivessem capacidade e assim vão distanciando-se da universidade. E, os governantes
pensam ser fortes e corretos, dirigindo um país de analfabetos.
Agora com a ALCA seremos ainda mais punidos. Uma rede empresarial fará a dominação
cultural, como se os norte-americanos fossem os mais sabidos. E se não reagirmos bem ligeiro,
poderemos ver nossos filhos cantarem, pela manhã, o Hino Nacional brasileiro, mas, ao meio dia, o
dos Estados Unidos.
Não choremos às “letras derramadas”, sejamos como o vento que entra caverna a dentro,
retirando dela o vácuo que lhe causa danos. Pois, educar é a arte de forjar novos seres humanos. Por
isto não há tempo a lamentar, é preciso abrir a consciência, desejar e lutar por uma boa escola,
evitando que ela se torne esmola.
É a vez do professor, dizer que o ensino e ele mesmo têm valor. Sua função é ajudar o
educando a ser um grande criador. Deve inspirá-lo e animá-lo para que se conduza. Seja consciente
e que à condição de indigente nunca se reduza.
O educando sempre é a matéria prima, onde se acrescenta apenas a auto-estima, para que
corra em busca de fazer o seu próprio saber, como o fruto que por si se esforça para amadurecer.
Quem educa é como o galho que sustenta o fruto em forma de chocalho. Bate pra lá, bate pra
cá, e não cai, o esforço mais a vontade do vento, é que determinam até onde este movimento vai.
O objetivo é embalar o fruto até produzir sementes de boa qualidade, que levarão do galho a
própria identidade, despedindo-se para germinar. Assim é a tarefa de educar: dar curso ao caráter e
à conduta, para que o educando se organize e faça a própria luta.
Quem educa deve ter orgulho de assim ser, caso contrário se assemelha a quem não quer
crescer. Tem em si o potencial, mas não se manifesta, e se anula como o galho esquecido no meio
da floresta.
Educador que se preza não se enlata, renova-se com a arte de ser autodidata. Forja seu
próprio jeito em grande estilo, tornando-se impossível substituí-lo.
Educar é plantar. É dar origem ao destino. É alinhar o rumo dos raios como sol a pino que
fazem a própria direção, mas que respeitam a obra de toda a criação, apenas a iluminam ainda mais.
Educar é buscar sempre, é encontrar um jeito, de fazer que nos direitos, sejamos todos iguais.
Cartas de Amor
Nº 40
AO ESTUDO

Vamos falar do estudo como um pedaço da vida. Não é somente o corpo que precisa de
comida. A consciência em sua longa estrada, deve ser também alimentada.
Um ser humano é por natureza duplicado. Tem um lado material e um lado ideal. Um é
sentimental. O outro, forte, rígido e mais pesado.
Os músculos, a pele, os ossos e os órgãos genitais, ocupam um lugar como os demais.
Sentimos dor e cada pulsação. Mas neles há um detalhe que chamamos de emoção. Esta não tem
definido o tempo e o lugar. Está nos poros que nos fazem suar, alcança os olhos e nos faz chorar,
nos calafrios que vêm nos arrepiar, e no sono na hora de sonhar.
Assim é a vida de um ser social. Que diferença tem este com o animal? Se forem estas as
características, sejamos realistas, um do outro é quase igual.
Mas é possível um distanciamento, se colocarmos entre ambos o nível do conhecimento.
Este para o homem é tudo, e o adquirimos convivendo e pelo estudo. O animal pouco progride, por
isto não tem a noção de quando agride.
O conhecimento dentro da gente é como um rio, deslizam as idéias, enfrentam desafios. Na
sua ausência, só fica a aparência, e a consciência em suas formas, como a água sumida se parece a
uma caverna já sem vida.
Cada ser humano tem sua identidade, um nome, um endereço e a memória guardada desde o
começo. Seja alguém pobre ou venha da classe rica, por fora é uma coisa, mas por dentro como
fica? Por isto há milhões de pessoas que, por fora levam um Rei estampado na fronte, mas por
dentro, carregam um grande ignorante.
Isto já é antigo. Desde que os escravos eram presos em minas, é que o corpo sem
conhecimento por si mesmo se domina. Fica covarde, com medo de morrer. Mata os sonhos em sua
mente, pois o que sente não consegue descrever.
Um ser humano dominado se torna como um animal. Em tudo é igual: forte e resistente,
dócil e obediente como o soldado que adora o general. Anda, mas não faz a própria estrada. Mora,
mas não tem sua morada. Pensa, mas renega o pensamento. Grita, não é seu o grito, é um lamento.
E sente apenas, o seu próprio esquecimento.
O estudo nos dá o conhecimento. Nos compreendemos por fora; nos conhecemos por dentro.
Cada idéia formulada é uma luz que se ascende. Cada decisão tomada é um inimigo que se rende.
Porque gostamos mais do trabalho braçal e menos de estudar? Porque o corpo aprendeu a
respeitar as ordens recebidas. Educou-se ao longo das gerações, que se faz à vontade dos patrões. E
assim aconteceu, cada um deixou de ser seu próprio eu, e morreu.
No conhecer se esconde a rebeldia, a força e a utopia. Por isto é preciso estudar todos os
dias. Fazer cada idéia provar sua verdade e com as mãos torná-las realidade.
Ser militante é ser um criador. Ser o próprio professor e a professora. É entrar dentro de si
com uma boa vassoura e retirar o lixo que acoberta o cadeado da corrente. É tornar-se radical e
intransigente, contra a dominação. É ter clara a explicação de que: não vale a pena viver só para dar
prazer a quem domina. É libertar o escravo desta mina feita em cada um de nós. Soltar a voz. Soltar
os nós. Desamarrar enfim a auto-estima.
Cartas de Amor
Nº 41
AO DOM JOSÉ GOMES

Passou por nossa escola de formação política e moral, um senhor já de idade, para lecionar
uma matéria, muito séria: o que é a dignidade.
Falou pouco, como se estivesse em uma sala de espera, aguardando para ver o que o “povo”,
(como costumava dizer), ia fazer ao ter sua terra.
Curiosidade de satisfação. Festejava a cada ocupação esfregando uma mão na outra várias
vezes, depois, passava os dias e os meses, acompanhando aquela travessura. Com seu olhar cheio de
ternura seguia os passos dos pobres camponeses.
Quem disse que o silêncio não educa? Quem disse que a humildade não tem brilho? E que,
um grande homem só se faz se plantar uma árvore, escrever um livro e ter um filho?
Este fez do silêncio a abnegação, dando voz ao tempo. Ensinou o seu povo a caminhar e
abrir fronteiras. A descobrir o que as leis escondiam nas entrelinhas. A reagir com as forças que se
tinha, para tirar da indigência índios, colonos e sem terra, e no silêncio comandou todas as guerras,
sem perder nenhuma, porque não temia força alguma.
Sua humildade de bispo sem batina, conduzia-o por debaixo da neblina, com a grande
inteligência que o nutria. O vimos ser repreendido um certo dia, de que “estava enfraquecendo a
hierarquia, por não colocar o Dom na frente do José”, respondeu que o importante era sua fé e não
os títulos que a estrutura oferecia. Mostrou a nós que a velha rebeldia, não precisa de barulho para
dizer que existe, ela se manifesta em quem resiste e proclama sua força na utopia.
Mais do que plantar uma árvore adotou as florestas, ensinando que se devia preservá-las.
Livros, não escreveu, aprendeu a teorizar nas próprias falas, nos sermões. Como filhos adotou as
multidões servindo-as como um velho guerreiro. Não era apenas bispo, mas um grande
companheiro que compreendia todas as inovações.
Esteve com os Sem Terra desde a Encruzilhada Natalino, recolhendo objetos e alimentos,
dando-lhes o destino, que a ditadura militar não esperava. Se o povo estava cercado e sem voz,
dizia: “Então é agora que precisa de nós” e a reação sem medo incentivava.
Por ser consciente e atuante, formou centenas, milhares de militantes que ainda carregam as
marcas de suas mãos. Muitas vezes com dor no coração, olhava-nos em silêncio para se despedir, e
dizia: “É isto mesmo, vocês são jovens devem ir, levar o que aprenderam por aqui”. E como uma
bola a se esvair, cedia parte de seus lutadores. Sabia, que seriam construtores, da mesma causa que
o fazia seguir.
Assim é a história, companheiros e companheiras, os mestres passam a escola permanece.
Não se perdem as idéias quando o ser desaparece, se organizada a multidão seguir em frente. Este é
apenas um dos jeitos, que na marca de nossos rastros a serem feitos, Dom José sempre estará
presente.
Portanto, lutadoras e lutadores, se hoje estamos preocupados em defender valores podem
crer que não é por nada. É apenas a reprodução, das impressões digitais de quem conosco passou
duras jornadas. Mantenhamos sem medo as diretrizes, pois com certeza, uma árvore que tem estas
raízes, jamais pode pensar que será arrancada.
Cartas de amor
Nº 42

ÁS CRIANÇAS PALESTINAS

Quanta energia contida se esconde em vossas artérias obrigadas a calar quando deveriam
gritar contra a violência e a miséria.
Como nós Sem Terra, a pátria virou um acampamento; violento aos arredores, triste e
solitário por dentro.
Penamos em plena guerra, porque nossos povos lutam pela terra. Onde possamos ter um
lugar ao sol; plantar nossas lavouras, jogar o futebol. Erguer as nossas casas, dar a elas um quintal;
correr em todo o espaço, sem ver monstros de aço que nos causam tanto mal.
O tempo passa triste e devagar, quando não se tem o que comemorar.
Crianças em acampamentos dormem cedo, para evitar que sintam medo. Vocês porém
sofrem ainda mais, pois a guerra levou até mesmo os vossos pais que ouviam vossos segredos, e
que no aniversário lhes davam alguns brinquedos.
Partiram, não se perderam de vista; considerem-nos heróis e não terroristas. Terrorismo é
não poder brincar. Ir cedo para a escola e não a encontrar. Voltar para casa com fome e com sede e
não ver aí nem mais uma parede.
Os poderosos no tribunal da história terão que responder: porque guerreiam para ter sempre
mais espaço, se seus projetos só acumulam fracassos?
De que vale manchar com sangue humano dos tanques suas esteiras, se não conseguem
encher de leite as mamadeiras?
De que valem as armas com os canhões fumegantes, se não sabem construir, parques infantis
com suas rodas gigantes?
Que cultura sobrará para as gerações que ainda virão, se o aprendizado está direcionado para
ensinar como se manobra um tanque e um canhão?
Por que ensinam às suas crianças que a pátria são suas cores, não os seres humanos, nem as
flores?
Por que o mundo se organiza pelo poder e a crueldade e não pela harmonia e a
solidariedade?
Não será com ordens e canhões que os exércitos farão calar as multidões. A guerra não trará
nenhuma solução, pois, cada país, só será feliz, quando o mundo não tiver nenhuma divisão.
Enquanto isto não chegar é preciso lutar e resistir veementemente. Os povos também são
como as sementes, fazem germinar as utopias, para que parte delas se realize um dia.
As sementes representam a história feita, elas anunciam que já houve colheitas, por isto
haverá novos plantios. Escolher o lugar e o dia de plantar, eis o desafio.
Se hoje o presente é muito duro, e a liberdade que lhes resta é apenas uma fresta entre o
muro, é preciso acreditar que haverá futuro. A imbecilidade jamais conseguiu derrotar a liberdade.
Recebam de nossas mãos solidárias e cheias de sementes, votos de que continuem confiantes
e valentes, orgulhosas de estarem resistindo. É sinal que, em meio a esta poeira, o botão desta
roseira já está se abrindo.
Cartas de Amor
Nº 43
AO PRESIDENTE

Como disse o poeta cubano Nicolás Guillén, “ Tenho”, digamos nós também.
Após quinhentos anos de dor, mortes e prantos, chegou o dia de cantar o canto, sorrir,
mesmo com a boca já sem dentes, e dizer: temos agora um presidente.
Um presidente que também sabe sorrir e aprendeu desde cedo a conjugar o verbo repartir.
Temos um presidente criado no roçado e que um dia a mudar-se foi forçado. Carregou sobre
os ombros o que vivia; deixou alguns irmãos pequenos ali guardados sob a terra seca e fria.
Temos um presidente que bebeu leite de cabra, comeu cuscuz mexido com toucinho; colheu
feijão de corda, caçou calangos, pois a seca matara os passarinhos.
Um presidente que aprendeu no desemprego o que é deitar-se à noite e não ter sossego.
Um presidente que se envolveu na luta para ali moldar a sua conduta. Liderou greves
defendendo o salário, porque também se tornou um proletário.
Um presidente que pagou aluguel, morou em casa apertada, teve, por não poder pagar, a luz
e a água cortadas.
Temos um presidente que enfrentou a repressão, foi preso e processado, sabe o que é a dor
de um condenado.
Um presidente que foi pouco à escola, mas sabe ler nos olhos de quem pede esmola qual é a
razão que gera a fome. Que tem o mesmo nome de nosso poeta Gonzagão, que cantava com o
chapéu e o gibão para manter a própria identidade. Um presidente que sabe o que é a verdade e o
que significa despejo e sujeição.
Temos um presidente que também sabe chorar e entende que a miséria não se planta, mas
que não nasce por conta.
Um presidente que olha nos olhos com quem fala para abrir as portas da consciência e ser
aceito. Um presidente que sabe o que é o respeito e também a dura enganação. O que significa um
“não”, a traição e a infidelidade. Que gastou toda a mocidade em busca da justiça social e por isso
sofreu no tribunal, para voltar a ter a sua liberdade.
Temos um presidente que joga futebol, a diversão de milhões de brasileiros, que gosta da
sanfona e do pandeiro, instrumentos comuns no interior, que fala até verter suor para convencer os
que ainda vacilam, que entende aqueles que suspiram e o que é querer e não poder ser um
trabalhador.
Um presidente que conhece o país, que viu as longas cercas prendendo a terra, que a fome
mata mais que a guerra e que a paz sem trabalho não existe. Que é amigo do povo que persiste e
enfrenta todo tipo de opressão, que tem o respeito da nação e o apoio de quem luta e resiste.
Temos um presidente que alargou um tanto as alianças, mas que goza dos pobres a
confiança. Que saberá separar o joio do trigo para continuar sendo este grande amigo.
Um presidente que ainda não assumiu, por isto a ninguém nunca traiu. E se um dia tiver que
fazê-lo, saberá pelos seus brancos cabelos, o lado que deverá seguir. Porque, veja Presidente, os
ricos têm recursos, tudo podem fazer; nós só temos você, não deixe nossos lábios pararem de sorrir.
Cartas de Amor
Nº 44

AO ANO DO ALIMENTO

Fim de ano é momento de balanço. O capital quer saber se teve lucro ou prejuízo. Quem
trabalha preocupa-se com presentes, quer partilhar com amigos e parentes o pouco que lhes sobrou
da apertada poupança. Quem nada tem, contabiliza apenas as lembranças.
O ano novo vai ser bom, acredite! Não porque elegemos um novo presidente, que, a rigor,
ainda não demonstrou se será igual ao anterior ou diferente. Mas porque, abriu-se a cortina da
esperança e renasceu nos lábios, teus e meus, a autoconfiança.
Desejar Feliz Ano Novo, não é obrigação; é convocar alguém para uma reação. É dizer que
existem possibilidades! Há um caminho! Que não deve ser feito mais sozinho.
Neste ano alimentaremos a esperança correndo pelos campos em busca da fartura, e, sobre a
terra seca e dura pintaremos lavouras. Tingiremos as consciências com as cores das cenouras.
Plantaremos casas e escolas. Deixaremos de pensar em esmolas e partiremos em busca dos direitos.
Para isto precisamos querer ser da história os seus sujeitos.
Os famintos encherão as sacolas para animar os músculos cansados e já sem vida. Será o ano
da comida. É hora de acender os fogões. Tirar as panelas mofadas das velhas prateleiras; despertar
em cada ser a hábil cozinheira, para fazer cheirar nos arredores, o aroma dos temperos que só nossa
culinária tem. Basta que não esperem a solução das mãos daqueles que já comem bem.
As crianças ocuparão as escolas, os jovens as faculdades e brigarão se seus lugares não
estiverem preparados. Educadores deixarão de ser mandados a ensinar aquilo que não presta. Basta
que tomem em suas mãos, o destino da educação, fazendo dela uma bela festa.
Os camponeses, envergonhados, transformarão seus arados, no orgulho de sua profissão.
Produzirão suas próprias sementes e encherão as feiras de alimentos. Para isto devem transformar
sua quietude em grandes movimentos.
Os operários levantarão as mãos para dizer que o trabalho é o senhor da tecnologia, e farão
das fábricas grandes alegorias da futura sociedade. Basta que não queiram só a metade daquilo que
lhes pertence por inteiro. Para isto deverão resgatar o significado da palavra “companheiro” e a
força da solidariedade.
Os comerciários sorrirão ainda mais quando os lábios dos compradores perguntarem:
Senhores vendedores, onde estão os produtos nacionais? Para isto precisam ser leais e acreditar na
força da nação. Tratar o ser humano como irmão e não como consumidor, assim se resgatará o valor
da honestidade com dedicação.
As igrejas lotar-se-ão de fiéis. Os sindicatos de sindicalizados. Os políticos deixarão de ser
comprados e os votos deixarão de ser vendidos. Os policiais não serão mais corrompidos, os juizes
elevarão a justiça, basta que a sociedade deixe de ser omissa.
A esperança é algo frágil e mal formada, é preciso ter cuidado e deixá-la sempre alimentada.
Ela é portanto, coisa sua. Se seus passos não tomarem os campos e ganharem as ruas, em pouco
tempo a poeira do desânimo a porá soterrada.
É o ano do alimento das possibilidades; devemos empenhar-nos a produzi-lo para que não
venha a faltar sobre a mesa da esperança. O futuro é uma doce lembrança. Empenhemo-nos sem
perda de tempo para esculpi-lo.
Cartas de Amor
Nº 45
AOS DESPEJADOS

Novos Governos, velhos dilemas. Não se envergonhe de nossa situação, somos a solução,
Eles são o problema. Poderia ser diferente, mas aí temos que entender, que isto só será possível,
quando a força invencível do povo, tomar para si o grande poder.
Chega o dia em que a utopia já não engana. Aquele que acredita saberá porque. Aquele que
confia, não se deixará vencer. Por isso nossa é a vitória, e a derrota será apenas uma palavra
esquecida num canto da memória.
É triste ver lonas amontoadas quando deveriam estar estendidas. Panelas mochiladas quando
deveriam estar polidas. Crianças acordadas durante a madrugada, quando deveriam estar dormindo.
Lágrimas a rolar, quando a boca deveria estar sorrindo.
É triste ver fumaça e olhar o tempo que não passa quando o despejo está em andamento. As
sacarias sumidas, a carteira perdida; se foram os documentos! O sol que não aponta, a dor que toma
conta nas pernas machucadas; a mágoa ainda presente; a cabeça ainda quente e a revolta guardada.
A mesquinhez de um latifundiário, que se orgulha em ser grande proprietário é de causar
revolta. A arrogância dos soldados, não vêem que são mandados e como animais treinados para os
sonhos destruir; deveriam se despir, da máscara e dos coletes, e como funcionários saber ser
solidários, encoivarar as armas indecentes, pegar as enxadas e ajudar a plantar nossas sementes.
Despejar não soluciona o problema da fome e da doença. Despejar é matar o que ainda resta
da crença de que os governantes são eleitos democraticamente. Quem acredita nisso mente. É dizer
ao cidadão que ele perdeu mais um voto na eleição. Elegeu um lobo envolto em pele de cordeiro.
Onde mais vale um só fazendeiro do que mil famílias acampadas. É dizer que a beira das estradas é
a pátria de milhões de brasileiros.
Não baixe a cabeça companheira. Você não pode desanimar! Suas pernas também são para
andar e não só para dar prazer. Você pode acender a chama da rebeldia e fazer nascer desta traparia,
a semente de um novo amanhecer.
Não baixe a cabeça, companheiro. Você nasceu para vencer! Seus filhos ainda irão crescer e
orgulhar-se do pai que hoje têm. Combata, não tema, não se entregue! Ainda há muito por fazer e,
se você acreditar, não apenas irá ter, terra trabalho e moradia, mas nascerá de sua rebeldia a herança
transformada em poder.
Reúna as crianças, companheira. Recolha o que sobrou do que é seu. Revise as alças da
mochila, é hora de entrar novamente em fila, não para pedir clemência, pois já se vê raiar no
horizonte, como em Belo Monte, o dia da desobediência.
Não queira disfarçar o medo, ele existe. Mas estando organizados, nem este resiste.
Agora, olhe ao redor, veja que os campos, parece que cresceram, eles entenderam que
queremos um lugar. Continue a olhar, e estenda a sua mão. Até onde os olhos alcançarem ver, é
nosso. O além não nos pertence, é de alguém que também sonha e que não se envergonha se o
despejo acontecer. Ele e nós, juntos porém, nascemos para combater, até o dia em que o espaço não
pertencer, individualmente, a mais ninguém.
Não haverá mais pátria de grupos em nenhuma sociedade, pois a terra será libertada do jugo
da propriedade. Os governantes e opressores serão enterrados em covas profundas, mas normais, e
sobre suas tumbas surgirão comunidades de pessoas, boas, com direitos e deveres iguais.
Cartas de Amor
Nº 46
AO JORNAL BRASIL DE FATO

Nasceu para dizer que o sonho vive e tem o seu lugar. A história dá giros, vai e volta, cheia
de encantos e revoltas que é preciso relatar.
Nasceu para ser diferente, para ser as lentes nos olhos de quem sonha. Seria uma vergonha,
com tantas necessidades, não se ter um jornal por falta de unidade.
Não nasceu para ser o mais sabido, nem o mais querido entre todos os jornais; nasceu para
dizer que precisamos mais e mais, avançar no pensamento; formular sobre os acontecimentos e
saciar a sede de saber. Nasceu para ajudar a gente ver e a vontade de vencer nunca perder.
É de fato diferente, porque é independente, não tem dono e tem autonomia. Quando o povo
se reúne, cria, faz a obra do jeito que acredita, e fica sempre mais bonita quando a disputa não é a
direção futura, mas, para saber quem faz mais assinaturas, para manter viva esta “criança”, que nos
enche tanto de esperanças.
Por que um jornal e não uma televisão para fazer a comunicação? Primeiro, porque não há
condições, para isto teríamos que juntar alguns milhões. Segundo, porque a consciência de nossa
vida dura, tem consistência quando é feita com leitura.
Portanto, é ele um órgão de combate a cegueira, ajuda a perceber, quando não se pode ver
que as táticas chegaram em suas próprias fronteiras, atingiram o limite. O estudo ajuda a dar
palpites e cada qual deve traçar o rumo, e a unidade está na capacidade de elaborarmos o mesmo
resumo.
Houve um senhor de boa formação, que no passado o comparou ao andaime de uma
construção. A obra é maior, ele apenas sobe escorando-se ao redor. Mas sem ele não se alcança para
colocar a nova fiada e assim a construção fica parada.
A construção é o projeto, o jornal serve de objeto. Quando o prédio fica pronto,
normalmente o andaime é desmanchado. Neste caso não, porque em nosso projeto não existe
conclusão. Há construção de andares, onde as pessoas vão entrando e transformando em lares.
O projeto é como um prédio do tamanho do país. Quem quiser morar nele é quem diz, como
deve ser construído; por isso tem que subir no andaime e por a mão na massa, porque a felicidade
ninguém ganha de graça.
Enfim, a construção sobe em linha reta mantendo o rumo, se a cabeça do operário estiver
acima para colocar o prumo.
Agora, para ser bem verdadeiro, não pode haver a diferença que há entre o engenheiro e o
pedreiro. Em nossa obra, quem faz a planta também mistura a massa e é assim que a teoria com a
prática se entrelaça.
Quem faz a luta deve escrever o seu ponto de vista, assim o revolucionário se torna
jornalista; e, o jornal ganha credibilidade quando as palavras de quem diz, já são realidade.
Que ele tenha vida longa e uma bela história. Que cresça mergulhado em vitórias e se
possível sem nenhuma perda. Que ele à verdade se dedique e que um dia pois, se verifique, que
conseguimos com ele unificar a esquerda.
Cartas de Amor
Nº 47
PELA PAZ

Mais um dia amanhece e o céu do planeta como a lona encurvada de um circo espera pela
decisão de um alucinado. Tem ele nas mãos a decisão de optar pelo sim ou pelo não.
Que culpa tem um povo de ter um péssimo presidente? Teriam se enganado ao escolhê-lo ou
foi depois de elegê-lo que ficara doente?
Diz ele, há muito tempo ter tido uma visão, e que, quando jovem ao acordar de uma
bebedeira, com as faces manchadas de vômito e poeira, prostrado com os joelhos ao chão, teria
recebido esta missão.
Uma missão de dominar outras nações, saquear delas todas as riquezas, para ser conhecido
como “Sua Alteza”. Este rapaz nunca gostou da paz.
Qual é o crime do povo iraquiano? Foi ter nascido sobre um oceano de combustível que
move as economias. Há um estudo bem profundo demonstrando que no Iraque está a segunda maior
reserva de petróleo do mundo.
O que isto significa? É que, se todos os países pararem de explorar esta matéria rica, os
motores do mundo podem funcionar por cinqüenta anos, e ainda petróleo no Iraque fica.
O argumento para fazer a guerra é de que, no Iraque existem armas que ameaçam toda a
terra. Por isso é preciso que se faça, a invasão, para confiscar as armas de destruição em massa.
De fato elas um perigo representam, e os caubóis da guerra americanos sabem, pois são eles
que as inventam. Ou não foram eles que ensinaram Sadam a produzir as mesmas armas para fazer a
guerra contra o Irã?
Mas armas verdadeiras de destruição em massa não são inventadas pela biologia, mas por
outra ciência que se chama economia. Esta é uma bomba de efeito retardado que vai aniquilando as
nações e seus estados.
Destruição em massa é, se quisermos um sinônimo, o que se faz com o Iraque e contra Cuba
através dos bloqueios econômicos. É espalhar pelo mundo a fome como bactérias e condenar dois
bilhões de pessoas viverem e morrerem na miséria.
Destruição em massa, vemos por aqui cada vez que chega uma missão do FMI. Bombardeia
nossas vidas com suas exigências e condena 54 milhões de brasileiros a viverem na indigência.
De que vale termos um governo novo se este não tem o direito de salvar seu próprio povo?
Porque o mundo está interligado, dolarizado e pelos mesmos bandidos ameaçado.
Por isso não devemos acreditar que a guerra está distante, se aproxima de nós na linha do
horizonte. A estratégia usada demonstra a insensatez, que é massacrar com armas um país de cada
vez.
Há pouco tempo foi o Afeganistão, agora é o Iraque e se der pegam o Irã. Depois vem a
Coréia, a Líbia e a Colômbia tornando-nos colônia; e apossar-se das riquezas da Amazônia.
Por tudo isto se levanta a humanidade, nesta grande corrente de solidariedade. É o mundo
contra George Bush e sua ganância, demonstrando que a ética pode vencer a técnica e a
intolerância.
Cartas de Amor
Nº 48
À INDIGNAÇÃO

Parece que de nada estão ajudando os protestos; serão mesmo os Estados Unidos e a
Inglaterra contra o “resto”.
Mas, de onde vem esta fúria intempestiva com seus malditos planos? Poucos sabem mas a
guerra contra o Iraque já dura mais de dez anos.
A mídia esconde tal hipocrisia; desde 91 o Iraque é bombardeado quase todos os dias. Não
destroem grandes cidades, mas é ainda maior a crueldade. Bombardeiam os campos e as fontes com
urânio empobrecido e por isto contaminam o ambiente em todos os sentidos. Aumentaram as
doenças tornando-se epidemias. Onze vezes a mais representam os casos de asma, câncer e
leucemia.
O embargo econômico se mostrava ineficiente, então inventaram a morte das sementes e aí
bombardearam as plantações; mas não foram com balas de canhões! Despejaram sobre as roças
ratos e camundongos; tudo foi devorado. Larvas de bernes para matar o gado. Infestaram com vírus
as tamareiras; elas se parecem com nossos coqueiros e palmeiras, que produzem um fruto
adocicado, e seu preço subiu em 25 vezes no mercado.
Sempre, em qualquer lugar quando há falta de alimento, o governo é obrigado a fazer
racionamento. Por isso vejam vocês, o que pode comer um iraquiano durante um mês: nove quilos
de farinha, três quilos de arroz e um quarto de quilo de feijão. Um quilo de açúcar, um quarto de
quilo de folhas para o chá, uma xícara de óleo, não há carne, nem ovos nem frutas onde comprar.
Nos hospitais faltam remédios e até anestesia. Um milhão e meio de pessoas já morreu por
causa desta covardia.
Mas os protestos mundiais pelo menos têm sua força profética; sinal que a humanidade
ainda preza pela vida e pela ética. A solidariedade, não o petróleo, é na verdade a principal força
energética.
O medo do império, senhoras e senhores, de deixar de controlar o petróleo, é condenar a
mandar ao ferro velho todos os seus motores. Assim disse aquele presidente vagabundo: “A nossa
economia é a locomotiva do mundo, por isso é necessário que a guerra se faça; não esperem que
nossas máquinas deixem de fazer fumaça”.
É espantoso observar seu despreparo. Devíamos perguntar-lhe sobre este investimento raro:
por que gastar tanto dinheiro se matará os passageiros que deveriam comprar os carros?
O que está em jogo na verdade, é que, o capital prepara-se para atender apenas um terço da
humanidade. O restante, mesmo sendo a maioria, estará condenada a asfixia. Para estes não haverá
investimentos produtivos, ganharão de presente epidemias, guerras, e do mercado se tornarão
cativos.
É tempo de indignação, de protesto e mobilização. O sangue inocente vale mais que a
ganância prepotente deste urubu que ronda o mundo inteiro. Façamo-lo voltar ao seu poleiro a
grasnar com as duas asas quebradas. O mundo não pode ser vítima de uma besta alucinada.
Acreditamos na força da esperança e no ditado popular que assim procede; dizendo que:
“Quem tudo quer; tudo perde”. Assim deverá ser no dia em que a humanidade descobrir que pode
atacar para se defender.
Cartas de Amor
Nº 49

ÀS VÍTIMAS DAS DROGAS

Há muitas coisas erradas rondando a sociedade, nenhuma delas é fruto da natureza; todas
surgiram da ganância humana para acumular riqueza.
O ser humano tornou-se vítima de si mesmo como a banha que deve escaldar-se para fritar o
torresmo.
De tudo o que se inventa, grande parte é para manter o luxo que se ostenta. Quem engana e
não trabalha é aquele que melhor se agasalha.
As mercadorias constituem grandes polêmicas. Principalmente agora que se tornam
transgênicas. É para nós um perigo iminente, principalmente porque atacam as sementes.
Nem só as sementes meu caro leitor, atacam também o seu cultivador. Infestam sua alma de
ideologia genética, e lá se vão os valores e a destruição da ética.
Os traficantes atacam à luz do dia sem constrangimento. Abrem suas lojas de produtos
agrícolas e colocam as drogas ali dentro.
O pobre plantador ao procurar sementes é cercado com pedidos comoventes. “Deixe de
besteira, leve esta semente que está na prateleira. Voce não achará outra coisa igual, experimente e
veja como será legal”.
Com a promessa de que haverá mais ganhos e pouco esforço, o plantador põe a corda no
pescoço e se condena; sem saber que o consumo de drogas nunca vale a pena.
Assim quando a roça fica pronta, as drogas dela já tomaram conta. O traficante expõe então
sua face risonha, como se visse ao longe uma roça de maconha.
Há aqueles que plantam escondidos, como os filhos que se drogam enganando os próprios
pais, estes agem como marginais destruindo sua própria identidade, com a vida deixam de ter
honestidade e na surdina, preparam seus próprios funerais.
Há outros que enganam sua organização, achando que esta está errada; esquecem que da
beira das estradas, foram recolhidos como caules ressecados. Se na terra foram colocados e estão
educando suas filhas, devem saber que os valores da família, estão todos fortemente ameaçados.
Para aqueles que criam seus animais e condenam a água à poluição, deveriam refletir que
isto é em vão e cuidar da vida da natureza, por que de que vale sonhar com a riqueza e perder todas
as virtudes. Encher-se de doenças, perder a saúde e condenar os descendentes à intensa pobreza?
É preciso dizer algo ainda mais importante, que quem ganha com o consumo de drogas é o
traficante não o cultivador, este fica com o lixo poluidor, enquanto o outro fica com o dinheiro.
Quem as drogas consome é herdeiro, da miséria, do abandono, da solidão e a dor.
Aos que ainda não plantaram não arrisquem seguir este caminho. Aos que plantaram, terão
nosso carinho, pois, foram vítimas da própria tentação. Devem porém, pela reflexão, chegar a
entender a quem serve o consumo, modificar a rota e acertar o rumo dos passos que nos levam a
revolução
Se nos salvamos da morte e da indigência, não vale a pena drogar nossa consciência e
condenar as gerações à própria sorte. Só a unidade entre os pobres nos tornará mais fortes, e
manterá a pureza sobre nossas mesas. O mundo não pertencerá às empresas, se tivermos a coragem
de enfrentar (para ter vida) a própria morte.
Cartas de amor
Nº 50

AOS QUE RESISTEM

Um dos pilares que faz a identidade é a resistência. Ninguém deve cumprir pena ou pedir
clemência, quando está apegado à sua razão. Há os que atacam uma nação, mas há aqueles que não
se deixam dominar; ninguém é obrigado a aceitar, o desmando, a prepotência e a exploração.
O petróleo hoje é a fonte de disputa, por isto sobre ele há intensas lutas, travadas sem
piedade nem vergonha. O império tem um povo tão pamonha, que dentre os povos se julga superior,
apoia a guerra e seu senhor, mesmo tendo contra si quase todos os Estados, deve saber que será um
dia atacado e pagará com dor a mesma dor.
A guerra contra o Iraque é uma covardia. Somente a prepotência pode compreendê-la. As
empresas se encarregam de mantê-la para aumentar seus lucros intermináveis. Haverão de um dia
ao amanhecer, render-se pela força e o poder, da solidariedade vinda do coração de todos os
miseráveis.
E nós o que dizemos desta barbaridade? Por acaso estamos imunes à crueldade da guerra
que é feita além destas fronteiras? Ou é porque nossa resistência ainda é uma brincadeira, pois aqui
qualquer ladrão do império passeia livremente? Nos roubam como pobres inocentes, que fingimos
não ver sumir as riquezas desta terra. Não será por isto que aqui ainda não há guerra?
Não somos por acaso coniventes, quando o império nos cobra mensalmente juros das
dívidas atrasadas? Iguais a uma pamonha desmanchada que se orgulha da moleza que a desfaz. Bate
no peito dizendo: “ainda bem!” que aqui em meu país, sou feliz, não há guerra vivo em paz!
Se o povo do império a guerra apoia é porque não quer ver o seu país enfraquecido. Se aqui
vivemos como doentes ou fingidos, e nada do que se passa observamos. Saiba que, cada míssil
enfurecido que cai sobre o Iraque entristecido, somos nós pobres mortais que os pagamos.
Se os países se juntassem com uma firme decisão, se rebelassem e dissessem “não”!
Usassem as forças de suas próprias pernas. E enquanto durasse esta mesquinhez, deixassem (pelo
menos) de pagar a conta todo o mês, que é cobrada das dívidas externas.
Resistência é dizer o que se pensa claramente. É enfrentar o forte, o prepotente, mantendo a
dignidade. É dizer que a própria liberdade é conquistada, se preciso, a fogo e ferro. É não deixar o
império entrar em campo alheio, porque enquanto ele tem os cofres cheios, nós aqui mendigamos o
“Fome Zero”.
Por isto, se hoje vemos na televisão, manchas de luzes que formam um clarão a destruir um
alvo em Bagdá, devemos ver que ali há um país, onde seu povo também quer ser feliz, mas suas
casas são um alvo militar. Pensemos com consciência e lucidez, que, sem tardar será a nossa vez, do
império vir nos atacar.
O petróleo que temos é a Amazônia, a água doce e a terra ensolarada. Quem o mundo
domina não respeita nada, não sente amor, não teme a dor, nem a violência. Se quisermos deixar a
liberdade como herança, resgatemos a autoconfiança, e comecemos a mostrar, pelas ações, a nossa
resistência.
Cartas de Amor
Nº 51
ÀS VÍTIMAS DA “LIBERDADE”

- O que é a liberdade? – pergunta para a mãe a criança iraquiana.


- Quando crescer você irá saber.
- É que, na escola ouvi muito falar, que a liberdade está prestes a chegar. Agora... a
liberdade vem de dentro ou vem de fora?
- Há liberdades em todos os sentidos – responde a mãe analisando a questão – foi no século
dezoito que o capital fez esta invenção. De lá pra cá se tornou intransigente e começou a circular
tranqüilamente.
- Ah! É o tal do liberalismo que deu liberdade ao imperialismo! – exclama o menino um
tanto preocupado, sem entender porque estavam sendo atacados.
A mãe cabisbaixa buscava proteção. Tinha medo que uma bomba derrubasse a frágil
construção que com dificuldades há anos ali erguia. Era livre pra fazer o que “queria” só não tinha
condições para fazer suas realizações.
O menino por sua vez continuava a insistir em seu dilema, imaginando que se a liberdade
“vem de fora” é porque dentro ela está tendo problemas.
- Mas porque só agora, após duzentos anos – pergunta o menino estarrecido – a liberdade
tem que vir dos Estados Unidos?
- Você é pequeno demais para entender – reponde a mãe preocupada. Queria poupar o filho
em tenra idade, de saber que existem liberdades massacradas por outras liberdades.
Mas o menino insiste em saber, quer entender esta repentina reação. Porque levou duzentos
anos pra chegar a libertação? Não havia nascido ainda a solidariedade para vir até nós e libertar a
liberdade?
- Meu filho, há duas forças que sustentam o capital, como se este tivesse duas moradas;
quando se sente fraco na iniciativa privada, sai se arrastando e já cansado, vai passar uns dias na
casa do Estado. Ali se recupera, fica bravo, valente como fera e volta para sua casa privada, que está
muito mal cuidada. A questão é que ele não vai sem levar os colchões, os travesseiros e os móveis
da sala e da cozinha. Leva o que antes não tinha.
- A liberdade então é o capital poder mudar de casa quando se sente mal?
- É isto mesmo! – exclama a mãe um tanto contrariada – Quando ele se aperta em seu país,
vai para outro canto meter o seu nariz.
- Então a guerra, ora feita deste jeito, é porque o capital está insatisfeito ou muito sentido lá
nos Estados Unidos?
- A guerra meu filho é uma das formas usadas quando o capital não consegue levar para sua
casa privada, as riquezas que ainda não foram estatizadas.
- Isto me deixa confundido! – exclama o menino tão sabido – então a liberdade vem liberar
nosso petróleo para os Estados Unidos?
- Bem concluído. – responde a mãe – a guerra é para controlar o petróleo que ainda não foi
privatizado ou vendido. Por isso matam a nossa liberdade sem piedade.
O menino levanta-se e vai até a janela. De repente vê uma bomba vermelha, feito brasa,
vindo em direção à sua casa. Soluça, olha para a mãe e diz:
- É verdade. Estou vendo que está chegando para nós a liberdade.
Carta de Amor
Nº 52
À AUTODETERMINAÇÃO

Sadam, Sadam! Onde estão tuas armas químicas e tua razão? Perdidas entremeio aos
escombros de ferragens retorcidas, que em breve serão doadas para as Nações Unidas.
Ganhará o direito de reconstruir os prédios, as estradas e as vidraças quebradas. Será ela
capaz de apagar as marcas da violência, desenhadas a bala nas consciências?
E os mutilados que tiveram as pernas e os braços amputados, terão reconstrução? E a água
com urânio toda contaminada, e as mulheres que foram estupradas, o que a ONU irá fazer? Se
conter? Se render? Se vender?
Ao assumir a reconstrução receberá indicações de empresas definidas entre as grandes
potências já ali estabelecidas. Mas há uma coisa que ainda mais afronta, as vítimas é que terão de
pagar a conta.
Quando veio o bloqueio, a ONU entrou no meio e estabeleceu a troca de petróleo por
comida. Pois o império exigiu que precisava boicotar, para não deixar proliferar, armas químicas de
destruição em massa. Agora, qual é a saída? Trocar petróleo por desgraça?
Deveria ser ao contrário. Não é assim quando a justiça condena um criminoso, cumpre a
pena afastado e desgostoso ou prestando trabalho voluntário?
Se a vítima de acusações provar sua inocência, tem direito a reaver em sua essência a
restituição de sua moral. Isso é legal.
Por esta lógica, a ONU, ao invés de herdar a destruição que os criminosos fizeram sem
contenção, deverá fazer um inventário e calcular o grande prejuízo. Aí dar a sentença, sem
interferência, através de seu juízo. Não gastaram bilhões de dólares para destruir? Gastem os
mesmos bilhões para reconstruir! Aí veremos, o que dirão os 72% do povo norte americano que
apoiou esta loucura, quando os recursos saírem de suas burras! Apoiarão ainda aquele demente ou
se revoltarão e derrubarão seu próprio presidente?
A mídia apresenta os resultados, mostrando um povo violento e revoltado, que saqueia seu
próprio patrimônio. Ora, até as abelhas fazem este papel. Quando alguém por perto da colméia faz
fumaça, prevendo a destruição e a desgraça, chupam todo o mel. O predador não as sentindo
ferroar, não vê o perigo, pensa delas ter se tornado amigo.
As abelhas por si só reconstroem a sua colméia após o mel roubado, mas o povo iraquiano
precisa ser indenizado! Pois ali não apenas tomaram o produto, destruíram o ambiente e se
colocaram à frente como senhores absolutos.
Quem destruiu tem que pagar a conta! Trocar obras por petróleo é outra afronta.
O petróleo é para investir nos prejuízos sociais há anos acumulados, onde o povo foi
duramente maltratado. Agora, todo o petróleo que se venda, deverá servir para distribuir renda.
É o povo usufruindo da riqueza. Não se deve imaginar que a sua parte seja: um ar
condicionado, um sofá ou uma mesa, retirados do meio dos escombros. O povo não pode carregar a
indigência eternamente sobre os ombros.
Ianques, ingleses e espanhóis tirem agora, as patas, os tanques, os mísseis e a desgraça, que
são as verdadeiras armas de destruição em massa, e caiam fora!
Façam silêncio, as crianças precisam descansar, voltar a viver. Elas têm o mesmo direito que
as suas, de estudar, brincar, crescer, ser ternas, com os dois braços e as duas pernas. Não estraguem
esta possibilidade, o petróleo não salvará a humanidade. Só o povo salva o povo, pela solidariedade.
Cartas de Amor
Nº 53
À FELICIDADE

Há muito tempo em um certo lugar, havia um Rei já sem forças para andar, mas tinha
conquistado o mundo inteiro. A doença afetou a sua saúde. Procurou em vão resgatar a juventude,
gastando enormes quantidades em dinheiro.
Buscou por todos os lugares alguém que pudesse receitar, o remédio exato para o seu mal
curar.
Certo dia ao entardecer, o Rei já prestes a morrer, recebeu uma visita, com as mãos frágeis e
lisas, sem demora disse a ele tudo o que bem quis; e pediu que procurassem em todas partes do país,
alguém que fosse bem feliz, e dele lhes trouxessem a camisa.
Mas alertou o visitante, que se não encontrassem o referido objeto, tarde ou cedo, cairia
sobre eles a desgraça e o medo.
Partiram os servos a procura deste alguém; voltaram após meses de procura sem encontrar
ninguém. Em cada casa, ouviram reclamações de todo o jeito e não acharam ninguém totalmente
satisfeito.
Um certo dia, à tardinha, ouviram uma voz vinda de uma casa pobrezinha, onde o habitante
as preces estava a fazer. Relembrou o que durante o dia fizera, agradeceu por ter plantado a terra,
questionou quem queria muito poder, e perguntou-se o que mais deveria querer?
Entraram os enviados a procura do material pedido e viram o pobre homem ali despido. O
torturaram até desfalecer. Nenhuma camisa encontraram, e voltaram sem cumprir com o dever. E
foi assim que o Rei e todo o seu povo começaram a temer. Até morrer.
Hoje temos um Rei estarrecido, vive aqui, não muito longe, nos Estados Unidos. Usando da
violência levou muitos países a decadência e o povo apoiou essa demência.
Que diriam se essa grande besteira fosse feita dentro de suas próprias fronteiras? Teriam a
mesma confiança se em suas portas fosse feita esta matança?
Quando o povo é submisso deve-se desculpar as suas posições. Mas, quando este é produtor
de suas próprias convicções e deixa os governantes livremente atuarem, deve-se responsabilizá-lo
pelos desmandos, matanças e usurpações que estes criarem.
Agora que a calmaria voltou, o povo norte-americano se deu conta e se assustou. Porque a
guerra mudou de lugar e procedência, passou a ser travada em suas consciências.
E o medo, astuto e soberano, domina o linguajar cotidiano: Não abra a janela! Ordena a mãe
em tom voraz, podemos ser atacados por um gás. Leve a máscara para a escola e não se separe da
sacola. Ou, não chupe mais sorvete, meu pequeno, eles podem estar contaminados com veneno.
De que valeu tanta maldade, para tirar dos outros a dignidade e ter perdido a felicidade?
Voltamos ao tempo em que o Rei está doente, demente e prepotente. Suas ordens são dadas
apenas em uma direção, provocar, atacar e arrasar cada nação que se diga feliz. Ele quer destruir a
riqueza cultural, a ética e a moral que há em cada país.
Por isso ao terminar esta carta a pensar fico, o que é de fato ser um país rico? Não pode ser
aquele que apenas tem fortuna material, mas que torna o seu povo doente mental, desleal e
rancoroso. De que vale controlar toda a riqueza se o povo perde a gentileza e fica sempre mais
medroso?
Cartas de Amor
Nº 54

À BEIRA DA ESTRADA

Há quem diga que a beira das estradas não serve para nada. Nós dizemos com
conhecimento, elas servem para estacionamento.
Estaciona quem precisa de um lugar, para observar, esperar, avaliar e acampar.
Acampa quem quer dar pressa à pressa, pois já deixou de acreditar em quem diz solucionar
os problemas com promessas.
A beira da estrada é a pátria de quem não tem nenhuma. É organizando a força que uma
pátria se arruma.
Compensará ao sonho tantos sofrimentos? Esta é a nossa pátria feita de acampamentos. Mas
a verdadeira causa em fazê-los não é nem a promessa nem a vingança. É que abriu-se na
consciência uma esperança de quem só esperava, e por isso não conseguiu ficar aonde estava.
Precisava ir para onde trafegam as soluções. E as estradas do Brasil cortam fazendas e em
frente delas armamos nossas tendas. Prova de que a lei não domina um povo, quando este inventa
novas formas para lutar de novo.
E as margens se tingem de preto e de vermelho, servindo ao governo de espelho. A
imagem das lonas refletidas é de um país cheio de feridas que as margens das estradas servem de
hospitais, para curar aqueles que para trás não voltam mais.
A propriedade faz a grande divisão entre o latifundiário e quem quer ser cidadão. Enquanto
um lado se apega ao documento, milhares de Sem Terra querem por fim ao sofrimento.
Esta parada então tem tempo limitado. Quem tem pressa não pode ficar estacionado. O
tempo chama para a luta e sobre a terra se fará a disputa.
É triste, lamentável e estranho, em ver nosso país deste imenso tamanho, ser reduzido à beira
das estradas, para aqueles que querem trabalhar e não tem nada. Que destino podem ter estes que só
têm o nome? Lutar ou esperar para um dia morrer de fome?
O pior é que dizem, no direito termos igualdade, mas nos separam nas possibilidades. É
através delas que se cria a inferioridade, pois alguns poucos, feito loucos, controlam o direito à
propriedade.
Agora dizem que a fumaça ameaça pelo simples fato de estar localizada e controlada. Nunca
reclamaram quando eles mesmos espalharam as fumaças das queimadas. Com elas destruíram
grande parte da floresta, e pretendem incendiar o que ainda resta.
Querem sem razão, provar que suas fazendas não são improdutivas. Jogam sobre elas
chamas vivas sem envolver o mínimo de trabalho, ficando apenas no lugar esqueletos e galhos onde
já não se forma nem o orvalho.
Por isto a beira das estradas é de grande serventia. É onde se descansa a força desta grande
romaria; que está em busca de fixar a moradia pela reforma agrária, e criar definitivamente a
sociedade solidária.
Sendo assim, cabe ao estado brasileiro chegar primeiro. Enfrentar com decisão a truculência
e a violência, porque o povo só tem este lugar para guardar a sua paciência.
Presidente, amigo e camarada, não deixe a esperança morrer na beira das estradas.
Cartas de Amor
Nº 55

AO ANIVERSÁRIO

Este ano durante o mês de maio, tivemos dois grandes camaradas completando aniversário.
De gerações diferentes, nos dão a certeza de que a história segue em frente.
Em 5 de maio de 1818 nasceu na Alemanha este comunista afoito. Karl Marx seu nome de
batismo; viveu para entender e combater o capitalismo. Em 14 de maio de 1928 nasceu esta outra
referência na Argentina, e sem temor, adotou a América Latina. Ernesto Che Guevara é o nome
deste grande companheiro, do qual somos filhos e herdeiros.
Sobre ele cabe um esclarecimento; é que na origem está falsificada em um mês, a data na
certidão de nascimento. Foi para esconder a precoce gravidez que sua mãe pediu para diminuir em
sua idade um mês.
Mas esta não é uma questão para se fazer disputa, importa que os dois viveram para
fortalecer as lutas. Também é indiferente se fisicamente já se despediram, importa sim que um dia
existiram. Marx, teria hoje 195 anos, e o Che 75 de presença viva, vale a pena comemorar as
histórias combativas.
O dia do nascimento é mais que um acontecimento. É uma revelação de uma identidade que
aparece entremeio a esperança e a ansiedade.
O ser humano se assemelha à árvore na floresta. Para crescer disputa entre as sombras uma
fresta. Sobem mais alto as que têm mais ousadia para enxergar primeiro o amanhecer do dia.
Quando há vendavais, enchentes e tormentas, avisam quem está em baixo para que se
agarrem as suas ferramentas e preparem a resistência. Como uma liderança, a árvore mais alta passa
às outras, confiança.
No dia em que tomba, a árvore faz um barulho que assombra. Avisa com seu grito de dor
que sua hora chegou. O lugar que ocupava vira uma clareira, um vazio e pode permanecer assim a
vida inteira.
Por isso sentimos tanta falta quando tomba uma referência, é como se abrisse um buraco na
consciência. Bem disse Engels no funeral de Marx, quando no enterro tomava as providências: “O
mundo neste dia foi diminuído em sua inteligência”.
Do Che poderíamos ter dito tantas coisas nesse dia, como: o mundo foi diminuído em sua
simpatia; em sua rebeldia; em sua teimosia...
Mas uma verdade nos serve como alento: a matéria ocupa um lugar no espaço na mente e no
sentimento, por isso, quando ela se transforma no seu físico em geral, fica ainda viva nos
sentimentos e na imagem mental.
Sendo assim, só morre quem deixa de ser visto, sentido ou lembrado. É desta forma que se
aproxima o presente do passado. E através da lembrança se mantém viva a imagem e a esperança.
O capital é como a moto-serra na floresta, derruba toda referência boa que ainda resta. Quer
limpar o terreno para que não haja seguidores, e destrói pela raiz todos os valores.
O povo é como as árvores. É dos velhos troncos descendente. Só existirá se continuar a
produzir boas sementes. Por isso viver não é uma loucura, é dar continuidade ao trilho da saudade,
que vem do passado e vai para a eternidade, através da cultura.
Tenhamos este cuidado de manter ao nosso lado aqueles que pelo exemplo nunca estiveram
ausentes. Pois a clareira aberta de repente, apenas serve, para tornar-nos ainda mais persistentes.
Cartas de Amor
Nº 56

AOS FESTEJOS JUNINOS

As festas juninas já se tornaram em nosso povo parte da cultura. Nos orgulham estes
festejos, por estarem ligados ao sertão dos sertanejos e por tanto à nossa agricultura.
A origem deste acontecimento está no nascimento, quando Isabel, a mãe, sentindo uma dor
estranha, foi com Maria sua prima ao alto da montanha de Judá, de lá, combinaram em forma de
brincadeira que, se ali o parto acontecesse, o sinal viria de uma fogueira.
No dia 23 de junho ao terminar, Isabel começou a se queixar, e Maria não teve dúvidas,
ateou fogo na lenha ali empilhada. Até hoje desta forma a data é recordada.
No Brasil os festejos foram trazidos pelos espanhóis e portugueses, e bastou comemorar
algumas vezes, para que se tornasse tradição. Na verdade era a comemoração, feita todos os anos na
época das colheitas. Integravam então: festividade com religiosidade; devoção com distração.
São João, na cultura popular é: adivinhador, festeiro e protetor. Cuida dos casamentos dos
enfermos, da cabeça e da garganta, por isso é que no seu dia o povo dança e canta.
Por ser o Santo das brincadeiras, inventou-se a quadrilha, o casamento caipira, os balões,
fogos e rojões, onde as diversões levam semanas inteiras.
O nosso povo nordestino, completa o ciclo inteiro, começa no dia 13, com Santo Antônio, o
casamenteiro, e termina de uma vez, com São Pedro, no dia 29, quase no fim do mês.
Este exemplo é uma demonstração feliz de que é possível cuidar da cultura do País. Não há
uma cidade do interior, que não se comemore a rigor os festejos conhecidos por juninos. Homens,
mulheres e meninos fantasiam-se como no carnaval. Assim se mantém a identidade nacional.
Consome-se, feito de vinho ou cachaça com gengibre, o quentão, acompanha batata doce,
amendoim, rapadura, pipoca, castanha de caju, se é no sul, muito pinhão. Usa-se o chapéu de palha
ou de couro, roupas simples, pois a simplicidade é o nosso grande tesouro.
É por sinal o dia da imitação. Onde o povo todo vira artista. As praças viram palcos para
expor esta grande identidade. É a igualdade que permeia o pensamento socialista.
Ali não se expõe o luxo e a vaidade porque a festa é da simplicidade. Não se consome nada
de importado, tudo é trazido nos cargueiros do roçado.
A música é feita através de instrumentos tradicionais, as letras têm mensagens nacionais e as
danças variam do forró até o catira. É sem dúvida nenhuma o resgate das raízes saudáveis do
caipira.
Podemos perguntar de um jeito bem cortês: Por que isto é feito somente em um mês?
Poderia durar o ano inteiro! Bastaria que o Brasil se tornasse independente do estrangeiro.
Um país quando é independente, o povo vive em festa alegre e sorridente, pois seu esforço é
ele próprio quem consome. Quando é dominado, até o passado é falsificado e sua alegria muda de
nome, vira tristeza, porque arrancam de sua alma os sonhos e as certezas.
Que as fogueiras aqueçam as consciências e animem a persistência e a luta de nosso povo, e
que, com São João, marchemos em direção à construção de um tempo novo.
Cartas de amor
Nº 57
AO BONÉ DO MST

Em qualquer tempo e lugar, a classe dominante quer sempre controlar. É egoísta e


prepotente, principalmente quando se trata do cargo de presidente.
O preconceito é antigo, mas cabem aqui comparações. Na antiga Roma, o perigo eram os
vilões. Moradores do campo considerados rudes e grosseiros, instalados em vilas e comunidades, e
representavam uma grande ameaça quando iam para a cidade. Para livrar as autoridades dos
“impuros”, mandaram erguer ao redor da cidade enormes muros.
Se pra cidade fossem agrupados: “Lá vem a turba!” começavam a gritar. Daí é que surgiu a
palavra perturbar. Pobre organizado em turba, perturba.
Na corte o Rei a poucos atendia. Daí também vem a palavra cortesia. Era o bom trato dado a
quem ali chegava. Assim era como o poder e o poderoso funcionavam.
Da antiga Roma aqui para o nosso solo. Ao invés de muros os ricos edificaram o protocolo.
Serve para preservar a autoridade. Por isso os trajes a rigor, a cerimônia e a seriedade.
Assim, o governante não se identifica; a não ser, é claro, com a classe rica. Ali em seu
palácio instalado, se mantém preservado, para que as mãos “impuras” não o toquem, não o
perturbem, nem o provoquem.
Mas eis que há uma variação. Certa ocasião, o presidente recebeu de presente, uma bola, um
boné e frutos da produção, e, numa manobra louca, levou um biscoito até a boca de um Sem Terra
com a própria mão. “Contaminou” com saliva a sua reputação.
Na Corte foi além em sua cortesia. Ensaiou com a bola o que faria num campo em qualquer
jogo. “Quebrou o protocolo!”, dizem os jornais cuspindo fogo.
Assemelham-se os Sem Terra aos antigos vilões; são tolerados se ficarem nos grotões. Os
ricos os deixam votar nas eleições, participar das festas e comemorações; aplaudirem e sentirem-se
contentes; mas a eles não pertence o Presidente.
Esta é a imagem da falsa democracia, onde o pobre vota, mas dele o poder se distancia. A
autoridade pertence à minoria!
Não importa se é dos pobres que vem o presidente, mas, lá ao chegar, deve se comportar de
forma diferente.
Qualquer boné poderia ali entrar e receber a cortesia, menos este vermelho que sua cor
carrega ideologia.
Aos ricos isto causou espanto, como se alguém tivesse atirado uma pedra em um santo.
Profanou-se o espaço e a simbologia que tanto deu prazer à burguesia.
Na verdade não é o boné que os incomoda. É que este presidente inventou uma nova moda:
jogar bola na sala da audiência: paciência!
Podemos então dizer com satisfação: o Presidente pode até, pela situação precária, não fazer
a reforma agrária; mas vai matar de raiva a elite atrasada que sente que o seu poder não vale nada, e
pode, a qualquer tempo, ser desafiada.
O boné vermelho ficará lá como um conselho com o chefe da nação, que optou a ser igual
seu povo, até o dia em que voltarmos lá de novo.
Canalhas! Egoístas e ladrões! Há quinhentos anos enganais as multidões! Pela primeira vez
ali entrou a simbologia simples e séria! O que os incomoda, não é o boné, é o alerta da miséria que
pôs os pés nos tapetes do poder. A audiência é o prenúncio do que pode acontecer, no dia em que
está Pátria for levada a séria.
Carta de Amor
Nº 58
À CORDIALIDADE

Cordialidade é uma palavra que vem do latim, que, bem no fim, está ligada ao coração. É
afeto, franqueza, demonstração de carinho e gentileza.
Portanto, eis a definição: só pode ser cordial quem usa bem o coração. Quem o usa mal, não
é cordial; é um animal selvagem; só faz bobagem.
Ao usar mal o coração, o ser social, perde a sensibilidade, fica egoísta só o seu ponto de
vista pensa ter validade.
Sem gentileza, o ser humano perde todas as grandezas, fica avarento e mesquinho, incapaz
de qualquer gesto de carinho.
Quem não possui esta virtude, torna-se arrogante e prepotente, quer proibir os outros de
serem amáveis e comportar-se gentilmente.
Quer comandar e impor sua determinação, como se o mundo fosse um pequeno balão na
mão de um só senhor; a ele pertence qualquer tipo de louvor.
Por isso, alguns se sentem tão raivosos quando as coisas não vão bem. A seu lado não pode
haver ninguém que os afronte, nem que os desaponte, pois seus caprichos vão sempre muito além.
Temos uma demonstração recente, quando os Sem Terra visitaram o Presidente. Faz parte da
cultura camponesa, levar presentes; é uma forma de grandeza.
Não se trata de comprar a autoridade, nem ofender a sua maestria. É pois uma simples
cortesia, um agrado, um afago, um presente; mesmo que seja com o Presidente, se conversa e se
partilha a alegria.
Muito menos é um constrangimento! Visitar alguém querido é um sacramento! Uma festa,
um momento de partilha, não é jamais uma armadilha, isto não passa nem pelo pensamento.
Ocorre que os ricos são sisudos, intransigentes, prepotentes e carrancudos. Têm vergonha da
afetividade, sabem apenas pedir e perdem facilmente a honestidade.
Aliás, o rico não visita, faz audiência, por isso o protocolo e a aparência. Esconde-se, pois
não é capaz de transparente ser. Usa para si os cargos e o poder para alimentar a própria
intransigência.
Por isso o espanto, quando o Presidente demonstrou o seu encanto por ter reencontrado os
seus iguais. Renasceu como nos festivais renasce a música e a poesia. Sentiu-se à vontade,
transbordou de alegria, ensaiou embaixadas com a bola, afrouxou a gravata de sua gola. Na cabeça
colocou o boné. Mostrou com humildade, quem foi, quem é. E que, fazer política não é dar esmola.
Os ricos revoltados atacam sem piedade. Isto demonstra uma grande verdade na esfera do
poder de tudo controlar. É que o governo para eles é uma propriedade, onde alguns poucos em
nome da vaidade, fazem o Estado se tornar particular.
Por isso doeu tanto! Causou bastante espanto, revolta e ameaça. Ë que eles não aceitam
repartir, o espaço é para poucos usufruir, e a amizade não pode ser de graça.
Demonstrou-se após quinhentos anos, que é possível se igualar como seres humanos, e
derrotar o poder dos opressores. É preciso dizer ainda mais, que estando no poder é possível ser
cordiais e praticar a solidariedade e os bons valores.
Cartas de Amor
Nº 59

AO ESTADO DE DIREITO

Sempre que os ricos se sentem atingidos ou insatisfeitos, começam a falar em Estado de


Direito. Mas o que é que os deixa preocupados? Na verdade querem dizer que, não poderão perder,
o velho direito ao Estado.
É inversa então a preocupação. O Estado como estrutura de poder, a poucos deve pertencer.
Por isto, sempre que há qualquer pressão da sociedade, alertam para o risco da instabilidade.
Dizem eles em sua minoria: “Cuidado com a democracia! Se nos tomarem o poder, nos
misturam com a maioria, e aí perderemos todas as regalias”.
É o direito a controlar o Estado que preocupa a classe dominante. Não o estado de direito,
que a rigor, se fosse implantado, todo o povo seria beneficiado.
Ou direito não é, terra, trabalho, comida, saúde, escola e moradia? Não seriam estes os
verdadeiros sustentáculos da democracia? De que Estado de Direito fala pois a burguesia?
Se, sem terra o povo se mobiliza, é sinal que as cercas ainda impõe divisas. Se a luta é contra
o desemprego, é sinal que falta trabalho, não emprego. Pois emprego precisa de patrão, e o Estado
deve dar subsídios a este senhor da exploração.
Se nas filas gemem os doentes, é porque de remédios estão carentes. E assim é com a escola
e a moradia. Se há luta todo santo dia, é porque o Direito ao Estado impôs a carestia.
Se os pobres entendem-se com a autoridade, logo afeta o ciúme e a vaidade. Dezenas de
políticos se rebelam e sua fúria então revelam. Ameaçam com CPI’s e auditorias dizendo que está
em risco a democracia. Eles então criam a instabilidade, ameaçando derrubar as boas autoridades.
Na atualidade o que menos interessa aos trabalhadores é desestabilizar para se ter um
governante novo. A rigor, para que cometer tamanha insensatez, se na história é a primeira vez, que
temos um presidente com cheiro de povo?
Talvez seja isto que ameace o falado “Estado de Direito”; é que, este presidente tem respeito
por aqueles que direito algum não têm! E também, porque recebe o povo com alegria e um sorriso
sempre novo.
Por outro lado, para calar esta elite intempestiva, que Estado de Direito pode se ter com a
terra improdutiva? E que ameaça podem significar os Sem Terra, famintos e desarmados que andam
em filas, procurando apenas estas fazendas para dividi-las? Que interesse poderiam ter, para
desestabilizar um governante que se propõe em os ajudar?
É que os proprietários comparam o Estado a uma fazenda, dele precisam tirar renda. Na
medida em que isto deixa de ser feito, apelam para o “Estado de Direito”.
Então querem aplicar a lei e a crueldade, impedindo que o povo revele as suas necessidades.
Então, o direito tão falado, é garantir o comando da máquina do Estado. Aí sim, dizem que
há governabilidade e respeito, porque ao povo é negado o seu estado de direito.
Na verdade, enquanto persistir, a opressão, a negação, a imposição e a prepotência, aos
trabalhadores só lhes sobra um jeito, investir em seu único direito de persistir na desobediência.
Cartas de Amor
Nº 60

À CONSCIÊNCIA

A história da humanidade é na verdade uma invenção coletiva. Cada geração com sua arte,
faz sua parte, enquanto estiver viva.
Há períodos em que aparecem muitas invenções, assim também ocorre com as ocupações.
Não é por nada. É que a história também segue sua estrada. Mas há momentos em que os passos dos
caminhantes não deixam de ser lentos; são as circunstâncias que geram os acontecimentos.
Muitas vezes uma invenção demora. É porque o ser humano cresce mais devagar por dentro
que por fora.
Se por fora se destacam o físico e a resistência, por dentro se estendem as idéias e a
consciência.
Há quem desenvolva o físico na academia, mas da consciência não cuida nenhum dia. Então
é comum ver homenzarrões, incapazes de tomarem decisões. É conseqüência da impostura onde
toda a cultura seca. Por isso, em cada esquina, há uma farmácia, uma academia, mas não se vê uma
boa livraria ou uma biblioteca.
O nosso caso é inverso, por vivermos na miséria submersos. Os anos de exclusão levaram
consigo o físico e a razão. Como uma floresta incendiada, ficamos iguais aos troncos na beira das
estradas.
Ali se espera algo novo acontecer. Por isso não se pode deixar nenhum tronco apodrecer.
Não importa se este é alto ou se só restou um toco! Cada um dentro de si carrega um oco, é onde se
situa o espaço do sentido; e, com ensinamentos, valores e canções, deve ser preenchido.
Cada acampamento é uma escola de renascimento. Tudo o que se perdeu durante a vida,
cada pessoa deve ser ressarcida. Precisamos curar com paciência, também as feridas da consciência.
Não dar tempo ao tempo na batalha contra a ignorância. Cada qual com as armas do saber
deve empreender esta luta que tem grande importância. Talvez maior do que a luta contra a
propriedade. Pois, esta pode ser extinta em um momento; enquanto que, o conhecimento, durará por
toda a eternidade.
Quem a consciência forma, não faz apenas a reforma, faz a revolução, porque esta
transforma o coração.
Mas é preciso que se dê prioridade na elevação das capacidades. Organizar turmas de estudo
com regularidade nos horários, e por isso os estudos devem ser diários.
Em cada espaço ter os próprios monitores, eles cumprem o papel de mestres e professores.
Não importa se não estão bem qualificados; é cozendo que se vai aprendendo os pontos do bordado.
Na formação o adulto é como uma criança, depende de surpresas todos dias para manter as
esperanças. Por isso não basta fazer um curso de vez em quando, seria o mesmo que ter um exército
sem comando.
No acampamento é o momento do conhecimento cuidar. É o lugar de semear e cultivar;
enquanto a história anda devagar.
Cartas de Amor
Nº 61

À ORGANICIDADE

Quando a função do povo é construir, não se pode nenhuma tarefa obstruir. É a velha
sabedoria que se aplica no momento, não basta ter a massa é preciso por fermento.
Este princípio é antigo para dizer que em tudo há uma idéia; onde a força do fazer a
transforma em matéria.
Ao fazermos uma ocupação elevamos no espaço algo novo. É uma matéria viva construída
pelo povo. Mas eis a razão que esta verdade comporta, neste meio pode existir também matéria
morta.
Façamos uma recapitulação: uma idéia é sempre uma abstração nascida da reflexão. Pondo
em prática esta imaginação é, a idéia tornando-se matéria em forma de organização.
Então de matéria política somos produtores, porque somos das idéias organizadores. Mas
cabe uma pergunta nesta afinidade mansa. De que é composta esta matéria? De homens, mulheres,
jovens e crianças.
A resposta é curta e certa. Esta matéria acompanha e nos alerta. Se ela for esperta e
participativa, dizemos que é matéria viva. Se ela está parada, desorganizada e torta, dizemos que é
matéria morta.
Outra pergunta para sermos coerentes: de que matéria nós somos dirigentes? Se a maioria da
massa morta é nossa companheira, somos dirigentes de um movimento de caveiras.
Qual a função desta? Pergunte para não ficar surpreso. Servir de volume ou de peso. Peso
morto sem nenhuma serventia. É por isso que as organizações perdem a rebeldia.
A massa ativa precisa ter o seu lugar. Deve participar, estar nos setores, nos núcleos,
comissões e nas instâncias. É daí que surge a militância.
Se nada disso funciona desse jeito, é sinal que falta com a massa honestidade e respeito. As
coisas vão em frente, mas a passos de lesmas, como se as pessoas fossem incapazes de refletirem
sobe si mesmas.
Então o jeito é dar ordem para garantir a unidade. Mas isto só desperta o individualismo e a
vaidade. A massa morta, é a pura verdade, somente serve para se desenvolver a caridade.
Falar em revolução onde não bate o coração é uma improbidade. Quem poderia assumir esta
responsabilidade se não compreende o que se está querendo. Assim, quanto mais o tempo passa,
mais gente da massa vai morrendo.
Uma organização séria é feita de idéias e matéria. Essas, tornam-se consistentes e ajudam os
prudentes condutores, quando se somam com a ética, a moral e os valores.
A força de uma organização lhes dá identidade. Quem participa dela deve ser parte
integrante responsável e atuante; assim se desenvolve a qualidade.
A história com memória se torna exigente. Os passos precisam ser firmes e consistentes.
Caso contrário, ficaremos a beira do caminho, sozinhos!
Não percamos tempo em abrir o espaço da participação. Nossa democracia exige que cada
qual faça com sua própria mão, o gesto que estimula a resistência. “Vem, lutemos...” é o grito que
conclama a rebeldia, convidando-nos a ascender um dia, a fogueira que nos dará a independência.
Cartas de Amor
Nº 62

A QUEM LAVRA

Lavrar é o ato de abrir a terra para fazer dela a pátria das sementes. Isto se dá em todos os
continentes, desde que surgiu a mulher e o homem. Embora, com toda a astúcia e sabedoria, existe
uma enorme quantia, de pessoas que ainda hoje em dia, não comem.
Lavrar é o ato de encurvar-se sobre os arados e as enxadas, fazendo reverências às encostas
e baixadas. Ninguém pode compreender esta relação, a não ser quem empunha os calos das próprias
mãos para fazer a terra tornar-se semeada.
Mexer com a terra é ter paciência pela espera. É arrancar de baixo do pedregulho o orgulho
de ser cultivador. É de certa forma ser senhor do próprio nascimento. É suar a água com o
sofrimento e secar a face com as pontas dos dedos. É ter uma infinidade de segredos neste longo e
belo relacionamento.
25 de julho é o dia do motorista que transporta, mas antes, se quiser, tem que passar pela
porta da agricultura. Por isto é também o dia do lavrador que aprendeu, com as enxadas ou o trator,
riscar quadros de roças transformando-as em pinturas.
Lavrar é entender-se com o solo. É consultá-lo para saber o que pensa sobre cada espécie de
semente. É acreditar que é possível ser coerente no trato com a natureza e com a terra. Quem cultiva
tem a sua conduta onde empreende contra a fome a cada dia uma luta, enfileirando as plantas como
soldados em guerra.
Cresce junto com a roça o aprendizado. Cada lavrador tem a seu lado uma lavradora. É esta
figura encantadora que luta para ter o seu lugar e marchar como as sementes nas fileiras. Se as
plantas são todas companheiras por que haveríamos de nos discriminar?
Limpar a terra é carpir a própria sorte que só o tempo dirá se valeu ter trabalhado. É olhar
para os campos silenciados pelas leis, a inflação e os preços. É sentir ameaçado o endereço, por ter
que entregar tudo e se mudar endividados.
Lavrar a terra é mais que uma profissão é cultivar o sentido e a razão de viver na harmonia
entre os iguais. É saber depender dos animais, dos insetos, das chuvas e da lua. É compreender que
a vida continua e vai além das relações carnais.
Viver na roça é morar entre os pomares. É recriar todos os lugares atingidos pela força do
trabalho. É despertar de cada planta um suspiro na lavoura. É marcar na utopia criadora a
identidade como rastros no assoalho.
Dá pena ver a destruição desta velha cultura. Inventam-se formas modernas de fazer a
agricultura que só em olhar começamos a ter medo. De que adianta tanta intransigência? Se está se
destruindo a consciência de quem na história guardou cada segredo.
Não basta inventar mil artifícios se estes inventos se transformam em vícios e modificam
nossa identidade. É preciso evitar o constrangimento e saber que o principal insumo para se
produzir o alimento, é sem dúvida nenhuma o valor da honestidade.
Saudamos esta classe resistente que existe em todos os continentes onde cada qual
comemora o seu dia. Produzir e cuidar bem das sementes, para que seja garantido a todos o
sustento. Lutar para ter o controle do alimento é o jeito perfeito de garantir a nossa soberania.
Cartas de Amor
Nº 63
AO ÂNIMO

Já é antigo este ditado, de certo inventado por um sábio corcunda, que: “Quanto mais se
abaixa a cabeça, mais se levanta a bunda”.
Há pelo menos 40 anos neste espaço brasileiro, que a mídia com cinismo sorrateiro, nos traz
as notícias já embrulhadas com as críticas. É porque os donos das TV’s e dos jornais, na esfera das
relações sociais, querem dar a direção política.
Estão acima do Estado e dos partidos. Têm seu próprio sistema informativo, dão aos seus
arapongas disfarçados, o nome de “repórteres” investigativos.
Em suas matérias e editoriais, ditam as pautas políticas semanais. Colocam então com os
seus simples dizeres, os três poderes da república a seu serviço e pressionam para que mantenham
com eles os compromissos.
Enfim, orientam o deputado, desafiam o judiciário e enquadram o senador. Constrangem o
presidente e batem no governador. Têm de fato um poder assustador, principalmente para aquele
que quer ter a imagem pública, e gozar por muito tempo os prazeres da República.
E o povo que está fora dos poderes? Orientam a conduta com os seus exemplos e dizeres,
onde os desvios e os vícios são entregues a domicílio matizados em belas cores. Penetram pela pele
descuidada de cada face ingênua, boquiaberta e patética. Vão implantando sem escrúpulos a sua
ética e transformando-a na prática de valores.
A revolta destes senhores poderosos e barrigudos, é quando os movimentos sociais ignoram
isto tudo, e partem para mostrar aquilo que eles querem esconder. Então se sentem atingidos em seu
poder.
Podemos dar um exemplo e mostrar como isto é. Estamos vivendo uma trama que se chama:
“A febre do Boné”.
Quando Lula era ainda candidato, através de sua política de aliança, passou a estes coronéis
da informação, credibilidade e confiança. E se pudéssemos dizer de uma forma não fraterna,
ficaram satisfeitos que chegavam a “mijar-se pelas pernas”.
Passadas as eleições, compostos os ministérios, novamente se alinharam e consideraram que
o governo era sério. Então, um a um foram fazendo suas audiências. Enquanto que, (e isto nada tem
demais), os movimentos sociais com suas posições maduras e tranqüilas, aguardaram sem pressa
bem no final da fila, com paciência.
Feita a rodada, chegou a vez de receber os camaradas. Que até então não tinham dado nem
sequer uma opinião. Mas eis que despertaram os rancores. Através dos refletores atentos, deram o
deferimento de que seria ilegal, como se o Presidente tivesse deixado de ser coerente, entrado em
um prostíbulo, e manchado a sua moral.
Isto doeu demais e a intimidade foi ferida. Pois viram que o Presidente, se quiser, pode ser
independente da minoria, e fazer as audiências com cordialidade e alegria.
Mas continuam nervosos e rebelados. Agora porque foram revelados os dados reais dos
grandes proprietários de terra no Brasil. E que, se o governo quiser fazer a reforma agrária, a classe
latifundiária é composta apenas de 27 mil. Que coisa perigosa, se o povo compreender este
sacrilégio, que uma minoria quer manter a terra como privilégio!
Animar significa botar alma, dar a vida. Imprimir a cada passo coragem, entusiasmo, luzes,
cores. É tempo de avançar, seguir em frente. Espalhar em toda a terra boas sementes, que o futuro
nos espera com as flores.
Cartas de Amor
Nº 64
À IRREVERÊNCIA

Corre à solta um argumento que chega a criar constrangimento. Dizem os ideólogos da


hipocrisia, que os movimentos sociais são importantes, para provar que há democracia.
Desenvolvem em suas falas arranjadas e polidas, o argumento porém, de que a lei deve
sempre ser cumprida. É, a bem da verdade, para o Estado manter a sua autoridade.
Não dizem eles uma coisa que está em sua própria alçada, de que os movimentos sociais
somente surgem, porque a lei que os favorece nunca é aplicada. A lei do direito de comer,
trabalhar, morar, sentir prazer...
Então este discurso deve ser contestado. Os movimentos sociais somente surgem e seguem o
seu curso, porque é o último recurso, que os fracos encontraram para defender-se das injustiças
cometidas pelo Estado.
Na história da humanidade podemos perceber algo interessante. Até a revolução francesa o
poder da “nobreza” vinha de Deus. A partir daí o povo o delega aos representantes seus. Que não
são propriamente o Estado, apenas de gerenciá-lo são encarregados.
Por trás destes dirigentes, há uma classe violenta com subdivisões interna. Por isso é que, o
Estado nunca pertence ao povo, e às vezes nem a quem governa.
Esta classe dominante, atua impondo cláusulas como a duas partes que assinam um contrato
em uma sociedade. Quem ferir alguma delas, paga multa sem piedade. Só que ela, quando paga, usa
o dinheiro, os fracos tem que usar como moeda a própria liberdade.
A classe dominante quando lhe é favorável, fala com cautela e com prudência, pois é a única
que em sua insanidade, tem a legítima possibilidade, de usar a força e a violência.
Preparam porém o terreno quando precisam usá-la, para que a opinião pública não venha
condená-la. Aí entra em campo a mídia com suas firmes opiniões, visando “amolecer” os corações.
Então passam a apontar uma infinidade de defeitos. Separam do povo alguns sujeitos, como
se eles fossem os culpados pela necessidade coletiva, e aí os esfolam até ficarem em carne viva.
Querem dar a entender, que se criminalizarem alguns indivíduos, o problema fica fácil de se
resolver.
Ás vezes quem governa tem até com a pobreza certa delicadeza e atenção. Mas da mesma
forma, é ameaçado. Se não utilizar a força do Estado e aplicar a violência e a repressão, alertam
que pode haver a cassação.
Os truculentos dizem com sua intransigência, que “é preciso baixar o pau da lei”.
Reconhecem então que ela não se aplica sem violência.
Os movimentos sociais surgem e são punidos, porque os seus problemas nunca são
resolvidos. Governo sai, governo entra, e a classe dominante continua sempre violenta.
Os poderosos são covardes e nojentos. Para tudo criam normas. Então querem estabelecer
até as formas de como devem se comportar os movimentos. Aí são “importantes”, se ficarem dentro
dos padrões, ditados pela classe dominante. Se for para esperar, o povo não precisa se organizar!

Os fracos somente são irreverentes porque os fortes são irresponsáveis e inconseqüentes. Por
isto é preciso continuar com a irreverência. É a única forma de defesa que resta para a pobreza,
defender-se da arrogância e da violência.
Cartas de Amor
Nº 65
AOS PAIS SEM TERRA

Meu pai. Vejo em você um herói a procura de vitórias. Anda pelos caminhos como quem
ainda quer fazer a própria história. Está velho e cansado. É assim mesmo: não há facilidades para
quem nasceu em tempo errado.
Num tempo de fartura e de trabalho você devia ter nascido. Mas não deu, estes magros são
os tempos teus.
Malditos estes tempos em que os campos não produzem, porque as cidades encheram-se de
luzes. E para lá correram os trabalhadores, como curiosos para ver um acidente, perderam a
identidade e por pouco não deixaram de ser gente.
Estes tempos que chovem até regularmente, mas não se encontra um lugar para jogar
sementes, e então a fome é uma visita que vem mas não agrada. Chega, entra, senta, deita, dorme e
não faz nada.
Dá vontade até de perguntar sobre qual será a minha herança? Sou criança, ainda tenho
muito tempo pra viver. Será que esta lona irá me pertencer? Ou será que o tempo de fartura nos dará
um cantinho de terra pra morar e ali viver?
Em breve será o dia dos Pais. Vemos a mídia deliciando-se com seus fantásticos comerciais.
As lojas fazem promoções. É o momento de gastar todas as ilusões. Já gastamos todas as nossas, a
última que sobra é uma bela e verdejante roça.
Gostaria de lhe dar um bom presente. Uma sandália, um canivete, uma camisa bordada, mas
não dá, só sobrou-nos este lugar na beira desta estrada. O presente que você gosta está lá naquela
encosta, mas a televisão não mostra.
Tempos árduos e de conflitos. Falta lenha para aquecer estes fogões aflitos, que fervem a
água sem parar, a espera de que chegue algo para cozinhar. Minha mãe às vezes nos engana. Brinca
de ser menina, e organiza com folhas de jornais uma cantina. E nos chama para olhar: melancia,
pêra, mamão. Banana não! Precisa esperar madurar.
Mas, um pai só não faz verão! É aqui onde está a solução. Se todos têm um patrimônio só,
uma lona descorada pelo pó, é o suficiente para seguir em frente.
O tempo está ferido e somente será salvo por homens decididos. Pais desanimados são vistos
como coitados, que precisam de esmola e assistência esta é a razão da decadência. Quem só espera
nunca terá a sua terra.
Dia dos Pais é um dia de animação. Feito o homem da bandeira que nunca abaixa o facão,
devem ser os Pais Sem Terra. Ninguém tem o direito, de faltar com o respeito com quem a vida
gera.
As fileiras são nossas companheiras. Caminhamos porque acreditamos.
A força dos Sem Terra está na luta que é feita no silêncio e no barulho. Não pode haver
maior orgulho do que ver os filhos e os pais na luta unidos. Assim iremos conquistando o espaço e
o tempo então perdidos.
Que este Dia dos Pais seja de confiança e nos traga no futuro boas lembranças por termos de
fato acreditado. Se estamos aqui sedentos de vitórias, é sinal que, pelo menos, em cada memória,
algo de bom foi trazido e cultivado. Por isto, honramos nossos pais, por terem sabido ser leais e
nunca deixar de ter sonhado.
Cartas de Amor
Nº 66
À PÁTRIA

Pátria, em sua origem quer dizer, “terra do pai”. Mas é onde a Mãe encontra o seu lugar; por
isso nos acostumamos a chamar nosso Brasil, de “Pátria Mãe Gentil”.
Se é a terra dos pais ou das mães já não importa, o que nos incomoda é vermos que há uma
imensa quantidade de nossa pátria morta; por termos milhões de filhos infelizes, sem poder fixar
nela as suas raízes.
Esta constatação nada tem demais. Há tempos já sabemos que o latifúndio impede que a
terra esteja nas mãos dos filhos que são pais. Por isso, sem ela, morrem milhares de seres ainda
crianças, levando para as entranhas da pátria as pequenas esperanças.
Os trabalhadores não têm pátria, pois a terra que pisam não é sua. Tomam emprestadas as
calçadas e as ruas, para mostrar a indignação. Pertencem somente a esta grande nação de
deserdados sem identidade, é por isto que não tendo onde ficar, milhões de pobres continuam
migrando para as grandes cidades.
Ali temos a mesma situação. Onde está a pátria da população que não tem terra, trabalho e
moradia? Será que esta “Mãe” florida de favelas será gentil um dia?
De quando em vez se ouve então falar, que, em nosso país, “já não há mais gente para
assentar”, e os milhares que vão aos acampamentos é apenas para receberem uma cesta de
alimentos.
Que visão tacanha e tirana! Nada entendem, estes ignorantes, ministros e governantes, pois
sua cultura é pouca. Não sabem que se a terra é impedida de colocar o alimento em cada boca, nesta
vida insana, esta tarefa será sempre cumprida, pelo prato de comida, dado pela caridade humana.
Inventam leis, decretos e medidas para esconder sempre a mesma verdade: os pobres estão
sem pátria porque os ricos a transformaram em propriedades!
O que fazer com milhões de deserdados, que nada herdam das gerações que passam?
Enquanto a pátria é dilapidada, os pobres se amontoam nas favelas e à beira das estradas, a espera
de que os sonhos se desfaçam.
De que Pátria, falam os governantes quando discursam em seus eventos? É da grande
maioria que não tem nada, ou daqueles que detêm a metade do país, mas representam apenas 1%?
Esta terra não pode mais ser gentil com quem não a respeita! Que confunde derrubada de
árvores com colheita. Concentração de latifúndios e fazendas com geração de renda. Extração de
minérios e carvão com desenvolvimento da nação. Globalização mundial fraterna, com o
pagamento de uma odiosa dívida externa.
Que direito tem a colher quem aqui nada plantou? A roubar das gerações futuras todas as
riquezas? A condenar à morte quem ainda não sonhou? E a produzir um povo com as faces da
pobreza?
A Pátria é pois de seu povo a garantia. Em suas entranhas gera-se a vida humana. Se para
cada aniversário se comemora um dia, para ela se reserva uma semana.
É claro que este tempo não é para festejar, mas para resistir e lutar.
Quem tem um boné coloque em sua cabeça e faça pelo que a Pátria lhe mereça. Ande, já
findou o tempo da espera, daqui a poucos dias inicia a primavera. O perfume das flores envolverá
os clamores, e a palavra Pátria se escreverá com terra.
Cartas de Amor
Nº 67
AO DIA DA ÁRVORE

Em 21 de setembro comemora-se o dia da árvore aqui em nosso país. Poderia ser o ano
inteiro. Assim prestaríamos intensas homenagens a este grande viveiro feito pelas mãos da
natureza. É pena que elas, as árvores, não tenham neste dia tanta certeza.
Não tenham por causa das ameaças. Abrem-se clareiras e mais clareiras a cada ano que
passa. Por isso é que cortar madeira para os devastadores virou uma grande brincadeira.
O dilema da madeira pode estar neste resumo: nos últimos 50 anos, cresceu em 15 vezes a
necessidade de consumo. E, para cada 10 árvores derrubadas, uma apenas é replantada. Por isso a
triste história nos traz esta verdade: dos 60 milhões de quilômetros quadrados do planeta, de
florestas, só temos a metade.
Com tantas técnicas e conhecimentos esta é a herança que nos resta: a cada quatro minutos
some um hectare de floresta.
Os caminhões e as moto-serras são as armas usadas nessa guerra. Os povos calados,
acompanham este fúnebre cortejo de destruição, vendo as árvores centenárias seguirem em
procissão para serem desmanchadas, como se a vida não valesse nada.
É importante muitas árvores plantar. Mas, mais importante ainda é as que existe preservar.
Para evitar flagelar o meio ambiente. Imagine se alguém fizesse esta maldade com a gente, e
decretasse: matem todos os adultos, deixem só as crianças e os adolescentes.
Uma árvore matada leva consigo 30 espécies de vida, que de seu caule extraem a sua
comida. O maior prejuízo falta ainda dizer; é que uma árvore plantada agora, levará até 20 anos
para florescer, por isso das gerações interrompe-se o caminho e quem mais sofre são os pobres
passarinhos.
Eles são os maiores plantadores de sementes, é por isso que encontramos as mesmas
espécies por todo o continente. Em seu papo levam vida para este grande viveiro, como se cada um
fosse responsável para cuidar de um belo canteiro. Por isso é que 10% de todas as espécies de vida
do planeta estão em solo brasileiro.
Se as árvores adultas vão embora, os pássaros não agüentam a demora de esperar outra
planta ali crescer, e então começam a migrar e a morrer.
Há quem pense que exportar madeira ajuda o Brasil a aumentar seus capitais. Não podemos
concordar com estes comedores de madeira. 70% das plantas pesquisadas para curar o câncer estão
localizadas nas selvas brasileiras. Nelas está a riqueza reservada, onde o país terá o remédio para
curar a humanidade, quase sem gastar nada.
A vida do planeta depende das árvores para seguir em frente. Elas recolhem o gás carbônico
que expelimos diariamente e nos dão o oxigênio de presente.
Além do mais refrescam o ambiente, inibem as erosões, curam doenças, cuidam da água e
oferecem frutos e sementes em um grande avental. Se a terra aquecer dois graus centígrados, as
águas do mar afogarão 75% da população mundial.
No dia da árvore comece esta grande mudança. Cuide das que ainda restam com carinho de
criança. Há tempo para salvar o que ainda resta de nossas belas florestas. Onde foram feitas grandes
derrubadas, não tem mais jeito: novas árvores terão que ser plantadas.
Entre pra valer nesta campanha! Para a solidariedade não existe terra estranha! A vida não
pode ter proprietários! Defendê-la é um elegante ato revolucionário.
Cartas de Amor
Nº 68
À OBEDIÊNCIA

Ia escrever sobre a primavera, mas faltou-me paciência, por isto veio à tona o tema da
obediência.
A razão para esta mudança é a perda da confiança, devido a uma cópia de carta que chegou
por aqui, onde o Palocci presta contas ao FMI. Mais baixo do que isto é impossível descer; nela o
Antônio Filho se ajoelha para dizer: Pai, cumprimos o dever.
Para que percebam o regaço, vou destacar da carta um pedaço: “A agenda de reformas
estruturais do governo avança com vigor no Congresso. A reforma da previdência foi votada no
primeiro turno no dia 6 de agosto, tendo havido avanços nas discussões da reforma tributária.
Também se verificou progresso na Lei de Falências, estando previsto para breve a votação do
projeto de lei pela Câmara dos Deputados. A política fiscal está de acordo com o estabelecido e a
proporção da dívida vencendo em 12 meses continua a cair, assim como o custo da dívida interna.
A redução da vulnerabilidade da economia também permitiu o Banco Central diminuir a exposição
cambial da dívida pública referenciada em moeda estrangeira”. Só faltou o neném falar, que para
economizar abandonou a mamadeira.
O que disseram, deve ter sido de brinquedo: que “a esperança venceu o medo”. A não ser
que esta esperança signifique a perda! E o medo que venceram foi da esquerda. Não foi escrito,
talvez tenha ficado no rascunho, onde o ministro de próprio punho fala sobre a limpeza: passamos a
vassoura no funcionalismo pobre, expulsamos deputados radicais e agora a investida é contra os
movimentos sociais. Já rebaixamos o orçamento, os programas sociais não andam mais, e o Fome
Zero segue de vela e vento.
Então a obediência venceu a esperança! Só faltou o ministro filho concluir: Pai, sempre
arrumo a minha cama e apago as luzes antes de dormir. Isto é para economizar os gastos internos.
Veja, só uso a mesma cor de terno, também economizo quando vou às reuniões. Por tudo isto foi
que lhe enviei, em diversas vezes, nos primeiros seis meses, quase 90 bilhões.
O Estado segue os seus receituários. Há críticas internas de alguns radicais otários, mas o
povo segue acreditando, que tem alguém de confiança no comando.
Pensavam que ia ser diferente? Estão surpresos com nossa eficiência? Vocês nos ensinaram
a importância da obediência, e isto repassamos ao povo: se quiser ter avanços, deve ficar cada vez
mais manso e esperar o momento para votar de novo.
Só faltou dizer que consertou os vazamentos das torneiras; o ar condicionado e o ventilador.
Para economizar ainda mais, está amolando o barbeador. Sabonete só passa uma vez, papel
higiênico usa dos dois lados, e, é assim que se conserta o Estado.
Meu Presidente, você foi eleito como companheiro, e não para ser do neoliberalismo o
lixeiro, devendo fazer o resto das reformas que o traidor passado não conseguiu fazer. Não foi para
isto que o colocamos no poder!
Se o Palocci não tem coragem de mandar o FMI lamber sabão, o povo não é culpado, isto
ocorre com todos os que traem as causas do passado. Mas ele não é o dono do programa, que por
sinal, até agora não se aplicou sequer um grama, para não falar em vírgulas e pontos. A paciência já
cansou de dar descontos!
Não é por nada não, nem para resgatar o refrão de “Ser Feliz”, ocorre que, esta submissão
tamanha, no fundo só envergonha quem tanto acredita no país.
Cartas de Amor
Nº 69

à PRIMAVERA

Primavera, na origem de sua definição quer dizer: “primeiro verão”. Mas sempre que é
anunciada a sua chegada sobre a terra, torna-se feminina e, com o olhar preso nas colinas,
esperamos a Prima Vera. Prima de toda a natureza pela força e beleza que esta estação gera.
Usamos também tal referência para elogiar pessoas jovens e queridas, dizendo que estão
“na primavera da vida”. Este é o momento do florescimento.
É a estação onde a vida se levanta, as árvores brotam, os pássaros afinam a garganta e fazem
o acasalamento. Os animais se movem com destreza, enfim, é a vez da natureza dizer ao ser
humano que estamos indo para o final do ano.
É a hora de acordar as sementes e deitá-las na terra para que liberem a energia guardada.
Tirar as mudas dos canteiros de onde estão arquivadas. Levá-las para o campo reiniciando as
florestas. Em resumo a primavera, é uma grande festa.
Há primavera então em todos os sentidos, inclusive na política. É pena que a nossa esteja
ficando crítica. A primeira estação de quatro anos está quase ultrapassada e de florescimento quase
não vimos nada.
Será que é porque o inverno de FHC foi tão cruel e tenebroso? Choveu, nevou, morreu,
matou, fez enfim tudo o que a gente não queria. Usou do poder e a repressão para bater fazendo
adoecer as raízes de nossa utopia.
Mas os campos estão aí para serem semeados à vontade, basta que a decisão seja mais forte
que o direito à propriedade. O grande mal da injusta concentração da terra, é que, o latifúndio
impede de surgir a primavera.
Estamos também na primavera das prisões pela perseguição do judiciário, esperávamos no
início do governo que seria justamente o contrário. Quem iria para a cadeia seriam os matadores,
mas o alvo continua sendo os trabalhadores.
Dizem que é porque os poderes são independentes, mas a razão da repressão é porque a
reforma agrária está parada na beira das estradas e não tem ido à frente.
Se o governo tivesse distribuído a terra, estaríamos nela fazendo a primavera. Como é lento
o seu comportamento, mesmo a natureza mudando de estação, vivemos esta dura condição, no
inverno frio dos acampamentos.
Mas nem tudo está perdido, cada qual tem por dentro um coração florido, estamos como as
flores teimosas e resistentes que surgem dos galhos até sem folhas, porque sabem fazer as suas
escolhas.
Dos galhos da exclusão brotamos nós aqui, e resistimos ao frio do latifúndio e do FMI que
leva embora o dinheiro do orçamento, deixando o governo enfermo, rastejando lento, como se o
corpo sangrasse por um grande ferimento.
A flor é sempre a esperança, por meio dela é que a vida segue em frente, sua tarefa é
produzir sementes, respeitando a natureza e seus costumes. Nós também somos iguais às flores,
nascemos para gerar o novo, misturando: sonhos, esperança e povo. É preciso cuidar para não parar
na fase do perfume. Sejamos como José Martí que em sua poesia nos anima a cultivar com alegria:
“Cultivo uma rosa branca, em julho como em janeiro, para o amigo sincero, que me dá a sua mão
franca. E para o cruel que me arranca, o coração com que vivo, nem “cacto” ou “urtiga” cultivo:
cultivo uma rosa branca”. Sem temer a força bruta, façamos a nossa primavera ser de lutas.
Cartas de Amor
Nº 70

ÀS VÍTIMAS DE INJUSTIÇAS

É costume entre os seres humanos colher flores para dá-las de presente. Mas esta gentileza
esquece com certeza, que está interrompendo em meia idade, a possibilidade delas produzirem suas
sementes.
O poder judiciário brasileiro cumpre o papel do jardineiro. Encarrega-se de colher as flores,
separando-as pelas cores. Como a muitos juízes falta ética, justifica-se que agem apenas por
motivações técnicas. Dizem que os réus para eles não tem nome, e assim fazem para bem proceder,
chamam de A,B, C, D...
Por que tamanha falsidade, por acaso o “A” não é um nome, não tem forma e identidade?
Nesta jardinagem onde a Ordem é a referência, o juiz no papel do jardineiro age, segundo
ele, pela lei e não por sua consciência. Significaria dizer que, dentre todas as flores, ele não tem
nenhuma preferência. Não é verdade, qualquer ser humano com outro ser humano se assemelha e há
juízes que em suas decisões francas, esquecem as flores brancas e atacam apenas as vermelhas.
O jardineiro ao tomar a decisão, tem o destino das flores na tesoura que leva em sua mão.
Portanto, a cena de julgar é tão violenta e patética, como a de cortar caules de flores, jamais é
puramente técnica.
Quando a injustiça se torna permanente, a consciência mais nenhum arrependimento sente.
Cortar ou condenar tem o mesmo sentido. Após terem punido, o juiz e o jardineiro em seu trabalho
normal e corriqueiro, vibram de satisfação pelo dever cumprido.
Muitas vezes age dizendo o jardineiro: vou tirar, não só a rosa, mas o pé da roseira do
canteiro. É preciso para deixar livre o caminho. E em seu lugar plantarei outra que não produza
espinhos.
Esta motivação está também no coração do judiciário. Quer agradar aos latifundiários,
arrancando a roseira do MST do canteiro de nossa sociedade, para que os espinhos da luta não
arranhem a pele da velha propriedade.
Cortam as rosas vermelhas para que não sejam empecilhos, e, em cada decisão, fecham o
coração como se fosse uma brincadeira; separam as rosas da roseira, assim como separam os pais e
as mães dos filhos.
Se questionarmos o jardineiro, responderá que cortar caules é o seu dever. E o juiz da
mesma forma nos dirá que é porque tem o poder. O jardineiro acusa o caule por ter uma forquilha.
O juiz porque os Sem Terra formaram uma quadrilha.
É justa a decisão do jardineiro que faz uma opção, de preparar para um presente um maço só
de rosas vermelhas para agradar a seu cliente? Não tem culpa alguma a cor por ser a escolhida.
Então não tem razão o judiciário com suas medidas descabidas, quando através de um de seus
representantes, para agradar aos latifundiários, colhe do meio dos Sem Terra, as suas lideranças
importantes.
É preciso dizer aos produtores de injustiças, que as flores sentem dores como a gente. Mas,
que não há força que as possa derrotar; nem a lei nem a tesoura de podar, poderão impedir ou
segurar, a liberdade de produzir sementes.
Cartas de Amor
Nº 71

ÀS SEMELHANÇAS

As cadeias e os presídios têm servido ao longo do tempo, como instrumento, para perseguir
e amedrontar o nosso movimento.
São as armas utilizadas pelos mercenários do Estado de Direito, que usam a lei como
armadilha, para prender e punir quem trilha em busca de um mundo mais perfeito.
Estes mercenários, a serviço dos latifundiários, se igualam na verdade; usam a lei como sua
propriedade, como se fosse uma reserva de valor; onde, na condição de especulador, o juiz se
assemelha ao coronel, através de uma simples folha de papel, impõe de uma só vez, sua forma de
terror.
O latifundiário e o juiz guardam outras semelhanças, ambos atacam sem piedade as
esperanças. O primeiro impedindo que se distribua a propriedade, e o segundo que se tenha e
usufrua a liberdade.
Agem em combinação. Quando alguém é condenado é porque primeiro foi marcado para
morrer em alguma ocupação. A cadeia então é a comprovação de sorte que teve alguém por escapar
da morte.
Nas mãos da lei se poderia depositar a confiança, imaginando que nos presídios e nas
cadeias os presos tivessem segurança. Mas não se tem nela este suporte; mesmo ali trancados
continuam ameaçados de morte. Parece até que ao ir para a cadeia uma liderança, para sobreviver,
deveria levar consigo uma força particular de segurança.
A intimidade que existe entre estes dois lados é de ficar assombrados. Para não acharem que
estamos sendo ingratos, vejamos os dados sobre os assassinatos. De 1995 a 2002, período em que
governou o Brasil, o senhor FHC, foram assassinados nada menos, nada mais que 278 trabalhadores
rurais. Destes macabros episódios tristes e sangrentos, somente 6 foram a julgamento. Portanto esta
conivência não é apenas de aparência.
A impunidade não é nenhuma novidade. Faz quinhentos anos que a lei e o latifúndio andam
de mãos dadas, sem se importar que ao povo não ajudam em nada. A pior forma de violência é
aquela praticada com consciência. Por trás das becas pretas do poder judiciário, estiveram sempre as
mãos ensangüentadas dos latifundiários. Salvo as exceções, poucas foram na longa história, as
condenações.
É verdade que os poderes são independentes quando representam a nação? Por que então só
a classe dominante tem razão? Podem ter uma relativa independência, mas é no judiciário que se
concentra a referência.
Existem juizes que dão para as leis corretos entendimentos e ajudam aos pobres amenizarem
um pouco os sofrimentos; mas raras vezes presenciamos estes momentos. Cada grupo social tem
interesses a defender, muito mais aqueles que em suas mãos têm o poder.
A preocupação da ligação do judiciário com a classe latifundiária é que ele impedirá que se
faça a reforma agrária. Tudo está sendo questionado na justiça e os juízes dão ganho de causa à
truculência e à cobiça.
Se alguma esperança renasceu por termos eleito da República o presidente, devemos
perceber que seu poder está amedrontado por estas correntes tão perversas; e enquanto Ele estiver
temeroso e incapaz, pregando a reforma agrária dentro da lei e na paz, ela ficará somente na
promessa.
Cartas de Amor
Nº 72

AOS PRESOS DA TERRA

A prisão com razão, não é um bom lugar. Não é verdade que só o corpo está ali para penar;
as idéias e os sentimentos também passam pelos mesmos sofrimentos.
Sem o corpo não se fazem ocupações, sem as vozes não se fazem rebeliões; sem as pernas
não se acerta o passo; sem as mãos não se abrem os caminhos; sem os braços os filhos não recebem
o afeto e o carinho. Porque, por mais que sejamos companheiras e companheiros, das mãos de
nossos pais e mães ninguém se torna herdeiro.
Por isso as dívidas a cobrar da classe dominante não serão apenas materiais, políticas ou
repressivas, as maiores talvez sejam as afetivas. Fere muito mais do que uma lança, as mães sendo
algemadas sem poderem enxugar as lágrimas das crianças.
Tudo por quê? Pela simples razão de garantir o direito à propriedade. Movem-se esforços
cometendo-se todos os desatinos, para prender inocentes e torná-los “assassinos”. Perigosos são eles
e elas, por quererem encher de comida todas as panelas. Colocar em cada boca infantil uma
mamadeira; uma enxada em cada mão para gerar trabalho; dar a cada corpo um agasalho e encher
os quintais de frutas e roseiras.
Um homem só manda prender e condenar, como se um ser humano fosse um entulho sendo
deslocado. Ele se dá o direito de dizer o que está certo ou errado. Goza de enorme força mesmo
sendo minoria; ainda nos faz crer, que no seu entender, vivemos em uma democracia.
E lá se vão ficar trancados militantes e dirigentes, como se estivessem doentes, enquanto os
juízes ficam indiferentes. Prisão é privação, é igualar-se com aqueles que nada têm. Por mais que se
procure, esconjure, nada vem. Em tudo se fica dependente das mãos alheias, por isso é que
“cadeia”, na palavra original, antes de ter paredes, era uma corrente de ferro ou de metal.
Mas, quem está preso e imobilizado não deve considerar-se inutilizado. Cada momento é
propício, para aprender, estudar, imaginar, escrever e corrigir os vícios. Escreva, nem que sejam
poucas linhas é a forma de dar vida, aos passos que não caminhas! Mande cartas para os
acampamentos, elas ajudam a aliviar o sofrimento. Cuide do corpo com longos exercícios, para que
esteja em forma quando acabar o sacrifício.
Mantenha o ânimo e a cabeça erguida. A paciência é o remédio que cura todas as feridas. O
tempo passa; levará consigo as dores, e em seu lugar ficarão as vitórias misturadas com as pétalas
das flores.
A frieza das celas não congela nossas mentes, muito pelo contrário, apenas serve para provar
que os revolucionários, em qualquer tempo ou lugar, não se deixam intimidar e continuam sempre
coerentes.
As lutas tecem o momento. As estradas estão cercadas pelos acampamentos. Sem demora as
marchas tomarão as rodovias. Elas alimentarão as utopias de quem a vida toda só esperou, mas no
dia em que acordou, cada sonho se transformou em ideologia.
A convicção de estarmos certos é que nos faz ficar despertos. Os inimigos rondam como os
crocodilos, para comer a esperança que na maioria dos seres ainda é criança; mas saberemos como
repeli-los.
Ninguém tem mais força que a verdade! A história é feita pela desobediência! A terra nunca
virá por caridade, mas pela força e solidariedade que se revela em cada consciência.
Cartas de Amor
Nº 73
À SOBERANIA

“Se o mundo tivesse apenas um presidente seria diferente?” Perguntou o menino à


professora de geografia. “Claro que seria!!” Respondeu ela com duas exclamações, e passou a
destacar quais as razões:
Se o mundo tivesse um presidente só, funcionaria muito melhor! Teria em suas mãos o mapa
de toda a terra e marcaria onde precisaria, de vez em quando, fazer guerra. Somente para lá dirigiria
seu arsenal, e, com isso, evitaria outra guerra mundial.
É claro que ele não poderia governar sozinho, em cada local colocaria um presidentezinho.
Precisaria, para ajudá-lo implementar as decisões. Para auxiliá-los enviaria permanentemente
comissões, que avaliariam o desempenho. Seria assim, como na prova da matéria de desenho; a
figura já viria pronta, mas da pintura cada qual teria que dar conta.
A comissão ajudaria a escolher as cores para facilitar. Ensinaria a passar o lápis bem de leve
para a ponta não gastar, principalmente aqueles que tivessem belas cores. Assim receberiam boas
notas e elogios destes senhores.
Aprenderiam regras de como governar, decorando uma simples equação, para manter
controlada a inflação. Se ela estivesse crescendo, calmamente e sem apuros, seria só subir os juros.
Desta forma o povo deixaria de comprar. Se com isso surgisse o desemprego; sem se intimidar,
baixariam os juros devagar e tudo voltaria ao mesmo patamar.
Haveria pequenas coisas que pareceriam afrontas, teriam que enviar mensalmente uma soma
em dinheiro para o presidente equilibrar as suas contas, que, por ser grande, teria direito a isso! Mas
se um dia alguém se apertasse e dele precisasse, ajudaria, e não faltaria ao compromisso.
Tudo funcionaria de acordo com um só pensamento. Como se fosse uma família onde pais e
filhos entrassem sempre em entendimento. Não é assim quando alguém pede para o pai comprar
uma camisa? E ele responde: não precisa! Continue usando esta, mesmo estando rasgada! É preciso
ter paciência, pagar primeiro as dívidas, depois resolver nossas pendências!
Se o mundo tivesse um presidente só, diminuiriam todas as despesas, porque os serviços
passariam a ser prestados por empresas. Elas ofereceriam a escola, o transporte, a água encanada, a
luz elétrica e o hospital. Tudo funcionaria melhor e normal! Até mesmo para a aposentadoria teria
uma empresa. Não seria uma moleza governar deste jeito? Em cada prefeitura, não teria mais nada
de estrutura, somente o gabinete do prefeito.
Trabalho, emprego, reforma agrária e outras coisas mais, seriam resolvidos com programas
assistenciais. Não seria melhor? Ao invés de trabalhar o mês inteiro, ir direto ao Banco levando em
cada mão, um cartão, para retirar o seu dinheiro?
Ah, se o mundo tivesse somente um presidente! Todos se comportariam do mesmo jeito.
Comeriam os mesmos produtos, vestiriam as mesmas roupas, ouviriam as mesmas músicas, como
se um só coração batesse em cada peito.
As polêmicas locais, gerais ou transitórias, seriam todas resolvidas através de Medidas
Provisórias.
A cultura, a moral, a arte e os valores seriam muito diferentes, se o mundo tivesse apenas um
presidente. Assim seria! Pra que então pensar em soberania?
Cartas de Amor
Nº 74
AO SENSO MORAL

Deveria existir apenas uma moral para diferenciar o bem do mal, mas em geral, cada grupo
social tem uma, e pelo jeito a Monsanto, por falta de respeito não tem moral alguma.
Mas o governo deveria ter, enfrentar e não ceder aos interesses descabidos, mesmo que esta
empresa seja dos Estados Unidos. Moral não é coisa que se compre ou que se troque, mas o governo
brasileiro corre o risco de ficar também sem ela se continuar indo a reboque.
É o que está ocorrendo no presente! O planalto com seu frágil poder já não combate, está
anêmico; decidiu entregar aos fazendeiros e a algumas empresas do estrangeiro o direito a produzir
transgênicos.
Que bom senso, que nada! Esta questão já vem a tempo complicada. Antes deste embaraço,
houveram outros localizados no mesmo ponto geográfico. As sementes contrabandeadas foram
plantadas e o governo legalizou o tráfico. E não adianta disfarçar procurando arranjar cada dia um
argumento; a Monsanto ganhou a batalha ali nesse momento.
Não foi ela que infringiu a lei traficando as sementes da Argentina? Ela que indenizasse
quem plantou, fosse condenada a pagar alto valor pelo desrespeito e a ameaça clandestina!
Liberando a comercialização da safra então colhida, houve a autorização, pelo Senso da
Pressão, de transformar a droga em comida.
Dizia, para ser compensatória a mal fadada Medida Provisória: que, haveria multa para
quem novamente cultivasse e se as empresas os tais produtos não rotulasse.
Passou o tempo ninguém rotulou nada e a nova safra já começa a ser plantada. Volta
novamente o “Senso da Pressão” e o governo contorcendo-se em dores, fecha os olhos, ignora os
clamores de 88% de nossa sociedade. É uma calamidade!
Agora os argumentos estão submetidos ao fato dos transgênicos estarem sendo produzidos.
Desconsidera-se os estudos e todas as possibilidades de destruição, simplesmente para agradar uma
empresa exclusivista, especialista em contaminação.
Ou não estudaram os nossos ministros que foram há décadas guerrilheiros, a história de
nossa Pátria irmã, o Vietnã? O que esta mesma empresa fez por lá? Três décadas depois as
conseqüências continuam a se revelar: 28 tipos de enfermidades é a recompensa. Morreram 500 mil
pessoas e 650 mil são portadoras de vários tipos de doenças.
Portanto não se trata de intransigência daqueles que criticam! É que os quatro anos de
governo vão embora mas as conseqüências ficam.
A mesma coisa não ocorre com a Medida Provisória que impede as ocupações. Por que será
que não é igual? Será que o governo dá mais importância ao capital do que as nossas
reivindicações?
Em nada melhora a situação da agricultura, do comércio exterior e o desenvolvimento
nacional, por que então correr o risco deste mal?
Depois dos transgênicos vem a ALCA com todos os seus preceitos. Assim nosso governo
vai cedendo e ficando cheio de defeitos, até o dia em que não gozará de mais nenhum respeito.
Seria bom que a este provérbio o governo desse ouvidos: “O mal depois de espalhado não
pode mais ser recolhido”.
Cartas de Amor
Nº 75
À BIODIVERSIDADE

Chamamos de biodiversidade a imensa variedade de vidas dadas pela natureza, mas que,
por incapacidade de defesa, estão na iminência de se tornarem propriedade de algumas poucas
empresas.
É claro que ninguém quer interromper nenhuma pesquisa, mas a ética e a moral devem dizer
qual delas a sociedade precisa.
Se uma empresa pela simples ganância financeira quer tornar a agricultura uma sujeira,
injetando nas sementes o glifosato, paciência, mas temos o direito de dizer que não queremos
colocar veneno em nossos pratos!
Nem todos os inventos são úteis para o desenvolvimento. Há os que ajudam elevar a
qualidade de vida, mas a modificação das sementes, está comprovado de trás para frente que não
aumentará em nada a quantidade de comida. O que aumentará são os lucros da Monsanto que pegou
a nossa soja adaptada em qualquer canto e patenteou o invento da transgenia, agora ganhará 20
dólares por tonelada da soja que for exportada, este é o resultado desta hipocrisia.
Sobre este assunto as coisas não andam bem, o governo “indeciso” fica no seu vai e vem.
Quando pensávamos que ele obrigaria a deixar de plantar e estenderia a moratória, apareceu com
outra Medida Provisória, dizendo que: “É preciso evitar a desobediência civil” e é assim que a
Monsanto ficará dona de toda a semente de soja do Brasil.
Desta vez o governo agiu mal, abriu o precedente, perdeu a autoridade de governar
decentemente. Poderíamos dar um exemplo para ilustrar este tema, de um pai que proíbe os filhos a
irem ao cinema. Eles reagem, pressionam e vão tendo progressos. Vendo que não pode segurar,
para não se desmoralizar, o pai vai na frente e lhes compra os ingressos. É claro que para mostrar o
seu poder irá dizer: meus filhos prestem atenção no que lhes peço: cuidado para não ficar no escuro,
se alguém os agarrar e colocar contra o muro, gritem e ameacem com processos.
As ressalvas na Medida Provisória são um conjunto de piadas, como esta de que a partir de
2004, a soja transgênica deve ser incinerada. Ora, porque deixar plantar se a safra terá que ser
queimada? A medida anterior já negou esta insensatez, pois previa que a safra passada não seria
comercializada toda em 2003. Por isso afirmamos com afinco, a próxima safra entrará em 2005.
Na seqüência as ressalvas continuam insistentes: “Só poderá plantar quem tem guardado as
sementes. Estas não poderão ser vendidas ou trocadas”. Elas estão em nosso solo porque foram
contrabandeadas e ninguém tomou nenhuma providência, não lhes parece uma grande incoerência?
Além do mais na agricultura, trocar sementes faz parte da cultura.
Diz ainda que o Ministério definirá as regiões. Deveria acrescentar: “Nas que fizerem
pressões”. E que o “desobediente” arcará com todos os danos surgidos no meio ambiente, podendo
processar o seu vizinho. Ora, o indivíduo vai protestar sozinho? O governo libera a droga, esta entra
em cada casa com seu poder ignorante, contamina a mulher as filhas e os filhos e o pai vai
processar o traficante?
Tudo isso revela uma grande verdade: se no mundo urbano “O Brasil que come tem medo
do Brasil que tem fome”, na agricultura, a biodiversidade tem medo de governos que mandam pela
metade.
Cartas de amor
Nº 76

AO DIREITO DE EXISTIR

Os latifundiários sabem que existem porque seus nomes estão nos cartórios indicando que
são da terra proprietários. Há os que existem de outras maneiras, como os que têm seus nomes
registrados em carteiras e podem ser considerados operários.
Quem deve ao comércio ou aos banqueiros, tem seus nomes, datas de nascimento, endereço,
comprovação de renda e declaração de propriedade. O policial, o jogador, o artista, o professor, o
candidato e de vez em quando, o eleitor, ao votar, tem uma suposta identidade.
Mas os tempos atuais nos chamam a atenção; o capital, esta fábrica de exclusão, tem
comprovado que não considera existir o trabalhador desocupado.
Nos alertava já o velho Marx que nos deixou escrito em seus belos manuscritos: “O burlão,
o ladrão, o pedinte, o desempregado, o faminto, o miserável e o criminoso, são figuras de homem
que não existe para a economia política, mas só para outros olhos, para os do médico, do juiz, do
coveiro...” poderia ter acrescentado: do policial e do pistoleiro. Sendo assim, o juiz condena e
esquece o inocente, o médio faz a autópsia quando morre e o considera indigente, e o coveiro, o
esconde sob a terra, este que para o modelo instalado há tempos havia deixado de ser gente.
Por isso os Sem Terra são expulsos a pancadas: não podem ocupar sequer lugar aqueles que
não são nada. O juiz condena à detenção o pai e a mãe de família, porque se organizaram, mas aos
seus olhos, formaram uma quadrilha.
Então o governo faz o contraponto, encarrega-se de evitar o confronto. Amarra os pobres
todos com as cordas dos programas, para dividir com eles não os quilos, mas os gramas. Assim sai
o funcionário público a perguntar: quanto querem vocês para se calar? Uma cesta, um vale gás, um
vale educação... como se estivesse diante de um lixão. Por isso é que com mais ou menos zelo,
dentro do modelo, todos os governos são iguais.
Não pode oferecer trabalho, terra e moradia, pois se isto fizer, o governo contraria, a sua
missão moderna, que é deixar-se comandar pela imposição externa.
Mas há também sociólogos com teses quase iguais, dizendo que não há necessidade de se
distribuir a terra, porque trabalhadores Sem Terra não há mais. Isto é que nos deixa contrariados e
tristes, porque para eles supostos aliados, também os pobres não existem.
E as duas centenas de famílias acampadas na beira das estradas desde o tempo de Fernando
Henrique, por acaso estão ali fazendo um piquenique? E as cinco dezenas de trabalhadores
assassinados neste ano, por acaso suicidaram-se por capricho ou desengano? E os que penam nas
cadeias e nas penitenciárias com paciência, estariam tirando férias de sua própria inexistência?
Para tudo o modelo apela para a lei; é a forma de se proteger. O Estado de Direito só vale
quando é para manter o privilégio, o lucro e a cobiça; e é por isso que existe um pano amarrado
sobre os olhos do atributo da justiça. Pois para dar razão aos poderosos, o juiz não precisa enxergar
nem bem nem mal, basta seguir o que diz o coração, se os pobres não existem para o capital, logo,
nunca podem ter razão.
“Ser ou não ser?” A velha dúvida continua a persistir. Será que amanhã de um outro jeito,
quando o modelo e as reformas nos negarem todos os direitos, teremos que lutar pelo simples
direito a existir?
Cartas de Amor
Nº 77
A QUEM SERVE

Servir com carinho e alegria. Isto é para todos e em geral, mas certo e fundamental a quem
trabalha nas secretarias.
Servir sempre e em qualquer lugar é a melhor forma de dar valor e conteúdo à existência.
Servir com doçura e paciência dando o que se tem de melhor na vida. Tratar todas as feridas que
porventura se encontre em cada uma consciência.
Servir com humildade; quem precisa tem merecimento. Servir o conhecimento como se
serve um prato de comida. Servir com as mãos despidas de qualquer interesse particular. Servir
também sem cobrar qualquer pagamento ou recompensa. Servir com paixão intensa quem precisa
de ajuda pra lutar.
Servir à causa mais nobre, o tesouro dos pobres é o sonho em andamento. Servir a todo o
momento seja de noite ou de dia. Servir à rebeldia sem medo de ser fermento.
Servir a utopia, ao caminho, ao destino. Servir ao povo peregrino que busca a sua terra.
Servir na Paz ou na guerra, ao grande sonho e também ao pequenino.
Servir aos operários e todos os camponeses. Servir todas as vezes que nos chamarem. Servir
aos que perguntarem por que sonhamos? Dizer a eles que amamos a liberdade e o infinito. Cantar-
lhes o canto mais bonito para fazê-los acreditar naquilo que de graça acreditamos.
Servir a quem luta pela revolução. Servir o próprio coração a quem precisa de afeto e
amizade. Servir com responsabilidade reverenciando a ética e os valores. Servir aos sonhadores que
vivem e morrem pela liberdade.
Servir através da vigilância, fazer da própria militância uma revolução constante. Servir ao
sábio e ao ignorante com a mesma presteza. Servir a toda a natureza com cuidado e carinho; servir
tal qual os passarinhos que cantando demonstram sua grandeza.
Servir ao patrimônio, a moral e a humildade. Servir com honestidade, astúcia e beleza.
Servir com singeleza, paixão e solidariedade.
Servir ao estudo e torná-lo informação. Fazer agitação com aquilo que sabemos. Dizer o
que queremos com carinho e doçura; combater com disciplina e bravura os desvios e os vícios;
mergulhar se preciso for nos sacrifícios sem perder a grandeza e a ternura.
Servir sem temer as punições. Rejeitar todas as razões do privilégio mesquinho. Tentar a
cada dia um pouquinho superar as deficiências. Assumir todas as conseqüências que aparecerem no
caminho.
Servir de cabeça erguida. Não se envergonhar por nada. Fazer da poeira da estrada incentivo
para seguir em frente. Sentir-se satisfeitos e contentes sem temer as dores da longa caminhada.
Servir através das decisões e pelas normas; forjar todas as reformas que a prática exige. Não
temer quem não corrige o ufanismo e a arrogância. Combater a mesquinhez e a ansiedade; lutar pela
liberdade com amor tornando um serviço a militância.
Servir enfim com pureza. Fazer da prática uma grandeza que a revolução precisa. Prestar
atenção na divisa que separa o bem do mal. Tornar-se força total em qualquer tempo da vida. Saber
que a estrada é comprida e que a causa é infinita. Mas que a história é sempre mais bonita quando
juntos é construída.
Cartas de Amor
Nº 78

ÀS CRIANÇAS BRASILEIRAS

Dizem que somos aqui um povo feliz, porque em nosso país não há guerras e furacões, que
não temos divisões, repressões e luta armada. Tudo é normal para quem está de bem com o capital e
considera os dados uma piada.
Existe em nosso Brasil também guerra civil. Mata-se à bala ou de fome. É assim que o
sonho de liberdade se consome. Veja estes dados pesquisados por outro paradigma: só há nove
milhões dos cento e sessenta nesta pátria violenta que levam uma vida precisamente digna. Para
corrigir esta insensatez, bastaria que cada pessoa na família ganhasse um salário e meio por mês.
A previsão é que nos traz constrangimento, pois, a continuar este fraco crescimento, para
acabar com a miséria no campo e todos os seus danos, levaremos três mil e novecentos anos.
As conseqüências já sabemos, mas é bom que as recordemos: morrem por ano antes dos 12
anos de vida, 120 mil crianças nesta guerra fratricida. É um povo ainda novo que morre por falta de
comida. Como diz o poeta olhando a mãe vendo o filho que aos poucos se consome: “Morre meu
filho morre, que morrendo a fome some”.
É uma hipocrisia ver parte de quem se diz de esquerda se juntar à burguesia para cobrar de
Cuba o respeito, principalmente aos direitos humanos. Por que não contabilizam nos meses e nos
anos os dados entre Cuba e o Brasil? Iriam descobrir que enquanto lá morrem 8 aqui morrem 36
crianças que nascem em cada mil.
Quase 6 milhões de crianças de 5 a 16 anos trabalham aqui para ajudar os pais. Sem sonhos
apenas se perguntam: o que é que falta ainda sofrer mais? Esta tragédia não tem comparação,
porque metade delas não recebe nenhuma remuneração.
No próximo natal, 21 milhões de crianças e adolescentes, não receberá presentes. Não é por
maldade de seus pais, é que em suas famílias nenhuma delas ganha mais que meio salário mínimo
por mês. Por isso outra vez vão lhes falar, que devem se calar e esperar que chegue um dia a sua
vez.
Perguntaram a uma criança em uma carvoeira no interior do Pará, que dissesse, mesmo em
sua vida cruel, o que é que gostaria de ganhar de presente do Papai Noel? Respondeu ela quase sem
sentir: “Eu queria que ele me ajudasse a parar de tossir”. Soube-se depois que seu padrasto lhe batia
toda noite só porque tossia e lhe perturbava o sono que dormia.
O que será o amanhã de um país sem esperanças quando as próprias crianças já não querem
nem presentes? Diremos a elas que fomos enganados e pouco respeitados pelos presidentes?
Há os que têm tempo para ter paciência, mas há aqueles que tempo já não têm; nascem para
morrer de imediato enquanto os governantes respeitam os contratos, entregando o nosso pouco
àqueles que tudo tem.
Será que um contrato assinado pode deixar um povo inteiro deserdado? Pode-se enganar por
um tempo uma criança dizendo a ela que o futuro será diferenciado, sem dizer porém para que
lado. Mas não se pode enganar a própria sorte. No dia em que milhões não temerem mais a fome e
nem a morte, surgirá do chão uma nação livre e forte e os contratos serão de uma só vez todos
rasgados.
Cartas de Amor
Nº 79
AO LIVRO

Existem muitas formas de estarmos acompanhados, uma delas é ter um livro sempre ao
nosso lado. Ele é uma das invenções bonitas, descobertas pela escrita.
Nos livros pode-se estudar, informar, divertir e animar. Neles encontramos coisas boas,
também muita coisa à toa.
Os livros entram nas consciências e vão tornando-se referências. Escrever é ter
responsabilidade, pois a leitura rápida ou lenta, sempre acrescenta algo que tira ou dá a liberdade.
É muito bom ler. A leitura enaltece o saber na longa estrada. Desperta o senso crítico,
corrige o pensamento mítico; incentiva e desafia quem porventura sozinho não se guia; o livro é
como o corrimão da escada.
O livro também é emoção. Cada página folheada com o dedo indicador da mão é como o
degrau subido, vamos seguindo e ficando mais sabidos, conduzidos pela teimosia dos passos, assim,
cada qual constrói a sua história e a empilha dentro da memória escrevendo e relatando as vitórias e
os fracassos.
Leia, leia sempre! Não deixe que a preguiça da alma lhe condene à ignorância. Quem lê
enxerga na distância as mudanças que precisam ser feitas. O saber adquirido é como uma colheita,
guardada no celeiro de sua vida; jamais há de faltar comida a quem produz o alimento e a receita.
Leia e incentive outros a lerem. Tenha sempre um livro à mão para doar, é o melhor presente
que se pode dar a alguém que quer acompanhar-nos no caminho; quem dá um livro jamais está
sozinho, outro alguém partilha da mesma ceia; o saber penetra pelas veias, toma a mente e se
transforma em carinho.
O livro eleva o nível de consciência, carrega a causa e a ciência, ajuda na transformação; o
que se escreve já é a interpretação da aurora no ponto de ser nascida, as palavras após serem tecidas,
revelam a imagem de quem somos, dizem ali se valentes ou covardes fomos, pelas marcas,
cicatrizes e feridas.
Há livros para todas as idades, todos os gostos e imaginações, há os que falam das nações
das guerras e dos movimentos. Há biografias e sentimentos, descritos em páginas volumosas, que
penetram como o perfume das rosas, no espaço da vida de quem luta, ler é como descascar a fruta,
engolindo a saliva saborosa.
Quem não gosta de ler, não desanime! Às vezes não achou a leitura certa. Não fez ainda a
descoberta da importância da leitura. Procure ler sobre pinturas, romances, livros de teatro e de
poesia, história de marchas e romarias e até de guerras se lhe atrair; lembre-se que para progredir é
preciso ler cada dia um pouquinho; guarde sempre o livro com carinho ele é a escada que lhe
ajudará a subir; para qualquer lugar que desejar ir.
Tenha em mãos o livro e a caneta, vermelha azul ou de tinta preta, para anotar as
descobertas. Ler é dialogar com as idéias erradas e corretas, por isso é preciso assinalar ou
questionar! Sem a ajuda das mãos não se pode guardar o grande patrimônio do saber, portanto,
sempre na hora de ler, todos os sentidos deve se convocar.
Vinte e nove de outubro é o dia do livro, este companheiro de todos os momentos, é um
grande acontecimento onde a solidariedade questiona o egoísmo. É o exercício da confraternização;
pois, sem os livros não se faz revolução, sem o estudo, não se organiza o socialismo.
Cartas de Amor
Nº 80

AOS FINADOS

Finados é o dia de quem finda ou será daqueles que não findaram ainda?
É o dia das recordações daqueles que vivem em nossos corações, por isso não estão finados
por inteiro! Foi o corpo, mas ficou o espírito como herdeiro. As lembranças, as virtudes e os bons
feitos, cada qual sobrevive de seu jeito, principalmente se foram companheiras e companheiros.
Há muitos homens e mulheres vivendo após a morte, lembrados nas ocasiões precisas;
poetas e poetizas, professores e professoras; construtores e construtoras de uma sociedade
igualitária, na história revolucionária vivem nas lembranças das batalhas das jornadas que foram
encantadoras.
São lembrados também os inimigos. Vivem estes em forma de castigo para que de forma
alguma os esqueçamos no caminho; são lembrados sem carinho, com repulsa e repugnância, pois é
a prepotência e a arrogância que não os deixam ser nossos vizinhos.
.Multidões se locomovem para nos mausoléus fazerem uma visita, é uma atitude então
bonita que só quem é verdadeiramente humano tem. Há aqueles que não lembram de ninguém, pois
certamente não viveram causas coletivas, somente permanecem verdadeiramente vivas, as
lembranças repartidas com alguém.
Na luta pela vida, pela moradia e a comida; todas as lutas operárias e pela reforma agrária,
milhares de homens e mulheres, foram assassinados em torturas e emboscadas coisas horripilantes.
Mas o importante é que na sua simplicidade continuam marchando com os passos emprestados, não
há um só povo liberto que não tenha na história as marcas de seus bravos militantes.
Há os que partiram na velhice e provaram da própria recompensa, pela dedicação intensa
foram agraciados pelos anos. Puíram a própria vida como se gasta o pano, partiram e retornaram
nos exemplos que deixaram.
Então quando nos reunimos em assembléias, festas e comemorações, estamos em meio a
multidões que ressurgem em cada idéia do passado. Cada qual tem a seu lado dezenas, centenas de
antecessores, que ouvem todos os rumores, os desvios e os acertos, ajudam-nos a cair fora dos
apertos, quando os citamos como bravos professores.
Assim é a história, não há uma data de início e outra do fim, as coisas se misturam como as
flores do jardim onde umas estão nascendo outras murchando, quando pensamos que na luta
terminamos algo, descobrimos que estamos apenas começando.
É nesse vai e vem que a vida segue em frente, mesmo com aqueles que parecem ausentes.
São como as rochas que têm seu peso e aparência, ocupam um lugar enorme na consciência e na
sabedoria de todas as espécies de vida, quem subir nelas com as forças desprovidas, pode cair e
sentir enorme dor. Quem no presente pensa ser maior e independente, sem o passado será sempre
inferior.
Por isso lamentamos certas conseqüências quando alguém nos é tirado com violência pela
morte repentina e traiçoeira, mas é a única forma de colocar em evidência o que certas pessoas
tentaram mostrar a vida inteira.
Aos de quem pouco recordamos, embora tenham feito muito e que em tudo concordamos,
nos desculpamos por deles não lembrar. É que, não se pode também pensar em tudo, nos
consolamos com o que disse Câmara Cascudo: “Os mortos sabem esperar”.
Cartas de Amor
Nº 81
ÀS CONDOLÊNCIAS

Por que será que uma guerra para terminar precisa de outra guerra? Poderia se perguntar um
humanista, um comunista ou um Sem Terra. A resposta tem o mesmo resultado, o capital não aceita
que a justiça e a igualdade caminhem de seu lado.
Um país capitalista não é apenas um conjunto de fábricas potentes, é uma máquina de matar
pobres e inocentes. Quem morre na guerra não é o empresário nem o governante, é o povo, os
soldados e alguns comandantes, sábios e ignorantes.
A surpresa dos grandes arsenais é quando os pobres se levantam e dizem que não aceitam
mais, águias e urubus nos caules das árvores de sua pátria fazerem os seus ninhos, não que sejam
contra aves e passarinhos, ou que lhes falte carinho e atenção; apenas dizem de seu jeito, que
querem o respeito e a autodeterminação.
Os ricos tratam os pobres com tamanha diferença, que, se muito têm em seu país, para
roubá-los, inventam que estes lhes fizeram uma ofensa. Se nada têm para oferecer, inventam uma
doença, uma epidemia ou mesmo uma guerra quente ou fria.
Então a guerra é um instrumento de conquista? Ou será que é necessária para a manutenção
da ordem capitalista? O capital é um dragão que solta fogo pelas ventas, por isso é que as ações das
nações ricas e opulentas, contra os pobres, sempre são violentas.
Mas isto tudo não pode ser verdade. Se uma só potência controla a humanidade, o que
fazem as nações que este vilipendia? Será que a minoria tem força e poder para conter eternamente
a maioria?
Quando a guerra do Iraque oficialmente ainda não havia iniciado, o mundo inteiro veio se
mobilizar, para protestar e dizer que aquilo era errado e imoral. Agora, a exigência deve ser para
que os sanguinários deixem de se intrometer e retirem de lá todo seu arsenal.
Não existe paz na subserviência! Um povo, não deve a outro povo nenhuma obediência!
Apenas respeito e solidariedade. É assim que se combinam os fatores e se edificam os valores de
uma nova sociedade.
Aceitar a guerra e a intervenção é concordar com o império, com o roubo e com a
exploração. É dizer que precisamos de uma delegacia de polícia para o mundo, comandada por um
demente, alucinado, sujo imundo.
O tempo é companheiro de quem sonha com um mundo hospitaleiro, onde um povo tem
direito de fazer ao outro, apenas uma visita. A autodeterminação será a conquista mais bonita, que
das lutas os povos extrairão, basta ser persistente e confiar que no presente se inicia do futuro a
grande construção.
As vitimas da guerra um dia serão recompensadas, por cada uma vitória construída e, assim
dirá a humanidade, que a morte nunca será capaz de derrotar a vida.
Seremos como as flores que por toda parte do universo, exalarão o seu perfume. Atrairão as
abelhas, os insetos e os passarinhos, e assim diremos que as espécies com ternura e com carinho,
não terão mais inveja, ganância e nem ciúme.
E ao império que viveu de opulências e prepotências, que se firmou sobre o sangue dos
fracos e sofridos, lhes mandaremos milhares de cravos floridos, junto com nossas humildes
condolências.
Cartas de Amor
Nº 82
A PALMARES E A ZUMBI

Palmarinos é o nome que se dá a alguém que nasce como em qualquer outro lugar. Mas
estes são especiais, pois viveram cerca de cem anos ou mais no Quilombo dos Palmares, onde, há
pouco tempo após cruzar os mares, iniciou-se o combate à escravidão, reunindo negros, índios,
brancos pobres; foi o início da nação, e atraíram do mundo todos os olhares.
Palmares, o mais célebre de todos os Quilombos, que na história nunca se viu igual,
exemplo de esperança e persistência, cresceu sem limites na consciência e em território mais que o
país de Portugal.
A luta de Palmares foi por liberdade, mas também de combate ao colonialismo. Irradiou-se
pelo mundo em forma de solidariedade, e se quisermos contar toda a verdade, foi a primeira
tentativa de internacionalismo.
Esta bandeira da igualdade de direitos, já no passado indicou-nos o caminho, seguir em
frente sem temer o pelourinho, o tronco, a chibata e o ferrão. Avançou passo a passo, ato a ato,
golpeando os capitães do mato, em busca da libertação.
Muitos líderes entregaram a vida a este destino. Zumbi, o guerreiro menino, foi o último
herói da resistência, mesmo tendo perdido todo o povo pela violência, um ano a mais permaneceu a
combater. Porém ao ser capturado, aconselhado foi a dar seu parecer. Respondeu com altivez e
responsabilidade, “O escravo quando morre ganha a liberdade, mas o senhor perde o prazer de
viver”.
Palmares por sua luta pioneira, foi nessas terras brasileiras a mãe de todas as rebeliões,
origem das manifestações, espelho de um exemplo bem concreto, foi sem dúvida a tentativa de
projeto, elaborado com profundidade. Continha na essência de sua trama, uma palavra que resumia
o programa, que se chamava Liberdade.
Um valor se transformou em uma luta. Como a semente escondida em uma fruta, que, para
encontrá-la é preciso saborear a sua doçura; foi pela coerência e a bravura, que estes fatos se
entranharam na memória. E foi assim que a resistência e a ternura transformaram nesta bela
história.
Os quilombos ainda continuam, organizados nos campos e nas favelas, levando em frente
estas experiências belas, nos povoados e acampamentos. Não são apenas lugares de moradia, mas
boas escolas, onde se aprende a rebeldia, que ganha forma e se transforma em movimentos.
Guerreiros e guerreiras misturam raças e sonhos a todo o instante. Seguem em marcha em
busca do horizonte onde descansa o princípio da igualdade. Lá se fechará o ciclo da liberdade que
tantas vidas colocou a seu serviço. Foi sem dúvida o valor do compromisso que trouxe até aqui a
humanidade.
A terra ainda é escrava em nossos campos. Os pobres ainda procuram um lugar. O espaço
está ocupado e está vazio. Fala-se em escravizar o rio, a água e a biodiversidade. São novas formas
de dominação, que teimam em perpetuar a escravidão e a condenar à prisão a liberdade.
Mas sempre há esperanças enquanto existir causas. As derrotas são apenas algumas pausas
que o destino coloca para refletir. É assim que as lutas vão se emendando, em cada época trocam-se
apenas os comandos as demais partes seguem sem se diluir, e chegarão um dia, aonde querem ir.
Cartas de Amor
Nº 83
AOS 20 ANOS

Aos vinte anos surge o vigor da juventude, é o momento de confirmar virtudes e firmar o
cultivo de valores. É o período de descobrir amores empenhar-se em formar a identidade, assumir
um lugar na sociedade e preparar as sementes como as flores.
Assim ocorre com nosso Movimento. Cresceu como um redemoinho em pleno vento e foi
abrindo cercas e porteiras, como se fosse uma grande brincadeira, uma dança ou uma cantiga de
roda, inventou e produziu a própria roda, de princípios e métodos sobre as terras brasileiras.
Por detrás de onde veio a ventania, nasceram casas, escolas e lavouras, desfraldaram-se
bandeiras encantadoras e abriram-se sorrisos em bocas quase mortas. A ocupação sempre serviu de
porta para animar esta fúria construtora.
Nascido dos escombros e das misérias, o Movimento forjou-se em coisas sérias,
indispensável, nunca visto igual. Como o vento que arma o temporal e se aglutina para formar
rajadas, virou atração nas fazendas e nas estradas e fez-se forte tornando-se imortal. Por qual
razão se mantém a efervescência, se todas as análises da ciência demonstram que a reforma agrária
é uma causa derrotada? É simples a resposta a ser dada, a quem por ventura ainda não se
convenceu; é que um povo depois que aprendeu, tirar de si as próprias soluções, não há barreiras
nem intimidações, que o façam desistir de construir os sonhos seus.
Assim os vinte anos de existência se tornam uma rotina, como as montanhas cobertas por
neblinas, que esperam pela ajuda do calor, o Movimento tornou-se este fator de ataque contra a
propriedade, que é negada a toda sociedade, pelo direito seu grande protetor.
Se é verdade que o tempo traz a idade, mais verdadeiro é que a luta traz mudanças. Viajam
com o tempo as nossas esperanças, os sonhos e todas as utopias. Quem deixa de sonhar só por um
dia, pode perder o ritmo da história; o que fazemos fica na memória, escrito pela mão da rebeldia.
Aos que ficaram enterrados no caminho, ou aqueles que lutaram e desistiram, sem dúvida
nenhuma ambos serviram, a esta causa que hoje segue em frente. Um ser humano é como uma
semente, morre porque quer germinar, mas cada qual tem o seu lugar, na estrada que liga o passado
e o presente.
Vinte anos simbolizam o começo da vida de quem quer viver mais. Há os que dos outros
querem ser iguais e há os que pensam em crescer, ser diferentes. As forças jovens que rompem as
correntes, são as mesmas que plantam a liberdade, porém a rebeldia não tem idade está em quem
anda conscientemente.
Somos sem dúvidas hoje mais experientes. Muitas lições, aprendemos e ensinamos e se aqui
ora comemoramos, é a prova que vivemos e existimos. Se durante vinte anos resistimos, muito
mais teremos que persistir. Evitar se deixar prostituir e fazer de cada dia um tempo novo.
Aprendemos que “só o povo salva o povo” é com ele que teremos que seguir.
Ainda estamos longe da chegada, mas pra quem luta a distância não é nada, serve de
estímulo a espera do momento. Vencer é mais que um acontecimento, é devolver ao povo a
dignidade, por isso, tudo de bom que rima com solidariedade, seja sempre nossa identidade, de luta
e deste grande Movimento.
Cartas de Amor
Nº 84

À ALEGRIA

A alegria traz em sua essência o direito à irreverência. É por onde qualquer ser vivo expressa
os motivos de viver, por isso, alegria não rima com prazer, mas poderia, quem se alegra apenas
anuncia que está se deixando acontecer.
É na prática da política que a alegria mais se sacrifica. Há quem diga que a alegria em
demasia, descontrola a razão e autoriza a fantasia. Pode até ser verdade, mas sem ela a prática perde
a metade de sua qualidade.
O carnaval, esta festa popular, convida a sorrir e a pular sobre todas as dificuldades. É onde
as barreiras das idades são ultrapassadas. Cada qual com sua quota de alegria contribui para a
grande sinfonia que tudo dinamiza, é disso que a revolução precisa.
É o tempo em que ruas e avenidas são interrompidas. Deixam de ser caminhos e rodovias
para dar passagem às grandes romarias. É de alguma forma, uma crítica ao “progresso” que se
empanturrou de latas e motores, tornando todos perdedores, neste grande retrocesso, que faz o
trânsito andar lento, poluindo até o pensamento.
Normalmente ao se atravessar uma avenida temos que correr para não perder a vida. No
carnaval é diferente, o chão vira um colchão, onde se pula e deita como em uma grande colheita de
espigas. As cores se misturam às cantigas e a alegria se torna irreverente.
Alegrar-se é renascer, ou melhor, é cuidar do prazer para continuar vivendo. É dizer o que se
está querendo por uma linguagem figurada. É manifestar a rebeldia, anunciando que chegará o dia,
onde, para a alegria, não tem hora marcada.
Geralmente, não é levado a sério o que é dito espontaneamente. O mundo do mercado só
respeita aquilo que é pensado e detalhadamente planejado, para se manter na concorrência. A
alegria é a sabedoria que diz por outras vias que os desmandos, nos comandos, pagarão um dia as
conseqüências.
Há quem use a alegria para a indústria cultural, enganando e deformando, tornando tudo
natural. Mentiras há em toda parte, inclusive na arte.
Há uma verdade dita com propriedade, que “a alegria vem das tripas”, não é de tudo alheia;
mais diretamente ela vem das veias, se bem abastecidas. A alegria tem muitas fomes e uma delas é
de comida.
Por que nos alegramos ao comer? Por um sinal e um motivo. O primeiro avisa os órgãos que
tudo está normal, o segundo é que continuaremos vivos.
Mas enfim, o que é mesmo a alegria? É algo que se faz e se recria marcando os momentos e
os dias embora exista o sofrimento. Viver é um acontecimento, lutar é uma conseqüência, assim se
faz pela experiência a tradição de um povo que confia.
Na linha dos direitos a alegria é que reconhece se tudo está perfeito. Quando vamos e
voltamos, trabalhamos e descansamos, passeamos e brincamos sem ninguém nos impedir. Significa
que a alegria se transforma no direito de sorrir.
Assim a história se destina e é destinada, há coisas difíceis de serem modificadas e há as que
mudam com facilidade. O papel de cada qual deve ser descoberto, mas de antemão já temos certo,
que ninguém quer viver sem ter felicidade.
Cartas de Amor
Nº 85

A ÉTICA ÓRFÃ DA POLÍTICA

Rebaixar a ética ou elevar o nível da política? Eis a questão, que quanto mais se toca, mais
difícil fica.
Tirando a ética ficaria a política mais patética, ou elevando o nível da política a ética ficaria
mais crítica?
“Ética é ética, política é política”, dizem alguns agora para fugir das críticas. Como a dizer:
“Estamos certos!” A ética fica para quem “não” faz política. E a política fica para quem é mais
esperto. Seria este o caminho que ora está sendo aberto?
Propinas eram comuns no meio dos burgueses. Poderiam os velhos proletários, tornar-se
mercenários como irmãos siameses? Sim! Respondem os ideólogos vermelhos de vergonha até as
entranhas. Basta que entrem no jogo das campanhas. Quando se mexe com dinheiro, muda-se tudo,
inclusive os “companheiros”.
Será possível a utopia acabar em tamanha covardia? “Não se trata de acabar, as coisas é que
mudaram de lugar”. “A terra gira!”. E a política se enche de mentiras. As acomodações levaram a
perder a noção das restrições.
Pode um partido ficar um dia sem sentido? Parece que a moda é rejeitar a herança que
incomoda. Para evitar críticas alarmistas, mudam-se os pontos de vistas. Os “éticos” enganaram-se,
pois os “líderes atuais nunca foram socialistas, nem tampouco radicais!”. “Apenas bons
negociadores”, nada mais.
Pode um partido negar a sua história e atentar contra a própria memória? Teriam seus
condutores razões para não ser seus próprios sucessores? Pode-se atentar contra a própria
consciência, pelo simples fato de terem chegado à presidência?
E a herança de esquerda? Tornar-se-á desesperança ou uma simples perda?
Que mal lhes fizeram os idosos, os Sem Terra, os estudantes e os professores para ignorarem
os seus clamores? Seria possível agir como inimigos contra aqueles que sempre se esforçaram para
serem seus amigos?
Será então que mentiam quando no passado nos defendiam, ou mudaram sem a gente
perceber quando estavam chegando ao poder?
Que infelicidade pode ser maior que a perda da própria identidade? É como se a ética e a
moral, sem perceber se misturassem com o mal, e seus precursores, achassem isso normal.
Uma dúvida queima como a chama: teria sido no meio do caminho construído uma perversa
trama, ou já eram equívocos produzidos pela falta de um programa?
Buscam-se mil explicações para acalentar os corações. Pois, se as lutas arrefeceram, não
teria sido por isto que cederam? Quando cessam as cobranças não estariam liberadas as alianças?
E a proposta surge como um desacato: “Dai-nos outro mandato!”. Antes era o mercado o
centro das mudanças, agora é o tempo que se apresenta como falsa esperança.
Mas há um equívoco neste enredo: quanto mais o tempo avança mais frágil se torna a
esperança e mais forte volta a ser o medo. Não sabemos no entanto, se este desencanto virá tarde ou
virá cedo.
Responda ainda mais: que mudanças pode haver quando se assume o poder e, para não ferir
nem ofender, propõem-se a continuar simplesmente iguais?
Cartas de Amor
Nº 86
AO OITO DE MARÇO

Soa hoje como uma grande bobagem, dizer que o ser humano levou milhões de anos só para
inventar a linguagem. Foi na infância de sua formação. E até hoje certas palavras não têm ainda
compreensão como: dominação, exploração, violentação e comemoração.
Ao surgir a propriedade, as pessoas, principalmente as mulheres, perderam a liberdade.
Povos e tribos deixaram de ser nômades e migrantes, pois as propriedades impediam que
vivessem como antes. Nasciam e morriam quase no mesmo lugar. Assim aprenderam a oprimir e a
dominar.
A família tornou-se um lugar de resistência. O poder do homem ali exercido, firmou-se
sobre o patrimônio construído às custas da violência. As divisas impuseram o direito, tornando-se a
primeira referência de respeito.
Aos poucos vieram as desigualdades. Os mais fortes ampliaram as propriedades. Os mais
fracos, derrotados e mesmo os valentes e bravos, foram se tornando escravos.
As mulheres foram recolhidas e perderam o direito à própria vida. Os homens ergueram
cercas e alambrados. Donos de propriedades e da família, faltava só criar o Estado.
Não demorou a se chegar a um entendimento. As ameaças eram os problemas do momento.
Então, em troca de alguma segurança, fracos e fortes fizeram entre si uma aliança. Assim surgiram
os governantes e os soldados. O trabalho passou a ser obrigatório, e iniciou-se o processo
civilizatório.
A mulher passou a cuidar do lar. Lar vem de “lareira”, foi onde “ela” viveu quase que a vida
inteira, até chegar a revolução industrial, aí o poder do capital, resolveu transformar a “lareirista”
em operária, obediente e solidária, nas mãos dos capitalistas.
A história começa a ser contada, pelas mãos das mulheres assalariadas. Então não foram
todas as mulheres de suas tendas arrastadas? Algumas passaram a ser patroas, outras, simples
empregadas.
Saíram dos fundos dos quintais e sobre os próprios aventais, onde repousavam as faces das
crianças, puseram a matéria-prima, renunciaram a própria auto-estima, em troca de falsas
esperanças.
A fábrica tornou-se uma grande moradia, onde a mulher operária passava dezesseis horas
por dia, recebendo apenas a metade do salário. Assim servia menos ao lar e mais ao patrão, carrasco
e mercenário.
Séculos e milênios se passaram, onde as mulheres trabalharam sem ter reconhecimento.
Prova disso é que o dia a elas dedicado é na verdade um dos mais violentos.
Dia Internacional da Mulher. Que mulher? Não é um dia qualquer, esta data alguma coisa
marca. Em 1910, no Congresso Internacional na Dinamarca, escolheu-se e retomou-se a referência,
de 1857, onde 129 operárias norte-americanas foram queimadas sem clemência, dentro de uma
tecelagem. Por isso não é dia de maquilagem ou de massagens em salões de belezas e academias,
como mostra a imprensa burguesa homicida de nossa ideologia. É dia de luta e resistência, onde a
mulher trabalhadora mostra que tem consciência, coerência e que já está no limite da paciência.
Datas não são palavras, são acontecimentos. Sangue, torturas, mortes e sofrimentos estão na
origem destas comemorações. Não sejamos fracos de memória, nem covardes para rejeitar a bela
história, a ser herdada por todas as gerações.
Cartas de Amor
Nº 87

AOS CRÍTICOS

Críticos são aqueles que criticam e também se modificam. Sem eles haveria um pensamento
só, os erros virariam acertos, os desvios se tornariam virtudes e o desmanche dos princípios seria
considerado apenas meras atitudes.
É claro que os críticos também erram, principalmente quando se precipitam e não esperam.
Mas também é bom que seja assim. A virtude porém maior dos críticos é quando eles identificam
que algo está chegando ao fim.
Estamos assistindo algo estranho vagando pelos corredores. Muitos críticos, intelectuais e
renomados políticos, saindo do Partido dos Trabalhadores. Seria por acaso falta de prudência, ou o
fim da possibilidade da convivência entre as tendências?
Podemos estar vivendo um momento diferente, onde, não quem sai, mas quem fica é
inconseqüente.
Dentre todas as ideologias e crenças, o PT detinha uma diferença: tolerava a convivência
entre correntes e tendências. Assim se forjou o partido com esta relação: divergência nas idéias,
unidade na ação.
Parece que o que mantinha o partido unido já não tem mais sentido. As ações estão negando
os conceitos e as idéias perdendo o que resta de respeito.
Mas a força das críticas proféticas centra-se sobre as diferenças éticas. Isto não era
patrimônio de nenhuma corrente crítica, pois sempre foi uma referência universal para quem faz
política.
Não estariam cortando, os críticos, muito raso, já que as táticas usadas estão referenciadas
aqui no curto prazo? Passado este momento, se retomaria o pensamento!
A dúvida então se instala. A palavra é dona de quem fala. O costume expressa a identidade.
Política sem ética é de verdade, ou é uma administração de mesma qualidade?
Deve ser isto que instiga intelectuais e lutadores. De que valeu correr tanto em longa
história, se no final, os ganhadores perdem a identidade, a ética e os valores, e tiram o brilho da
festa da vitória.
Não é a mera corrupção financeira que financiou campanhas a vida inteira, o fator da
discordância! É que os compromissos históricos assumidos, aos poucos estão sendo diluídos e
perdendo rapidamente a importância. E seus cúmplices, perdendo a postura e a elegância.
Era hora de mostrar a diferença, erguer o olhar, ver esta pátria imensa, dar a seu povo
motivos pra viver. Dizer ao mundo que somos soberanos, que a dor que suportamos tantos anos,
cessou, e agora é só prazer.
Fazer nossa reforma agrária, abrir nossa palma solidária, para servir os povos mais sofridos.
Dizer ao imperialismo entristecido, que, aqui roubar já não se permite. Fazer a todas as nações
nosso convite, para a grande festa de paz e gentileza. Onde o compromisso assumido, seria de que
nenhum país poderá ser atacado e destruído e em nenhum deles imperará a pobreza.
Mas o temor de quem se põe a olhar, não é de ver a utopia morrendo devagar. Mas é sentir
que a cada ato e acontecimento, estamos perdendo o momento e a oportunidade de mudar.
Cartas de Amor
Nº 88
AO ÓBVIO

Parece ao afirmar, uma loucura, mas o governo virou uma prefeitura. Nada de gozação, nem
de pessoal! A intervenção internacional é tão grande que, aceitando ninguém pode dar jeito, por isso
é que o presidente, (bem intencionado), honestamente, funciona como um prefeito.
Os demais integrantes do governo, os ministros, por sinal, muito mal vistos, funcionam
como secretários, na verdade funcionários do poder interventor. Cobrar-lhes um programa é
desnecessário, no máximo o que se pode exigir de “funcionários” é um Plano Diretor.
Tipo aquele da Carta Ao Povo Brasileiro, que apascenta os banqueiros e pede tempo à
sociedade, que, cheia de ansiedade, tem medo do perigo. Perigo de governar sem rumo, sem ética e
sem destino. É o risco do cassino na estratégia dos gringos: Aposta na roleta e fica ouvindo o ruído
da palheta, torcendo que dê certo para apostar nos bingos.
Voltando à prefeitura: que autonomia pode ter um prefeito que foi eleito com ajuda das
empresas? Se investiram, é claro que exigiram: depois das eleições, não fazer alterações e receber
todas as despesas. Então exigir do prefeito ruptura, é uma loucura.
E como ficam os direitos? Podem perguntar aqueles que votaram no prefeito. Estão
insatisfeitos, mas precisam se acalmar. Na verdade o único direito, conquistado já no pleito, foi o de
se enganar.
Eu tenho o direito a me enganar! Deveriam repetir todos os eleitores por satisfação. Na
verdade é isso que acontece quando uma eleição é disputada sem aprofundar nada. Sem programa,
só com palavras dadas, abstratas, soltas ao vento, rende o deslumbramento.
A mídia mostrava o funcionário e escondia o patrão. Teve até o George Soros um embuste
de banqueiro, afirmando que “o povo brasileiro votava, mas não decidiria a eleição”. É claro, se o
plano econômico estava feito, as reformas elaboradas de seu jeito, que tarefa caberia a quem fosse o
prefeito?
Na verdade o povo ao votar não se enganou. Votou certo, porque imaginou que o vulto era a
caça. Atirou, e ao baixar a fumaça, percebeu o equívoco e o mico, e está sem ação com o monstro
por diante; entendeu agora que não podia matar um elefante usando a carga pra matar tico-tico.
Como diria a madre diante do castigo: “Jesus, que perigo!
É isto que dá não saber diferenciar governo de poder. Há uma comparação ilustrativa e bela
que se pode fazer entre o Brasil e a Venezuela. Os dois países estão no mesmo patamar, isto é
importante saber; só que, enquanto aqui se pensa somente em governar, lá se vai além, luta-se
também para chegar até o poder.
Sem uma ruptura, a servidão serve de ditadura. Os governos serão de conivência, alegando
que não querem conquistar a liberdade com violência. Deste jeito, controlando o Estado, o império
tem os governos de seu lado, e o povo em condição de seqüestrado.
Por isso, se quiserem, nos enganamos cada qual de um jeito diferente. Dizíamos: “Agora
temos um Presidente!” E o que vemos é muito desrespeito, roubo de direitos, ministros em apuros,
altas taxas de juros que é uma loucura. Será então que elegemos um prefeito, ou governam o país
como uma prefeitura?
A verdade é que sempre há esperança, mas que nunca nos saia da lembrança o que já dizia a
nossa avó. Que um processo de mudanças é feito com homens, mulheres, jovens e crianças, jamais
por um homem só.
Cartas de Amor
Nº 89

AOS DESATENTOS

De que vale ter a terra se faltar a organização? É como passar um ano sem verão, sem sol,
sem vida. Sem organização a terra poderá ser dividida, nunca unida.
De que vale ter a terra se faltar a produção? É como ouvir a música sem a letra da canção; é
bonita, mas difícil é entender sua mensagem! Produzir é sentir, é dizer, é viver com ternura, bravura
e coragem.
De que vale ter a terra se faltar a convivência? É como ouvir o rádio sintonizado fora da
freqüência; sabe-se que está falando, mas não se entende. Conviver é para quem se escuta e se
compreende.
De que vale ter a terra sem jovens e adolescentes? É sinal que as velhas gerações cansadas e
doentes não terão seus descendentes, nem para quem deixar a herança. Tudo é mais precioso
organizar, no lugar que tem crianças.
De que vale ter a terra se faltar a educação? As crianças murcham como as folhas, a procura
de atenção. Sem escola os cadernos e as sacolas não se encontram, muito pelo contrário, se
separam, foi assim que as consciências dos adultos se calaram.
De que vale ter a terra se faltar a alegria, a festa e a comemoração? É o mesmo que ver um
ser sem coração, sem sorriso e sem afeto. Quem não se diverte e fica quieto, não é bem um ser
humano. É uma máquina, uma ferramenta ou um pedaço de cano. Tem serventia, mas nada cria.
De que vale ter a terra se faltar a prática dos valores? É o mesmo que olhar em frente, a casa
e não ver flores; onde não voam as borboletas, os insetos e os passarinhos. Sem os valores perde-se
a admiração e o respeito dos vizinhos.
De que vale ter a terra sem árvores, pomares e água limpa pra beber? É como não sentir
prazer. Preservar é o jeito de mostrar que sabemos cuidar.
De que vale ter a terra sem ter uma casa boa? É como teimar viver à toa, sem se preocupar
com a dignidade. Moradia de qualidade não é só para quem vive na cidade.
De que vale ter a terra sem cuidar da saúde, sem olhar para a juventude que se acaba com o
uso de venenos? Matar as espécies injustamente, é ser pequenos, como as pulgas, os percevejos e os
carrapatos, que não valem a poeira dos sapatos.
De que vale ter a terra se faltar a luta? É como procurar semente em uma fruta que não quer
se reproduzir. Lutar é a melhor forma de mostrar que os Sem Terra estão dispostos a conquistar e
eternamente repartir.
De que vale ter a terra e não cuidar do país? É como um jogo onde o juiz não deixa a bola
correr. Ninguém consegue entender como ficará a partida. Só a terra dividida não faz a gente
crescer.
De que vale ter a terra e não ser feliz com ela? Não pintar nossa aquarela na tela da natureza;
não perceber a beleza que há nas folhas e nas flores, onde se formam as cores com toda a
delicadeza.
Só vale então ter a terra se inventarmos outro caminho onde o amigo ou o vizinho é irmão e
combatente, onde o povo se faz gente e toda gente se faz povo. E nas clareiras da história planta-se
em cada vitória, as roças de um mundo novo.
Cartas de Amor
Nº 90

ÀS FAMÍLIAS SEM TERRA

Quando sonhamos olhamos para frente à procura dos dias que ainda não chegaram. Neles
repousa o canto da vitória e aí fica registrada a nossa história.
Por que devemos lá chegar? Porque sonhamos mesmo caminhando devagar. O passo é lento,
mas a vontade de chegar é maior que o sofrimento.
O momento em que vivemos é importante e promissor, é preciso aproveitar que o vento
sopra a favor. Formar núcleos, organizar brigadas, juntar gente em acampamentos na beira das
estradas, é claro, também em ocupações, para trazer ânimo e coragem a todos os corações.
Plantar na terra, jogar nela as sementes que precisam germinar. Enfrentar, resistir se
precisar, sem medo do futuro. Amanhã os frutos já maduros, surgirão para nos alimentar.
Convidar as famílias que ainda não acreditam, que olham a esmo para o infinito sem
organizar a luta. A história é como uma fruta; é doce quando fica madura; é preciso tratar os
descrentes com ternura, mesmo que os planos pareçam uma loucura.
Devemos resgatar a natureza plantando sobre a terra árvores e flores. Criar nela a cultura da
beleza, da arte popular e dos valores. Ninguém pode duvidar, que isto é possível edificar, pois
somos os melhores construtores.
Quem somos, senão Sem Terra destemidos? Que marcamos o destino embravecidos e
deixamos na história uma lição? Quem não luta morre na exploração, mas quem luta pode ver a
liberdade, não há diferença nem idade para quem luta pela revolução.
Somos homens e mulheres transformados em famílias, que fazemos com os pés a própria
trilha, avançando sobre todas as ambições, levamos em nossos corações um puro sentimento de
igualdade, queremos terra e uma nova sociedade, para assentar todas as gerações.
Assim festejamos as conquistas. Cada qual põe o seu ponto de vista em favor da grande
democracia. O respeito é o direito que anuncia, o surgimento de uma nação nova, a luta é quem nos
põe à prova, nas batalhas feitas com rebeldia.
Cuidar da casa, da roça e da comunidade é o dever de quem a terra conquistou; para aquele
que ainda não chegou, o tempo por enquanto é de zelar, do pátio, da lona e do lugar, sem desanimar.
Ajudar as crianças ir à escola, dar a elas todo apoio que precisam, ser leais com os que
alfabetizam e coerentes com os pensamentos. Fazer dos acontecimentos, material de estudo; quem
tem um movimento já tem tudo para seguir tentando outros intentos.
Pensar no futuro e construí-lo no presente. Sonhar ver os descendentes felizes vivendo com
cuidado; o tempo é do povo aliado, basta querer e seguir olhando para frente.
Insistir no caminho das mudanças; as lutas renovam as esperanças e as vitórias sustentam a
rebeldia. Não deixar de lutar por um só dia se quisermos deixar a coragem como herança.
Que cada família Sem Terra brasileira, acredite que seu grande apetite de lutar, vem da arte
de querer conquistar, aquilo que esperou a vida inteira.
Cartas de Amor
Nº 91
À HERANÇA

Maldita seja a herança que leva embora a esperança. Onde, na família, na sociedade ou no
Estado, os valores são ignorados e ninguém já acredita mais, porque os sucessores seguem os
mesmos passos dos exploradores e aos poucos se tornam quase iguais.
Há heranças deixadas que podem ser relacionadas com a fartura e o progresso. Há outras que
não valem nada e se atualizadas trazem a miséria e o retrocesso.
Há uma coisa que quanto mais é dita pior fica. Como esta de que são as eleições que
decidem a política. Poderia ser verdade se os governantes tivessem lealdade. Não é assim, o povo
vota tentando por o fim naquilo que está errado; mas caberia, após o pleito, aos eleitos romperem
com o passado.
Não basta repetir que a “herança é maldita” a toda hora, é preciso ter coragem de jogar
alguma coisa fora. Imagine a cena: uma moça quando ainda pequena, aprendeu com sua mãe o
vício do cigarro; quando adulta, sentindo o incomodo do pigarro, foi ao médico e a história revelou.
Recebeu a incumbência de largar o vício; mas disse ela: apesar de todo o sacrifício, não posso jogar
fora o que a minha mãe me ensinou.
É o que está ocorrendo na atualidade. A equipe econômica do governo teve a capacidade de
adotar o modelo anterior e piorá-lo mais um pouco. Os credores ainda acham pouco mas aplaudem
sem parar. Dizem que, quando o presidente vai “cobrar”, o ministro é que apresenta a conta; está
mal de ponta a ponta, o que é então de fato governar?
Seria cuidar do caixa e fazer os pagamentos? Dizer aos funcionários que não terão aumento?
Ajeitar os partidos no poder? Falando sério, a pior herança que um povo pode ter, é o jeito errado de
fazer política. Quando este vota e se erradica, confiando que alguns poucos vão dar jeito, é como
apontar ao próprio peito a espada que ameaça e mortifica.
Governar não é fazer justiça? Colocar cada coisa em seu lugar? Se é para se desmoralizar, de
que vale então querer poder? Demoramos vinte anos pra vencer e em menos de dois já nos
frustramos. Será que não é porque entregamos, nas mãos de alguns nosso destino? O sol do
mandato já está a pino, logo passará do meio-dia e se não quisermos devolver o bastão à burguesia,
devemos agarrar o poder que conquistamos.
De que jeito? Não é elegendo vereadores e prefeitos, dizendo que só “o poder central é
insuficiente!”, mas, é tornar-se intransigentes e organizar-se para cobrar do Estado, tudo o que antes
foi negado, colocando em pauta novamente.
Levantai pobres da terra e da cidade! É preciso pintar o espaço de vermelho, organizar-se em
Movimentos e Conselhos e sair em defesa da utopia. Se acreditávamos até poucos dias, que as
eleições por si só nada mudavam, é preciso imitar os que marchavam e desfraldar de vez a rebeldia.
Jamais na história houve este intento, onde um indivíduo se fazendo de instrumento, deu a
seu povo o que este merecia. As conquistas não vêm sem valentia, sem luta e participação. O Estado
domina o cidadão, quem lá chegar precisa saber disso, e se quiser manter os compromissos, terá que
ir em outra direção.
Resta uma coisa ainda a falar: Sem o povo, quem quiser governar, apenas agradará aos
senhores. O Estado pertence aos opressores, é uma máquina de engolir consciências, se não
quisermos perder a coerência é preciso estar sempre nos vigiando, e se quisermos de fato governar e
não nos desmoralizar, é preciso lá entrar em bandos.
Cartas de Amor
Nº 92
AO DIA DO LIVRO

Vinte e três de abril, a UNESCO reservou para ser o dia do livro. Foi para incentivar a
leitura, que destinou este dia para a literatura.
Um livro é uma criação, não importa o tamanho, nem se o público é estranho. Importa a
atração. Pelas normas internacionais, um livro deve ter no mínimo quarenta e nove páginas escritas
sem padrões formais.
A data é, portanto, sugestiva, homenageia figuras ilustrativas, que se tornaram ausentes (bem
entendido), apenas fisicamente, no ano de mil novecentos e dezesseis, de uma só vez, no mesmo dia
e mês partiram: Cervantes, Shakespeare e o Inca Garcilaso de La Vega. Esta é a simbologia que o
dia carrega.
Um livro pode ser: romance, científico, histórico, atrativo ou ridículo, em qualquer
circunstância, é um veículo que transporta cultura. É uma invenção que somente é útil e importante
a quem procura.
Imagine como era na antiguidade, se alguém quisesse dizer algo à sociedade tinha que
escrever em tabuinhas de barro cozido. Depois o couro foi curtido e tornou-se pergaminho, assim
foi que o livro iniciou o seu caminho.
Antigamente, certamente por causa das caçadas, se dizia, sem aferir nem nada, que “O cão
era do homem o melhor amigo”. Hoje o cão se tornou alegoria, perdeu espaço nesta categoria da
amizade e da delicadeza. O melhor amigo do homem e da mulher, isto para quem quiser, não é o
cão, mas o livro com certeza.
Tanto assim que há um ditado muito considerado, que ao ouvi-lo queima como brasa: “Se
queres conhecer alguém olhe para as virtudes que ele tem e para a biblioteca que possui em sua
casa”.
Um livro é sempre um bom companheiro escrito por homem ou por mulher. Nem sempre
diz tudo o que se quer, mas aí é que está o seu valor. Ele é como um contentor, suporta uma certa
quantidade, o que falta é nossa responsabilidade, de procurar em outro recipiente. Um livro só
nunca é suficiente, para suportar toda a verdade.
Os escritores com ou sem compromisso, prestam a todos um serviço que é tornar em
palavras o que em fatos diz a história. Cabe a quem lê guardar em sua memória, esta infinidade de
dizeres. É claro que há muitos saberes, inclusive de quem é analfabeto; mas de tudo dito o que é
correto: é que a verdade se descobre na pesquisa, quem a ignora é frágil como a brisa, e conhece
muito pouco de concreto.
Leia, por capricho ou por prazer, queira sempre conhecer o que ainda é a você
desconhecido. Busque nos livros o que foi esquecido, e acrescente os seus conhecimentos. Pois,
para quem quer forjar acontecimentos, sem o estudo pode nunca conseguir, quem é líder e pensa na
luta progredir, terá que buscar mais elementos.
E a você que porventura, gosta mais de falar, pare e escreva para documentar. Não tenha
receio nem vergonha de se expor, como disse Eduardo Guimarães este grande pensador e belo
sábio, “Uma carta de amor fala melhor que um lábio”.
É através da escrita que uma idéia mil vezes pode ser dita. Venha de quem venha a verdade
sempre tem os seus preceitos. Já disse alguém que para sermos bons sujeitos, precisamos amar os
nossos inimigos, porque eles, por vaidade ou por castigo, apontam claramente onde estão nossos
defeitos.
Cartas de Amor
Nº 93
ÀS CORES

Atenção senhoras e senhores, continuam os enfrentamentos com as cores. Como se fossem


espadas, cada força tem as suas, bem afiadas.
É claro que a cor não é culpada, tanto assim que pode ser utilizada em qualquer ocasião. É
na luta que ela adquire outra conotação. Cada uma é imbuída de simbologia, por isso, cada cor
ganha uma ideologia.
Cada povo tem suas cores preferidas. Alguns até exageram, usam várias, bem sortidas. Os
governantes se colocam como guardiões das bandeiras das nações.
A bandeira traz em si a representação daquilo que as pessoas têm em seu coração. Façamos
então a análise por inteiro, da Bandeira brasileira. Da forma como se apresenta vejamos o que e ela
representa.
Ouro, matas, o céu e a paz. Responda agora se você for capaz: onde estão as pessoas e os
animais, as lutas, o vigor e a resistência? Será que estas cores não representam apenas a submissão e
a obediência? E, se quiser prova maior deste retrocesso, basta prestar atenção no lema: Ordem e
Progresso.
Ou mais ainda, o roubo, o saque e a penhora? Sim, porque, estamos vendo a toda hora o
ouro e a madeira indo embora. Parece então que, a nos restará troféu, de conservar a paz para
ganhar o céu.
E o que faz o governante guardião? Assina a autorização! Dizendo: podem levar à vontade
que esta pátria é fã da caridade e desta causa nobre: dá aos ricos e nega aos pobres.
Esta é a imagem refletida em frente o espelho. Mas porque a burguesia reagiu ao “Abril
Vermelho?” Temeram desta vez, que em apenas um mês, se puxasse a linha do novelo e se
desmanchasse o modelo.
O que nos preocupa desta reação, é que ao contrário do que fazia a ditadura, que achava o
comunismo uma loucura e criminalizava a quem ele defendesse. Agora, o “crime” é bem menor,
basta contrariar os interesses.
Já o primeiro de Maio passou “em branco” sob o céu de anil. Será que maio está ficando
menos perigoso do que Abril? Ou será que há parte do vermelho saindo de moda? Simplesmente
porque, antes quem era intransigente, hoje já não incomoda!
O vermelho, por ser uma cor viva, sempre é provocativo. Representa a força, o sangue e o
vigor, por isso pertence ao trabalhador. Os fazendeiros falam em “maio verde” de repente; é porque
(isto é o pior), ao seu redor, há mais propriedades do que gente.
O vermelho nas bandeiras tem a mesma função que nas fogueiras; aquecer o coração e a
utopia. Animar a quem já não pertencia a seu próprio país. Por isso a cor se entranhou pela raiz
deste nosso Movimento, e o fez vermelho tanto fora quanto dentro.
Mas voltemos ao que eu dizia: o problema não está na cor, mas na simbologia. Ela é a força
que amedronta e afronta até vencer; pois não aceita, principalmente se alguns trabalhadores
estiverem no poder, a continuar viver, num país de faz-de-conta.
Ruim não é ver as cores se enfrentando. Por trás destas se estruturam comandos que dão
vigor a cada uma delas. Ruim é perceber que, embora tendo a força do poder, o governo só amarela.
Cartas de Amor
Nº 94

AO RESPEITO

Depois que inventaram a roda, respeitar nunca saiu de moda. Por isso protesta-se contra
qualquer coisa que nos faça mal; principalmente quando afeta a ética e a moral.
Embora muitas vezes tenha se visto algo parecido, mas é preciso protestar contra o
desrespeito dos Estados Unidos; por fazerem da tortura uma brincadeira e manterem presos, os
iraquianos com coleiras.
Empilham lá seres humanos algemados como se fossem caixotes à espera de serem
transportados. E o pior do que ver esta imagem que arrepia é ouvir que estão lá para instaurar a
democracia.
Para esconder estes atentados, criaram um fato inusitado: acusaram o nosso Presidente de
governar embriagado. É verdade que as leis já determinam, que “ álcool e direção não combinam”.
Pode estar com a razão quem isto diz, mas aqui não se trata de um carro, mas da dignidade de um
País!
É verdade que o nosso governo segue como um carro rebocado, com os dois pneus
dianteiros levantados, embora dentro vá o motorista, acenando, sem enxergar a pista.
Voltando ao desrespeito e ao protesto, ninguém pode dizer que o Presidente é desonesto!
Pode ser muito obediente! Aí é diferente! Por isso, quando toma uma atitude, um pouco rude, até os
seus colegas o desmentem.
Ou não foi assim com o jornalista norte-americano? Quase que o Presidente, em sua atitude
irreverente, entra pelo cano!
Agora, bem pensado, quem bebia não era o Presidente do outro Estado? Que um dia até o
encontraram com a cara mergulhada numa poça de uma vomitada?
Mas aqui até a direita considerou ofensa. Disse que a expulsão do jornalista feria “a
liberdade de imprensa!” É bom que sintam na pele os beliscões, não são eles que cobram em
convulsões, de se aplicar a lei sobre as ocupações?
Por que só os que lutam devem ter limites em seus feitos, por acaso os jornalistas e os
capitalistas nunca ferem a “Ordem de Direito”? Depois, é bom lembrar, que esta lei da expulsão
ainda foi feita, com a participação desta mesma direita, no tempo da ditadura militar.
Pensando bem, o nosso Presidente, que foi profundamente ferido em seus brios, deveria
aproveitar e encarar outros desafios: cancelar o visto de permanecer aqui, primeiro, o FMI, depois,
as multinacionais, que levam a madeira, a biodiversidade e as variedades minerais; não geram renda
para o povo, nem emprego e tiram o nosso sossego.
Em sã consciência podemos dizer que o nosso Presidente não bebe e foi desrespeitado,
porque o sintoma de quem ingere álcool, é ficar mais arrojado, e não é o caso de nosso estadista,
pois a cada dia fica mais pacifista.
No fundo este é um bom recado ao núcleo central do governo atual; para que percebam o
inconveniente, mas parece que nenhum daqueles componentes, nota. É hora que enxerguem de uma
vez, que pobre no meio de burguês, só serve de chacota.
Carta de Amor
Nº 95
À MILITÂNCIA

Em tempos de inconstâncias, quem mais sofre é a militância. Sofre por não ver conquistas e
não poder ser com o povo realista.
É grave no momento a situação; há que se ter responsabilidade e atenção, para não
generalizar a frustração. O povo ainda acredita, esta talvez seja a parte mais bonita.
No coração das massas sempre há utopia; é a força que move os passos nessa longa
travessia. Basta então que as lideranças não deixem morrer a esperança; fortaleçam o ânimo
mantendo a expectativa, que, mesmo na permanência, crescerá o vigor da consciência e esta
continuará ativa.
Há momentos em que são maiores os sofrimentos. Principalmente, quando de repente, de
cada barraca a fumaça sai fraca. Ela emite o sinal, que de comida estamos mal.
Outras vezes nasce a sensação de uma canseira, quando as lonas se enchem de poeira feito
um casaco pendurado, dizendo-nos que o tempo está ficando prolongado e logo chegarão os rasgos
em cada lona ressecada; é como se o grande esforço não tivesse servido para nada.
Há dias em que surgem epidemias, de doenças e fofocas, que, como animais amedrontados,
dá vontade de esconder-se pelas tocas e, só reaparecer, quando cada coisa por si só se resolver.
Mas não tem jeito, militante é para ser sujeito, estar de frente, das massas ou dos inimigos.
Assim é que se enfrentam os perigos.
Não há líder sem povo, nem povo sem liderança; o que ocorre é de vez em quando, sentir
que a voz do comando, já as consciências não alcança. Então é a hora da multiplicação. Militante é
diferente de patrão, de prefeito ou deputado que só pode ter um em cada espaço regulado.
Já foi dito que o militante é como uma semente, que se torna sempre mais atraente,
principalmente quando a terra instiga, pois cada uma quer forjar a própria espiga. Morre para deixar
nascer centenas de continuadoras, que, com a mesma identidade, cheias de responsabilidade,
fecundarão lavouras.
Neste caso, morrer não é perder a vida, é transformar-se para virar comida como a palha da
planta desmanchada, que só pelas raízes das novas gerações poderá ser encontrada. Por isso é que, a
semente não pode ser egoísta nem centralizadora, se teimar em não se multiplicar, nunca se tornará
lavoura.
É desta forma então que em tempos de recessos, na multiplicação é que se faz progressos.
Fazer semente o conhecimento, é assim que o militante se tornará alimento e centenas de pessoas
saberão o que um só sabia, é desta forma que se amplia a rebeldia.
Cada vez mais fica evidente que é preciso fazer lutas permanentes. As vitórias serão mais
demoradas, e nossas forças cada vez mais testadas.
Ser militante é estar sempre confiante, mesmo que a vitória nem sempre apareça, porque,
além da força bruta, um militante tem ética em sua conduta e as idéias que leva na cabeça.
Dar tempo ao tempo não é ficar parado. Mesmo estando em espaços limitados, é preciso
investir em crescimento. Inventar frentes de ações, multiplicar em centenas as razões, e aproveitar
para crescer por dentro.
Cartas de Amor
Nº 96
À EDUCAÇÃO

Educar, para iniciar o pensamento, vem do latim, “educere”, que é tirar de dentro. Isto
parece então perfeito, mas resta ainda achar o jeito, para perceber todos os lados. Sem usar de
maldade ou de cinismo, a verdade é que no capitalismo, cada um já nasce destinado a ser “mal-
educado”.
Veja só ou no cochicho; nesta sociedade de consumo já nascemos produzindo lixo. Isto é
imperdoável! Devido à fome do mercado, cometem um atentado ou uma desonestidade, e nos
metem no primeiro dia de idade, uma fralda descartável.
Parece insignificante, mas para a educação é importante. Os povos mais desenvolvidos que
julgam deter toda a sabedoria, produz ali cada indivíduo, dois quilos de lixo a cada dia. Isso mal
observado parece quase nada, mas se alguém viver cinqüenta anos produzirá quase quarenta
toneladas.
Então o cerne da questão nos vem agora, se educar é “tirar de dentro”; a matéria e os
elementos para a educação nos vêm todos de fora.
Qual é então a razão para esta insistência? É que as coisas que estão fora quando entram, se
transformam em consciência, e, para sermos mais concretos, quando saem, se transformam em
ações e objetos.
Por isso é que educação rima com ação. Se as coisas que entram em nós saírem apenas pela
voz, nunca haverá transformação.
Então, “tirar” é um gesto ilustrativo. Tira-se com as mãos com ternura e paciência, de dentro
das consciências, primeiro os objetivos. Ou seja, é preciso demonstrar o que queremos alcançar.
Desta forma, estudar não é apenas se ilustrar ou então passar de ano; é limpar a consciência
como se passa pano. Por isso é que a educação tem uma função válida para toda a vida, que é
despertar as razões adormecidas.
Tirar de dentro de nossa juventude, ações de rebeldia e inquietude para que não se acomode
e passe a acreditar que só o império pode. Das crianças, cantigas de alegria e esperança. Das
senhoras e dos senhores, a experiência, os exemplos e os valores.
Educar é cultivar o ser humano, seja rural ou urbano. É despertar desejos sentimentos e
vontades, para tirar de dentro gestos de solidariedade.
Educar é também desmanchar mitos, é enfrentar os hábitos malditos que poluem e destroem
a natureza. É perceber que, quanto mais a técnica avança, mais perdemos a imagem e a semelhança,
com aquilo que fazemos, sem destreza, já sem delicadeza.
Por tudo isto, educar não é um conceito, é um processo de forjar sujeitos, descobrindo as
múltiplas dimensões. Desta forma, é uma jornada que nunca terá fim, pois jamais pode cessar o
cuidado dos jardins, que cultivamos em nossos corações.
Este cultivo é o que nos interessa. Precisamos agir com certa pressa, antes que os males
destruam nossos valores. Devemos compreender que, educar, é simples a dinâmica; basta buscar
fora de nós a boa matéria orgânica, para tirar de dentro perfumosas flores.
Cartas de Amor
Nº 97
AO CULTIVO DA BASE

Cultivar é o ato de cuidar. É a relação entre duas partes; por isso é que o cultivo, entre todos
os seres vivos, exige que sejamos prestativos como as cores misturadas se transformam em belas
artes.
Quando se cultiva se tem a alma altiva. Transformam-se as ações em parte das canções, que
têm boas razões, para estarem sempre vivas.
Ao cultivar se faz cultura. Combina-se a dureza e a ternura em busca da preservação.
Cultivo é emoção, é ver crescer o resultado, do esforço empregado, por muitos, na mesma direção.
A base também se cultiva. Não há como cuidar dela sem a presença intensiva. Seja lá o
militante ou o dirigente, cada qual deve saber qual é o seu elo da corrente. Deve estar sempre em
alerta para cultivar na hora certa. Nem antes nem depois, assim é que se ligam os dois.
Cultiva-se com jeito, para, ao cultivar não faltar respeito. A força e o carinho se combinam
no caminho, basta que se busque a lealdade para nunca se faltar com a verdade.
Cultiva-se também a esperança para que os problemas se tornem uma lembrança. O mal e a
derrota pertencem ao passado, os sonhos é que precisam ser alimentados.
Eles bebem comem e respiram, talvez até suspiram se sentirem indecisão! Um sonho
também é uma canção, cantada com as vozes do futuro, torna-se sempre mais seguro, quando passa
das idéias ao coração.
Quem imagina sonha acordado. Quem cuida do sonho imaginado é um cultivador. Porém o
sonho não tem sexo, somente identidade, pertence a quem tem ansiedade de vê-lo um dia vencedor.
No trabalho de base se cultiva, se estimula e se ativa a vontade de vencer. Onde não há
cultivo há carência de poder; a força vai embora quando quem a tem não colabora.
Cultive a lealdade, o otimismo, a honestidade e todos os valores, na certa seremos
vencedores se derrotarmos os vícios e as vaidades.
Cultive a ética e a estética. Faça da beleza uma fortaleza. Acredite que, entre o certo e o
errado existe um sonho colocado, ele poderá ser vencedor ou derrotado.
Cultive também a simpatia, ela é a voz que anuncia o raiar da liberdade. A força tem suas
qualidades, mas só ela não abre as rachaduras, é preciso a inteligência e a ternura para fazer a luta
sem perversidade.
Cultivar então é estar presente, não deixar abandonadas as sementes ou perdidas nas
entranhas dos problemas. Por mais que nos rodeiem os dilemas, devemos ser sempre mais
inteligentes.
As vitórias são frutos do cultivo. Há os que são mais intuitivos e há os que são mais
racionais. O importante é que somos iguais, ninguém é maior do que ninguém, cada um sabe o
dever que tem para tornar as conquistas atuais.
O cultivo exige vigilância. A obra tem sempre importância, principalmente quando é de
contestação. Cuidar para que a repressão não ataque, a base descuidada, as perdas serão sempre
lembradas, como derrotas em nossa construção.
Gostar de cultivar é gostar do que se faz. Seja na guerra ou na paz, a base é sempre a
referência. Um povo não precisa de clemência, quando cultiva com vigor a sua consciência.
Cartas de Amor
Nº 98
À JUSTIÇA

É conveniente esclarecer com simplicidade, que a justiça em nossa sociedade se ocupa da


legalidade. Deveria cuidar também da igualdade e da democracia, mas isto se vê pouco hoje em dia.
Desde que surgiu a sociedade é que a igualdade vive em conflito com a legalidade. Legal
não significa ser igual.
No final de tudo, a legalidade, está presa à propriedade; daí se extrai o conceito do direito.
O poder legislativo ou mais propriamente os deputados legislam para o Estado. Mas entre a
justiça e os interesses há um espaço imenso, caso contrário, as leis seriam aprovadas por consenso.
Para encurtar a conversa, o que é legal nem sempre é justo ou vice-versa.
Por isso é que devemos perceber, que a ordem em si carrega uma coisa estranha, pois o
direito sempre acompanha quem está no poder. Aqueles que estão fora o nome põem como penhora,
e fazem da injustiça o seu dever.
Vejamos uma ilustração, todos temos direito à moradia, trabalho e educação, mas o dever
nos alerta, que devemos esperar a hora certa. A lei é quem manda esperar até que se tenha condição
para comprar, aquilo que é de direito, logo, justiça e democracia deformam aqui os seus conceitos.
Vejamos de um modo mais concreto: como podem ser iguais um juiz e um analfabeto? Um
industrial “honrado” e um desempregado? Um deputado e um idoso aposentado? Então, a justiça do
poder legislativo é feita de interesses muito vivos.
O divisor de águas está aqui, quando o Congresso instala uma CPI, dizem que é para
investigar, ora, mas este poder não é para legislar? Então o eleitor foi informado mal na última
campanha eleitoral, e, ao invés de um deputado elegeu um policial!
É a hipocrisia do poder. Quando querem se eleger, ficam mansos como os gansos. Quando
alcançam seus intentos, tornam-se egoístas e violentos. Passam até a investigar os movimentos.
Bem sabem estes canalhas, que aos pobres sobram apenas migalhas. E o governo se quiser
assumir o nosso lado, deveria divulgar quanto liberou para cada deputado. Mas aí, mais do que a
confiança, estariam ameaçadas as alianças.
Nada têm a temer aqueles que não partilham o poder! Corruptos são aqueles que com
voracidade, usam o dinheiro público para aumentar as suas propriedades.
Dizem em suas contestações que os pobres usam as verbas para “fazer ocupações”. Isso não
é verdade! Os políticos devem explicar como adquiriram as suas propriedades! E dizer se é falso ou
verdadeiro, que por trás de muitos políticos de direita, vive na espreita um astuto fazendeiro.
Os pobres, se algo têm, é fruto do esforço transformado em conquista, instale-se uma CPI
para saber de onde vieram os bens da bancada ruralista.
Disse-nos Anacaris, um sábio grego muito justo: “As leis são como as teias de aranha; os
pequenos insetos prendem-se nelas, e os grandes rasgam-nas sem custo”.
É o que vemos, e muito isto nos custa. Podemos dizer mais, que enquanto existir classes
sociais, a justiça para nós pobres mortais, sempre será injusta.
Cartas de Amor
Nº 99
À POLÍTICA

Existem muitas formas de fazer política, tanto para os pobres quanto para as classes ricas.
Os pobres usam seus frágeis instrumentos, geralmente os movimentos; quanto a isso os ricos não
têm preocupação, possuem o Estado como organização.
A política, se bem entendida e conduzida, deveria ser a arte de promover vitórias, para cada
povo contar sua bela história. Para os ricos, em qualquer sociedade, esta é apenas uma
possibilidade, porém muito remota. Para eles a política é a arte de produzir derrotas.
Derrotar o povo organizado (para eles, desordeiro), como se não fosse brasileiro. Esta é na
verdade a equação; aniquilar mesmo sem ter razão, aqueles que querem com luta se tornar nação.
Aristóteles ao fazer a sua crítica, disse que os jovens não podiam fazer política. Para Ele,
isso era certo e verdadeiro; e exigia que aprendessem os hábitos primeiro.
Que hábitos têm os latifundiários e os fazendeiros? Os industriais e os banqueiros? Os
liberais e os comerciantes? Que virtudes podem apresentar, se teimam em levar, para a política seus
hábitos ignorantes?
Os ricos inventaram a propriedade, o imposto e o salário. Criaram o direito civil, criminal,
familiar e agrário. Tomaram o Estado e o administram de seu jeito. Sendo assim, a força e a
violência viraram forma de consciência e fazem parte do direito.
O Estado serve de partido, ou seja, protege quem está incluído. Quem está fora, não pode
reclamar, tem o direito a eleger quem deve governar. Os argumentos são sempre fraudulentos: se
escolher mal, que espere outro momento! Se escolher bem e nada acontecer, é sinal que precisa
levar mais candidatos ao poder. E assim o povo fica esperando a esmo, porque, nada pode mudar
quando os hábitos são os mesmos.
Então para os ricos e seu regime, tudo o que ameaça o poder e a propriedade, vira crime. Por
isso é que, sem exagerar, podemos comparar o político capitalista com um homem machista. Este
último, antes de se casar, namorava escondido, era liberal e atrevido. Agora tem a sua própria filha,
fala que “ela é de família”. Quanto ao primeiro, a mesma coisa se dá com o dinheiro. Apropria-se
sem dó das verbas públicas, e deixa depenadas as asas da República. Mas basta um movimento
receber um mísero projeto, que se exalta dizendo que o uso está incorreto.
Para entrar na casa da política existem muitas portas. Entrando nela se encontrará dois lados,
por isso é que nos alerta este ditado: “Político que não presta, faca que não corta, se perder pouco
me importa”. Resta saber, antes e depois de se eleger, como cada político se comporta.
A lição a tirar neste momento é que, política não se faz sem instrumento, pode ser uma
organização, um partido ou um movimento. Mas é preciso que siga princípios solidários, e seja
sempre mais revolucionário. Que ostente a disciplina e a lealdade e tenha coragem de atacar a
propriedade; seja da terra, da indústria, do comércio ou dos bancos, mas, acima de tudo é preciso
que as lideranças não frustrem as esperanças e nunca deixem de ser honestos, democráticos, e muito
francos.
É de se pensar que na política prevaleça um dia, não a opinião de um lado só, como uma
música tocada só em dó, mas, onde de fato a minoria, não se sujeite, mas respeite a opinião da
maioria.
Cartas de Amor
Nº 100
À DEVOLUÇÃO

Os Estados Unidos estão “arrependidos” de seus planos; dizem que vão devolver o governo
ao povo iraquiano. Devolver o que, se nada colocarão de volta? O que irão fazer, é por um fantoche
na mesa do poder, mas não irão embora, do lado de fora, ficarão vigiando a porta.
A devolução é uma hipocrisia. O próximo mandatário é um ex-funcionário da malfadada
CIA. Ficarão lá até quando não se sabe: 160 mil soldados, 3 mil diplomatas e 80 mil mercenários
aterrorizando o mundo Árabe.
Devolverão apenas os escombros, pois manterão em seus ombros a responsabilidade, sobre o
petróleo, o gás, as comunicações, o transporte e a eletricidade. Se não conhecêssemos essa
estratégia perderíamos nossa fala. Só que aqui, a indevida apropriação, se deu pela privatização, lá
no Iraque foi à bala.
Não falam, nem deveriam falar em devolver as incontáveis vidas, nem o alimento dos 10
milhões de famintos e sedentos que vivem sem terra e sem comida.
Não falam em devolver a água potável a 40% da população, que as bombas e os tanques
quebraram a transmissão, poluíram os mananciais e o solo; por essa razão, morrem envenenadas ou
de subnutrição, uma em cada oito crianças ainda de colo.
É verdade! Mais de um milhão de crianças já morreram antes de completar 5 anos de idade.
30 por cento das que ainda vivem, estão condenadas, seguindo a mesma trilha. Isto representa no
mínimo uma morte por família.
O que pode devolver o império sujo e imundo se em cada lar produziu um moribundo?
Como devolver a soberania se os métodos repressivos oscilam entre a humilhação, o terror e
a covardia? Se os presos sem serem interrogados, são despidos e empilhados como caixotes de
verdura? E olha que foram lá para combater a ditadura!!
Como poderiam levar a paz e as conquistas se os interventores são os próprios terroristas?
Para ser franco, sem fazer atalho, Osama Bin Laden, em matéria de terror, há tempo já é carta fora
do baralho. O Chefe das operações não vive escondido, goza de assistência e disputa novamente a
presidência nos Estados Unidos.
O que vão devolver se foi roubada a história? O direito a guardar o tempo e a memória? São
cento e setenta mil obras de arte de valor enorme; como as tabuletas de argila da civilização
Suméria que inventou a escrita cuneiforme.
Onde estudarão as crianças com idade já comprometida, se sete mil escolas foram
destruídas? Não contando os seus lares. Eram estes os alvos militares?
A dor do povo iraquiano é a dor do mundo inteiro. O império faz ali o seu viveiro de
treinamentos e experiências, por isso as suas diretrizes, irão produzindo cicatrizes no corpo e nas
consciências.
É bom que vejamos um jeito, antes que cicatrize em nós a indiferença e o desrespeito, como
se não sentíssemos dor alguma. Porque, há um ditado onde afirma que: quem tem duas, perdendo a
metade, só tem uma; mas quem tem uma não pode perder nada ou fica sem nenhuma.
As duas, são a pátria e a vida. Perdendo-se a primeira, a segunda mesmo ressentida, terá que
defender-se para garantir o rumo do destino, como bem fazem os iraquianos e o povo palestino.
Cartas de Amor
Nº 101
AOS DILEMAS DA HUMANIDADE

Dilemas: os tem o ser humano por causa da consciência. Geralmente são eles conseqüências,
da falta de coerência. Onde, aos olhos da ética e da moral, estamos um tanto mal ou em plena
decadência.
Costumamos situar os dilemas em determinados temas que por certo o capital não trata.
Solto como as águas da cascata, arrasta quem estiver na frente. Atrás vão ficando os doentes, os
famintos e os deserdados; adiante vão as empresas os governos e os Estados, astutos e violentos
como os escorpiões e as serpentes.
O capital despede normalmente milhões de trabalhadores. Dizem os seus defensores que esta
é a lei do “crescimento”. Poucos já têm o direito a se integrar; sobram grandes contingentes sem
com nada se ocupar, recebendo cestas de alimentos.
As empresas desfiam as suas tentações, dividindo entre si as riquezas das nações como as
crianças que escolhem um brinquedo. Uma fica com o rio, outra com os minérios, e assim vão se
abrindo cemitérios de espécies que se extinguem ainda muito cedo.
A ociosidade humana se torna um grande mal, seja no trabalho ou na área cultural, o ser
humano é desconsiderado. Vira um número quando é pesquisado, sem nome, identidade ou
endereço, sua força de trabalho já sem preço, criou a categoria dos desempregados.
Por que esta categoria cresce sempre mais? É porque pequenos grupos querem ganhar
demais, e transformam tudo em dinheiro. Por isto a sociedade torna-se desigual e quem comanda
esta guerra já institucional é o capital financeiro.
O capital com os seus longos braços foi tomando todos os espaços, eliminou por primeiro as
árvores que estavam ao alcance de sua mão, por isso, um terço do planeta está ameaçado pela
desertificação.
A harmonia do planeta está desfeita. São anos árduos e confusos, plantando indecências e
abusos, chega o dia da grande colheita. Aumenta o calor na atmosfera, secam as águas dos rios,
crescem as doenças e epidemias, coisas que não existiam, colocam a vida por um fio.
Quem inventou a poluição, os gases, os agrotóxicos, os venenos e as derrubadas? O lixo
atômico, a borracha e as águas contaminadas? O plástico e o carvão vegetal? Foi sem dúvida
nenhuma o capital que teve sua ansiedade incontrolada.
De tal forma, que vivemos em tempos de dilemas. A cada dia um novo problema, uma
doença, uma epidemia. A cada ano trezentas espécies de vida vão embora, só quem quer não ignora
as questões que o tempo desafia.
É o dilema social que não tem cura. O capital em estado de loucura avança sobre a terra e
sobre a vida. Esta violência pode ser contida, depende apenas de uma decisão, se foi o homem que
inventou a destruição, nele está também a solução e a saída.
Uma coisa porém ainda resta, ouvir a voz da consciência honesta e superar todos os
desenganos; pois é triste concluir este sistema, e perceber que o maior dentre todos os dilemas, é
sem dúvida nenhuma o ser humano.
Vamos! Ainda há tempo de salvar a causa certa. Erguer a voz e colocar-se em alerta, buscar
as soluções através de ações cotidianas. Fortes não são aqueles que tudo desafiam, mas os que se
organizam e confiam, que as soluções, de todas as degradações, estão nas mãos humanas.
Cartas de Amor
Nº 102
AOS PARTIDOS POLÍTICOS

Se os partidos políticos soubessem que em suas mãos há um poder de convocação!

Considerando que não prestam atenção, ninguém é convocado, a não ser para votar
equivocado, confundindo trapaça com democracia, que cumpre a função de arrefecer a rebeldia
num mundo cada vez mais injustiçado.
Se os partidos políticos soubessem quanta esperança o povo empenha em cada liderança!
Considerando que não merecem confiança, não se apresentam para liderar, vivem ocupados
a viajar, propagandeando aquilo que não vêm; a ilusão se transforma em desdém, e a admiração
morre aos poucos, devagar.
Se os partidos políticos soubessem o quanto uma voz altiva cria de expectativa!
Considerando que estão à deriva, esgueiram-se como os gatos à beira das caldeiras; como as
aranhas que tecem nas soleiras, seguem por onde as vaias não chegaram, por isso o que
modificaram foi apenas o caráter de uma vida inteira.
Se os partidos políticos soubessem algum dia, o quanto é bom pertencer à maioria!
Considerando que entendem mal a democracia, articulam-se pela força do dinheiro, como
frangos espalhados em poleiros, colocam-se acima de toda a sociedade, confundem astúcia com
desonestidade e sujam-se como os porcos no chiqueiro.
Se os partidos políticos soubessem de verdade, qual é mesmo sua responsabilidade!
Considerando que seus membros se enchem de vaidades, pelo simples fato de terem sido
eleitos, mas que em seguida de se encerrado o pleito, vão cada qual pagar os seus favores,
comportam-se como os roedores, que fazem das virtudes seus defeitos.
Se os partidos políticos soubessem a maneira, de ir às ruas e empunhar uma bandeira!
Considerando que é uma brincadeira, levam o povo em marchas e comícios, ali usam todos
os artifícios, para conseguir a admiração, intitulam-se salvaguardas da nação, que é obrigada a
sustentar seus vícios.
Se os partidos políticos soubessem que ser normal é sujeitar-se ao capital!
Considerando que este é o poder geral que atenta contra a idoneidade, logo se enchem de
propriedades, vendem a honra como se fosse glória, enquanto o povo continua a espera das vitórias,
duvidando de sua prosperidade.
Se os partidos políticos soubessem que o pacifismo não leva ao socialismo!
Considerando que o capitalismo se fundamenta na força e na violência, o povo deveria
tomar consciência, onde estão as causas da pobreza, se as injustiças não vêm da natureza, é preciso
combatê-las com veemência.
Mas se o povo inteiro então soubesse qual é a razão de ter uma organização!
Considerando que a revolução, não é espontânea nem muito organizada, que a vanguarda
sempre que for criada, deve estar ligada com o povo, um passo após o outro é sempre novo, assim
se forja a longa caminhada.
Considerando que a participação é a condição para sempre ir além, e se o povo soubesse isso;
porém, que é a sua força que forja as mudanças, não deixaria de empenhar sua confiança, em um
partido, um movimento e em si também; mas cuidaria para não ser representado por ninguém.
Cartas de Amor
Nº 103
ÀS SESMARIAS

Sesmarias, eram de certa forma cortesias dadas pelos amigos da Coroa portuguesa àqueles
que quisessem explorar a terra e a natureza, no início da colonização. Era uma espécie de doação
com limites de direitos, os sesmeiros deviam o respeito e garantias aos senhores das capitanias.
Por ser a capitania hereditária, a sesmaria substituía a reforma agrária. O donatário fazia as
concessões, cobrando impostos e doações para garantir o seu poder, mas o sesmeiro não podia
vender nem negociar a sesmaria; era um acordo não uma democracia.
Enfim, veio a independência e esse sistema entrou em decadência, até poucos dias, quando o
governo brasileiro retomou às sesmarias.
Isto ainda está se dando através de um projeto que a Casa Civil está elaborando. Mas, pouca
coisa para elaborar ainda resta, e logo será dada a “Concessão de Áreas de Florestas”.
Sabemos porém que o projeto está sendo proposto e conduzido pela “bondade” dos Estados
Unidos, que patrocinou recentemente, uma viagem ao Ministério do Meio Ambiente para verificar e
eliminar as falhas, comparando a outro projeto parecido, que está sendo desenvolvido, na Austrália.
O império volta a ser Coroa dona da Capitania, e projeta a concessão de Sesmarias; do
mesmo jeito que já era: só pode explorar as riquezas e a floresta, não pode se apropriar da terra.
Esta continua sendo brasileira, com um grande cadeado na porteira.
Ora, todos nós sabemos o que é ser uma colônia e que o império sempre esteve de olho na
Amazônia. Não quer a terra, porque essa em seu país já tem demais, o que quer de fato, é uma
forma de contrato, para explorar nossas riquezas naturais!
O governo se torna o antigo donatário e age como um latifundiário. Governa sem soberania,
pois aceita que o país seja uma capitania.
E ainda há quem aceite e não se importe, com medo da invasão militar vinda da América do
Norte! Acalmem-se, pois não teremos esta sorte! Os governantes darão ao imperador, as riquezas, a
dignidade e o que for, se o povo não desafiar a própria morte.
É a reforma agrária da Capitania, onde o menor pedaço são três léguas de frente como na
velha Sesmaria. É o agronegócio que não terá sócio; explorará à vontade, e deixará ao povo
brasileiro, as favelas, os morros e os terreiros, para exercer a sua liberdade.
Tudo está ficando muito sério, até Banco aqui vira ministério! Está na hora de tomar
consciência e concluir de vez a independência.
Não é por nada, nem por nacionalismo, mas não se pode escancarar as portas para o
imperialismo.
A integração internacional, não pode se dar às custas da exploração mineral e vegetal! Esta
é a integração do capital não da população, pobre e infeliz. É por isso que, quem não tem mais
riquezas em seu país, está fora da globalização.
Por isto estamos todos convocados, a nos armarmos de foices e machados e soltarmos um
brado triunfante. Rumarmos para o lado da floresta, não para cortar as árvores que nela ainda resta,
mas para derrubar a ignorância de nossos governantes.
Cartas de Amor
Nº 104
À OLGA

Há um filme recentemente produzido que o próprio nome já lhe dá sentido. Sentido de


sentir! Se alguém duvidar e disser que não irá chorar ao assistir, pode mentir.
Mas o choro não é de desespero ou de lamento; é uma mistura de orgulho e sofrimento que
toma conta do ambiente o tempo inteiro. É a alma do povo brasileiro, estampada na tela, porque
Olga apresenta-se viva, valente, persistente, solidária e bela.
Quem vê o filme entende facilmente uma antiga verdade, “que os mortos nunca morrem
enquanto os vivos têm deles saudade”. Isto mesmo! Continuam vivos e belos, pois o passado e a
utopia se ligam por dois elos.
O roteiro destaca a força feminina, da criança, da jovem, da mãe, da heroína, sem vacilar um
momento sequer. Por preconceito pode ser que ninguém fale, e os homens que assistem o filme
calem, mas por dentro, no íntimo do pensamento, desejariam ser essa mulher.
Ser Olga no masculino ou no feminino é querer ser sujeitos do destino. É desprender-se de
toda a mesquinhez, ver o futuro com senso de altivez sentindo o aproximar dos próprios passos. É
descobrir que temos um coração e um corpo com dois braços, onde cada qual tem sua função:
carregar uma palma em cada mão para tecer a história como um laço.
Os críticos não compreendem, fingem que não se rendem para a razão sentimental. Mas com
certeza percebem que na revolução tudo se utiliza, a força, a fé, o amor, a pontaria precisa, também
o instinto maternal.
Não será por este detalhe revelado, que o filme está sendo muito criticado?
É belo observar o ar com que cada cena se reveste, mostrando-nos que Olga não foi a
simples mulher de Luis Carlos Prestes. Comportou-se como a mãe que conduz o filho pela mão,
trazendo-o escoltado e protegido, colocando-o no lugar outrora definido, para liderar a revolução.
Como a mãe que protege o próprio filho, salvou-lhe a vida na hora da prisão, gritando um
forte “Não!”, dizendo que Ele estava desarmado. Poderia ter fugido ou se acovardado, mas esta
força superior de mulher firme e coerente, fez com que se colocasse à frente e não ao lado.
Quando pensavam que estava presa e dominada e já não seria capaz de fazer nada, anunciou
a sua gravidez; como a dizer mais uma vez, que jamais renunciaria à liberdade. Quem resistiria em
meio a tanta crueldade, portar-se com coragem e altivez?
Deportada não deixou que a humilhassem. Na cadeia não deixou que a derrotassem nem
destruíssem a sua família. Gerou e pariu a bela filha amamentando-a até o leite secar. Tentou em
vão este ciclo prolongar, para o dia da despedida não chegar.
E ao sentir o fim da vida, na agonia da própria despedida, registrou com naturalidade a sua
dor. E em meio às lágrimas e os lamentos, transformou o próprio testamento numa bela e cordial
carta de amor.
Por fim, ao passar pelas grades do nazismo, não deixou de acreditar no socialismo onde
estava para ela a liberdade. Embora triste, a última cena é bela e forte, a vemos caminhando com
passos firmes para a morte, sem renunciar à sua dignidade.
Cartas de Amor
Nº 105

AO TRABALHO VOLUNTÁRIO

Ernesto Che Guevara disse um dia, que “o trabalho também se faz com rebeldia”. Queria
nos mostrar o caminho, que um ser humano é como um passarinho, pode viver sem estragar o
mundo; é um dos pensamentos mais profundos, legado com afeto e com carinho.
O trabalho voluntário é um jeito de dizer que devemos servir para viver. O papel de alguém
na história é deixar bons sinais como memória, sem nada ter do que se arrepender.
O trabalho voluntário não pode ser uma obrigação é uma sugestão para fazer um pouco a
mais, doar a força para sentir-se iguais no pensar e no dizer, trabalhar é também sentir prazer, por
ver cada sonho acontecer.
O trabalho voluntário é um comprometimento, com o comportamento de sermos a cada
instante, um pouco diferentes. Se, somos seres inteligentes, precisamos provar isto com os atos, não
ser iguais aos ratos que roem simplesmente porque possuem os dentes.
Fala-se no trabalho em sentido figurado, mas é qualquer esforço empregado em torno da
melhoria de um lugar. Onde vivemos devemos cultivar, a beleza, a rebeldia e a arte; isto nos faz
sentir-nos parte de tudo aquilo que é a natureza.
O dia oito de outubro é apenas uma motivação. Deveria ser um dia de avaliação do que
estamos fazendo voluntariamente; na luta ou no cuidado do ambiente, como uma bela referência;
experimentando a força da consciência que cresce sempre mais ardentemente.
A data é significativa, onde a memória mostra-se como força viva, que está presente na
prática dos valores. Como o Che, somos os construtores, do destino de toda a humanidade, o
trabalho como solidariedade, é uma invenção que pertence aos sonhadores.
Che foi um sonhador de tipo diferente. Acreditou que o ser consciente é a maior força de
transformação; viveu para a revolução, entregando o tempo e a própria vida, como uma semente já
colhida, pronta para a germinação.
Voluntário é quem faz as coisas por consciência, enfrenta as resistências que existe dentro
de si mesmo; organiza-se não faz a esmo o que deve ter destino certo. O futuro é um livro
incompleto que se escreve com aquilo que fazemos.
Cada passo é uma palavra escrita. Cada ação é uma frase bonita que se junta a outras frases
feitas. Cada obra edificada é uma colheita guardada na dispensa da história. Cada virtude aplicada é
uma vitória, que na prática acabou de ser eleita.
Voluntário não é aquele que está pronto a ser solicitado, mas já se considera convocado e
agindo permanentemente. Ë quem imagina e faz, tornando-se sempre mais capaz, rebelde,
disciplinado e consciente.
Sejamos como o Che que fez da prática revolucionária uma só atividade. Sonhemos com a
nova sociedade e sejamos seus próprios construtores. Façamos da vida uma jornada, marcando cada
passo desta caminha, com arte, rebeldia e com valores.
Que o tempo em que vivermos seja recompensado, no futuro quando tenhamos dado o passo
de nossa despedida. Como exemplo de velhos seguidores, deixemos aos novos construtores,
heranças de batalhas já vencidas.
Como nos disse o próprio Che sobre os estímulos morais e sua vigência: “É necessário o
desenvolvimento da consciência, na qual os valores adquiram novas categorias”. Seguir o Che é
armar-se com sua rebeldia, com sua dedicação e sua coerência.
Cartas de Amor
Nº 106
ÀS ELEIÇÕES

É bom votar nas eleições? Dizer o que se sente apenas com o dedo indicador? É certo que o
voto é mobilizador! Nos faz ir às ruas e às praças! Mas o que sobra dessas ameaças e de todo esse
processo agitador?
Cada número tem uma ideologia. Mas nem sempre o eleitor diferencia por serem muito
iguais. As cores dizem um pouco mais, mas também não revelam as intenções. O real é que pelas
eleições, as pessoas são chamadas a darem as suas opiniões!
Opiniões sobre aquilo que nos oferecem! Hoje os candidatos que aparecem, se assemelham a
mercadorias. Uns pendem para a rebeldia e transformam as eleições numa guerrilha, mas quase
todos descambam pela trilha, que os leva aos braços da burguesia.
Reformas, e olha lá; pequenas melhorias, nos dá esse tipo de democracia! A democracia
verdadeira é aquela que nos faz todos iguais. Ninguém pode ter demais, enquanto a maioria está
desabrigada! Mas aí, de fato, a eleição não pode fazer nada, as leis e a ordem dão suporte ao poder e
aos capitais.
Mas é fundamental eleger gente boa e honesta! Mesmo que o veículo não presta o motorista
pode ser qualificado! Sabendo que os passageiros não podem ir sentados, precisam empurrar o carro
o tempo inteiro; se assim não for, pára nos atoleiros e nem o mínimo será conquistado.
Dizem que há forças de direita e de esquerda nas disputas. O que há são diferenças de
condutas, onde uns fazem o bem, outros o mal. Há os que visam o social, mas a ambos deve-se
pressionar com lutas.
Isto porque, um governo quando é conquistado, o poder é do partido ou do Estado, o povo
que votou só delegou! Quem assume faz por conta e o povo, sempre paga a conta.
Ou alguém já votou em secretário ou em ministro? Não! Não há na história sequer um só
registro de que isto tenha acontecido! Como então esperar que um só indivíduo, não cometa nada de
sinistro?
Então voltemos à comparação: quando fazemos uma greve ou uma ocupação, temos um
interesse definido. Quando votamos ocorre algo parecido, queremos resolver uma necessidade. A
diferença é que a eleição pertence aos outros, a luta está sob a nossa responsabilidade.
Portanto, a questão assim é colocada: um indivíduo só não pode fazer nada, mesmo que às
vezes diga que vai fazer! Se o povo não se interessar pelo poder, nunca haverá democracia, com
certeza! Pela eleição não há transformação, pois isto não está em sua natureza.
As eleições cumprem com sua função. Aproximam as pessoas, criam motivação por um
tempo definido. Mas ninguém pode ficar iludido que por aí conquistará mudanças. É uma tática
onde colocamos esperanças e por nós mesmos somos sempre surpreendidos.
Sendo assim devemos então dizer, que as eleições só nos levam ao poder quando estiverem
dentro de um processo radical, que visa derrotar o capital e construir outra sociedade. Só votar, não
é nem a metade do que deve ser a luta principal.
Sigamos com os olhos bem abertos. Se o destino ainda está incerto, caminhando ficaremos
mais seguros. Há um lugar que nos espera no futuro para o dia da grande festa; ela será modesta,
mas será nossa! Pois nela só entrará, quem trabalhar na cidade ou na roça.
Cartas de Amor
Nº 107
ÀS ESCOLAS

Não faz muitos dias, uma revista da alta burguesia, resolveu atacar a nossa educação. Disse
coisas nunca vistas. Por estarmos no dia dos educadores homenageamos essas trabalhadoras e
esses trabalhadores, chamando-os de Camaradas Comunistas!
Alegou que falamos de Marx, de Ho Chi Minh, Che Guevara e da revolução. “Isto não está
nas normas do Ministério da Educação!” Mas o pior dito com mais veemência, é que nossas escolas
ensinam que não tivemos independência!
Queriam o que? Que falássemos de Getúlio, Castelo Branco, Médici e Figueiredo? Do
Pinochet, do Hitler ou do Tancredo? Que a Xuxa estivesse na parede e o Homem Aranha nos
salvasse com sua rede? Ou então, mentirmos, que o capital financeiro é quem nos irá salvar?
Seriam esses os heróis, a cultuar?
Mas a revista de índole capitalista, quis chamar a atenção do Governo e do Estado que está
deixando algo incontrolado dentro da República! Pois desse jeito não há como acabar com a escola
pública!
De certo gostariam que nossas escolas fossem clandestinas, para aí terem razão de incluí-las
nas chacinas.
É crime cantar batendo as mãos? “Burgueses não pegam na enxada, burgueses não plantam
feijão, e nem se preocupam com nada, arrasam aos poucos a nossa nação.”
Se é isso que os ofende, podemos escrever uma outra letra tirando-lhe o tom polêmico, e
elogiá-los dizendo que: “Burgueses, do agronegócio, só plantam transgênicos para exportar e viver
no ócio”. Burgueses são burgueses não tem jeito, por mais que se queira ter respeito, devido à sua
ganância imensa, até os elogios viram ofensas.
Denunciou a revista capitalista, nas palavras da maldosa jornalista, que por sinal ainda não
aprendeu a escrever a gosto. Será que não sabe que Sem Terra não é mais um substantivo
composto? Pois com o suor de nosso rosto, nos tornamos sujeitos! Por isso escrevemos com letras
maiúsculas sem o hífen que separa. Esta gramática, aprendemos na vida e nas escolas construídas
com lonas amarradas em varas.
Mas denuncia ela em números estarrecedores que temos quatro mil educadores. Mil e
oitocentas escolas funcionando, e cento e sessenta mil crianças estudando. Mas o que lhe queimou
os olhos igual centelha, foi ver que em cada sala há uma bandeira vermelha.
Será que esta revista capitalista não sabe que a escola é um direito e que para educar não há
somente um jeito? Fundamentalismo é quando nas escolas se aprende a adorar o capitalismo! Ali
sim, de tanto usar só o livro didático, o professor fica lunático!
Por que a jornalista não vai a uma escola urbana de uma periferia, e presta atenção no que se
ensina a cada dia? Ou nas ruas das cidades, nos fornos de carvão, ver o trabalho escravo, talvez
aprenderia a pronunciar de outro jeito, e com respeito, a palavra Revolução.
Que pena que as escolas não são ainda comunistas, onde se pudesse aprender desde cedo a
não ser capitalistas! Porque, além de indecoroso, ser capitalista é muito perigoso!
Nos faz lembrar do velhinho e o escorpião, que após salvar o inseto no riacho, ferrou o
pobre velho bem na palma da mão. Este respondeu com delicadeza: cada um de nós agiu segundo a
sua natureza.
O que esperar de uma revista capitalista? Que elogiasse uma causa humanista?
Cartas de Amor
Nº 108

AO MARIGHELLA

Freqüentemente os dias nos surpreendem, trazendo-nos à lembrança àqueles que não se


rendem. Nem o tempo os elimina, permanecem como as rochas resistentes, entre a névoa da
neblina.
É verdade que o tempo com sua encenação, como se tivesse mãos, coloca os marcos a cada
aniversário mais distantes. Mas, nunca rebaixa os comandantes. Ou seja, o tempo que envelhece não
desce a graduação, de quem pensou, lutou, viveu e morreu pela revolução.
Quatro de novembro, no calendário dos humanos, recordamos que há trinta e cinco anos,
Marighella caiu em uma emboscada. Tombou sobre as pedras da calçada da Alameda Casa Branca
com toda a dignidade que portava. A força que o esperava era a dos carrascos repressores.
Ganhavam para matar cultivadores de jardins que se pareciam às próprias flores.
Marighella era um daqueles militantes que todos gostam de ver, ouvir e apreciar. Contam
que falava devagar soletrando as sílabas como em um ditado. Astuto e desconfiado, não deixava
escapar nenhum segredo. Poeta, seresteiro por consciência, criou uma frase que definiu a sua
essência: “Não tive tempo pra ter medo”.
Foi com Jorge Amado deputado. Cassado ficou sem partido. Resistiu à prisão e foi ferido,
agindo como um pássaro contra o vento. Fez de sua intuição um movimento embrenhando-se sem
medo pela luta armada, teria, se não fosse a emboscada, quem sabe, mudado a história pelos
acontecimentos.
Nos momentos de bastante apreensão, na prova escolar ou no fundo da prisão, a poesia
surgia sob a ansiedade. Como esta que veremos, cheia de ternura, onde, após duras e longas sessões
de torturas, pode assim descrever a Liberdade.

“Não ficarei tão só no campo da arte,


e, ânimo firme, sobranceiro e forte,
tudo farei por ti para exaltar-te,
serenamente, alheio à própria sorte.

Para que eu possa um dia contemplar-te


dominadora, em férvido transporte,
direi que és bela e pura em toda parte,
por maior risco que essa audácia importe.

Queira-te eu tanto, e de tal modo em suma,


que não exista força humana alguma
que esta paixão embriagadora dome.

E que eu por ti, se torturado for


possa feliz, indiferente à dor,
morrer sorrindo a murmurar teu nome”.

Muitos deixam por herança aos descendentes, capitais. Outros deixam exemplos e valores.
Marighella nos deixou a utopia cheia de cores e poesias sempre mais atuais.
Cartas de Amor
Nº 109

A QUEM CONSTRÓI

Tudo o que fazemos com as mãos primeiro edificamos na imaginação. Por isso podemos
destacar que, edificar é primeiro um ato de imaginar.
Quem edifica, mais humano fica. É através da inteligência que desenvolvemos a criatividade
e a consciência.
Podemos edificar um objeto, um projeto ou uma organização. Depende da intenção, da razão
e da capacidade construtiva. A obra tem sempre mais vigor quando é assumida com amor e feita de
forma coletiva.
Homens e mulheres que militam, acreditam em um mundo diferente. Sabem que seguindo
em frente estão dando ritmo ao destino. Levam um sonho peregrino vindo de outras gerações; assim
nascem as revoluções, embaladas por canções e hinos.
Edificar um ser humano é bem mais delicado. Este deve ser reeducado dentro de princípios e
valores. Há os que teimam em ser senhores e há os que dão valor a igualdade. Assim são as
identidades, que nascem e desabrocham como as flores.
O que encanta é o dia da colheita de quem planta. Ali se vê o resultado do esforço
empregado. Mas não fica totalmente satisfeito, quem olha e vê o produto com defeito.
É claro que os erros são normais. Porém nunca podem ser fatais ou nos envergonhar. Se
podia ser diferente e não deixamos. Se o poder de errar ou acertar em nós mesmos concentramos;
então é hora de mudar.
A história de quem luta pode se tornar apenas uma lembrança, melhor é quando ficam gestos
como herança para as gerações que vem depois. De que vale ter poder entre um ou dois, e a grande
maioria estar alienada, como se fosse uma boiada, onde os que andam nem sabem que são bois?
Edificar é o jeito de mostrar como queremos a nova sociedade. É antecipar através da
construção o que já está em nosso coração.
Somos edificantes e edificados. Homens e mulheres lado a lado fazendo o que junto
planejamos. No trabalho de base cultivamos as sementes dos sonhos que plantamos.
Nascemos para forjar mudanças. Os braços agem como lanças, nas lutas, no trabalho ou
folheando páginas escritas; não pode haver coisa mais bonita, do que uma consciência bem
formada, é como o coração da namorada que a faz agir sem se sentir envergonhada.
A você que dedicou anos, meses ou apenas dias para edificar nossa organização. Parabéns
pela dedicação e pelos degraus vencidos. Olhe para os tempos idos e tenha orgulho do que fez.
Renove as intenções mais uma vez, os tempos que virão poderão ser mais sofridos.
Há inimigos por toda parte a serem combatidos. Há os que já estão velhos e corroídos mas
há os que estão jovens e andam mais veloz. O que importa é conhecê-los. Logo em seguida
enfrentá-los e combatê-los; os que estão fora e também dentro de nós.
Somente a luta forja novas criaturas. Ela é a mãe de todas as culturas que ousaram um dia
aparecer. Por isso devemos combater e unidos haveremos de vencer.
Somos construtores e construtoras de um futuro que está apenas no desenho. Por isso é
preciso empenho, esforço e dedicação. Façamos de nossa organização uma força indestrutível, que
sirva como combustível, para levar-nos à revolução.
Cartas de Amor
Nº 110

AO JEQUITINHONHA

As águas do rio Jequitinhonha correm lentas e com vergonha. Levam sangue, lágrimas e
constrangimento, pelas vidas perdidas no acampamento.
Constrangidas não devem ficar as águas nem os que morreram, mas aqueles que não os
socorreram. Agora prendem-se pistoleiros e até um fazendeiro para mostrar que há autoridade. Isso
é apenas fingimento, pois se vemos repetidos os acontecimentos, é do governo a responsabilidade.
A esperança é que as águas desçam devagar, levando a notícia para o mar. Dizendo que o
povo ali já cansado de viver, há séculos perdeu até a força de morrer, então esperançoso decidiu
lutar e com a morte se enfrentar.
O acampamento de Felisburgo nasceu depois que “a esperança venceu o medo”. Mas o
medo senhoras e senhores, só foi derrotado no coração dos eleitores, e não no coração de quem
ganhou a eleição.
Aos poucos tudo está sendo revelado: os inimigos do passado, no governo estão se tornando
aliados. Pode-se ainda ter esperança quando quem governa passou para o outro prato da balança?
Como disse um de nossos companheiros respeitados: “Este governo dirige, mas vê os sinais
trocados”. Ou seja, ultrapassa onde é proibido, anda pela contramão nas reformas, nos transgênicos
e nos direitos adquiridos. Deixou de ser um governo de composição e se tornou de “repartição”.
Na agricultura governam os ruralistas! No sistema financeiro, na indústria e comércio, os
capitalistas. Na reforma agrária, pôs a esquerda burocrática que faz as metas de assentamento se
realizarem usando a matemática.
Os recursos prometidos enchem apenas as páginas dos jornais. Não há necessidade de pedir,
na teoria sempre tem a mais! Até findar o ano, aí, como já não dá mais para saldar os danos,
falsificam-se os números para dizer que estão cumprindo os planos.
Por isso é fácil descobrir porque os latifundiários estão tendo força para agir. Sabem que
quem governa não tem coragem de punir. Matar trabalhadores é a velha cultura destes que se dizem
produtores.
Então é preciso reclamar, dizer que as coisas não estão sendo feitas e que o governo
descambou para a direita. Vem para esquerda quando é para contabilizar as perdas.
Não importa se o presidente tem uma história impecável, invejável nas lutas já remotas,
importa perceber que os pobres continuam a perder e acumulando a cada dia mais derrotas. E do
centro ao fundo dos grotões, aos Sem Terra estão sobrando os caixões.
Repete-se Carajás, com uma diferença: lá tínhamos por ser oposição, para cobrar justiça e
punição, quem hoje governa os destinos da nação. Mas este lado agora está calado.
Presidente: Você sabe o quanto é duro ver bandeiras estendidas sobre o caixão de cada
morto, quando deveriam estar no alto dos mastros tremulando. Mais duro ainda é saber que
morremos porque estamos recuando.
Dizemos mais, com franqueza, tristeza e muita dó: Embora sejam terras devolutas, o sangue
vertido ali nessa disputa, pode ter respingado em vosso paletó.
O que nos deixa indignados, revoltados e impacientes é saber que tudo poderia ser diferente!
Cartas de Amor
Nº 111

ÀS VITÓRIAS

Vitória quer dizer vencido! Um longo caminho percorrido e por isso já está feito. Cada
vitória tem seu jeito e separadamente deve ser contada. Quem fez da luta uma alvorada tem por
herança as lembranças e o respeito.
Vitória quer dizer conquista! É uma caminhada feita de mãos dadas. Para trás ficaram as
forças derrotadas, vencemos por estarmos organizados e por isso festejamos a honra conquistada.
Vitória quer dizer história. Cada passo cuidadosamente colocado se tornou uma referência
em forma de passado.
Muitas outras coisas podem significar uma vitória, o importante é que se encrave memória,
na consciência dos jovens e crianças. Para estes deve ficar a confiança de que é lutando que se
vence. Isto impedirá que um dia alguém pense que vencer é como uma vingança.
Quantas noites mal dormidas se passaram? Quantos dias ensolarados não brilharam?
Quantas horas de espera se perderam? Hoje saudamos os que venceram dizendo-lhes muito
obrigado! Saudamos também os que foram assassinados, conosco hoje renasceram.
A vitória pertence a cada companheira e companheiro. Vencemos a força do dinheiro, a
arrogância e a intransigência. Mostramos que a força da consciência é mais forte que todas
propriedades. Venceu a solidariedade e a auto-estima do povo brasileiro.
Se ontem não tínhamos valor, se nos pertencia somente dor e éramos apenas desgraçados!
Hoje nos sentimos transformados, forjados pela brava luta. Nascemos por uma disputa, feita entre
lados contrários. Iguais ainda são os latifundiários, que, mesmo perdendo não mudam suas
condutas.
Diante dos olhares está a terra conquistada. Dentro do coração a emoção guardada. Nos
sentimentos a obrigação cumprida. Se a terra está hoje repartida, foi, por esforço, coragem e
persistência. Nasce aqui uma nova consciência no lugar onde havia uma ferida.
Aqui crescerão livres as flores, as crianças e as paixões. Ergueremos dentro dos corações
construções de uma nova sociedade. Sabemos que só andamos a metade e que muitos passos ainda
serão dados, mas pelo menos estamos acostumados, a ver a vida com mais dignidade.
Quem poderá duvidar da força organizada? Quem quererá armar outra emboscada para deter
a marcha desta história? Se estamos festejando esta vitória, é porque a merecemos, foi assim que
com paciência aprendemos, que aos humildes pertence toda a glória.
Da terra tiraremos o sustento e juramos sob firmamento, que ela não será comprada nem
vendida. Preservaremos as espécies de vida, cuidaremos da água dos riachos, e quando os arrozais
soltarem cachos e as espigas ao serem colhidas, festejaremos o dia colheita e dançaremos em torno
da comida.
E se alguém quiser saber se a vitória tem sentido? E se a luta voluntária tem valido?
Diremos mostrando cada cicatriz: Tudo tem sentido, tudo vale, quando se tem um sonho que
embale, o desejo de um dia ser feliz.
Cartas de Amor
Nº 112
À FORMAÇÃO

Recentemente fizemos a inauguração da Escola Nacional de Formação. Foi bonito, pois


representou um grito entre todas as desesperanças. Renovamos as lembranças e choramos diante
dos avanços e conquistas. É da natureza socialista, marchar sem desanimar mantendo viva a
confiança.
Revisamos todas a experiências. Reavivamos as nossas consciências por saber que a
formação no mundo inteiro é prioridade. Com certeza, a luta cumpre apenas a metade da missão, a
outra metade é a formação, que se faz com paciência e solidariedade.
Culminou com a festa o grande evento. Embora tenha sido apenas um acontecimento dentro
de toda a trajetória. Pois a escola é apenas um degrau na história que fizemos na busca do
conhecimento. Por isto inauguramos neste dia apenas a simbologia representada naquele
monumento.
O prédio erguido em Guararema, com certeza provocou o sistema. Passará a vigiar com mais
cuidado, para medir as conseqüências deste passo dado.
O capital sempre é perseguidor. Tem o Estado a seu favor que lhes presta serviço com total
dedicação. Faz o papel do mercenário. Enquanto nós cuidamos do processo revolucionário, ele se
encarrega da contra-revolução.
Por isto, “cuidar” companheiras e companheiros, não é apenas olhar para a luta, onde se dão
visivelmente as disputas. Instalarão ali para vigiar nossas idéias e a conduta, dezenas de aparelhos
de escuta, nas salas, na cozinha e nos banheiros.
Tudo o que é grande causa curiosidade. Mas no pequeno é que está a qualidade. Por isto a
formação jamais se confunde com uma construção. A mesma idéia que ergue uma parede fria, pode
levar a prática para a burocracia. É o propósito da formação permanente, que nos faz sempre mais
sábios, lutadores e inteligentes.
A Escola representa apenas um lugar de tantos outros que temos para formar. No trabalho de
base, a sombra da árvore ainda é importante, dali se extrai o verdadeiro militante, integrado ao seu
meio; por isso é que se diz que ele é o esteio.
Costumeiramente o esteio é feito de madeira resistente, extraído do mesmo ambiente onde se
ergue a construção. Este é o princípio orientador da formação, dar a cada ser uma função, como a
árvore que deixa de ser árvore para virar telhado. Se isto for realmente respeitado, jamais vingará
oportunismo e a centralização.
Precisamos alimentar a mística do formar. Que se preocupe em acrescentar em cada
militante mais conhecimento. Formar é trabalhar por dentro, ampliando as formas de consciência.
Com esforço, ternura e paciência, vai-se dando qualidade ao movimento.
A tarefa de formar não deve ser só dos monitores. Dirigentes, militantes e administradores
compõem o mesmo coletivo. O conhecimento é como um ser vivo, se alimenta, respira e bebe todo
dia, com isso alimenta a utopia, que nos convida a sermos mais altivos.
Em fim, cada passo tem seu preço. A escola tem um endereço, mas a formação não! Se tiver,
é o coração de cada militante, que ninguém jamais poderá chegar a não ser com o conhecimento.
Os inimigos, embora mais violentos, não terão êxito apesar das habilidades, se mantivermos a
eficiência, a prudência e a humildade.
Cartas de Amor
Nº 113
À MÍSTICA

Mística é um sentimento que passeia delicado e lento por dentro de nosso coração. Como se
tivesse mãos, coloca o ânimo em cada pensamento. Mexe no comportamento, no jeito de andar,
falar e sorrir; é a força que nos faz sentir, prazer e arrependimento.
Quem tem mística está sempre crescendo. A cada dia sente-se renascendo nas coisas que vai
realizando. Seja na base ou no comando, a mesma energia se manifesta, como a alegria em uma
festa, instiga quem está participando.
Mas a mística não é só bondade, as vezes serve-se da ansiedade para angustiar o corpo
inteiro. Como uma chama no candeeiro que bebe o líquido que está dentro, provoca todos os
talentos e esgota as capacidades. Desafia as habilidades para enfrentar certos apuros, nos cobra para
sermos mais maduros diante dos acontecimentos.
Às vezes se confunde com paciência, penetra fundo na consciência e nos convida a esperar.
Nos pede para irmos devagar para não estragar tudo, mantém a emoção a flor do couro cabeludo e
excita os olhos a chorar.
Para alguns a mística é simples emoção, para outros é dedicação; depende da convicção que
se tem com a causa objetiva. Manifesta-se de forma desigual, frágil quando é individual, forte
quando é coletiva.
A diferença a se comparar, está na capacidade de sonhar. Embora alguns sonhem sem nada
edificar, há os que vão os sonhos construindo. Os dois lados, andam juntos e separados, são os
ativos e os acomodados. Os primeiros sonham acordados, e os demais sonham estando dormindo.
Assim fazem-se os edificadores; homens e mulheres em plena construção, que sentem,
choram, vibram e correm, mesmo dispersos na mesma direção.
A mística empurra quem procura. Não deixa desanimar. Mesmo na exaustão de procurar ela
incentiva a tentar mais uma vez. Até na hora que estamos desistindo, aparece e como a flor se
abrindo, nos traz um sentimento de honradez. Com sua energia plena, nos diz que tudo vale a pena.
A dúvida durante o caminhar é natural que exista. A mística nos faz acreditar que há outro
lugar além deste que alcança a vista. Mas, cuidado, a mística também pode morrer, é só deixar de
crer, de gostar e de querer.
Vive em nós enquanto há ânimo e curiosidade, como para ver o nascimento. Faz-nos sentir
que o tempo passa lento quando temos pressa, ou rápido demais quando está boa a conversa. Querer
ficar e ir ao mesmo instante; estar próximos e em seguida bem distantes, mantendo sempre a
lealdade na saudade submersa.
Mística não é um teatro, é atitude! Mantém a energia da juventude, mesmo quando
envelhecemos por fora. É como o tempo que ultrapassa as horas e desrespeita a lógica dos
ponteiros. Ela é a razão que nos faz ser herdeiros e herdeiras, de sonhadores que nunca foram
embora.
Sem mística pode-se andar, dar passos, mas nunca sentir o prazer de um forte abraço;
porque, é certo, real e verdadeiro, para andar só, basta ter duas pernas, para lutar e amar precisa
dispor do corpo inteiro.
A mística enfim é uma força crítica, que nos ajuda na prática política a garantir o rumo e a
unidade. Mas, de nada vale querer o socialismo, se não cultivarmos o companheirismo, a alegria e a
afetividade.
Cartas de Amor
Nº 114
ÀS MARCHAS

Marchar é um jeito de mostrar o descontentamento com algo que não anda bem. Quando
marchamos passamos a ser alguém de forma coletiva. Seguimos como uma locomotiva que tem
destino certo. Andando, o longe fica perto, embora a viagem seja cansativa.
Todas as marchas são forçadas, seja para ter a terra conquistada ou como retirantes fugindo
da seca que atormenta. Os motivos podem ser diferentes, mas a forma enfileirada para seguir em
frente, é sempre a necessidade que atormenta.
Marchar então é uma reação. Uma forma de expressar a situação que somente quem está
sentindo vê. Descobriu a razão e o porquê as coisas andam mal. A marcha é apenas um sinal do que
pode vir posteriormente; assim tremem os governantes e os donos do capital.
A marcha também é rebeldia, quando a força adquire ideologia. O projeto se torna a utopia,
e os passos o meio de implantá-lo. E assim os pobres passam a estudá-lo; a compreendê-lo e a
coloca-lo em prática. Lutar é o verbo na gramática; que só quem luta sabe conjugá-lo.
Exemplos de virtudes é o que os poderosos não suportam. E tão maldosamente se
comportam que chegam a estrada obstruir. Sabem que terão de fugir se um dia o povo inteiro reagir.
Será a última jornada daqueles que viveram até então sem fazer nada.
A marcha é uma festa prolongada. Seja na beira das estradas ou nas praças de vilas e
cidades; pode-se ver como as necessidades unificam a alegria e os sentimentos. Embora estejam
longe os pensamentos, o sentido está na solidariedade.
Marchar apesar de tudo é um prazer. Anda-se de manhã até o escurecer só para chegar mais
perto. O horizonte carrancudo e encoberto, guarda o lugar que nos espera. Mais dias, menos dias as
bravas feras, em suas jaulas temerão o povo em campo aberto.
Quem marcha nunca mais volta a ser o que era antes. Os lugares estranhos e distantes
ficarão presos ao pensamento. Por anos lembrarão dos bons momentos e das oportunidades
perdidas, é a consciência de forma engrandecida, que deixará cada qual um pouco mais atento.
As marchas pertencem a quem caminha. A quem leva a cama e a cozinha sem pressa de ir
ou de voltar. Tudo se resume em caminhar na vida ou na luta. Para a história somos sempre
recrutas, a cada dia é um novo começar.
Nos olhos de quem vai há esperança. No coração de quem não vai ficam lembranças, que se
visitam pelos sentimentos. O tempo reserva os bons momentos para as recordações, que explodem
em poesias e canções, sufocando as dores e os lamentos.
Quem marcha é em tudo superior, da polícia ou do governador, do deputado, senador ou
presidente. Do juiz, promotor e do gerente, todos são de quem luta inferior. A diferença está no
esforço e no suor, que verte quente em quem anda organizado, diferente de quem tem o suor preso,
seguro pelo ar condicionado.
Quem marcha do campo até a cidade, leva da terra a dignidade e persiste porque acredita.
Não haverá uma pátria mais bonita, sem os passos que se tornam consciência. A marcha ensina a ter
coerência, paciência e bondade infinita.
Porém, marchar, é o ato de lutar. Se necessário, até o dia em que existir adversários.
Cartas de Amor
Nº 115

ÀS LUTAS

Quem inventou a luta? Teriam sido os pobres, as prostitutas, os escravos, as mulheres e


homens desempregados? Teriam sido os desocupados, os camponeses e operários? Ou os
revolucionários que viveram eternamente indignados?
Não importa com quem ela surgiu, quem foi o inventor que a descobriu, nem tampouco se
não há registro na memória. Importa saber, que a luta veio aparecer, no dia em que iniciou a
história. Ali foi o ponto de partida e acompanhou a humanidade em toda a sua vida, pois viveu até
aqui, em classes dividida.
Como justificar que a luta ainda persiste? É que, há tempo, também na era atual, para o
capital, os desempregados, sem-terra e deserdados não existem. Estes só existem, disse Karl Marx
em tom certeiro: para o policial, o juiz e o coveiro.
A luta então é o ventre onde nascemos de novo. Agora como povo e organização. Lutar é
uma profissão, como a de ser pedreiro ou carpinteiro, precisa se envolver de corpo inteiro.
Quem luta busca saídas, por isso reinicia a vida. Começa um novo dia, com alegria e
satisfação. Há quem se acomode diante da opressão, mas há aqueles que lutam para buscar
mudanças. Quem luta sempre é criança; artista da conspiração.
Há dias em que as propostas nos enganam. Nos tentam, comandam e nos fazem pensar mais
profundamente. É como uma muralha na vertente, que se levanta pra cercar a água corrente.
Assim a luta arrefece, a força se contrai, quase desaparece. Há quem pense que tudo está
acabado. Engano! Há um tempo reservado também para a maturação! Onde a força e a razão entram
em descompasso. Devem se reencontrar para enfileirar os novos passos.
Então o ânimo e o vigor enfrentam o frio e o calor, não importa o clima, é sinal que renasceu
a auto-estima. A cabeça segue erguida, mesmo que os pés reclamem das feridas.
Lutar, lutar é sempre atual! Embora a força desigual aponte para derrotas objetivas, mas elas
nunca são definitivas, por isso é importante enfrentar as conseqüências. Se a derrota é material, a
vitória é moral e no crescimento das consciências.
A vantagem na luta não está nos armamentos, mas naqueles que suportam os sacrifícios e os
sofrimentos. Aí está a diferença! A técnica nunca vencerá a crença de que o ser humano é o
elemento principal. De nada vale o poder do capital, se a força humana não marcar presença.
Por isto a luta é uma herança, de ações, idéias e esperanças. Quem luta agora assume o lugar
de alguém que foi embora. Partiu contrariado, arrancado das fileiras, foi enviado à frente para agitar
bandeiras. Para assinalar onde devemos chegar, sem nos desviar.
Assim na vida (se formos muito ativos), após a morte seguiremos vivos, apenas mudaremos
de fileira, para testemunhar a história inteira.
Lutar sempre é o alimento da consciência! Encher-se de desobediência é a ordem e o
conteúdo! Não esquecer do estudo; com ele firmamos a ideologia. Cuidar também da utopia, da
alegria e da beleza! Amar e cultivar a natureza, ela nos ensina o valor da gentileza.
Cartas de amor
Nº 116
À SUTILEZA

Sempre que agimos de forma astuta e com destreza, lançamos mão da sutileza. Ela é a
ciência que nos ajuda a utilizar melhor a inteligência.
Mas como tudo tem dois lados, ela pode ser usada com gestos delicados ou para constranger
e deixar alguém embaraçado. Pode servir de alerta e também de precauções. No fundo, a sutileza
sempre esconde segundas intenções.
Foi o que vimos esta semana, quando no mundo todo foi notícia a Cúria Romana. Por ter o
Papa falecido, o fato deixou o mundo comovido.
Fiéis de todas as religiões fizeram a peregrinação, por respeito ou devoção, demonstraram
que a sociedade não se divide entre ateus, muçulmanos e cristãos. A fratura que separa a sociedade
continua sendo a desigualdade.
A mídia, principalmente brasileira e norte americana, aproveitaram durante esta semana,
para fazer um longo comercial. Tomaram em suas mãos o funeral e deram a ele um sentido de
vitória, dizendo que: “Este foi um Papa que mudou a história”.
De fato foi uma referência, mas tenhamos um pouco de paciência. Da forma como foi
apresentado, teria ele derrubado, todos os governos socialistas e restabelecido, no Leste Europeu, a
ordem capitalista.
Com certeza o Papa não era socialista, nem tampouco foi um ideólogo marxista. Restringiu
o crescimento das pastorais pela ótica progressista, nomeou bispo e cardeais conservadores,
manteve os dogmas restritos ao velho conteúdo e a rigidez da ordem sobre tudo.
A sutileza da mídia capitalista foi pintá-lo como anti-comunista. Como se a ação de um
homem só tivesse o poder de fazer virar pó, toda a trajetória socialista.
O que está ocorrendo é que o império está perdendo a guerra contra os muçulmanos, por isso
precisa novos planos e aproveitou-se do momento comovente, para fortalecer a divisão entre
Ocidente e Oriente. Como a dizer: se lá tem a força do islamismo, aqui temos o cristianismo.
É a diretriz do capital, fazer crer que há uma guerra entre o bem o mal. Mostrando que no
mundo há os bons e os terroristas. Os bons estão do lado dos cristãos, os maus com os muçulmanos
e socialistas.
Não destacaram que o Papa se colocou contra todo tipo de violência e com veemência,
contestou guerras e defendeu bandeiras libertárias. Insistiu com precisão na realização da reforma
agrária. Esteve em Cuba cumprindo seu papel e concordou com o governo de Fidel.
O império com toda a sutileza, mostrou o Papa despido de riquezas, amigo e ídolo da
juventude. Basta querer a paz e a alegria, esquecer os direitos e as garantias, deixar de lado a
rebeldia e conter-se das bravas atitudes.
Induz ainda ao sacrifício enquanto a crise passa, prestar atenção agora na fumaça que sairá
da chaminé do Vaticano. Se for preta, o consenso está distante; se for branca tudo será como antes,
o capital combaterá o mal, encravado no coração de socialistas e muçulmanos.
De nossa parte sutileza, é usar também da esperteza e aproveitar tudo como lição. Continuar
este momento de unidade, sem separar raças, credos ou entidades, e irmos juntos para a revolução.
Cartas de Amor
Nº 117
ÀS JORNADAS

Há dias em que os raios do sol já nascem quentes. Desmancham o orvalho caído em cada
flor; despertam o pássaro cantador e a vida toda se move de repente. Sinal que a noite foi embora e
o dia inteiro teremos agora, para sonhar e lutar intensamente.
Jornadas são assim, tem início e fim. O que anima, a sempre recomeçar, é que nunca
partimos do mesmo lugar. Sempre estamos um degrau acima, como em uma rima que empreende
uma canção, como a raiz cortando o chão, que não duvida da própria direção.
Há jornadas que terminam empate; ninguém vence o combate. Há outras de duro cansaço,
em que se avança só um passo. Há jornadas de trabalho nas fazendas e canaviais, que parecem não
terminar mais.
Há jornadas na cozinha, na casa de farinha, no escritório, no laboratório, nas salas de aulas
cercadas como jaulas. Na igreja onde se deixa na bandeja, a recompensa pelas ofensas e pecados, o
dízimo do trabalho suado.
No ônibus exprimidos, nos empregos demitidos, no velório da matança de crianças. Frente
ao espelho onde se ajeita a trança para a entrevista; no transporte como motorista levando a
produção cheia de exploração.
Jornada da luz cortada. Da torneira sem água e o prato sem comida. Onde a ferida recebeu
outra pancada. Onde o aluguel venceu, um parente morreu, o vizinho se exaltou. Jornada onde
desabou como recompensa, sobre a cabeça uma infinidade de ofensas.
Jornada nos acampamentos, sem notícias, sem acontecimentos, nem a polícia foi ameaçar.
Jornadas que teimam em não passar emendam a noite com o dia; jornadas sem sabedoria que só
ensinam a esperar.
Jornada de prisão política, onde a lei se tornou crítica, valendo-se até das entrelinhas. Onde a
força mesquinha do poder judiciário impôs o seu receituário.
Jornadas de lutas, greves e marchas, onde se escracha o patrão e o governante. Ali se vê
mais confiantes as lideranças; onde se canta e dança sobre as grandes vitórias. Onde se experimenta
a glória e se ensaia os passos da mudança.
Jornadas onde a força se acumula, onde se emula a militância. Jornadas de grande
importância que ligam as várias gerações. Que integram multidões em torno de algum objetivo.
Jornadas onde cada ser vivo, se move e aparece, como se dissesse: não há mais tempo para ser
cativo!
Jornadas de descanso onde o ser se torna manso e volta para si. Se põe a refletir sobre os
hábitos que pratica. Onde se explica para a própria consciência. Faz a transferência da intenção para
a atitude. Onde os valores e as virtudes se tornam referências.
Há jornadas que não dão em nada e há aquelas de grande serventia. Importa é pensar que
cada dia é importante para cada geração. O tempo em que vivemos é de conspiração, precisamos
agir por caminhos ilegais. Aproveitar cada fresta que aparece dentro da conjuntura para avançar de
forma mais segura; porque, as oportunidades voltam, mas o tempo, este não volta mais.
Jornada é mais que um dia, tem causas e conseqüências, é onde forjamos a experiência de
nossa existência, esta compõe a nossa identidade deixada de presente para os nossos descendentes,
que levarão em frente à história da humanidade.
Cartas de Amor
Nº 118
À AGROECOLOGIA

A agricultura é uma antiga profissão, onde se aprendeu com as mãos a cuidar da vida, a
produzir comida e a cultivar a natureza. Descobriu-se o valor da gentileza convivendo com as
árvores da floresta, por isso as colheitas eram diárias, não havia as classes proprietárias e tudo
seguia em grande festa.
Mas um dia surgiu a propriedade. Um sujeito daquela sociedade se excedeu. Como se
armasse uma barraca, foi na mata e voltou com quatro estacas, marcou o espaço e disse: isso é meu!
Os que viram tal façanha, acreditaram e igualmente o gesto repetiram, e entre si a terra
dividiram.
No início a própria natureza equilibrada, produzia os frutos sem precisar de nada, alimentava
o povo inteiro. Os predadores, se tratava com carinho, não eram insetos nem doenças, mas uma
quantidade imensa, de animais, peixes e passarinhos.
Um dia as árvores já cansadas de tanto serem exploradas e pisoteadas em suas raízes, sem
querer entraram em crise e diminuíram os rendimentos. Os homens, ao invés de adubá-las e
melhorá-las, passaram a derrubá-las e a queimá-las; plantaram outras diferentes para garantir o seu
sustento.
O fogo virou instrumento de trabalho, lambendo as folhas, os caules e os galhos, fazendo a
limpeza do terreno. Matava os insetos mais pequenos e espantava os maiores do lugar. E assim se
deixou de preservar até que a selva se acabou, então mais tarde se inventou o veneno para o fogo
auxiliar.
Na atualidade as mãos que tinham utilidade ficaram desempregadas. Não querem mais pegar
na enxada, nem alisar a aba do chapéu. Os olhos se voltam para o céu, somente para ver o avião
pulverizar. A lua já não tem mais serventia, a técnica impõe a sua sabedoria, envenenando a terra a
água, o ar...
Agroecologia não é uma técnica diferente de produzir alimento é uma mudança profunda
no comportamento que muda a vida do agricultor.O respeito é o maior valor, o cuidado acompanha
o planejamento, mostrando que se pode ter o alimento, deixando de ser destruidor.
A agroecologia é contra o capital que explora, devasta e vai embora. É um nível de
consciência universal, convida o ser humano a ser cordial, amigo da fauna e da flora.
A agroecologia é a volta da alegria, o combate a nostalgia e a decepção. As espécies
equilibram a convivência, e o ser humano com sua inteligência, deste meio tira a sua produção.
Agricultura e ecologia são partes altamente combinadas. Enquanto a segunda estuda a
interdependência dos organismos vivos, a primeira cuida do cultivo, onde as mãos são muito
utilizadas.
Enfim a agroecologia não uma teimosia da pequena agricultura. É uma forma de tornar mais
segura a vida e o cultivo dos valores. É o modelo dos trabalhadores, que se insurge contra o
agronegócio, que usa pesticidas, para matar a vida, para ficar no ócio.
A agroecologia é um princípio moderno, tão necessário quanto o leite materno para a
sequência das futuras gerações. Quem quiser ter vivos os seus descendentes, terá que cuidar daqui
pra frente, da terra, da água, das plantas, insetos, animais, dos pássaros, da alegria e das canções.
Cartas de Amor
Nº 119
AOS QUE MARCHARAM

Esta carta ganha mais importância por estar dirigida à militância. A uma militância
destinada, que ousou se insurgir pelas estradas em busca de grandes soluções. Desafiou os cerrados
e os grotões, dando um sinal de alerta. Fizemos o que devia ser feito, com clareza e com respeito, o
que era pra fazer na hora certa.
Dissemos na saída, de forma confiante, que cada um de nós seria muito importante, mas não
sabíamos apenas a metade. Quando chegamos percebemos o resultado, que a marcha tinha se
projetado, pelo país e por toda a humanidade.
Mas é preciso frisar por um instante, a questão não é só ser mais importante, como pessoa ou
equipe de serviço. Porque sabemos que acima de nós, há um movimento que sustenta a nossa voz;
nos mantêm firmes e ligados aos compromissos.
Elegemos como referência o valor da gentileza, somente ele teria tanta grandeza, para
acolher a determinação. A marcha foi sem dúvida a grande escola, onde o bailar de nossas solas
serviu de caderno. Há os que ainda dizem que somos atrasados, incultos e ultrapassados; ficar
parados, calados e humilhados, de certo para estes é ser modernos?
As noites do cerrado eram frias, como o coração da burguesia que não vibra, não canta, não
planta. Não ama, não clama, somente sente, raiva e calafrios. Mas o dia era cheio de calor, onde os
passos mostravam com vigor que é possível enfrentar limites e desafios.
Sempre ao clarear do dia iniciava uma nova romaria. O Estado que puxava as longas filas,
mais cedo agarrava suas mochilas. Tinha que chegar primeiro, onde a ocupação deveria assustar
mais um grande fazendeiro. Treze foram feitas nesta combinação. A equipe de acomodação se
adiantava para quando chegasse a multidão, os colchões já estivessem estendidos, para que os mais
enfraquecidos, pudessem descansar o coração.
Na saída nada era esquecido, o lixo era todo recolhido e o local era deixado como estava. De
uma coisa é que ninguém lembrava, concertar a cerca arrebentada; é que o Sem Terra não nasceu
pra fazer cercas, mas para derrubá-las.
A marcha marcou muito profundo a nós e o coração de “todo o mundo”. Mostrou, que aos
esquálidos e rejeitados, foi dada a tarefa de manter acesa a chama, para indicar o caminho de quem
ama, que se plantarem haverá colheitas, e assim as novas gerações serão bem mais perfeitas.
Você que marchou diga a quem perguntar, que não há coisa melhor do que marchar e lutar
contra os opressores. Ficar frente a frente com os dominadores e passar pelos caminhos planejados,
a polícia, os juizes, governos e deputados, nada podem fazer, quando a fraqueza se enche de
certezas, é sinal que vai vencer.
A tarefa companheiros e companheiras, está cumprida. A reforma agrária está de novo
envaidecida, anunciando que a terra poderá ser repartida. Basta que o presidente se empenhe a cada
dia, combata o oportunismo e a covardia de seus ministros e assessores; e que jamais se esqueça,
que a marcha foi apenas o canteiro, e que nós cultivadores somos como o jardineiro, que planta
porque quer cheirar as flores.
Tudo será diferente daqui pra frente. Temos que lutar mais, estudar mais, conviver mais,
produzir mais, ser bons filhos e ser bons pais.
Guarde no portal da sala pendurada a sua mochila, para que ela sempre puxe em filas os
valores mais profundos. Jamais se cale ou pense em desistir, pois você ajudou a construir, mais uma
das grandes maravilhas deste mundo.
Cartas de Amor
Nº 120
AO FUTURO

Quem acredita no futuro caminha um tanto mais seguro. Há os que pensam que a semente
pereceu, que a Pátria não tem mais sentido e que o sonho morreu. É uma pena, porque há tanto
vigor contido a espera de quem lhes dê sentido...
Quem segue lutando está sempre semeando. Há os que temem o horizonte, não arriscam
nenhum passo, vivem no compasso da frustração de ontem. É uma pena, porque quem semeia o
campo da utopia, está deixando muito mais que impressões digitais, deixa heranças de razões,
baladas e canções que enchem os corações de encantos e alegrias.
Quem confia na razão não descuida da emoção. Há quem pense que o homem é somente
racional; a mulher é do mesmo material, por isso cabe à frieza do mercado, a tarefa de mantê-los
ocupados. É uma pena, pois há tanta criatividade sem utilidade. O excesso de civilização jamais
poderá conter a força da paixão e o prazer de amarmos de verdade.
Quem se organiza, não se atemoriza. Há os que temem o desconhecido, calam-se diante dos
desmandos e obedecem as ordens e os comandos. É uma pena, porque é tão bom participar, deixar-
se utilizar como instrumento das mudanças. Encher o coração de confiança, levar uma idéia para a
prática. Inventar uma nova gramática, onde se conjuga o verbo da esperança.
Quem junto segue pela trilha, partilha. Há os que acham que a competição é a única norma
da civilização. É uma pena, pois a cooperação que embasa o princípio da solidariedade, tem suas
raízes na velha convivência, foi quem abriu as dobras da consciência, e é quem garantirá a
seqüência da nova humanidade.
Quem os sonhos carrega, não se entrega. Há os que se deixam corromper, aceitam até vender
os princípios e os valores. É uma pena que estes desertores não saibam como é belo resistir, não se
prostituir, nem se deixar acovardar. A maior herança que se pode preservar, são os exemplos de
bons cultivadores.
Quem acredita no que sonha, nunca se envergonha. Há quem pense que sonhar é proibido,
que imaginar é tempo perdido e que viver é um eterno depender. É uma pena, pois há tanto por
fazer, que ninguém pode queixar-se de estar sem ocupação. Cada instante é um tempo de invenção,
não se pode deixar bater inutilmente o coração.
Quem sabe os direitos que tem, não se deixa humilhar por ninguém. Há os que pensam que a
força e a violência são educativas, que bastam as campanhas ostensivas para pacificar a sociedade.
É uma pena, pois a desigualdade que gera a violência, jamais é combatida, e fica sangrando esta
ferida, enquanto uns poucos se divertem na luxúria e na opulência.
Por fim, quem confia sempre desafia. O futuro não é uma distância imensa; nele nos
esperam as recompensas. Vale a pena sonhar, lutar, ter crenças. Sobrou a nós esta tarefa de insistir,
de querer, de investir nas diferenças. Ânimo, força, coragem e esperança, o presente é como uma
criança, o futuro é uma paixão imensa.
Quem lutar, no futuro terá tempo para amar, cantar, sorrir e conviver. Quem parar, terá
tempo de fingir, fugir, deixar-se destruir, morrer... Que as futuras gerações que ainda vão nascer,
possam se orgulhar de quem viveu para deixar, um pedaço de futuro por fazer.
Cartas de Amor
Nº 121

AO COMPORTAMENTO

Na vida sempre há certos momentos, que precisamos olhar mais para o comportamento. Não
de forma moralista, mas pela ética socialista. Naquele velho e bom sentido, de ver um dia
construído o “homem novo”. O “homem novo” significa o povo, não uma ou outra pessoa isolada.
Esta é a grande empreitada que a história nos legou sem dizer nada.
A história é às vezes silenciosa, teimosa, dificulta todas as saídas. As forças ficam
enfraquecidas e presas dentro das consciências. É o tempo de se ter paciência, melhorar a
convivência e as relações humanas. Isto não é pouco! É um avanço medonho! Se tomarmos como
referência os sonhos, agredidos pelos golpes dos sacanas.
O comportamento é como uma lavoura, se cultiva. Há os que se escondem por trás das
“cercas vivas”, cheias de espinhos e ficam ali sozinhos cuidando a propriedade. Mal sabem que a
fragilidade é maior quanto mais nos isolamos, mais penamos, e menos ajudamos a mudar a
sociedade.
É a convivência que orienta o coração. Por isso há coisas que aprendemos com razão, outras
completamente erradas; como se escrevêssemos em folhas amassadas, a sentença de uma
condenação. Às vezes até na brincadeira fazemos coisas que nos marcam a vida inteira.
A cultura também são as travessuras! Repetimos tantas coisas que aprendemos que às vezes
nem sabemos porque existem. Viram vícios, desvios e então resistem, quando alguma coisa
tentamos transformar; seja beber, fumar, jogar... são como péssimos inquilinos, que brigam para
não se deixar desalojar.
Os vícios em nós conquistam seu espaço. Mesmo que digamos: “Eu não faço!” em seguida
estamos executando. É uma força que exerce outro comando e desvia o rumo da intenção; não é
fácil combater este dragão, pois nas entranhas vive em nós se alimentando.
A propósito, um exemplo até infantil. Tentava o avô já bem senil, convencer o neto
revoltado, que, por razões desconhecidas, com o amigo tinha se desentendido e brigado.
Dizia o avô ao neto que não parava de chorar: “Você precisa relevar, o ódio só faz mal ao
coração!”. Como não conseguia do neto a atenção, decidiu uma anedota fantasiar.
Disse ele em um tom meloso: “Há dias que também me sinto assim, como se tivesse aqui
dentro de mim, um lobo bom e outro raivoso. Os dois vivem brigando e disputando espaço e levam
a vida assim neste cansaço”. “E qual dos dois vence no fim?” Perguntou o neto contendo o choro e
o lamento. Respondeu o avô, num gesto fraternal: “No fim vencerá o animal, que a cada dia eu der
mais alimento!”.
Por isto é que dizemos, que a vida é preciosa, mas pode tornar-se uma aventura perigosa se
não tivermos o mínimo de cuidado. Nascemos para ser “mal educados”, pois é assim que nos
querem as forças do mercado.
Quando entendermos que a propriedade vale menos que uma vida, que cada vício é uma
grande ferida que temos sangrando na consciência, então é a hora de mudar; de iniciar a construir
novas referências; seja na economia, na política ou na ideologia.
Mas, se ao tentar mudar percebermos que as forças recuam no momento exato! Temos que
parar e sem medo perguntar: Sou um ser humano ou sou um rato?
Cartas de Amor
Nº 122
À SALVAÇÃO DA ALMA

Vivemos em tempos críticos, onde o mercado está comprando até a alma dos políticos.
Há os que dizem que ainda há salvação. Outros afirmam que vivemos o “já e o ainda não”
para adentrar na barbárie generalizada. Há os que fingem resistir, espernear e se insurgir, com as
pernas e mãos atadas.
Vejamos a atual situação. O Presidente afirma (com a língua entre os dentes), que, “Não será
irresponsável e inconseqüente, vendendo a alma para garantir a reeleição!”.
Há quem diga que o Presidente é um homem precavido, fala que: “Não venderá!” porque já
a pode ter vendido. Se não a sua pessoalmente, mas a alma do governo e a do partido, que tem
mostrado também ser comprador, não da alma do eleitor no tempo da eleição; mas de deputados
através do “Mensalão”. Está para se provar, se é verdade ou não.
“Mensalão”, (poucos sabem), é uma palavra nova da língua portuguesa, que repete a velha
prática burguesa, em que se faz do Congresso Nacional uma empresa de negócios. Ali, “os
políticos” como sócios, (dando a volta por cima), se oferecem como matéria prima.
E o pior é pensar que há anos a esquerda partidária, parlamentar e sectária, que gosta da
gravata e do casaco, tentou enganar o povo, que sempre repetiu e repetirá de novo, que, “Os
políticos são farinha que estão no mesmo saco”.
É claro, há sempre alguma exceção! Mas, cada vez mais precisamos de um lampião, para
encontrá-los e saudá-los.
Há informações (demonstrou Paulo Nogueira), que nas últimas eleições presidenciais
brasileiras, forjaram-se alianças que fizeram “o medo perder as esperanças”. Firmou-se um acordo
cavalheiro entre os presidenciáveis e o capital financeiro, a Globo, as grandes empresas nacionais e
do estrangeiro, dando conta de coisas corriqueiras, que não se mexeria no modelo econômico, nem
se conteria a ciranda financeira.
O que fez o medo novamente derrotar a esperança? O excesso de confiança. Talvez alguma
coisa a mais: a experiência dos dissídios sindicais, onde por força da pressão, sentavam frente a
frente, o sindicalista e o patrão, e tudo se resolvia na negociação.
Ocorre que a política está acima das práticas sindicais. Os interesses são mundiais e a
consciência de classe vai além das questões espontâneas e superficiais.
Indo para o final do mandato, os parasitas querem refazer o contrato e apoiar a reeleição, por
não ter outro candidato. Atacam com antecedência para acuar a presidência.
É preciso inteligência e muita calma. Na política só não vende a alma, quem faz aliança com
o povo. Este alerta não é novo, é muito antigo! Os ricos sempre premiam com castigos os pobres
que querem tomar o seu lugar. Às vezes até são dóceis, para fazer-nos trabalhar em seu benefício.
Governar para os ricos é um grande desperdício.
Salvar a alma é resgatar a ética e os valores, das mãos dos fornicadores do patrimônio
público e da moral. É saber que há uma classe que endeusa o capital e a ele entrega a sua existência.
Para enfrentá-la é preciso consciência, luta e organização. Não ceder para a corrupção e usar a
determinação ao invés da complacência.
O provérbio é lúcido e certeiro: “Quanto mais abaixamos a cabeça, mais levantamos o
traseiro”. O que mais quererão depois da alma, companheiras e companheiros?
Cartas de Amor
Nº 123
ÀS MENSALIDADES

Em nossa sociedade tudo funciona por mensalidade. É só sair às ruas e prestar atenção que,
lá se vê gente empilhada em um balcão, para pagar as dívidas do mês, um de cada vez, alimenta o
mercado e a extorsão.
Pagando o berço das crianças, o enxoval, as alianças, o terno, e a costureira, a doceira e a
parteira; dívidas atuais e atrasadas, vêm todas misturadas, que atormentam, às vezes, a vida inteira.
Pagando a barbearia, o açougue a padaria, o aluguel e o supermercado. O dízimo, a
catequese e o batizado; tudo ao mesmo tempo enfileirados.
Pagando o IPTU, o IPVA, o seguro obrigatório, a farmácia e o laboratório.
Pagando a prestação da mesa, do fogão, do sofá e da geladeira, com vontade de comprar
uma cafeteira, para de novo voltar ali e pagar.
Pagando a livraria, a papelaria, a venda da esquina, o vestido da menina que já completa 15
anos! Pagando os danos da última enchente que arrancou a porta e o batente.
Pagando o agiota, o par de botas, a luz, a água na casa das loterias, o perfume e outras
quinquilharias.
Pagando a assinatura do jornal, o remédio do animal. É anormal, mas muitos deixam
adiantado o pagamento do próprio funeral.
Pagando o advogado que encaminhou o divórcio, o consórcio e a academia. Pagando a
marmoraria que fez o túmulo de um parente. Pagando o dentista que obturou um dente, o
condomínio e a relojoaria.
Pagando o cursinho, o vestibular e a faculdade. A instituição de caridade que liga todo mês;
pagando em prestação ou de uma só vez.
Pagando a prestação do arado, do trator, da grade e do pulverizador.
Pagando o adubo e a semente, e até por ser incompetente, o mecânico e o instrutor.
Pagando o imposto sindical e a porcentagem do partido.
Pagando a passagem na rodoviária, em várias prestações, para ir em ônibus ou em lotações
nos encontros da reforma agrária.
Pagando a viagem da romaria.
Pagando a carpintaria onde se fez uma mesa e duas cadeiras.
Pagando a lavadeira que cuidou da roupa e da cozinha.
Pagando o açúcar e a farinha e o conserto do liquidificador.
Pagando o atravessador, o fiscal, o policial e até mesmo o funcionário do correio.
Pagando de forma ilegal a propina no congresso nacional.
Pagando ao governador para controlar a sua bancada.
Pagando o vereador, o Tribunal de Contas e até,
Não é mensal, mas há multas nas cidades, não nos campos silvestres, quando alguém
desrespeita a faixa de pedestres.
São os tempos de mercado. Há apenas uma diferença, a saber: pagamos porque somos
obrigados, mas há os que não pagam, são comprados, e estão sempre dispostos a receber. São
funcionários, de uma velha profissão de mercenários, políticos e mandatários que passam a vida
inteira somente a se vender; para não por em risco a glória e o poder.
Cartas de Amor
Nº 124
À FRANQUEZA

Para usar da franqueza temos que dizer que faliram os partidos que funcionam como
empresas. Estas máquinas gigantes que tornam os “políticos” estúpidos e arrogantes.
Tudo começa na campanha eleitoral onde o município é o curral. Ali se inicia a luta pela
democracia parlamentar, a qualquer preço, cada um quer garantir o seu lugar.
Decidida a eleição, está pronta a composição da democracia representativa. Saem os eleitos
com suas comitivas diretos para o parlamento, e então começa o ressarcimento.
Apesar das campanhas serem sempre financiadas, por empresas ou por outras fontes
arranjadas, como estatais, governadorias e prefeituras, as forças se apresentam com uma
“rachadura”: situação e oposição. São na verdade os dois partidos existentes que governam o país
daí pra frente. Essas duas forças se articulam e se enfrentam, cobrando do Estado um alto
pagamento.
Nesse moinho de palavras e de vento, tagarelar é um grande sofrimento, do “trabalho” em
excesso, que precisa de recesso. É assim que a lei emana! Duas vezes no ano fecha-se o Congresso,
e no restante, tagarela-se bastante, mas somente na metade da semana.
Terça-feira é para chegar, quarta para descansar e quinta é o dia de retornar. Assim se
justifica porque não se faz nada; é que a pauta está “trancada!”
Cada parlamentar tem os seus funcionários, esses não vacilam nem faltam com o erário,
representam a base do partido, e, nas claras ou escondidos fazem o papel de “cabo eleitoral”. Cada
partido tem os seus ministros e, por insistência, alguma presidência de uma ou outra empresa
estatal. Assim é que se forma uma “quadrilha governamental”.
Quando as coisas ficam um tanto críticas, a solução está na reforma política. Fidelidade
partidária, financiamento público de campanha, e, prestação de contas controladas. Mas nada muda,
a “pauta está trancada”. Pois, terça-feira é para chegar, quarta para descansar, e quinta-feira é para
retornar...!
E o pior é que, mesmo estas coisas sendo ditas, o povo ainda acredita.Vota e espera que
venha a mudança, e vai seguindo nesta marcha lenta e mansa. E o “moinho de palavras” continua a
funcionar: terça-feira é para chegar, quarta para descansar e quinta é para retornar. De novo não se
votou nada, porque a “pauta está trancada”.
Mas que diabos é esta pauta que não abre e, fica fechada o ano inteiro? Quem tem a chave,
é o presidente, o ministro ou o doleiro? Assim a máquina enferruja por não mover as engrenagens,
porque as empresas partidárias só se movem se tiverem vantagens.
Totalitarismo é o Estado no capitalismo. Democracia é uma palavra muito usada, mas para o
povo nunca valeu nada. Não distribui terra, não constrói casas, não distribui renda, porque estes
assuntos nunca entram na agenda.
E saber que é tão fácil governar, se o Congresso se tornasse uma grande Assembléia Popular
reunida umas duas a três vezes por ano. Cada região do país traria seu plano e aprovaria depois de
ser escrito. E as coisas mais urgentes? Nos fins de tarde mansos e calmamente, depois do dever
cumprido, se pegaria o título de eleitor, sem pagamento, propina ou qualquer espécie de valor, se
aprovaria tudo em grandes plebiscitos.
Desde a Comuna de Paris, é que o povo perdeu a noção, da força e o poder que tem um x.
Cartas de Amor
Nº 125
À GENEROSIDADE

Na vida, apesar das barbaridades, aprendemos que devemos ter generosidade.


Generosidade, com os aliados e até com os inimigos, não para tratá-los como amigos, mas
para que se arrependam de suas perversidades.
Vivemos, na atualidade, uma situação de descredibilidade. Parece que todos estão errados!
Há um ranço carregado de vingança e violência. É preciso ter paciência, reconhecer os pontos
fracos, mas cuidar-se, para de ódio não cegar-se e cair juntos no mesmo buraco.
Nossa cultura camponesa nos ensina lições interessantes; quando uma ferramenta cortante já
não corta, senta-se na soleira ao pé da porta e amola-se até ficar tinindo; e assim vamos indo, até
que um dia nos damos conta, que, de tanto usar e amolar, a ferramenta já perdeu as pontas.
Pegamos então a ferramenta com carinho e a encostamos em um cantinho, reconhecendo a
sua importância e seu valor. De nós não tirará mais o suor, nem machucará a palma calejada, ficará
ali como lembrança ou, para, nalguma emergência ser usada.
A seqüência desta prova é arranjar outra ferramenta nova e reassumir os compromissos.
Mudamos então o instrumento, mas não mudamos de serviço.
Às vezes quando chega uma visita, contamos, e se não acredita no que a palavra entoa,
vamos até o porão, trazemos a guerreira desbicada, e com a unha fazemos tinir a chapa enferrujada,
dizendo: “Era uma ferramenta boa!”
Então, esta simbologia agora fica crítica, porque vamos aplicá-la na política. Mais
propriamente, e sem temores, no Partido dos Trabalhadores.
O PT era de lutas e resistência, mas aos poucos foi perdendo a consistência. Piorou o corte
de sua lança, quando ampliou as alianças, em busca de ganhar a presidência.
Aqui precisamos considerar um pouco mais para entender o que aconteceu. Quando,
inserido nas lutas do passado, mantinha-se o instrumento amolado, e foi assim que o PT cresceu.
Mas de repente, as lutas sumiram do semblante, e ao dar de cara com o assaltante, o PT não resistiu
e se rendeu.
Pode ter algo ainda de escondido! Sem corte, esta ferramenta imprescindível, não formou
quadros por julgar incompatível com o caráter de massas do partido. E, como a maioria das
tendências não eram marxistas, fixaram suas táticas na ordem capitalista.
Foi o cerco de sedução, não de aniquilamento, que a burguesia estabeleceu desde o primeiro
momento. Mas cá pra nós, depois de tudo analisado, foi a primeira vez na história nacional, que os
oprimidos como força social, se organizaram para tomar o Estado.
Agora, o enorme felino geme para morrer! Rasteja, acreditando que ainda pode levantar-se e
voltar a correr. Mas como a ferramenta gasta, também perdeu o brio, já não serve para preparar o
próximo plantio.
Foi uma bela tentativa que aos poucos levou-nos à deriva. Cabe encostar a ferramenta
desgastada e buscar uma nova mais bem amolada. Não precisa ser igual no tamanho e na leveza,
mas tem que ser da mesma natureza.
Agora, experientes e muito mais sabidos, precisamos nos colocar do lado do instrumento e
não do mato a ser carpido.
O cultivo continua. É preciso preparar-se para a quadra da lua. Deixar de lado as intrigas e
as disputas, sem lutas, nas páginas dos jornais. Convidar lutadores de todas as idades e dizer-lhes
com generosidade: vamos unidos e não erremos mais!
Cartas de Amor
Nº 126
À FIRMEZA DAS IDÉIAS

Idéias e opiniões facilmente sofrem deformações. Basta que se perca as referências, que as
dúvidas e as insinuações instalam-se nas consciências.
Vivemos em tempos cinzentos. Os poderes da república temem os acontecimentos. Os
jornais revelam todo dia, a prática da velha burguesia, que faz do parlamento uma estrebaria, onde o
Estado é apojado, cada qual em uma teta pendurado, disputando benesses e regalias.
A grande mídia é também a julgadora, ataca ou se põe de auxiliadora quando os interesses
estão em jogo. Tira e põe lenha no fogo; preserva, e quando quer é arrasadora.
Esta pressão é que faz o mundo andar, na mesma hora e em qualquer lugar a notícia leva a
imagem e a opinião. É assim que população assimila a interpretação.
Muitos são os que se lembram da ética na política, somente quando a televisão critica.
Quando nada é apresentado, não falam, estão calados. Levam-nos a crer numa perversidade, que a
mídia com toda a sua violência, tornou-se, o juízo e a consciência de toda a sociedade.
É tempo de firmar as posições, estar convictos das razões e não deixar-se levar por falsas
opiniões. Há os que mudam a todo instante, são frágeis e inconstantes, agem por pena ou por
sentimento; são caniços em pleno vento, artistas das vacilações.
A propósito desta inconstância, uma anedota popular ganha mais relevância.
O avô em estado de pobreza chamou o neto e com grande tristeza, anunciou que venderiam
o jumento. Partiram cedo, ambos montados, a passos lentos.
Não demorou e na primeira encruzilhada, os curiosos danaram a gozar e a dar risada.
Disseram que era uma perversidade irem montados no jumento até a cidade.
O avô considerando a opinião pediu ao neto que descesse e fosse andando. Não demorou e
ao encontrarem transeuntes retornando, sofreram mais uma recriminação. Disseram que o velho não
tinha coração, em deixar o menino já cansado, caminhar, enquanto ele ia montado.
Temeroso da critica recebida, o avô aproveitou uma descida e pôs o neto sobre a montaria,
enquanto ele mancando atrás seguia.
Da mesma forma foram criticados. Chamaram o menino de malvado por fazer o avô ir
caminhando, enquanto ele jovem, no comando, seguia tranqüilo e bem sentado.
Decidiram então livrar o animal de todo o peso, mas, em seguida ficaram mais surpresos
com a crítica recebida. Acusados foram de estarem dando boa vida ao animal que não levava nada,
enquanto eles seguiam pela estrada, com as pernas já todas doloridas.
Indecisos e já sem pensamento decidiram amarrar o jumento e carregá-lo sobre os ombros
até a cidade. Mas ao chegarem, a hospitalidade, não foi tão boa nem nada solidária. Foram presos
pela vigilância sanitária, por julgar que o animal não tinha sanidade.
Isto nos mostra que é importante discernir e perseguir sempre a verdade. Saber julgar com
honestidade e formular por conta própria todas as respostas. Não se perder frente aos
acontecimentos; do contrário é andar com um jumento amarrado e carregado sobre as costas.
A ética exige firmeza de opinião, muita reflexão, sabedoria e espreita. Nos ajuda a evitar as
perdas e assegurar para que as forças de esquerda, nunca façam o jogo da direita.
Cartas de Amor
Nº 127

AO CALCANHAR DE AQUILES

Aquiles foi um grego, bravo lutador contra os troianos. Mas ao nascer, a profecia majestosa,
anunciou que sua vida apesar de ser gloriosa, não duraria muitos anos.
A mãe Tétis, contrariando a profecia, disse que isso não aconteceria e o levou até as águas
escuras do rio para banhar. Segurando-o pelo calcanhar, mergulhou-o na forte correnteza e julgou
que estava protegido, contra todas as emboscadas e malvadezas. Mal sabia ela que no rito
executado, o calcanhar não havia se molhado.
O pai, Peleu, no retorno do filho percebeu, que este não parava de chorar. Enviou-o para um
certo lugar, onde viveu e cresceu ali isolado. Por um sábio foi treinado. Comia em suas refeições,
tutanos de ursos e javalis e os corações de todos os leões caçados.
Retornou moço e já formado. O pai então maravilhado, lhe mostrou todas as coisas do
reinado. A lança, os cavalos, as armaduras; as máscaras, o escudo e tudo aquilo que lhe serviria de
defesa. Naquele mesmo ano, foi à guerra, lutar contra os troianos, embebido de luxo e de grandeza.
Enfrentou e venceu os guerreiros mais sabidos, pois tinha o seu corpo protegido. Mas um dia
de manhãzinha ao lutar, uma lança atingiu seu calcanhar pela pequena fresta que existia na
proteção; caiu do cavalo e no embalo, morreu arrastado pelo chão.
Cumpriu-se então a profecia, e, o ditado é ouvido todo dia. Sempre que se quer destacar as
deficiências em meio a alguma circunstância, o “calcanhar de Aquiles” é citado com preocupação e
importância.
Se aplicarmos esta lenda nos dias atuais, iremos perceber que há coisas muito iguais. As
forças políticas são treinadas para enfrentar as disputas acirradas. Dominam a teoria e até a arte
militar; tornam-se por isso como Aquiles arrogantes, e esquecem dos detalhes importantes,
deixando desprotegido o “calcanhar”.
O calcanhar de Aquiles pode estar nas alianças, onde se matam as esperanças poucos dias
após o nascimento. Está na ética e no comportamento ou no vazio dos valores. Pode estar também
nos métodos centralizadores, no desleixo e na auto-suficiência. Na incoerência e na falta de treino
de novos lutadores.
O calcanhar é a simbologia que reduz dos passos o alcance. Faz com que o bravo guerreiro
se amanse, se entregue ou morra de uma vez. Perde com isso a força e a altivez também a
organização. O calcanhar por fim é a frustração, pois com sua tamanha pequenez, consegue
converter o que de bom se fez, em uma tremenda negação.
O calcanhar é o ponto mais sensível, que muitos acham impossível, nas disputas ser ele
atingido. Estes, depois de banharem-se nas águas da política, esquecem de fazer a auto-crítica e
ultrapassam os limites estabelecidos.
Por isso chega o dia, em que deles foge a alegria e os vemos calados e cabisbaixos. O fato é
que cada um ao se banhar, esqueceu de molhar o calcanhar, e entraram na vida pública de cabeça
para baixo.
Assim, além da terrível derrota, seus aliados são tratados com chacotas e insinuações pouco
cordiais. Dizem estes com sua massa pouco crítica, que, todas os que mergulham nas águas da
política, tornam-se simplesmente iguais.
Então, a melhor coisa a fazer; todos os dias ao sairmos a combater, além de todos os
cuidados, nunca esquecer do calcanhar, é o ponto frágil a preservar, para não retornarmos
derrotados.
Cartas de Amor
Nº 128
AO TERMO INTEIRO

Ao surgir o neoliberalismo, sentiu-se em setores de esquerda renovar-se o otimismo por


verem triunfar a individualidade. Perdeu-se a noção de totalidade; as partes passaram a ser a
referência; o amplo reduziu sua abrangência e aos poucos se desfez a integridade.
Apagou-se a fronteira entre o público e o privado; os partidos ficaram exaltados e juntos
riscaram a divisa entre a esquerda e a direita; as duas partes passaram a ser eleitas, obedientes e
satisfeitas com o velho capital. Perderam a noção do integral, repartindo os resultados das colheitas.
O meio termo tornou-se o princípio principal; nada mais podia ser integral, para não ferir as
alianças; como em brincadeiras de crianças, ninguém atacou mais ninguém, e, assim a esquerda foi
refém, pensando que era a liderança.
Havia era falta de consciência, pois o império já tinha acumulado experiência da crise
anterior na década de setenta. Percebeu que os trabalhadores com suas ferramentas, nas crises
podem encurralar o capital. Por isso, as várias forças de modo “natural”, enfraqueceram as
categorias, esfacelaram as maiorias e implantaram a ordem neoliberal.
Minguaram as lutas e aos poucos perdemos as disputas e a força das organizações. O Estado
foi mudando suas funções e os partidos abraçaram o parlamento, acreditando que pelo
entendimento, ficariam no governo por várias gerações.
Meio termo pra lá, meio termo pra cá. A esquerda, que estava fora, aliou-se e foi Lá dentro;
a direita, modernizou-se, tirou a farda e as esporas e se encontraram bem no centro.
O meio termo apenas indo até a metade, levou os partidos de esquerda no governo a
perderem a identidade; ficaram parecidos com os da direita. A direita, satisfeita, por sua vez virou
oposição, tipo o cavaleiro no lombo do cavalo, que o fustiga para seguir no embalo, controlando-o
com toda a satisfação..
É claro que em toda cavalgada, o objetivo sempre é o do cavaleiro; neste caso, do capital
financeiro que montou e apostou uma corrida; nunca foi tão fácil em toda a sua vida, extrair a mais-
valia. O povo ainda olha para a montaria e sente que ela está cansada, e em meio à poeira levantada,
vai cabisbaixo em direção a estrebaria.
Há forças que estão se dando conta agora, que foram ao parlamento e esqueceram de fora, as
lutas e as mobilizações. Surgem as desmoralizações, as cassações e os processos, como se
espremessem um abcesso para extrair a parte indesejável, quando o sistema todo é irrecuperável, a
podridão já o toma em excesso.
O meio termo levou à meia integridade. A meia ética, meia moral, meia solidariedade. Meio
governo, meio partido, meio vitorioso, meio vencido.
É claro que isto não é o fim da história, o que se fez com glória, com glória viverá. E mais,
ninguém nos reterá neste atoleiro, nem substituirá a missão de sermos os coveiros, que enterrará os
que impedem a nova sociedade. Basta que afirmemos a integridade e lutemos para alcançar o termo
inteiro.
Qualquer outra tentativa é uma loucura. Para a esquerda só resta a ruptura e este processo de
progresso é preciso esculpi-lo. Veremos então o fim das crises, e viveremos tempos mais felizes, no
dia em que, todos organizados, tomarmos o Estado não para governá-lo, mas para destruí-lo; e, com
as mesmas mãos, de nosso jeito construí-lo.
Cartas de Amor
Nº 129
ÀS CAUSAS E OS EFEITOS

Efeitos podem ser defeitos ou conseqüências; frutos de erros ou incoerências. No fundo


sempre aparecem como resultado, o que nem sempre é revelado, são as causas de onde eles vieram
e, assim é que proliferam, disputando espaço lado a lado.
De outra parte, há efeitos de boa qualidade, que formam a identidade de pessoas e de nações.
Mas, em ambos os casos as causas são as referências, é preciso observá-las com prudência, para que
não se confunda o essencial com as aparências.
Agora está em evidência a derrocada da República. É no fundo a aparência da falência no
trato da coisa pública. Tudo se dá nos bastidores, por isso a política dividiu-se entre candidatos e
eleitores, ou, entre votantes e vencedores.
Vence quem se elege. Quem vota torna-se herege dos mandatos. Então, formam-se grandes
aparatos, através do dinheiro dos contratos, acertos e negociações. Não é por nada, mas é que quem
entra nesta estrada, não sobrevive sem as próximas eleições.
Mas é preciso ter cuidado para não tomar um efeito em separado e achar que, de todos os
males o parlamento é o causador. Depois que o capital fez nascer a burguesia, tudo se move como
mercadoria e o ser humano de si próprio tornou-se um grande vendedor.
Vende a força para não ficar desempregado. Vende a voz no disco gravado, a idéia no livro
escrito, a criatividade no bordado mais bonito e a habilidade no corte de cabelo. Vende, e porque
não dizê-lo, até o prazer sexual, o tédio e a doença na consulta do hospital.
Vende o sangue e os órgãos para o transplante. A utopia e o horizonte, a seriedade em troca
de propina. A virgindade da menina, a rapidez para manter o freguês no restaurante e, o sorriso
enganador na boca do comerciante.
Vende o sono e trabalha a noite inteira. A folga, as férias e a canseira nas horas extras no
final do dia. A flacidez dos músculos na academia; a alegria no show á noite ou a luz do sol; o
fôlego no jogo de futebol, e a fraqueza na fisioterapia.
Vende a beleza para a capa da revista, o corpo esquálido ao estilista e a voz para a televisão;
a poesia da canção, o seguro de vida, a habilidade da corrida e, na chantagem, a própria informação
O espermatozóide no Banco de reprodução que alguém um dia irá comprar. A barriga para a
gestação a quem não consegue engravidar..
Vende o lugar na fila e a esperteza ao turista; a dignidade na entrevista para garantir
emprego ou promoção. Vende como na escravidão, o atleta acorrentado a um contrato; a velhice no
asilo ou pensionato, e, a fé nas igrejas em troca da salvação.
Vende a ignorância na escola particular. O direito de escolher em quem votar. A honestidade
e também a experiência. Por isso então, voltando ao ponto crítico, é que, grande parte dos políticos,
vendem a moral e a consciência!
Mas não se pode dizer que “tudo é igual”, há os que nunca vendem a moral, nem se colocam
como atravessadores, estes vivem como precursores de uma nova ordem social.
O sistema atual é corrupto e desumanizador. É preciso organizar-se com vigor para atingir o
poder do capital, que está na empresa, no Estado e no sistema financeiro. Estes são os corruptores
verdadeiros, que se movem em torno do poder, do prazer e do dinheiro.
Não se vender nem se render, eis o princípio para quem quer vencer com uma causa
coletiva. É preciso mudar urgentemente a sociedade, se quisermos que a humanidade continue por
mais algum tempo viva.
Cartas de Amor
Nº 130
AOS PROVÉRBIOS POPULARES

Há sabedorias vindas da experiência que quase se pode chamá-las de ciência. Com


profundeza e proteção, foram passadas de geração em geração.
Mas o provérbio só é de todo revelado, quando é dito e aplicado. É o esforço da memória
coletiva, que mantém esta cultura viva.
Vamos então ao primeiro relato: “Quem não tem cão caça como gato”, ou seja, se
esgueirando de vagar e escondido. Com o tempo o “como” pelo “com” foi substituído, por isso,
trocou-se o jeito de fazer pelo sujeito.
Quando alguém, de fazer lhe falta a condição, dizemos que não tem o “cão” e o “gato” entra
de substituto, como, quando se troca algum produto, ou um político adere ao populismo. Se fraco
está o “Petismo” inventa-se o “Lulismo” é a volta do personalismo.
O “Santo do pau oco”. Di-se de alguém que esconde algum mistério. Surgiu no tempo do
império, quando os portugueses queriam levar sem pagar nossos minérios nem recolher imposto. O
oco era a embalagem, de modo que só não mudava em cada viagem, a ironia do rosto.
Hoje em dia, usam o próprio ser humano para fazer a travessia. As riquezas de noite ou em
pleno dia seguem e vão embora quase sem perceber, e os “santos de pau oco”, embora
amedrontados e no sufoco, continuam se revezando no poder.
Mas há um provérbio que saber é um dever. É aquilo quando feito só para “Inglês ver”.
Surgiu quando o Brasil foi pressionado, para impedir que os negros continuassem escravizados. Em
1830 deixou o país de ser intransigente, os ingleses com a lei editada ficaram satisfeitos, mas os
negros continuaram na corrente..
A relação pode ser muito precária, mas poderíamos aplicá-la na atual reforma agrária.
Quando as pressões sobem de temperatura, o governo assume uma postura que é de impressionar:
diz que vai desapropriar, liberar créditos e financiamentos. Passado os acontecimentos, tudo volta a
andar lento e devagar.
“Feito nas coxas” é um provérbio meio estranho, mas não há nada de engraçado. Surgiu
quando os escravos moldavam o barro para fazer telhados. Para deixar as telhas com uma cavidade,
a coxa era a fôrma que garantia a qualidade. Se as pernas variavam na espessura, ficava defeituosa a
cobertura.
Feito nas coxas hoje por excelência é a reforma da previdência, que “destelhou” as
aposentadorias. Mas há outra reforma, que está sob a pontaria, que é a do processo político
brasileiro. O barro da reforma nas coxas está sendo moldado, para eleger com um pouco mais de
cuidado, os mesmos caloteiros.
Porém o provérbio que ora mais se vê dizer, é: “O pior cego é aquele que não quer ver”. É
extraído de um fato real. Na França no século 15 se fez o primeiro transplante em um deficiente
visual. Um aldeão de nome Angel desempenhou esse papel. Assim que começou a enxergar ficou
frustrado. Pediu então para as córneas retirar, dizendo que o mundo imaginado era mais belo do que
este que via depois de transplantado.
Para nós é parecida a situação. Imaginemos a cegueira que tínhamos antes da eleição.
Depois de eleito o Presidente, foi que a visão nos veio; então vimos um resultado muito feio. Agora
só há duas saídas: voltar a sonhar como a bela adormecida ou atacar o poder e rompê-lo pelo meio.
Não ser esquerda nem direita, mas revolucionários, eis a receita.
Cartas de Amor
Nº 131
ÀS DÉCADAS

Há décadas que ardem como as feridas, principalmente se são “décadas perdidas”.


Vivemos décadas somadas ano a ano. Transportam, elas nossos planos de amor e de
felicidade. Mas nada há de mais perverso, quando olhamos no tempo disperso e percebemos que
perdemos as oportunidades.
Ninguém nasceu destinado a acertar, mas tem que se cuidar a não errar ou condenar os
passos antes de serem dados. Os projetos podem ser derrotados, pisoteados e até jogados nos
lixeiros. Dizemos então sem medo do castigo, “podem”, pelos inimigos, mas nunca pelos próprios
companheiros.
Há décadas perdidas na economia, outras na ideologia e outras até se vão sem importância.
Mas há décadas que tornam a história paralítica, são àquelas que pelos erros da política,
desmoralizam toda a militância.
Para as décadas passadas, perdidas ou derrotadas sempre buscamos consolo nas
justificativas. Quando as cabeças estão altivas é fácil dizer vamos em frente! Pior é perceber-se em
meio à conjuntura, que estamos já comprometendo as décadas futuras, por falta de um projeto
conseqüente.
O importante é saber que tanto as décadas como os séculos e os milênios se reproduzem
através dos dias. Eles são os pés da rebeldia que dá identidade à história. De batalhas são feitas ás
vitórias e sem passos não há caminho andado. Um povo inteiro nunca é derrotado, têm apenas
“décadas perdidas”, são lições com dores aprendidas, para que nunca mais sejamos enganados.
As décadas eleitorais costumam ser de oito anos, dois mandatos e o povo enjoa. Há um
ditado que diz “Andar à toa”, significa seguir sem destino. Toa é a corda com a qual um barco
grande ou pequenino, reboca outra embarcação. Governo que “anda à toa” vai arrastado e na
submissão.
Daí é que vem às conseqüências, pois um país com grande dependência só pode ter tido
governantes semelhantes. Vão a reboque, mas se acham importantes, com medo de fazer a ruptura.
Ao invés de consertar o motor da embarcação, preferem viajar nesta ilusão, a espera que à “toa” os
leve a águas mais seguras.
Crises empilhadas sobre crises, tornam as décadas infelizes e o destino sempre mais incerto.
Mas nem todos perdem, isto é certo, há os que se aproveitam no atoleiro para saquear o que resta
dos herdeiros, quase a dizer que: “o mundo é dos mais espertos”.
Mas as décadas não se perdem totalmente, nelas os povos plantam as sementes que
germinam em toda a humanidade. A resistência e a solidariedade nas décadas passadas não foram
diluídas; ao contrário, tornaram-se árvores floridas que nos abrigam nas dificuldades.
Estabelecer uma linha divisória é nossa obrigação se quisermos ter vitórias. Temos todo o
direito a lamentar, não podemos é desanimar e achar que isto é o fim da história.
O tempo é um velho conselheiro, estudá-lo e compreendê-lo por inteiro é a tarefa que a
todos nos assanha. Reunir os que acham que “não sabem” e projetar na imaginação, como queremos
que viva a próxima geração é o primeiro passo para as décadas começarem a serem ganhas.
Cartas de Amor
Nº 132
ÀS JORNADAS SOCIALISTAS

Em tempos de crise e desmoralização é preciso dar-se às mãos. Verificar o que pode sobrar
depois da ventania, se é apenas uma neblina fria ou o campo inteiro devastado; não basta indicar
quem foi o errado é preciso resgatar a utopia.
Já faz anos que estamos exercitando, seguimos atentos e procurando maneiras de cultivar a
ideologia. Tomamos em separado um dia; (é claro que é um tanto idealista) e nele organizamos a
jornada socialista.
É um exercício prático e de imaginação. Iniciamos bem cedo com uma reunião onde as
pessoas planejam cada hora. E assim passa-se o dia, trabalhando, estudando, comendo, divertindo e
convivendo, até o momento do encerramento e então vamos embora.
É uma maneira de chamar a atenção, de que a vida não é só trabalho, estudo ou reunião.
Muito menos desvios e corrupção. É possível planejar a vida com boas atividades. Vive-se com
mais dignidade quando se tem em mente a solidariedade.
O socialismo é uma sociedade planejada. Ninguém ficará sem fazer nada, ocioso e sem
ocupação. Não por obrigação, mas tudo será feito por consciência. Utilizar-se-á a força e a
inteligência, mesmo que na aparência, muita coisa transpareça desigual; mas será assim que cada
qual cumprirá com sua função social.
No socialismo não haverá desempregados nem tampouco riqueza concentrada. As
quantidades de horas trabalhadas serão expostas pelas necessidades. As técnicas trarão facilidades,
liberando as pessoas mais cedo da atividade dura, para que possam tocar piano, bordar aves sobre
panos, cantar, dançar, fazer pinturas.
Não haverá fome nem se comerá demais. A obesidade será uma opção. Os sedentários desta
civilização, que ora vivem acomodados, serão desafiados a ficarem em pé não mais sentados.
As gincanas diárias substituirão as academias. As farmácias cederão lugar ás livrarias e os
Shoppings serão centros culturais. Os filhos passearão com os seus pais em qualquer dia da semana.
As relações serão essencialmente humanas, porque os direitos e os deveres haverão de ser iguais.
Não haverá lixo exposto nem esgoto a céu aberto. As praças e os jardins e tudo o que estiver
perto, terá mais brilho e cores vivas. As casas serão mais atrativas e os bosques terão frutas em
abundância; o rio ganhará mais importância e as pessoas serão mais inteligentes e combativas.
As telenovelas diminuirão em quantidade. O teatro ganhará mais qualidade e será feito
sempre e a qualquer momento. Basta que um grupo se reúna e num momento, o assunto que chamar
mais atenção, passa a ser o tema da encenação, e, ali mesmo, vira um acontecimento.
Não haverá discriminação e preconceito. As palavras principais serão: respeito, por gentileza
e muito obrigado. Desculpe-me, por favor, e assim por diante. O outro, será sempre um semelhante,
nem maior nem menor, simplesmente um aliado.
Esta visão é a maneira de tratarmos o futuro no presente, construir relações mais
consistentes, sobre cada pedaço de conquista. Foi assim que juntando as partes separadas,
nomeamos um dia como jornada, de caráter e natureza socialista.
Assim forjaremos em cada ação cotidiana, uma sociedade mais livre e mais humana.
Cartas de Amor
Nº 133

À PÁTRIA DE CAVEIRAS

Sempre que chega setembro, vem à tona uma questão: se a pátria é soberana por que há tanta
exploração? Por que é que os governantes, agarrados à covardia, não rompem com o império e
afirmam a soberania?
Drumond de Andrade falou e não foi de brincadeira, quando a seleção jogava, era a “Pátria
de chuteiras”. No horário das partidas, todo o país silenciava, ajudando com a alma a seleção que
jogava.
Esta pátria vitoriosa, em cinco copas mundiais, sofre constantes derrotas, pelos grandes
capitais, que massacram nosso povo, com seus planos monetários, e têm admiração, de políticos
mercenários.
O povo perdeu a alma, deixou de se dedicar, e só ajuda os governantes, na hora de ir votar.
A falsa democracia, já não engana ninguém, a pátria se move um dia, pra depois dizer amém.
Nossa pátria é bem mais ampla, do que apenas de chuteiras; o que nos causa revolta é vê-la
cheia de caveiras, de gente, matas e rios, morrendo sem providência, pois há 22 milhões, vivendo
em plena indigência.
Cinqüenta e quatro milhões, são os pobres brasileiros, cinqüenta bilhões de juros, por ano
vai pro estrangeiro. Quem deve tem que pagar! Este é o princípio do povo, mas pagar só o que deve,
não cada ano de novo!
Grande é o analfabetismo, nos campos e nos grandes centros, trinta milhões de caveiras que
estão secando por dentro. Sem Terra e desempregados, é a pátria sem ferramentas, cabe então uma
pergunta: como o país se sustenta?
A renda em nosso país, do produto interno bruto, são só cinco mil famílias de ricaços muito
astutos, têm quarenta e dois por cento, em suas mãos concentradas, é aí que está a raiz, da grande
pátria favelada.
Isto é também com a terra, há grande concentração, são quarenta e seis por cento das terras
desta nação, onde apenas um por cento, com armas firmes na mão, é a pátria do latifúndio, desde as
cidades ao sertão.
As queimadas e os venenos e as sementes transgênicas, que causam devastação e também
muita polêmica, é a pátria do “faz de contas”, de corrupções gigantes, que goza de aprovação de
ministros e governantes.
Levam os nossos minérios, a água doce e a madeira, deixam conosco a miséria, é a pátria de
caveiras. A terra então devastada, não servirá mais pra nada, apenas para enterrar, as caveiras
ressecadas.
Às vezes analisamos o movimento em descenso, também nos preocupamos com este
silêncio imenso. É a pátria desanimada, com valores reprimidos, já não acredita em si e em
promessas de partidos.
Caveiras! Somos em bandos, em todos os pontos de vista, mesmo assim insiste o império,
em nos chamar de terroristas. É a pátria ofendida, sendo criminalizada, só pelo fato da fome, ter a
fronte levantada.
Que na semana da pátria, no grito dos excluídos, esta pátria de caveiras se levante e
enfurecidos, marchemos sobre as cidades, com coragem e consciência, pois um país de covardes,
nunca terá independência.
Cartas de Amor
Nº 134
ÀS BANDEIRAS

De onde se originam as bandeiras? Hoje as encontramos e as compramos com facilidade, em


lojas, nas cidades e até em feiras. Surgiram nos tempos mais remotos, junto com as violentas
guerras, onde os guerreiros, sem pátria e sem terra, eram também devotos.
No Êxodo encontramos a primeira narração, onde Moisés, Hur e Aarão em guerra, subiram
no cimo da montanha; e lá, numa manobra estranha, as mãos serviram de bandeira. Deviam, porém,
ficar levantadas a guerra inteira, mas o cansaço as tornou pesadas; aos poucos foram sendo arriadas,
e as “tropas” de Moisés estavam sendo derrotadas.
Então, sem ver outra saída, para que Moisés mantivesse as mãos erguidas, e seu povo
pudesse defendê-lo, os dois pegaram cada qual por um dos cotovelos e os braços se puseram a
sustentar, até que o dia terminou e a força de Amalec puderam derrotar. Ouviu-se de Moisés então a
expressão: “A bandeira de Iahweh em nossas mãos! Iahweh estará em guerra contra Amalec de
geração em geração”.
Mais tarde, as bandeiras com suas artes, tornaram-se flâmulas e estandartes nas lutas dos
cristãos e nas guerras entre os senhores feudais. Em nossos tempos se vê cada vez mais, este
símbolo da vitória ser enaltecido, por todas as ideologias e partidos, entidades e movimentos
sociais.
Mas algo estranho está acontecendo. Aos poucos as cores estão se desfazendo e o vermelho
parece entristecido. Despenca com os braços enfraquecidos dos velhos lutadores, cansados e
ressentidos, pois não acham razões que lhes sustente os cotovelos, para que possam elevá-los e
mantê-los em franca rebeldia, e, como Moisés chegar ao fim do dia, tendo vencido todos os
atropelos.
Tudo iniciou há mais de uma década passada, quando soubemos em plena madrugada, que o
muro de Berlim tinha caído. Ficamos estarrecidos com tamanha notícia pessimista. O golpe ferira
de morte o sistema socialista. Com os braços ainda levantados, fomos ás ruas declarar em alto
brado, que ali caíra apenas uma parede reformista.
Seguimos as bandeiras levantando. Vermelhas como o sol de vez em quando, sentado sobre
o horizonte, chamando para que sempre se confronte, o sonho e a acomodação! Nem sempre quem
vence tem razão, principalmente se a vitória é temporária; apesar de sentirmos, que algumas
bandeiras temerárias, se distanciavam da revolução.
E aos poucos foram elas dos mastros separadas. As mãos desocupadas passaram a balançar
cabisbaixas pelas ruas. E então avistamos ás almas nuas, cada qual com vergonha de se identificar.
Frente aos fatos podemos comparar, que o baque do muro a nível mundial, na mesma proporção,
aqui se deu igual, com esta frustração da tática eleitoral.
Vimos agora no Grito dos Excluídos, como o vermelho das bandeiras está sumido! Talvez
guardado dentro das gavetas! Mas a direita e a esquerda com suas piruetas, nunca poderão tirar, dos
revolucionários a vontade de lutar!
Precisamos reanimar os nossos cotovelos, exercitá-los e fortalecê-los como em uma grande
brincadeira. Como se fossem os mastros das bandeiras, em punho, para que as futuras gerações,
aprendam pelas manifestações, que mãos vazias não defendem razões; só as revoluções dão sentido
à vida inteira.
Esta é a última descoberta arguta: Sem mastros e bandeiras não se fazem lutas. As mãos
caídas não carregam nada, mas quando erguidas já estão rebeladas e construindo uma nova conduta.
Carta de Amor
Nº 135
A NÓS

Não se arrependa por um dia ter ido às ruas com a bandeira do PT, nem se com a de outro
partido tiver acaso ido! Estavas fazendo o que na época a ti fazia sentido.
Pode chorar se estiver amargurado! Na política também tivemos duas décadas perdidas! Mas
o que terias feito de tua vida, se não tivesses militado? Hoje estás frustrado, ou frustrada? Melhor
assim, do que se não tivesses feito nada!
Os ricos sempre lhes dirão que não valeu a pena! A eles interessa a cena e não a peça inteira!
Mas nós, como as cachoeiras, sabemos que temos passado, e futuro! Não pára o tempo porque ficou
escuro, nem tampouco porque se fez besteiras.
Levante a cabeça, enxugue o pranto! Seja como os pássaros que não mudam o seu canto,
porque o mantém sempre afinado! Nem os mortos se sentem derrotados, porque vivem nas
entrelinhas dos valores! Aprenda a ser forte como as flores, que seguram o jardim sempre
perfumado!
Não fique em casa com a bandeira enrolada! Você ainda tem uma longa estrada, para andar
de braços dados com alguém! Lute e se sentirá bem! Jamais se esqueça que a revolução, é um
sentimento que toma uma nação, para buscar se libertar também.
Lembre do Paulo e do Florestan. Do Lamarca, Marighella e que as manhãs, sempre são
novas porque não são iguais. Os tempos nos tornam imortais! A vida põe as provas e as barreiras!
Jogue seu desânimo na lixeira! Você merece muito mais!
Ninguém pode desfazer o que está feito. Há coisas destruídas que não tem mais jeito, mas
nem por isso o mundo acabou! Agarre-se na esperança que restou! Imponha seu olhar para o
horizonte! Descontraia a rigidez da fronte! O século apenas começou!
Há tanta história ainda por ser feita! Tantos plantios, tantas colheitas, que não haverá um dia
de descanso! Jogue fora este enojado ranço, que lhe amargura o sentimento! Purifique seu espírito
com o vento! Os recuos às vezes são avanços!
Não lastime a má fadada sorte! É hora de mostrar que somos fortes e que vamos reverter a
nostalgia! Não permita que a omissão e a covardia imponham suas vontades! Você não perdeu nem
a metade, da certeza que mantinha na utopia!
Diga a si e a quem puder ouvir! Que nós não vamos desistir nem entregar os pontos! Logo
estaremos nos confrontos e reanimando todas as disputas! Diremos o que sentimos com as lutas!
Este jogo vai ser ganho nos descontos!
Leia bastante, histórias e biografias! Há tantos exemplos de belas rebeldias, que fazem
arrepiar o corpo inteiro! Abrace as companheiras e os companheiros! Sinta o pulsar de cada
coração! Não há coisa melhor do que a união, para cruzar pântanos e atoleiros!
Não se deixe amedrontar por nada! As árvores também sentem quando são podadas, mas
logo se refazem ainda mais bonitas. A história de quem acredita, nunca é deixada pelo meio! Você
precisa ser o esteio, ou a onda do mar que se agita!
Acredite na dignidade! Nos valores e na solidariedade! Nas idéias que aos poucos
conscientiza! Considere que esta fria brisa é incômoda, mas é passageira! Creia que a burguesia
inteira, não merece lamber o chão que você pisa.
Ânimo! Coragem! A tormenta está quase passando! Aceite a tarefa que o poeta está lhe
dando, apresentada com palavras mansas. O passado ficará como lembranças, mas não esqueça de
soletrar de vez em quando! E por mais difícil que pareça: “Você tem que assumir o comando!”
Cartas de Amor
N 136
À GRANDE POLÍTICA

A história nas mãos dos poderosos também segue caminhos sinuosos. Principalmente, se
pela frente, está o destino do poder. Pressionam, ameaçam até verter sangue das consciências, os
métodos da velha truculência, usam para nada desfazer.
O momento é de profunda nostalgia. Não pelo que se ouve, lê ou vê em imagens e em
fotografias, mas pela decadência da criatividade. Que falta ética na política é uma verdade, mas
exigi-la de instituições corruptas, da mesma forma é uma infantilidade! Seria como (sem querer ser
estúpido ou grosseiro) que a besta parisse o próprio cavaleiro.
A razão maior desta decepção é perceber que a esquerda se apresenta sem razão. Sem
inteligência, se quisermos um termo de eloqüência. Vejamos se não é esta a armadilha: uma parte
defende-se por “formação de quadrilha”; uma outra disputa os destroços do partido que sobraram; e,
um grupo enorme segue a agenda que os burgueses colocaram.
Felizmente há uma parte mais consciente que almeja algo maior. Sabe que o caminho
eleitoral por si só não traz nada de melhor, pois é o espaço onde manda a burguesia. Nos poderes
representativos não há democracia, nem tampouco ética e moral. Ali impera o poder do capital, e os
honestos serão sempre minoria.
É lamentável e até de fazer pena: ver os burgueses fazer jogo de cena, e um pelotão seguindo
os mesmos passos; quando não, são flagrados aos abraços, como se o cão e o gato nunca tivessem
divergido, bem apontaram as pesquisas que os partidos, por 6% dos eleitores não são ainda
esquecidos.
Decepção maior é observar belas cabeças críticas, engambelando-se com a “pequena
política”. Arrastam-se sobre os erros cometidos, dizendo que “tinham pressentido” e que isto “não
daria bom resultado”; ao invés de aproveitarem este vazio deixado e apresentarem uma boa
reflexão, que aponte um caminho à nação, para que tudo isto seja superado.
Ninguém avança satirizando caveiras. O futuro é uma estrada com barreiras, que somente
quem é astuto pode ultrapassá-las. Só a força organizada pode derrubá-las e apontar para uma nova
construção. Guardai a energia para a revolução e esqueçais as intrigas e o fracasso, a história é feita
passo a passo, tijolo por tijolo como na construção.
A direita está muito satisfeita. Enquanto se diverte a esquerda se digladia. Esta agenda é uma
patifaria, astuciosa para camuflar. Sabem que o modelo é difícil sustentar. Por isso fazem estas
bravatas. Se o PT urinou nas alpercatas, a direita já as tinha, enlameadas. Se a esperança foi
desperdiçada, pelo tudo ou pelo nada, temos que continuar.
Na tradição revolucionária da história, seja com derrotas ou com vitórias, aprendemos
fazendo avaliações. Trancados em duras reuniões, apontamos os acertos e os desvios. Lavamos
como nas águas dos rios, as trouxas dos vícios e do oportunismo. Por mais difícil que fora suportar,
no final sempre se viu reafirmar, que o caminho é a revolução e o socialismo.
Impedimento; cassação; reforma partidária para a próxima eleição; ética na política com
empresas financiando candidatos; com a mídia e seus refinados aparatos, é assunto para esconder a
crise do modelo, que os ricos já não sabem como defendê-lo.
O que terá que ficar para trás ficará. Pois ninguém se dedicará a carregar o que não se
necessita. É hora, depois de feita a crítica, de avançar para a “grande política”, deixando para trás as
fofocas e as intrigas. Juntar-se como em um ninho de formigas, para fazermos uma pátria, justa,
solidária e mais bonita.
Cartas de Amor
Nº 137
À CONFIANÇA

Quem desconfia, não se fia, seja em conselhos ou em péssimas companhias. Há em quem se


possa confiar, mas é preciso sempre se preparar para possíveis emboscadas. É a lição que podemos
tirar desta História que vai aqui contada.
Um homem vivia à beira de uma estrada, não tinha rádio, não lia jornal, mas acreditava em
seu tino comercial. Vendia sanduíches com um sabor especial. Aos poucos foi crescendo e se
desenvolvendo; empregou gente e levou à falência todos os concorrentes.
O filho que vivia há tempo na cidade havia estudado na universidade, doutorando-se em
economia. Recebeu uma carta certo dia, onde o pai exultante informava que iria investir mais. O
filho fez análises, cálculos bem reais e enviou a resposta com uma repreensão duríssima: “O senhor
tome cuidado, porque o mundo inteiro será logo abalado por uma crise econômica gravíssima!”.
O velho ficou incomodado, mas não se atreveu a discordar do filho estudado. Cancelou
todos os pedidos e em poucos meses quase estava falido. Então redigiu outra carta ao filho contando
a situação. Informou que a crise havia chegado; que estava completamente arrasado e a ele pedia
orientação.
O filho satisfeito pela análise acertada, disse ao pai que não podia fazer nada, que a situação
estava assim em todos os lugares. O jeito era ter paciência e aguardar que a onda de falências fosse
superada. E o velho ficou acreditando sentado na beira da estrada, sem ter ninguém por perto,
dizendo: “O meu filho estava certo!”
Na longa estrada da história da humanidade, os países com suas sociedades organizam seus
investimentos. Hoje os mais ricos com o conhecimento alertam os mais pobres para tomar cuidado,
porque o mundo está sempre ameaçado por crises econômicas e de comportamento.
Comparam a metrópole com a beira da estrada e acham que aqui não se pode fazer nada.
Com 53,9 milhões de pobres no país, há pessoas que defendem que a raiz da miséria é a
crise mundial. Não podem mexer na economia em favor do social, porque voltará a inflação. E vão
empobrecendo a nação, acreditando nas análises do grande capital. O tempo passa e nada acontece.
A crise é sempre igual e a pobreza permanece.
Na política brasileira, também as falsas crises tornam-se costumeiras. Parlamentares com
anos de experiência criam previsões e esperam as conseqüências. Alertam que a crise política está
em andamento e enquadram o governo dentro de seu pensamento.
Vejam, pois estimados leitores, que o número de pobres é o mesmo que o número de
eleitores, que votaram conscientemente, para eleger o presidente. Este, ao invés de acreditar em
nosso grande potencial, mandou uma carta para o Banco Mundial e as promessas caíram no
desleixo. Igual o investidor da beira da estrada, por não confiar nas circunstâncias aqui criadas,
terminará com as duas mãos no queixo.
É preciso confiar na capacidade popular. Todos temos conhecimentos em política e em
economia. Nos falta acreditar na rebeldia que é a condição para espantar todas as crises.
Se quisermos tempos mais felizes, precisamos semear novas sementes. Cultivá-las para que
cresçam independentes e que escondam as vergonhas e todas as cicatrizes.
Cartas de Amor
Nº 138

AO DESARMAMENTO

Logo, logo, sem estar muito por dentro, o povo brasileiro votará pelo desarmamento. É uma
forma de consulta popular, para saber se o “povo” deve ou não se desarmar.
É importante garantir a segurança e reduzir os dados da matança, seja pela autodefesa ou por
vingança. Mas é preciso tomar consciência e exigir que o governo vá além com outras providências.
A arma é sempre um perigo iminente. Mas veja que desarmar não é o suficiente. Foram
entregues nesta campanha que pode ser um simples jogo, quatrocentas mil armas de fogo. Reduziu
a mortandade? Reduziu em duas mil é bem verdade. Mas ainda são trinta e seis mil vítimas por ano.
Prova de que, só desarmar pode ser um grande engano.
Há pessoas que atribuem a violência ao aumento da pobreza; mas suas causas estão na
concentração da renda e da riqueza. Quanto maior for a acumulação, maior será a violência contra a
população.
Mas é preciso desarmar. A arma é um objeto tão desnecessário! Ela transforma o cidadão em
carcerário. Milhares de seres deixam de ser úteis à sociedade, que aumentam em quantidade a todo
o instante. Só no Brasil passam de trezentos mil, nos presídios o número desses habitantes.
Desarmar o empresário, o latifundiário, os comerciantes e fazendeiros. Desarmar os roceiros
para que deixem de ser caçadores. Desarmar, os analfabetos e os doutores, estejam eles no campo
ou na cidade. Mas se não se desarmar o direito à propriedade, continuará a matança contra os
trabalhadores.
Desarmar os traficantes, os policiais, os vigilantes e até o Exército brasileiro. Exigir, que
aqui e no mundo inteiro, se feche qualquer fábrica de armamento. Desarmar o político fraudulento
de sua demagogia. Desarmar do poder a minoria para que a democracia seja de todos como é o
vento.
Desarmar o banqueiro dos seus juros elevados. Desarmar o Estado, das leis que garantem a
propriedade; que impõem para a sociedade a cega obediência. Desarmar todo político da
incoerência, da opulência e da falta de lealdade. Desarmar o governo das cestas de caridade e, que a
geração de renda elimine todos os tipos de carências.
Desarmar o agronegócio das sementes transgênicas. As empresas de exploração sistêmica
das riquezas naturais. Desarmar ainda mais, de todos os agrotóxicos comercializados, impedir que
sejam utilizados, nas lavouras e nos tratos animais.
Desarmar os madeireiros, que devastam dois milhões e meio de hectares todo ano. Os que
matam as baleias pelos oceanos. Os que poluem com fumaça o ambiente. Desarmar os fabricantes
que produzem os poluentes, o governo e o Exército norte-americano.
Desarmar os ricos da opulência e os pobres da paciência. Olhar a vida com clemência e
pensar nas gerações futuras. Desarmar todas as ditaduras também as de democracias
representativas. Desarmar todas as iniciativas que tornam a vida cada vez mais insegura.
Desarmar a enganação. Assumir o destino da nação e mergulhá-la na solidariedade. Não é
por nada! É que, se o mundo continuar marchando nesta estrada, poderemos ter presente, mas é
incerto se teremos descendentes, pois não terá futuro a humanidade.
Cartas de Amor
Nº 139
AO SÃO FRANCISCO

São Francisco, rio e santo. Águas vertidas do pranto das margens secas estendidas. Margens
que perderam a vida, águas que perderam o encanto.
Margens de velhas carcaças pelos anos carcomidas. Por não serem protegidas,
desbarrancaram no leito, como um peso sobre o peito o rio já não respira; e parece uma mentira,
mas também não se alimenta; e quem do rio se sustenta, sente que não tem mais jeito.
Pensam em sangrar o rio cortando qual estilete. Pra desviar um filete do sangue que já não
tem. Dizem que é para o bem da pobreza do nordeste; na verdade os cafajestes controlarão o canal;
não haverá nada igual, nos novos tempos vindouros, a água vai virar ouro nos baldes do capital.
Pra manter o Chico vivo é a grande reação. Contra a transposição, desta armação tão
perfeita. Não pode querer colheita quem nunca plantou um grão! Nem pode existir razão em um
projeto polêmico. O Chico é um escravo anêmico, que está indo ao mercado e será privatizado se
não houver reação.
Em nosso grande nordeste há dez milhões de camponeses, e foi por diversas vezes que
votaram em eleições; aguardando soluções que aqui nunca chegaram, somente os ricos ganharam e
haverá continuidade, se a solidariedade não assumir os desafios, pois só as águas dos rios, ainda não
são propriedade.
Se o presidente quisesse fazer uma obra bonita, atacaria a maldita propriedade fundiária,
faria a reforma agrária e daria condições, para que os nossos sertões fossem todos protegidos.
Tendo isto resolvido, se voltaria pra cidade, teria água em quantidade com os rios abastecidos.
Poderia então transpor as águas do São Francisco; não correria nenhum risco no conteúdo e
na forma. Depois de feita a reforma e revitalizado o rio, pra não ficar no vazio teria leis por
garantia, que enquanto raiassem os dias, as águas dos rios ou paradas, não seriam privatizadas nem
vendidas suas bacias.
Este é o grande dilema que teremos de enfrentar, aqui e em qualquer lugar, que exista água
corrente. Creiam, que daqui pra frente, nossas fontes naturais, com políticas liberais, serão todas
perseguidas, saqueadas ou mesmo vendidas, para empresas comerciais.
Por isso é que a confiança está perdendo a paciência, pois os sinais de incoerência estão por
todos os lados! Vemos milhões de acampados sem ver um palmo de terra! O agronegócio impera,
poluindo o ambiente; e é o mesmo presidente, dos transgênicos e das barragens, que em tudo acha
vantagem num modelo decadente.
Então se torna importante apoiar o Frei Luiz. É o orgulho do país aos poucos se levantando.
Ele está no comando, contra a transposição; fez da fome a condição de um movimento de massas;
contra as mentiras e trapaças se ergue descalça a verdade, impondo-se a crueldade, para evitar a
desgraça.
Todo povo brasileiro está chamado a jejuar, é a forma de lutar que encontramos neste
instante; seja aqui perto ou distante terá força este protesto, que aos poucos e em um só gesto se
ampliará esta rede. Se não houver solução, seguindo a transposição, o frei morrerá de fome e o rio
morrerá de sede.
Cartas de Amor
Nº 140
AO RECONHECIMENTO

Reconhecer é um dever. Seja na alegria ou na dor, é sempre conveniente agradecer a quem


nos presta algum favor.
Este costume vem desde a antiguidade, quando iniciou a engatinhar a humanidade. De lá pra
cá o ser humano viveu aos empurrões e, aprendeu que as contradições movem os sonhos e as
disputas. Descobriu também com muito estudo, que a vida não é um “vale tudo”, mas, cooperação,
organização e lutas.
A propósito desta situação, há um conto que incita à reação. Mostra-nos ele que havia um
trabalhador e seu patrão que estavam intrigados. Um por ser muito explorado, não achava mais
sentido na obediência. O outro não tolerava a resistência do pobre esfarrapado.
Só para acertar as contas levaram uma semana! Com a grana, comprou um sítio e uma
choupana. O senhor o difamou nas redondezas, dizendo que ele ‘não valia nem as despesas que lhe
deu’. Mas, precisando dos serviços seus, o procurou fingindo gentileza.
“Trabalhe para mim mais uma vez, pelo menos por um mês, até que eu possa me
recuperar!”. O pobre respondeu que ‘ia pensar’, e por fim, aceitou ajudá-lo novamente. Voltou ao
posto de gerente, mas logo adiante, o senhor recomeçou a reclamar.
Demitiu-se e no final do ano, fazia planos durante os festejos natalinos. Era noite, dobravam
os sinos, quando avistou na porta uma cesta de presente. Envolto em papel bem reluzente, estava
uma quantidade de esterco de animais, e, para feri-lo ainda mais, trazia junto um bilhete: “Para
comê-lo não se apresse, pois cada um recebe o que merece!”.
O pobre homem nada respondeu, até que um dia o senhor adoeceu e acamado sentia fortes
dores. Por ser Natal enviou-lhe algumas flores, com um bilhete e uma frase redigida: “Cada um
sempre dá o que tem de melhor em sua vida”.
E dizia mais o bilhete acompanhado: “Com o esterco outrora enviado, cultivei flores e
edifiquei o meu jardim; se quiser recebê-las até o fim, continue com sua contribuição”. E
acrescentou em sua exposição: “Tudo é importante nas mãos de quem trabalha, inclusive as ofensas
dos canalhas, que se confrontam com nossa projeção”.
Então chega a nossa vez de compreender. Há anos buscávamos o poder, até que um dia os
patrões encurralados, chamaram alguns trabalhadores para um lado, e propuseram um alívio para o
cerco. Pediram garantias para os contratos, mas lá pelo meio do mandato, mandaram-nos uma cesta
com esterco.
Pensaram que nos estavam derrotando, na verdade destroçaram apenas o comando, não a
perspectiva em seu vigor. Agradecemos o favor, de pôr à prova as nossas deficiências. Seguiremos
com humildade e paciência, fortalecendo o caule de cada flor.
De jeito algum nos prestaram um desserviço! Ao contrário, nos fizeram recordar os
compromissos com a ética e os valores. Por isto não somos perdedores e, nem estamos entrando em
decadência. Somos como as palmeiras imperiais, que precisam dos fortes vendavais, para testarem
as suas resistências.
A crítica e a autocrítica são princípios revolucionários; podem vir de aliados ou dos
adversários e, nos ajudam a melhorar cada dia mais. Com o esterco que estão hoje nos mandando,
não se iludam, estamos cultivando, as flores para os vossos funerais.
Ensina-nos o provérbio em sua integridade: “Quem fala a verdade não merece castigo”.
Aprendemos com os fatos esta lição e, entendemos o sentido da outra citação que, devemos sempre,
(por nos avisarem dos perigos), “amar os nossos inimigos”.
Cartas de Amor
Nº 141
AOS DESAPARECIDOS

Vinte e cinco de Outubro é o dia do assassinato de nosso Vladimir, devemos relembrar para
impedir que esse e outros fatos se repitam. Caso contrário os ditadores se reabilitam e retornam
como grandes salvadores. Aí teremos que falar das flores, enquanto os fogos dos canhões crepitam.
Falar da ditadura é lembrar da luta armada. Corajosa e desaforada como a que o Lamarca
fez. É recordar a altivez dos vários grupos organizados. Foram vencidos, não desmoralizados, por
isso serviram de semente e ressurgiram logo à frente, nos operários em greve rebelados.
A moral tornou-se agora o alvo a atacar. Os danos a provocar desta vez estão no imaginário.
Destruir por dentro os revolucionários, para mostrar que não há mais diferença. É assim que hoje a
elite pensa; age por detrás das trincheiras da retórica. Por isso vivemos aos impasses, pois o padrão
da luta de classes já não é física mas se tornou simbólica.
A moral em qualquer tempo e idade, sempre foi o componente para a autoridade. Quem não
a tem não pode defender o bem. É por esta razão, que os ataques, vão diretos ao coração, para ferir a
sensibilidade. Desta forma a sociedade, fica impotente e sem ação.
Já se falou em revolução industrial, quando as máquinas se juntaram ao capital e revolveram
as relações sociais. Agora as armas principais, são a informática, a genética e a eletrônica, que
prometem a revolução atômica, repartindo o átomo em mil pedaços; já não precisam mais de tantos
braços, para fazer a exploração econômica.
A tática e a estratégia agora, é iludir as forças na miséria, que o caminho não é o
enfrentamento. Quando, aqui, os milionários não chegam a um por cento, pois são apenas 98 mil;
vivem de costas para o nosso Brasil e de frente cercam as alternativas. Desmoralizam as forças
combativas para que estas esqueçam do fuzil.
As lições são grandes descobertas. Querem que a esquerda se torne analfabeta para a
linguagem da revolução. Por isso a desmoralização se dá em torno de assuntos corriqueiros. A
direita, suja como “pau de galinheiro”, aproxima-se com um sorriso encantador, repassando a
sujeira e o fedor, para as roupas de nossos companheiros.
A atual diferença com as lutas passadas, é que as guerrilhas foram derrotadas, mas lutaram
sem trégua até o fim. Os que morreram sabiam que era assim, ou se triunfa ou se paga com a vida.
Deixaram-nos suas imagens enaltecidas, para que mantenhamos a lembrança, e, sigamos sempre
com confiança, embora doam profundamente as feridas.
Que os fatos nos ensinem boas lições. Em qualquer tempo, os princípios e as razões, sempre
devem estar em nossa frente. Quando perdemos, em luta um combatente, estamos ganhando uma
referência. Quando perdemos a moral, então vemos a decadência, rondar os passos e a trajetória. O
maior patrimônio em toda a história é encher de valores a consciência.
A todas e a todos os desaparecidos, de referência ou desconhecidos que um dia sonharam
triunfar. Queremos apenas recordar e enriquecer nossa imaginação. Dizer com toda a gratidão que
nenhum daqueles passos interrompidos, deixarão de ser lembrados e seguidos e com certeza
ninguém morreu em vão.
Cartas de Amor
Nº 142

AOS AMIGOS E AMIGAS DO MST

Amigo, cultiva-se como o trigo. Após a longa convivência, ele oferece o pão como sinal de
sua coerência. Então, reparte-se em pedaços para fortalecer ainda mais os laços. Uma amizade vale
mais do que um milhão de propriedades.
Amigo é aquele que acompanha, que estranha quando mudam as aparências. É quem revela
as impaciências quando vê o outro ameaçado. É quem não fica acomodado, busca informações e as
passa adiante. amigo é um acompanhante, quase um amante, sem nunca ter atraiçoado.
Amigo é quem nunca deixa alguém andar sozinho; pode ser um parente ou um vizinho, está
sempre presente. Não importa a distância, até o tempo perde a importância, como a cinza no
braseiro ardente. Como simples camponeses, sentimos por diversas vezes, o calor afetivo de todos
os continentes.
Amigo é solidário, não se arrepende, ao contrário, quer envolver-se ainda mais. Empenha o
seu tempo de descanso, humildemente e manso, realiza tarefas infinitas. Faz coletas, faz visitas,
mantendo-se sempre cordial. E foi assim que vimos acontecer, na Europa, as pessoas coletarem e
venderem, objetos, para construir a nossa Escola Nacional.
Folhas de remédios em pacotinhos, vendidas com todo o carinho com rótulos artesanais
identificando o movimento. E não foram extraídas de assentamentos, mas de lavouras doadas, pelo
simples fato de que nossa luta organizada, estimulou este desprendimento.
E assim são muitas as iniciativas, de pessoas de fronte altiva que caminham em nossa
direção. Acreditam na transformação do ser humano e também da sociedade. Aqui dizemos com
toda a honestidade; se os burgueses brasileiros quiserem mesmo saber de onde vem este dinheiro,
jamais entenderão, porque nada entendem de solidariedade.
Mas não é a ajuda material a contribuição principal. São as denúncias e a divulgação. Os
governantes que viajam em missão, lá se defrontam com a imagem dos Sem Terra. Uma bandeira,
um boné ou uma faixa os espera, cobrando providências; isso inibe as mentiras e as imprudências e
alguns deles se revoltam como as feras.
E o mais interessante, é que estes amigos e amigas militantes, querem participar da
formação, seja nos cursos, no intercâmbio ou na produção, até mesmo nas lutas cotidianas. Como
explicar esta energia, este vigor da alma urbana, que desafia a própria consciência? É a mística que
se torna resistência e a coerência que revela a essência humana.
É importante que a base de nosso movimento, saiba que alguém distante zela por cada
acampamento. Sofre com as perdas dos assassinatos e festeja quando são vitoriosos os nossos atos.
Mas há uma questão mais importante. Não importa que estejam próximos ou distantes; se
nos conhecemos ou nunca nos tocamos. Importa é dizer que a vós juramos, jamais trair a vossa
confiança. Diremos às nossas crianças, que, se um dia estiverem realmente emancipadas, que a terra
foi deveras libertada, com a ajuda desta grande aliança.
E podemos dizer mais uma vez, que nas noites das frias madrugadas, dormindo sobre a terra
ou na beira das estradas, em nossos sonhos estão vocês.
Que a utopia suspensa nas mãos do horizonte, nos faça seguir sempre mais confiantes. E,
dizemos com sinceridade, sentindo esta solidariedade, é um prazer continuar a ser, a cada dia,
melhores militantes.
Cartas de Amor
Nº 143
AO FOGO

O fogo nas ruas da França não é um ato de vingança. É uma reação daqueles que, vindos das
colônias, esperavam ser incluídos na nação. Por isso transformaram em chamas a cidade, símbolo
da civilização e das desigualdades.
Já desde a antiguidade, quando o fogo era uma propriedade, daqueles que detinham o poder,
brigava-se para ter o direito a usufruí-lo. Mas, sem poder vendê-lo em quilos, nunca foi rentável
como mercadoria. Tornou-se então em simbologia da cólera e do amor; anima com seu esplendor e
assusta com sua valentia.
Ele é auxílio e ameaça. A ponte que liga o céu e a terra ao produzir fumaça, quando usado
nos vários rituais. É a Fé quando está nos castiçais e um risco quando embrenha-se nas florestas.
Amigo nas fogueiras e nas festas. Raivoso quando está nos canaviais.
Na França após a imolação, no ritual parecido ao dos cristãos, que, condenados eram
jogados nas fogueiras, os jovens provocaram a fumaceira, atacando o luxo e a opulência. A revolta
ainda não virou consciência, mas aos poucos nascerá das labaredas, um movimento fino como a
seda, que exigirá do mundo mais decência.
O fogo tornou-se ideologia. Mostrou, em apenas poucos dias, a diferença entre as classes
sociais. Quando muitos não acreditavam mais, que no mundo houvesse reação, ninguém mais faria
oposição e o império era o único lado. E, embora ficamos assustados, pasmos e estáticos, vimos que
o fogo por séculos armazenado, é um dos bens ainda conservado com direito ao uso democrático.
Análises e críticas, vimos uma infinidade, quando o bloco socialista perdeu sua integridade,
como se houvesse falhado o marxismo. Não, errado está o capitalismo, do qual o proletariado é o
seu coveiro. Faltou um complemento derradeiro, que Marx talvez tenha esquecido; o império, antes
de ser enterrado e esquecido, tinha que ser incinerado primeiro.
As chamas nas ruas da França, portanto, não é vingança; é um protesto contra a civilização,
que preza pelo luxo e a ostentação, enquanto deixa o planeta desastrado. Mostra a diferença entre os
dois lados e com isso a República fica nua. De nada vale a proteção do Estado, se o patrimônio já
está tão concentrado, que é deixado dormindo pelas ruas.
O fogo nas ruas da França é um recado, uma lembrança, que a riqueza e a opulência são as
promotoras da violência. É contra a intransigência que os pobres se obrigam a lutar. A única
maneira de evitar, os conflitos e as guerras fratricidas, é através da distribuição, do poder, da
riqueza e da educação, assim a imigração, torna-se visitas consentidas.
Nas ruas da França o fogo também é uma esperança, uma luz indicativa. Mostra que as
pessoas estão ativas e que podem reagir concretamente. O capital caduco e decadente, nada tem a
oferecer à humanidade, foi a ignorância da civilidade que provocou as chamas e fez o aço
incandescente.
Nada tendo a oferecer por derradeiro, os carros representaram os cordeiros, no holocausto ao
poder oferecido. A latarias e os ferros retorcidos são esqueletos do grande sacrifício. Não
esqueçamos que pode ser o início de uma grande onda de fogo, que pretende reiniciar o jogo,
fundamentado na organização e nos princípios.
Principalmente o princípio da memória, onde o conflito como motor da história, se apresenta
sempre de mil maneiras. Desta vez começou pelas fogueiras, atacando o luxo concentrado e, este
fogo só será apagado, quando queimar as diferenças e as fronteiras.
Cartas de Amor
Nº 144

ÀS AFRONTAS

Vivemos tempos de afrontas. Os que legislam cobram suas contas, quando não têm nada a
receber. Os que se revezam no poder, viram gerentes dos mesmos empresários. Enquanto o povo,
sobe seu calvário, a espera do dia de morrer.
Afrontas no parlamento onde instalam CPMI’s, para maltratar os Sem Terra do país. Ali,
mergulhados no cinismo, consideram as ocupações, atos de terrorismo. Na verdade, legislam para a
grande propriedade. Então acham legal, considerar que as lutas ameaçam a “segurança nacional”.
Afronta dos latifundiários e fazendeiros, que se julgam tão ordeiros, por isso ordenam as
emboscadas. Três anos de governo é quase nada, mas no campo matou-se mais que a guerra, pois
foram assassinados sobretudo, neste desesperanço período, nada menos que 143 trabalhadores Sem
Terra.
Afronta do poder Executivo, que engana desde os fracos aos mais altivos, com seus
rompantes populistas. Enquanto bajula os capitalistas, a reforma agrária estaciona no caminho. Não
avança sequer nem um pouquinho, na elevação dos índices de produtividade. Assim fortalece a
grande propriedade, a opulência e o poder mesquinho.
Afronta do judiciário que invalida processos de desapropriação, não julga e não leva até a
prisão os criminosos de nossas lideranças. É ágil para apagar as esperanças nos despejos, nos
mandados e nas condenações da militância; mas não dá nenhuma importância, à vida dos adultos e
das crianças.
Afronta dos meios de comunicação, braço político da criminalização, que faz a sociedade
acreditar em sua versão. Que atenta contra o direito de defesa, divulga a violência entre a pobreza,
como se esta, fosse dela promotora. Que faz da burguesia parlamentar e exploradora, referência da
moral, da honestidade e da pureza.
Afronta do capital financeiro, que explora e lucra o ano inteiro, sem se importar com a
miséria da nação. Que ostenta com sarcasmo e presunção, os bilhões de juros acumulados. Que se
apropria da máquina do Estado, para ampliar a sua dominação.
Afronta das empresas multinacionais, que fazem dos ministérios seus currais, para forjarem
seus planos indecentes; seja na biodiversidade ou nas sementes, atacam como aves de rapinas,
apossam-se dos rios e das colinas, dos minérios, da madeira e do ambiente.
Afronta do imperialismo e de seus colaboradores, todos, sem exceção, exploradores,
capachos ou submissos, governantes que renegam os compromissos e se agarram à burocracia. Que
esquecem que a democracia, não é divulgar as negociatas que se fez, mas trabalhar com afinco e
honradez, para alcançar a soberania.
Afronta contra todos os direitos, que se misturam com a falta de respeito, de decência e
honestidade. Afronta contra a solidariedade e todos os valores. Contra a cultura, a arte e aos seus
defensores. Afronta contra a juventude que precisa tomar uma atitude e não se deixar matar; e,
assim no fim das contas, revidar as mesmas afrontas, e então, passar também a afrontar.
Afrontar pela desobediência, dar por encerrada a fase da paciência e levantar-se para dizer
não! Afrontar com organização, todas as formas de afrontamento. Unir-nos em um grande
movimento, afinal, somos nós, pobres, neste exato momento, a última classe em ascensão.
Cartas de Amor
Nº 145
AO COMBATE

Quando o neoliberalismo projetou-se contra o socialismo, não podíamos perceber pelas


aparências, quais seriam todas as conseqüências. Insurgiu-se como um furacão devastador, com seu
instinto privatizador, eliminou as empresas estatais, destruiu as práticas sindicais, cooptou os
partidos e, enraizou-se profundamente nas consciências.
Quando falavam que o “Estado seria diminuído”, é claro que era em um só sentido! Na
verdade ele seria privatizado, mas continuaria forte enquanto Estado. Controlaria, as aposentadorias
reformando a previdência, para isto precisaria da conivência da classe trabalhadora; usada através
de uma cúpula do poder ainda “caloura”, que não ofereceu nenhuma resistência.
O capital financeiro, as empresas e instituições planejaram a economia. A política, como o
pão de cada dia, normalizou a importância, pode até faltar de vez em quando, pois quem garante as
ordens de comando, são os que controlam o modelo, e os políticos tratam como muito zelo, dando a
entender que estão livremente governando.
E os poderes então constituídos, passaram a ser os guarda-costas dos bandidos. O Executivo
cheio de eloqüência, passou a pedir ao povo, paciência: “A criança só começa a andar com um ano
de idade!”, e foi fazendo menos da metade, em tudo o que havia prometido. Importava que o “medo
estava vencido”, e os ricos podiam ficar à toa e à vontade.
O judiciário seguiu com sua severidade, austero protetor da propriedade. Mas o Congresso
Nacional já quase sem função, desviou-se para a investigação. Faz o papel que um dia foi da
ditadura militar; prepara as leis para criminalizar.
Em várias coisas sabíamos o que era o neoliberalismo, desconhecíamos que este resgataria a
ideologia do fascismo, que perseguia e até matava quem não concordava. Agora, o “pensamento
único”, não virá pela razão, mas pela repressão que elimina o oponente. Ser pobre é uma ameaça
permanente, e organizar-se é tornar-se delinqüente.
Vejamos afinal, o que ameaça a segurança nacional, são os Sem Terra ou o latifúndio
improdutivo? As ocupações ou os transgêncios liberados ao cultivo? Trabalhadores mortos
pacificamente ou fazendeiros armados até os dentes?
Não senhores! O que ameaça a segurança nacional é a riqueza e a opulência! A reforma da
previdência, os juros altos e a dívida externa! A matança dos jovens que a todos nos consterna! A
renda acumulada, a terra concentrada e a negação de todos os direitos! A falta de respeito à nossa
soberania! De hospitais e enfermarias, e renegar todos os bons conceitos.
Neste governo que caminha já ao final, ameaçou-se a segurança nacional, quando quinze
dezenas de pessoas no campo foram assassinadas, sobre isso as CPIs não dizem nada, não indiciam
nem consideram crime hediondo ou terrorismo. O parlamento é o retrato do cinismo, onde tudo se
faz contra a democracia. Quem vota, ou submete-se à burguesia, ou é enquadrado pelo seu
legalismo!
É preciso analisar e compreender, para que se volte a combater. Belas lutas fizemos no
passado; pela anistia, pelas diretas, pela defesa dos direitos conquistados. Mas tudo isso foi fruto da
unidade! Se nos calarmos nos campos e nas cidades, eles amordaçarão os nossos movimentos. É
tempo de enfrentar, para que não venha a se tornar, o que era uma esperança, um grande tormento.
Cartas de Amor
Nº 146
AO PAPAI NOEL

Antes de se transformar, o Natal, foi uma bela e sincera festa popular. Originou-se no dia,
em que, no Norte do planeta iniciava-se a estação fria. O povo, por duas semanas fazia a despedida.
Sabendo que faltaria comida, muitos poderiam morrer; por isso era preciso festejar e torcer, para
que quando o calor voltasse a aparecer, ainda houve vida.
Os Romanos em sua cultura, homenageavam Saturno, o deus da agricultura. “Saturnália” era
o nome da comemoração. Sendo inverno, não havia produção, e, por isso a terra descansava. Dessa
forma, o povo festejava a longa espera, aguardando o despertar da terra, quando de novo o trabalho
começava.
No século quarto, o Papa Júlio Primeiro, aproveitou, também por ser festeiro, e unificou a
tradição com o Natal. Novidade, nascimento, trabalho, agricultura, ficou tendo por igual, o mesmo
significado. É tempo de rever o que está errado, modificar as práticas e o comportamento. É sempre
um renascimento, que deve ser considerado.
Mas Dezembro também, em todos os rincões da terra, o Papai Noel se espera. Deve vir de
algum lugar com sua maestria, para trazer-nos um pouco de alegria. Seu nome está associado à
cortesia, visitas, presentes e fantasias que nos tornam mais fraternos, embora nestes tempos
modernos, todas as coisas viram mercadorias.
Mas de onde ele se originou? Quem foi que o inventou e o transformou neste personagem
popular? Para tudo o que se inventa, há um lugar e um dia. Esse também, em Myra, hoje Turquia,
por volta do ano quatrocentos, nasceu com um senhor, astuto e trabalhador, que dava aos pobres
com amor, todos os anos, parte de seus proventos.
Mais tarde por ter marcado tanto, foi declarado santo. São Nicolau, conhecido em todo
canto, agora por Papai Noel. Vestia-se de Verde para fazer o seu papel de artista da alegria.
Fantasiado ninguém reconhecia quem era o novo pai dos desvalidos. Tornou-se por isso conhecido,
e até hoje, o ano inteiro, espera-se pelo seu dia.
Aos poucos tudo foi se elitizando. O mercado assumiu o comando, impondo o modo da
comemoração. Perdeu-se o sentido da distribuição, da renda, dos lucros e dos ganhos acumulados.
Ao contrário, aproveita-se nestes tempos exaltados, para acumular ainda mais. As relações
tornaram-se comerciais e os sentimentos foram domesticados.
Para aumentar ainda mais o consumismo, o capital com seu cinismo, modificou também a
sua cor. Para tornar a Coca-Cola um louvor, fez do Papai Noel sua referência. O Vermelho como
parte da consciência, tingiu o personagem atrativo, e o produto enfadonho e corrosivo, passou dos
grandes e dos pequenos, o ano inteiro tendo sua preferência.
Mas o Natal ainda é uma festa popular. Temos que comemorar como parte desta herança.
Presentear os adultos e as crianças com objetos de nossa cultura. Evitar o plástico e a usura, e ajudar
a consciência a renascer. Renegar o que nos faz empobrecer, nos valores, nas virtudes e na ternura.
Aproveitemos o momento já existente, para reencontrar os vizinhos e os parentes e trocar
energias positivas. Festejar as conquistas decisivas que tivemos alcançado. Reafirmemos que,
seguiremos lado a lado, no decorrer do ano novo. Afinal, este é um dos poucos momentos onde o
povo, tem que assumir o seu papel e não ser representado.
Sem fingir nem fantasiar, sejamos o Papai Noel em cada lar. Distribuamos virtudes e
valores, para derrotarmos os mercadores dos sonhos e objetos. Que cada gesto seja lúcido e
concreto, para que a terra adormecida, se orgulhe de ter-nos como moradores.
Cartas de Amor
Nº 147
À IMAGINAÇÃO

Se o mundo fosse uma aldeia, como pregam os liberais, não precisaria mais, acordos
comerciais nem eleições presidenciais. Bastaria que a humanidade entrasse num entendimento, que,
nem um ser humano, uma empresa ou um convento, teriam uma só nacionalidade. Não haveria
direito à propriedade, nem privada ou estatal, todos viveriam de forma igual conscientes e com
dignidade.
Não haveria exploração. O operário manteria a sua profissão, mas seria um produtor. O
patrão, ora administrador, se tornaria o lixeiro. Não haveria mais banqueiros e o dinheiro estaria à
disposição nos caixas eletrônicos. Existiria um só modelo econômico e todos teriam a sua
habitação, com quartos, cozinha, sala, banheiro, portas e janelas; mas somente se poderia comprar e
se apropriar, daquilo que coubesse dentro dela.
Não haveria outras propriedades. Nem nos campos ou nas cidades, tudo seria gerido
socialmente. Os carros seriam usados coletivamente e de acordo com as necessidades. O trabalho
seria obrigatório, uma ou duas horas por dia; o pão estaria disponível em todas as padarias, cada um
pegaria o seu quantitativo. A carne, o queijo, o feijão o arroz o óleo e a farinha, se alguém quisesse
levar para a sua cozinha, poderia, mas não precisaria, pois haveria grandes restaurantes coletivos.
Os bens da natureza seriam preservados. Em cada parte do mundo onde eles existissem.
Quando alguém deles usufruísse, teria que pensar nos habitantes de toda a humanidade. As técnicas
e as pesquisas, de ninguém seriam propriedade, estariam à disposição. Não haveria o governante da
nação e o poder seria da humanidade.
Os impostos seriam substituídos pelo trabalho voluntário.Todos os dias se comemoraria
aniversários, das plantas, dos sapos, dos pássaros e das crianças. Ninguém transportaria mais
mudanças, pois onde andasse encontraria abrigo. Os cemitérios não teriam jazigos, apenas uma
placa com sinais, apontando os extensos castanhais, onde renasceríamos em harmonia como amigas
e amigos.
As escolas seriam em campo aberto, onde haveria pássaros e flores. Não haveria professores,
nem cadeiras, mesas, quadro e giz. Cada qual, na posição de aprendiz, formularia suas questões.
Juntos buscar-se-ia as soluções, não haveria diplomas e nem tampouco formaturas; o saber seria a
prática da cultura, que cada qual teria como raiz.
O mercado não seria lucrativo. Não haveria o judiciário nem o legislativo, e as leis seriam
fruto da vontade coletiva. Não haveria polícia repressiva, apenas um corpo de conselheiros. Não
tendo herança, não haveria herdeiros, e as relações seriam sempre afetivas.
Se o mundo fosse uma aldeia, ninguém seria indigente, não haveria divisão entre ateus e
crentes e nem existiria classes sociais. As idéias não seriam iguais, porque haveria diversidade, mas
aquelas que ameaçassem a humanidade, seriam retiradas de circulação; os excessos de civilização
estariam controlados; eliminar-se-ia o Estado, e o mundo funcionaria como uma grande associação.
Se o mundo fosse uma aldeia, uma só comunidade, haveria honestidade e viver seria um
prazer. Ninguém disputaria o poder, e este teria outro sentido, ao ser constituído, com lealdade e
parcimônia. Como ainda vivemos com impérios e colônias, sofremos as conseqüências desta teia.
Mas é bom imaginar com otimismo, quando triunfar o socialismo, com certeza, o mundo iniciará a
ser uma grande aldeia.
Cartas de Amor
Nº 148
AO ANO NOVO

Quando éramos crianças, tempos idos, boas lembranças; esperávamos o ano inteiro, para, no
dia primeiro de Janeiro, irmos desejar Feliz Ano Novo aos visinhos. Ganhávamos um biscoito, um
carinho, às vezes, uma nota de dinheiro. Ouvíamos desculpas e lamentos, relatos de acontecimentos,
doenças, secas, tormentas e sofrimentos, que o velho ano criara o tempo inteiro.
Mas, em nossas inocências, não sabíamos o que era a decadência, do simples e pobre
camponês. Ele sabia que mais uma vez, não tinha conseguido progredir. A casa começava já a cair;
as estradas de terra esburacadas; as cercas velhas derrubadas; já se tornava difícil resistir.
Agradeciam com gentileza o desejo, e aproveitavam o ensejo, para enviar recados aos
nossos pais. Há quem não se lembra mais; outros abandonaram a tradição. Mas havia esta
superstição, que as crianças eram um bom sinal. Se faltassem atrairiam o mal, se chegassem o ano
seria bom; assim preparavam a doação e a entregavam de forma cordial.
Passados já bons anos de nossa pobre vida, tivemos décadas perdidas de alegrias e de
tristezas. O êxodo ampliou a sua grandeza e feriu de morte a solidariedade. Milhões se foram para
as cidades, em busca de um lugar para morar. Ali já não podem desejar, porque o espaço do sonho
está encurtado. O futuro esperam agachados, pois lhes falta a força para se levantar.
Então, revisando os pensamentos, recordamos daqueles bons momentos onde o desejo era
um valor. Existia nele algum fervor, e por ele se passava confiança. Se havia progresso, era por
causa das crianças, e, no ano novo seriam melhor tratadas. Hoje vemos que as décadas passadas
trouxeram os mesmos lamentos como herança.
Olhamos para cada cicatriz; em cada uma está a história do país. Ano a ano escrita em cada
sinal. O retrato visível e desigual está na face vazia de esperanças. Anos velhos que não deixaram
nem lembranças; anos novos que por nada envelheceram. Dias sofridos que trabalhando se
perderam, noites tristes que nos mataram a confiança.
Vemos pelos anos passados, que os camponeses continuam maltratados, embora teimem em
produzir os alimentos. E o peso é cada vez mais violento, que os ombros começam a vergar. Os
governantes que deveriam se envergonhar, se exaltam como as plumas dos pavões, pensam somente
em eleições e como fazer para nos enganar.
Uma vantagem hoje nos diferencia, dos velhos tempos quando se dizia: Feliz Ano Novo
durante o dia inteiro. Hoje acrescentamos: companheira e companheiro e mudamos a base da
conduta. O desejo tornou-se uma permuta, que mutuamente entre nós trocamos. Temos certeza
quando desejamos, que o ano será bom, porque haverá lutas!
Que os dias do novo calendário, que marcam a reunião e o aniversário, sejam de fato
promissores. Num mundo de explorados e exploradores só resta uma saída aos primeiros organizar-
se e lutar o ano inteiro, contra os que criam a miséria e a exploração. E desejar com convicção:
Feliz Ano Novo a todo o povo, que se prepara para a revolução.
Que seja um ano de fartura, de otimismo e de alegria. Que nos lembremos a cada dia, que os
inimigos sem nós ficam mais poderosos. Que os novos tempos sejam vitoriosos, e ampliem o nosso
envolvimento. Façamos os acontecimentos, não deixemos que eles nos surpreendam, pois enquanto
os ricos não se rendam, estaremos sempre em movimento.
Cartas de Amor
Nº 149
À CONTINUIDADE

Quando termina um ano, outro logo se inicia, é como a noite e o dia que se emendam pela
continuação. Um ano que traz recordação, é um ano de fartura e de bondade, tempo de felicidade
que valeu à pena. Há àqueles em que os momentos ruins entraram em cena e marcaram pela
perversidade.
O novo ano começa com uma promessa, que só aos tolos faz sentido. Vem dos Estados
Unidos, esta provocação. Para preservarem a nação que está em apuros. Prometem construir um
muro na fronteira com o país vizinho, que, de todos os latinos, entrou sozinho no tratado de livre
comércio com a América do Norte; triste sina, pobre sorte, se não obstruírem este caminho.
O projeto de lei foi aprovado no final do ano passado, conhecido como “Reforma
Migratória”. O muro iniciará uma nova história de separação. Mil quilômetros terá sua extensão,
construído pelo povo separado, que, ficará aqui do outro lado, como velhos bárbaros ameaçadores.
Haverá câmaras e refletores para que estes sejam bem vigiados.
Será considerado criminoso quem entrar ilegalmente no país. Pego o infeliz, será preso e não
mais deportado. Os empregos serão fiscalizados pelas próprias empresas, que terão de provar sem
esperteza, que não contratarão gente ilegal. É a crise do Estado e do Capital, que já não cresce nem
sabe o que fazer com a pobreza.
São os tempos de duras semelhanças. No mundo as únicas mudanças podem ser vistas nas
legislações. É o medo dos ricos das nações, que já não sabem como se defender. Sobrou a força
para manter o poder e, a violência é a única saída. Ocorre que essas investidas, não conterão os
grandes movimentos. A repressão serve apenas de fermento, para agitar as massas enfurecidas.
As leis se parecem em toda a parte. Como uma obra de arte, ampliam as imaginações. Aqui,
lutar por terra leva a condenações, quem se organiza torna-se um criminoso. O regime é astuto e
perigoso, pois é ele que gera a violência. Quanto mais repressão mais impaciência, quanto mais leis,
mais desobediência.
O império se protege de seu jeito. Cerca o país, muda o código do direito, mas terá que sair
para roubar. Mesmo que se arme e vá guerrear, nunca terá força suficiente. Seus aliados internos
decadentes, não terão como resistir. Nem mesmo os muros poderão construir, para cercarem o que
têm acumulado. Já não tememos o arame farpado, nem a cerca que tem data pra cair.
O ano novo será cheio de armadilhas, avançará quem souber achar as trilhas para driblar a
engenharia da direita. As estratégias nunca são perfeitas, contém sempre imprecisões. A última
oferta foram as eleições, onde as forças populares foram iludidas. As mudanças acabaram em
comida, que após usada foi esgoto afora! O que farão agora, os produtores de mentiras, quando as
massas se levantarem enfurecidas?
As condições estão chegando ao ponto, que exigirão unidade nos confrontos. “Uma
andorinha só, não faz verão!”, mas pode espalhar a convocação. Poucas vezes a humanidade
combinou estes fatores, que unifica a luta dos trabalhadores. Temos que ser imensamente criativos e
organizar as lutas e os protestos. Pôr em prática a profecia do Manifesto: “Proletários do mundo
inteiro, uni-vos!
Cartas de Amor
Nº 150
AOS DESEJOS

Desejar é a arte de antecipar o futuro pela imaginação. É querer de coração que os sonhos se
realizem. Há os que se contradizem e misturam os desejos. Seguimos nós o cortejo, alimentando o
sonho antigo, de sermos todo dia como o trigo, repartindo-nos com aqueles que precisem.
Desejar que venha a chuva, para produzir a uva que dá o vinho. Desejar ver o caminho
aberto das mudanças. Desejar como crianças o dia de Natal. Desejar que todo o mal suma inclusive
das lembranças.
Desejar que a juventude tome uma atitude de por abaixo a alienação. Que os saqueadores da
nação partam com seus vagões. Desejar que os corações transbordem de amor puro, que nem
divisas nem muros, dividam nossas nações.
Desejar que as madrugadas, com sereno e neblina, desenhem sobre as colinas sinais de
otimismo. Desejar que o imperialismo naufrague em suas transações. Que não haja mais patrões,
senhores e candidatos; e que os únicos contratos, sejam de boas relações.
Desejar que os rios e açudes nunca sequem e nem sejam poluídos. Desejar que os mais
sabidos eliminem a ignorância. Que as coisas sem importância não sejam utilizadas. Todas as leis
aprovadas elevem a democracia, e que sempre a rebeldia alimente a confiança.
Desejar felicidades aos que fazem aniversário. Que não haja adversários na prática dos
valores. Que nossos educadores sejam exemplo de coragem; transformem cada mensagem em atos
de convivência, que prezem pela coerência da cultura e da linguagem.
Desejar ver as sementes e as lavouras sem veneno. Sem erosão nos terrenos, nem fogo
queimando as matas. Sonhar que cada cascata cante seu próprio sentido, que entre em cada ouvido o
som da preservação, e, que nunca falte o pão nem a farinha na mesa, que se encha de grandeza o
pulsar do coração.
Desejar que as andorinhas façam sinfonia no espaço, que o beijo e o abraço sempre sejam
praticados. Que os seres irmanados defendam os mesmos valores. Desejar todas as cores e o
vermelho das bandeiras, surgindo sob a poeira, tremulando sobre as flores.
Desejar que as faculdades se encham todos os meses, de operários e camponeses e de outras
categorias. Sonhar que sempre a alegria esteja à frente dos eventos; que nem tristezas e lamentos
interrompam o caminho, e ninguém queira sozinho o que é para a maioria.
Sonhar e escrever poesias, teatro e letras de cantos, surpreender, causar espanto, naqueles
que nos duvidam. Sonhar que os que se intimidam, breve perderão o medo. Sonhar que todo dia
cedo, nascerá com a alvorada, uma imensa gargalhada contando cada segredo.
Desejar que a sociedade elimine as divisões, que as imensas multidões deixem de ser como
o gado, que segue manso e calado para a triste execução. Desejar que a nação não se dobre à
covardia, e que a soberania seja o refrão da canção.
Desejar que o desejo nunca deixe de existir. Que enquanto vozes forem ouvidas e rastros
tiverem no chão, nunca falte animação nem mesmo força e certeza; que sobre cada uma mesa, caia
um grão de esperança, que cada uma criança cresça amando a natureza.
Deseje sempre e cultive o desejo de sonhar, não perca tempo em amar pois o amor é como o
vento, se parar por um momento a terra deixa de girar.
Cartas de Amor
Nº 151
À DOR

Quem se atreveria um dia a explicar a dor? Haveria um professor capacitado a fazê-lo?


Mesmo que cheio de zelo, não haveria sapiência, nem tamanha inteligência que pudesse nos
premiar, nem tampouco se arriscar a dar uma explicação, pois a dor só tem razão quando pára de
judiar.
Existem em nossas vidas, diversos tipos de dores, algumas de nostalgia, outras de perda de
amores. Há as que causam enfermidades, outras feitas de acidentes, a pior é a dor de dente quando
lateja a gengiva, mas há dores corrosivas que de ódio vão matando, o pobre ser sem comando
quando descamba à deriva.
Há dores de enganação feitas de promessa e juras. Há dores claras e escuras de parte ou do
corpo inteiro. Há dores em que o roceiro sente quando vai chover; quando alguém ao correr força a
musculatura, há dores de impostura, traições e arrependimento; há dores que são lamentos outras de
pura loucura.
Um poeta nordestino, Patativa do Assaré, quando viveu, tinha fé e muita inspiração. Deu um
dia de fazer então, uma poesia a este mal, do processo eleitoral que engana toda a nação. “O que
mais dói” disse então, no título de seu escrito, negou com versos bonitos coisas até corriqueiras,
mas a dor eleitoreira, para ele era um delito:
“O que mais dói não é sentir saudade
Do amor querido que se encontra ausente
Nem a lembrança que o coração sente
Dos belos sonhos da primeira idade.

Também não é a dor da crueldade


Do falso amigo quando engana a gente
Nem os martírios de uma dor latente
Quando a moléstia o corpo nos invade.

O que mais dói e o peito nos oprime


E nos revolta mais que o próprio crime
Não é perder da posição um grau.

É ver os votos de um país inteiro


Desde o praciano ao camponês roceiro
Para eleger um presidente mau”.

Mas este velho poeta estava indignado, pelo povo ter votado em um homem desleal, amigo
do capital, defensor do imperialismo. Governava com cinismo pois do povo era alheio. Outro
presidente veio, depois da poesia escrita, vejam que coisa maldita, praga ou maledicência. Isto é
uma coincidência, ou é uma seqüência infinita?
Dizer qual é a pior dor, cada um dirá que é a sua e se a vida continua, continuará tendo
dores; de moléstias ou de amores, penará a humanidade e não haverá piedade enquanto a
degradação, não morrer no coração, na consciência e na vaidade.
Cartas de Amor
Nº 152
À REFLEXÃO

Refletir sempre é importante, sobretudo o que fazemos, quando nos arrependemos temos um
ganho seguro. Nos tornamos mais maduros e nos enchemos de alegria. Vemos na filosofia frases de
muita sapiência. Para elevar nossa estima, emprestamos à nossa rima para estas belas coerências.
“O deserto cresce, ai daquele que dá abrigo a desertos”. Representa algo encoberto que há
dentro de muitos seres, que sobrepõe aos quereres, seus interesses incertos.
“Não venhas a ser o que tu és”. Seja como as marés que iniciam e se desmancham, que se
revolvem e não mancham sequer a ponta dos pés.
“Todos estamos sujeitos a dizer tolices; o mal está em as enunciar com pretensão”. Pretender
que uma ilusão seja tida por verdade. Há tolos de qualidade, e outros que não têm consciência; os
que vivem de aparências, são os tolos de verdade.
“Quem não tem dois terços do dia para si é um escravo”. Seja na terra que eu lavro, ou na
oficina da rua, se o imaginar não flutua, nunca haverá criação, e a maldita escravidão com certeza
continua.
“Há em nós, mais vaidade que infelicidade, mais vazio que maldade, mais vileza que
miséria”. Viver é uma coisa séria que às vezes nem percebemos, os vazios que trazemos que
podiam ser preenchidos, como um balão aquecido, giramos e nada aprendemos.
“A ordem econômica capitalista tem necessidade dessa devoção à vocação de ganhar
dinheiro”. Como grandes desordeiros agem os capitalistas, passam sempre em revista onde podem
acumular, são devotos do roubar, em todos os pontos de vista.
“A propriedade privada não aliena apenas a individualidade dos homens, mas também a
individualidade das coisas”. Este é o mal que a propriedade causa em cada ser social, o torna
individual que se julga separado, por isso é alienado e vítima do capital.
“Nossas possibilidades de felicidade sempre são restringidas por nossa própria constituição”.
É a nossa própria razão que nos impede de ser felizes. Somos o réu e o juiz, disputando a mesma
cena, que às vezes é tão obscena, que nos corrói na raiz.
“As virtudes são disposições não só de agir de determinadas maneiras, mas também de
pensar de determinadas maneiras”. Como lenha nas fogueiras vamos queimando os momentos, de
gestos e pensamentos, fazemos nosso destino, que deixa um rastro longo e fino, é o nosso
comportamento.
“Há apenas uma diferença: a alegria que vem do bem é séria, ao passo que a que vem do mal
é acompanhada de riso e zombaria”. Portanto, sejamos sérios, até pra ter alegria, para que a
“zombaria” não desmereça os valores. Como somos sonhadores temos que visar o bem, alegrar-nos
e ir além, como sérios construtores.
“Se construíste castelos no ar, não te envergonhes deles; estão onde deveriam estar. Agora
constrói os alicerces”. Os castelos como as preces são belas suposições, surgem das inspirações e
por isso são conscientes; uma espécie de videntes são os que constroem calados e fazem do
imaginado uma causa do presente.
“Quando todos pensam da mesma maneira, é porque nenhum pensa grande coisa”. Este é o
grande resumo, que a história pode fazer, a burrice do poder do império intransigente, pensa impor
a toda a gente uma única ideologia, contra esta covardia, vamos pensar diferente!
Cartas de Amor
Nº 153
À PAIXÃO

Na antiga Grécia, sempre que alguém morria, condições ainda não havia, para detectar a
causa ou a razão. Por isso os óbitos eram declarados, mas o defunto era interrogado, com a
pergunta: ele viveu com paixão?
Recorrendo ao seu passado, cada período era observado e verificado com franqueza, no
final, então se concluía, que sua vida tinha sido de alegrias, ou ao contrário, de tristezas.
De acordo com a vida levada, a causa era revelada, mostrando a morte pelas conseqüências.
Se viveu com paixão vivera bem, não ficando dúvidas a ninguém, de que havia utilizado a
inteligência.
A paixão, diz a definição, é um sentimento ou uma emoção levados a um alto grau de
intensidade. A razão confunde-se com a vontade inibindo às vezes a lucidez. É uma força com
tamanha solidez que obriga o corpo a se exaltar. Desperta ela o carisma de vigiar e de se comportar
com imensa polidez.
Quem se apaixona vive entusiasmado ou entusiasmada. Como uma folha amarelada que se
balança com o vento. Destaca-se entre as demais pelos seus movimentos e expõe suas qualidades
diferentes. Paixão é uma força ardente que direciona os acontecimentos.
Há milhões de pessoas apaixonadas, porém muitas são mesquinhas e desviadas que se
agarram às coisas materiais. Dominadas por ilusões comerciais, vivem as custas do consumo; no
final da vida, o seu resumo, mostra a tamanha pequenez, que ela foi uma invalidez, sobrou o corpo
apenas para servir-se como insumo.
Apaixonar-se por causas coletivas é a maneira mais bela e construtiva de aplicar as nossas
emoções. Há os que se agarram às frustrações, mas há os que vivem de otimismo. Não se abatem
frente ao derrotismo e sempre encontram uma saída, para estes tem valor a vida, a lealdade e o
companheirismo.
Se houver paixão, há revolução. Basta que esta se mantenha em evidência. Acompanham a
dedicação e a coerência e o desejo profundo de vencer. A paixão nos dá outro poder que sem ela
fica obscurecido, o que ganhamos por ter-nos envolvido, é uma vida inteira de prazer.
Quem teme uma paixão teme a si e aos sentimentos.Não admite estar sedento e nem revela
suas necessidades. Apaixonar-se é buscar dignidade através do empenho e da exposição. Dispor de
si e de cada reação, para que a causa possa ser servida. Uma paixão se confunde com a vida, e a
vida com a história em construção.
Por isso, apaixonar-se é uma tarefa revolucionária, seja pela transformação ou pela reforma
agrária, o motivo podemos escolher. É preciso ousar surpreender a nossa própria intimidade, que
usamos menos da metade do potencial que ela tem a oferecer.
A rotina é a morte da paixão. Quando esta já não incomoda o coração, o ser humano já se
petrificou. Oferece para amar apenas o que restou da desanimação. Tocar em um corpo sem paixão
e como trabalhar a terra sem vigor, derrota o próprio plantador que perde a força , o interesse e a
admiração.
Para nós que somos caminhantes, e levamos as paixões em condições ambulantes, temos
uma grande obrigação: recriar seres apaixonados, para que, quando estivermos em outro Estado,
não havendo a concorrência de mercado, a moeda de troca será apenas a paixão.
Cartas de Amor
Nº 154

ÀS SEQUÊNCIAS

Se perguntarmos as sementes por que elas se multiplicam? Responderão que, por terem
recebido o destino de sonhar, e um dia verem as bocas cheias de alimento; dirão que devem
continuar.
Se perguntarmos às árvores por que crescem e se enraízam? Responderão que receberam a
missão de conservar a terra viva, para que as espécies sigam em grandes comitivas, também dirão
porque continuarão.
Se perguntarmos ao homem e a mulher, por que vivem? De imediato seríamos surpreendidos
por um longo silêncio, pois teriam que desfazer-se das causas mesquinhas e concentrarem-se nas
razões mais comoventes: crescer e povoar a terra e viver em harmonia como as plantas e as
sementes que cuidam e não matam os seus descendentes.
É por sentir o destino ameaçado que lutamos! É pelos descendentes das espécies que
insistimos e resistimos! É pelo amor à vida que sonhamos.
Por nossas mãos não passará a destruição, a violência e a exploração. Nossos filhos
aprenderão que conviver é melhor que destruir; cultivar é melhor do que perder, e ver chegar é
melhor que ver partir.
De nossos pés não sairão passos confusos, nem nossos corpos estarão desalinhados. Nossos
filhos seguirão os rastros da justiça, combaterão a inutilidade e a preguiça e avançarão para o futuro
imaginado.
Em nenhuma consciência nascerá a ganância e a prepotência. Nossos filhos aprenderão que
a humildade é uma linha de conduta e que cultivar valores é como cultivar flores; espalhar perfume
e muitas cores, para fortalecer a luta.
Descobrirão que a facilidade na descida não pode esquecer-se do esforço na próxima subida.
Verão que continuar é mover-se pelo desejo de chegar. E seguir, é a definição concreta de persistir.
Desde o alto de nossos objetivos clamamos para a continuidade. Vivemos um tempo de
renúncias, de decepções, mas elas não podem ser mais fortes que as razões que gerarão a nova
humanidade.
O desejo de vencer deve incomodar os não incomodados. Dificultar os planos dos
gananciosos e mal acostumados, que vivem da exploração e da submissão de quem é obrigado a não
querer. O desejo e o prazer terão que ser também democratizados.
Embora às vezes no concreto, vemos o inimigo direto, mas não o inimigo principal. A luta
contra o capital às vezes se esquece do resgate cultural e nos iguala aos malfeitores. Jamais
podemos ser continuadores de causas altamente autoritárias, nascemos e vivemos por razões tão
solidárias, que nos leva a sermos libertos como o toque dos tambores.
Continuar é buscar. Esquecer que há um lugar ou um ponto apenas de chegada. A perfeição
jamais será alcançada, porque as fraquezas expõem nossos defeitos. Mas temos que tentar de muitos
jeitos, evitar os desvios e as decepções. Um dia, as nossas emoções revelarão a integridade dos
conceitos.
Sigamos, as vitórias nos esperam, elas pertencem àqueles que prosperam sem renegar os
direitos e os deveres. Construamos sem pressa os novos seres, para que estes tenham maturidade,
quando utilizarem os prazeres.
Cartas de Amor
Nº 155
AO CARNAVAL

Se um ser extraterrestre viesse a terra em dias de carnaval, diria que aqui é o paraíso
celestial. Ao ver as multidões festivas e fantasiadas, diria que aqui não precisaria mais nada para a
felicidade. Envolveria-se também nesta irmandade e mudaria os planos de suas próximas jornadas.
O carnaval é uma festa onde o mal do desemprego é escondido. O barulho dos tambores
enlouquecidos, impede que se ouça os gemidos e as reclamações. Não captam as televisões os atos
de barbárie e de violência, de modo que o extraterrestre em sua inocência, diria que seriam de
brincadeiras os fogos dos mísseis, das bombas e canhões.
Uma pergunta ao menos se faria, por quê na Quarta-Feira os desfiles vão para as periferias e
ali continuam as encenações? Carros de polícia, gente sendo arrastada, correrias pelas ruas e, nas
calçadas, corpos caídos ensangüentados? Diria que ali é o inferno para os que não se comportaram,
e cometeram ao desfilar, um monte de pecados?
Veria nos jornais, ainda por várias manhãs, as imagens dos blocos e escolas campeãs, e
ficaria abismado com as cores. Mas ao deixar de lado a leitura, e sem o rufar dos tambores,
escutaria o ronco dos motores. Então retornaria aos centros das cidades e veria, em cada veículo,
um ser humano, cheio de cordialidade.
Cordialidade assim organizada: um atrás do outro em silêncio, sem dizer nada, seguindo o
desfile de cores e de sinais. Diria que seria o bloco dos normais, educados para soltarem gases
poluentes. Fazer subir aos ares em quantidades suficientes, para provocar o sol, e tornar seus raios
ainda mais quentes.
Maior surpresa teria ao ver a agricultura. Estranharia esta tosca cultura da encenação de
pobres acampamentos; espalhados ao relento, enquanto outro bloco faz a devastação. E ao ver as
árvores mortas pelo chão exclamaria, que capacidade de encenar! Este bloco deviria ganhar, o
prêmio de campeão!
Vendo os campos vazios retornaria para as cidades; veria encenações em quantidades como
o agonizar de um rio poluído. E diria para si, como os humanos são sabidos! Que poder têm estes
moradores! Que até das águas mudam suas cores, para levar o lixo produzido!
Veria as fábricas e lojas funcionando, poucas pessoas nelas trabalhando e milhões
desocupadas. Então exclamaria em gargalhadas, que esperteza!! Enquanto uns produzem as
riquezas, as multidões passeiam pelas ruas! Mesmo sem ter mulheres nuas, este bloco é o mais
perfeito, cada um desfila de seu jeito e é assim que o carnaval continua.
Mas uma coisa certamente não entenderia. Ao visitar os cemitérios ali veria, dezenas de
corpos jovens sendo enterrados. Os cortejos silenciosos enfileirados, repetindo esta ação todos os
dias. Nas faces nenhum pouco de alegria, sofrimento e amargura na aparência. Dar-se-ia conta de
que ali estaria a conseqüência, dos desfiles anteriores sendo agora real a alegoria.
Ah carnaval! Festa popular que não termina. Cada qual leva em sua sina, experiências
sonhos e utopias. Chegará o tempo em que as fantasias, as encenações e as diversões organizadas,
serão naturalmente adotadas, como forma principal de viver todos os dias.
Cartas de Amor
No 156
À REVITALIZAÇÃO

Revitalizar é prolongar. É querer renascer através do refazer. Alcançar um outro patamar na


construção da história. Resgatar o que se perdeu no fundo da memória e garantir a continuação. Um
passo nunca vem sozinho, há um anterior que nos colocou à beira do caminho, e um posterior, que
nos levará à próxima estação.
Revitaliza-se tudo, desde as raízes do couro cabeludo, até as margens dos rios. Revitalizam-
se os desafios, os propósitos e as energias. Os fundamentos das velhas utopias e as batidas do
próprio coração. A vontade e a determinação, e até mesmo o jeito de pensar. Os passos que
começam a cansar e as esperanças de cada geração.
Os combates também são revitalizados. Há alguns em que saímos machucados, com fortes
dores e grandes ferimentos. Mas não significa que estejamos derrotados, se neles tenhamos
ampliado, as experiências e os conhecimentos.
O que aprendemos recolhemos. Guardamos em nós as sementes de tudo o que fazemos; mas
há tempos em que esquecemos de plantar. Então as sementes começam a se estragar e aos poucos
vão se dissolvendo. Nos tornamos como um velho armazém, que já não guarda o sonho de
ninguém, pelo contrário, fica apodrecendo.
Mas eis que o tempo, velho acompanhante, ao perceber que pouco é como antes, passa a
exigir explicações. Nos manda olhar em baixo dos colchões, nos bolsos dos casacos pendurados,
para encontrar resquícios do passado, que nos faziam andar em multidões.
Agora, até ir a reuniões, há gente que não se pré-dispõe. Embora diga que também compõe,
mas as palavras não viram ações. Como fazer revoluções, se a poeira se acumula nos cantos da
consciência? Como derrotar a prepotência se não se pensa dar rumo ao destino? Quando se ignora
um prato fino, até o paladar entrou em decadência.
Por isto então revitalizar. Entrar dentro de nós e espanar a poeira da descrença. Para voltar
acreditar que a força ainda é imensa, e só com ela se move a intransigência. Somos dotados de
grande inteligência, de culturas e grandes invenções. Nascemos para as revoluções e não para
morrermos na indigência.
Devemos revitalizar nossas raízes, nelas há povos que viveram mais felizes e há outros que
lutam por viver. De nada vale o amanhecer, se despertamos depois do meio dia. A história tem
certas manias que só avançam em contradições. Quanto mais choques, mais transformações, quanto
mais sonhos, mais ânimo e harmonia.
Revitalize a força da esperança. Coloque em suas palavras um tom de confiança e diga a si
mesmo a todo instante: eu como homem ou mulher, não vou fazer o que o império quer, de hoje em
diante serei intolerante!
Revitalize o valor da luta, transforme este espírito em conduta e saia em busca de um abraço.
Melhor é ser um vulto em movimento, do que se acomodar em meio ao esquecimento, e concordar
que somos um fracasso!
Revitalize enfim a sua auto-estima, olhe para baixo e para cima e veja os desafios da
humanidade. Revitalize o encanto e a beleza, e acredite que a natureza, nos criou para vivermos em
liberdade.
Aproveitamos novamente o ensejo, para perguntar: A quem incomodam os teus desejos?
Cartas de Amor
Nº 157
AOS IMORTAIS

Imortais, são os que não morrem nunca mais. Viverão além dos tempos e das fronteiras, pois
estarão resguardados nas trincheiras, como a semente, a espera do plantio. Como uma rocha frente
ao calor e o frio, ou como a mãe, a espera da parteira.
Imortal é o ser humano que se torna referência, porque entra na consciência das novas
gerações. Então se transforma em multidões e avança sobre o tempo indefinido. Embora haja forças
que o querem esquecido, cada vez mais aparece em outros meios. Imortal é renegar os próprios
anseios, para tornar-se um eco inesquecido.
Há imortais, na história e na filosofia; nas ciências e na teologia, que se formaram pelo
conhecimento. Mas há os que pelo comportamento, desenvolveram atos de bravura, que aos olhos
dos mortais sempre é loucura, mas para eles, natural como um divertimento.
Há imortais em todos os continentes, que se tornam sempre mais presente, pela identidade
construída. Alimentam-se das dores e das feridas, de quem à história procura dar seqüência. Igual
ao aço que não perde a resistência ou o sabor que não sai mais da comida.
Este ano, recordamos Carajás mais uma vez. Talvez por nossa pequenez, aprendemos a
contar o tempo retalhado. Dez anos já se vão desse atentado, que vitimou a nossa militância. Cada
vez, damos mais importância, para que os massacres sejam eliminados.
Heróis da combatividade, imortais pela coletividade, pois mesmo aos nomes renunciaram. A
referência foi o dia em que enfrentaram, a prepotência do Estado brasileiro. Mobilizaram o mundo
inteiro e neste espaço se imortalizaram.
Por isso é difícil de esquecer. Morrer, não é já não viver, mas sim cair no esquecimento. É
deixar de ser sentido pelo pensamento, como um vulto que se apaga na curva da estrada. Viver é
superar a tendência do nada e tornar-se um símbolo construtivo. Imortal é quem permanece vivo,
além do tempo, das tocaias e emboscadas.
Os dezenove Sem Terra passeiam pelo mundo. Despertam os sentimentos mais profundos, e
articulam a solidariedade. Contribuem para que a humanidade, ajude a evitar novas tragédias.
Embora as soluções sejam comédias, os governantes já temem as suas maldades.
Ainda praticam a violência. Intimidam, despejam e dão seqüência, com prisões processos e
ameaças. Com a mídia erguem cortinas de fumaça, para esconder a brutalidade. Mas aprenderam
que a solidariedade é mais potente que todos os seus atos; quanto mais equipam os aparatos, mais se
aproxima o dia da liberdade.
Dezessete de abril deixou de ser um dia e um lugar, pela união pôde se transformar, em
referência e simbologia. Os movimentos do campo em sintonia, mostram ao mundo como a imagem
no espelho. Os ricos dizem que é o “Abril Vermelho”, e nós dizemos que é o mês da rebeldia.
Aquele exemplo de força e de coragem mudou os rumos da viagem interrompida pela
brutalidade. Mas revelou à militância uma verdade, que antes se via de forma precária. Que só a luta
pela reforma agrária, seria insuficiente para progredir; precisava crescer e evoluir para mudar toda a
sociedade.
Por isso Carajás é imortal. Por mais esforço que faça o capital, esta memória estará sempre
presente. As vidas que ali foram tiradas, não morreram foram eternizadas, nas consciências, nos
corações e em nossas mentes.
Cartas de Amor
Nº 158
ÀS INOCENTES

O dia oito de março está sendo muito badalado. Há semanas que vemos estampados nos
jornais, artigos de incriminação; são vozes que levantam a acusação, de crime e destruição. Faz
lembrar a farsa do ladrão, que, por ter se ferido em uma ação, exigiu na justiça a indenização.
- Excelência! – disse ele ao juiz - Tenho uma reclamação e exijo providências. Veja que, ao
passear pela cidade em hora incerta, percebi uma janela aberta. Então, com muito jeito, subi no
parapeito, mas a danada despencou, e assim foi que a minha perna fraturou.
O juiz bastante revoltado, solicitou que o dono da casa fosse já intimado.Relatou a ele o que o
ladrão havia contado e o acusou de ter sido o causador da situação. O proprietário, com razão, usou
um argumento sorrateiro, que, se alguma culpa havia, esta cabia todinha ao carpinteiro.
O carpinteiro também foi intimado, e ouviu do magistrado, que um crime havia cometido.
Demonstrou-se este arrependido, e respondeu com grande simpatia. Mas alegou não ser culpado,
porque no dia passara uns “maus bocados”, por ter comido um bolo estragado que havia comprado
na velha padaria.
Intimado então foi o padeiro, que (bonachão e hospitaleiro), não demorou, e deixou tudo
esclarecido. Argumentou que poderia ter cometido alguma imprecisão, mas a culpa cabia à mulher
do escrivão, que entrou na padaria naquela hora em que misturava os ingredientes. Distraiu-se com
o decote do vestido, pois os seios estavam enaltecidos, querendo saltar ao mesmo tempo para frente.
A mulher também foi intimada, mas esta de forma educada, disse ao juiz que de jeito algum
era culpada e que buscasse o culpado verdadeiro. Diante do padeiro constrangido, disse ela que a
culpa era do vestido, e que portanto, intimasse o costureiro.
Assim foi feito. O costureiro apesar de bom sujeito, ouviu sem jeito a acusação: o vestido
havia virado a cabeça do padeiro, que fez um bolo estragado e o vendeu ao carpinteiro, que colocou
mal uma janela, e ela, ao despencar, quebrara a perna do ladrão. Sem direito a argumentar, teve que
em silêncio acatar, a ordem fria da execução.
O carrasco olhou o rapaz de jeito estranho e alertou o juiz que o seu tamanho, iria atrapalhar
a execução. Não daria certo na hora de o pescoço sufocar, as longas pernas iriam descer e encostar,
a grossa sola de seus pés no chão.
- Procure então um costureiro de tamanho menor. Escolha um, o que seja melhor, e veja o
dia e a hora de enforcar. Porque, afinal alguém tem que pagar!
Assim ocorre no momento. A Aracruz desde os tempos iniciais vem cometendo crimes
ambientais. Maltratou os índios até não poder mais; poluiu rios, secou córregos, e envenenou a
terra, mas ao ser questionada, disse de forma clara e sincera:
- A culpa é dos países importadores de papel. Esses, de forma mais cruel, acusaram as
fábricas de herbicidas. Essas de forma mais sabida culparam o governo brasileiro que financia com
o próprio dinheiro, através do Banco Nacional de Desenvolvimento Social. E rebateu em tom
formal, que responsável pelas verbas públicas, é o presidente da República.
O presidente ao ser chamado respondeu, que a culpa é de quem o elegeu, para dar ordens
superiores. O juiz mandou executar os eleitores, mas o carrasco o alertou para o tamanho do
escândalo da chacina. Respondeu o juiz: - Está muito bem, mas não podemos não punir ninguém,
execute as mulheres da Via Campesina!
Cartas de Amor
Nº 159

AO ÊXITO

Êxito é o mesmo que sucesso. Algo que faz progresso, que avança espalhando confiança. É
o contrário da derrota, onde a esperança esgota, e cansa até mesmo o pensamento. Êxito, é o
alimento para as novas batalhas. É o fogo nas fornalhas; é o prazer do próprio crescimento.
Desejar êxito é sinal de bem querer. É estimular para vencer, alguém que ainda vai tentar. É
querer estar em seu lugar para fazer o que deve ser feito. É sinal de respeito, de amizade e de
satisfação. É declarar de coração que a história tenha um bom sujeito.
O êxito é filho da audácia e da ousadia, que conduzem com força e sabedoria o estímulo da
vontade. É um aflorar de qualidades, que chega amedrontar a realização. Êxito é uma elevação do
nível da política e dos enfrentamentos. É um avanço no comportamento, das forças que se
enfrentam numa revolução.
Mas o êxito nunca vem sozinho. Ele é companheiro e vizinho do planejamento. Planejar é
colocar cada elemento em seu lugar, para, teoricamente demonstrar como serão os passos no futuro.
É perceber que o fruto não maduro, terá uma trajetória. Planejar é antecipar a história, sem se deixar
levar por desejos imaturos.
Há êxitos inesperados, ocorrem por terem-se combinado, as energias das contradições.
Devemos olhar com precauções, estes surtos de acertos voluntários. Dos feitos revolucionários, nem
sempre a sorte é acompanhante. É no andar do caminhante, que decifram-se os pontos no grande
mostruário.
Deseje êxito sempre e a todo momento. Com palavras ou só no pensamento, transmita, boas
intenções a quem milita. É uma das qualidades mais bonitas, torcer para que alguém alcance a meta.
Faça da intenção uma arma secreta e exemplo para quem acredita.
Novamente as jornadas se aproximam, sinal de que, com força persistimos, no mesmo
caminho da existência. É tempo de elevar a resistência e acelerar o pulsar do coração. Lutar não é
uma demonstração; é fazer das próprias mãos um instrumento de esculpir consciências.
Em todos os lugares as vozes se levantam. As massas se enfileiram, gritam e cantam a
própria imaginação. É a revolução que chega até o parapeito das janelas, nos campos e nas favelas é
a mesma sintonia. Os passos ditam a melodia, os sonhos a letra da canção.
Que belas são as bandeiras tremulando; parece que estão se preparado para voar pelo espaço
infinito. O céu fica atrativo e mais bonito, porque o vermelho toma conta do vazio. A cada passo,
um novo calafrio, a cada calafrio, um novo grito.
E o tempo parece estar mudando. A classe agora no comando, anda descalça e de chapéu de
palha. Não teme nem as próprias falhas, pois faz aquilo que lhe apraz. Não pensa dar um passo
atrás, quer todos os passos para frente. É como o rio de água corrente, que nem a enchente o seu
rumo desfaz.
Mais uma vez, êxito a todas as bandeiras, que tremulam como as chamas nas fogueiras,
porque embaixo estão os sustentáculos. O “Abril Vermelho” sempre é um espetáculo, que os
poderosos pagam caro para ver. Será assim até o dia em que o poder, perder os tronos, as coroas e
os báculos.
Que vivam os mártires da terra! Que anunciem as trombetas o fim da guerra e cessem as
brutalidades. Que não haja violência nas cidades, e a bondade triunfe sobre o mal. Que os valores
derrotem o capital, pois este êxito merece a humanidade.
Cartas de Amor
Nº 160
À EXISTÊNCIA

Existimos porque persuadimos as pernas a não parar. Existimos, pois queremos triunfar para
fazer valer o sangue derramado. Existimos, pois fazemos dobrado aquilo que compete a cada ser.
Existimos, para fazer crer, que ninguém deve viver mais humilhado.
Existimos para libertar a terra; seja nas baixadas ou nas serras, onde exista a propriedade.
Existimos por termos a humildade, de reconhecer nossas próprias fraquezas. Existimos apesar das
tristezas, dos ataques e das contrariedades.
Existimos pela causa ser nosso estandarte. Existimos para fazer com arte, as mudanças no
meio social. Existimos para fazer o carnaval, ganhar cheiro e imagem popular. Existimos para
deixar-nos amar, e brilhar como o raio no cristal.
Existimos para discordar. Não deixar a mentira triunfar e dos fatos purgar sempre a verdade.
Existimos porque a falsidade, não pode tornar-se um valor. Existimos porque existe a flor, e a
semente da nova sociedade.
Existimos para fazer poesias; sem elas as manhãs seriam mais frias, e os dias chuvosos
difíceis de agüentar. Existimos para que o luar tenha na terra, admiradores; onde o sol empresta às
suas cores, para o Arco-íris no espaço se molhar.
Existimos, porque os passarinhos, precisam confeccionar seus ninhos e cantar para alguém
apaixonado. Existimos porque o rio e o lajeado, não podem ser vendidos. Existimos para que sejam
mantidos, os princípios, e os desmandos, contestados.
Existimos, porque a natureza necessita manter a sua beleza com a defesa de sua preservação.
Existimos, porque em cada mão, há um destino a ser domesticado. Existimos, para que os mal-
humorados, não infestem o mundo com sua negação.
Existimos, porque a língua e os conhecimentos, não podem ser usados de instrumentos, para
as empresas dominarem as nações. Existimos, para as mobilizações não deixarem de repente de
existir. Existimos para divergir e repetir os velhos e bons refrões.
Existimos pela valentia, de enfrentar a tecnologia que ameaça a biodiversidade. Existimos
porque a crueldade contra a vida já é insuportável. Existimos, porque a água potável ainda corre em
busca das cidades.
Existimos por causa das colheitas, pelas frutas de formas tão perfeitas, que demonstram o
poder da reprodução. Existimos, porque o coração, ama e vibra com cada ano vivido. Existimos,
porque temos aprendido, que é preciso uma revolução.
Existimos para fazer política, tornar toda esta massa crítica num potencial de luta e de
consciência. Existimos, para a desobediência, se tornar um costume cultural. Existimos para fazer o
capital, ajoelhar-se e pedir clemência.
Existimos para agir de fato, para renegar qualquer contrato que obrigue a submissão.
Existimos para não dar razão àquele que explora e desrespeita. Existimos para que as maldades
feitas, não tenham proteção.
Existimos para cuidar e ser cuidados. Existimos, para deixar organizado o ambiente para as
novas gerações. Existimos porque as estações, sem nós não teriam razão para existir. Existimos para
que possa existir, o amor e as suas declarações.
Existimos para que haja futuro. Para que nos momentos obscuros possamos acender uma
fogueira. Existimos porque há uma bandeira colocada na linha do horizonte. Existimos para dizer
que a fonte da vida nunca seca, porque viver, pode ser, uma grande e bela brincadeira.
Cartas de Amor
Nº 161
A QUEM ZELA

Estamos entrando em um tempo de tristezas, onde as grandes empresas impõe uma lógica
diferente. Modificam as sementes, as árvores e até o comportamento. É um tempo onde o
sofrimento prepara a sua sustentação; antecipa em cada decisão, o que virá pelos acontecimentos.
O capital, astuto e impiedoso, torna-se a cada dia mais perigoso, pois nos fóruns aceita
recuar. Pede tempo para pesquisar, mas não deixa de fazer suas invenções. É a maneira de evitar
confrontações; mas, do projeto suicida não desiste; ao contrário, diante daqueles que resistem, ataca
com processos e prisões.
O que interessa ao capital é a sua reprodução. Aprova leis que permitem a sua expansão, e
assim avança sem temor. Se o prazo se esgota e qualquer outro fator, o faz novamente se insurgir;
enfrenta quem tenta resistir e novamente consegue permissão; elimina cada restrição, e jamais deixa
de destruir.
O tempo agora é de ataque a ecologia. Há anos produzindo porcarias, o capital entrou em
crise em seu crescimento. Descobriu nos remédios e no alimento, na água doce e na biodiversidade,
algumas possibilidades, de resolver a sua própria asfixia; aplica então as leis da economia, sobre a
vida e a transforma em propriedade.
Sigamos as marcas de suas investidas. Quando as sementes transgênicas eram proibidas,
incentivou o plantio ilegalmente. A produção chegou, e o presidente, liberou a comercialização; não
poderia haver nova plantação, mais isto foi ignorado, e um ano após foi aprovado, o plantio até
mesmo a exportação.
No mês de março a ONU convocou, um encontro onde se concentrou, o debate sobre as
sementes suicidas. Nas idéias elas foram repelidas, mas na prática quem as irá controlar? Na
obrigação para se rotular, mais seis anos foi a carência permitida; as árvores transgênicas foram
impedidas, mas isto as empresas não irão respeitar.
Então o zelo torna-se uma obrigação. Acreditar, que pequenos protestos vão fazer a
contenção, desta avalanche perversa e destrutiva, é imaginar que o capital venha a ser compreensivo
e abandone seus projetos de uma vez. A luta não será de um dia ou um mês, mas de anos e de
combates prolongados; quem não luta será eliminado, quem lutar viverá com altivez.
Zelar pela biodiversidade com luta e resistência, é uma tarefa de tamanha consistência que a
humanidade não tem como se omitir. Se o povo deixar de reagir, será engolido pacificamente; então
não sofrerão só as sementes, mas a vida estará ameaçada; estamos pois em uma encruzilhada, ou
enfrentamos ou morreremos inutilmente.
Por isso as camponesas organizadas, apenas denunciaram que as cidades estão cercadas com
as tropas de árvores artificiais. Que produzem gases letais, bebem as águas e não deixam trabalhar;
põem o Estado a serviço e a cuidar como se fosse o pátio de uma escola, enquanto nas ruas se pede
esmola, no campo a vida acaba devagar.
Zele pela indignação, pegue uma bandeira e um facão e saia a combater. Diga com gestos
que não irá ceder aos caprichos do grande capital. Assim, a luta, tornará ilegal, aquilo que com leis
é defendido; o futuro estará garantido, se tivermos a coragem de enfrentar, e igualmente a
capacidade de zelar, pelos valores que à vida dão sentido.
Cartas de Amor
Nº 162

ÀS MUDAS

De que mudas vamos nós falar? Daquelas de plantar ou das que nunca tiveram o direito à
palavra? Das árvores das empresas ou das escravas? Das que expulsam ou daquelas que cultivam?
Falamos das mudas que cativam. Das que romperam o cerco da alienação e transformaram o
silêncio em uma ação, que nos orgulham e ainda mais motivam.
Elas chegaram, mudas, com bocas e narizes encobertos, aproximaram-se da origem do
deserto e agarraram a ameaça com as mãos. E com força atiraram pelo chão aquilo que chamavam
de ciência. Disseram não, à decadência, mesmo com cara de conhecimento. Não tem direito a
existir, algo que vem para ferir a ética e o desenvolvimento.
Elas chegaram, mudas, mas conscientes. Tocaram-se delicadamente, parabenizando-se pelo
dia da mulher. Não poderia ser um dia qualquer, tinha que haver uma comemoração. Mudas sim,
omissas não! Pois o perigo rondava os próprios lares; reagiram com heranças milenares, em defesa
de cada geração.
Elas chegaram, mudas, para dizer que não são surdas. Que ouviram os lamentos futuros das
florestas. Da invasão das árvores desonestas, expulsando os animais e os passarinhos. Distanciando
as casas dos vizinhos, e tomando o espaço cultivado. Captaram com sentidos aguçados, que os
campos iam ficar sozinhos.
Elas chegaram, mudas, para mostrar que há outras formas de falar, sem precisar usar a voz.
Para dizer que do momento atroz, guardam-se ainda referências; e não aceitam as bobagens da
ciência, como se elas não tivessem o direito à palavra. Conhece a terra quem a terra lavra, e há
muitos séculos o faz com competência.
Elas chegaram, mudas, e mudas se afastaram. Por isso os poderosos não gostaram e
dirigiram contra elas os adjetivos mais banais. Sentiram que elas podem muito mais, do que só
exigir os direitos à igualdade. Que em suas mãos há uma capacidade, de ataque superior às armas de
fogo; viram que uma nova força entrou no jogo, com muito mais combatividade.
Elas chegaram, mudas e otimistas, causando ódio aos capitalistas por terem sido
surpreendidos, em suas condições de machos e de maridos; foi uma afronta, presenciar esse gesto,
forte e bravo. Como o senhor que teme o próprio escravo, mesmo a revolta tendo sido em outra
senzala, o medo é que, o exemplo que ora fala, se alastre e vire a “revolução dos cravos”.
Elas chegaram, mudas, para destruírem um viveiro, de plantas estimadas no estrangeiro, que
aqui cresciam com orgulho e prepotência. Utilizando a inteligência, perceberam a misteriosa luz,
que teriam que “arar a terra com a cruz”, se deixassem a peste entrar em sua convivência.
Elas chegaram, mudas, para enfrentar a mudez. Foi na história pela primeira vez, que se
juntaram as simbologias. As “mudas” destruídas nesse dia, não foram as que estavam no viveiro,
mas aquelas que por séculos inteiros, calavam nas consciências. As mudas, arrancadas foram as da
obediência, para chamar o homem, amigo e companheiro.
Elas chegaram mudas, mas queriam falar. Por mais que a justiça queira prender e processar,
será fatalmente derrotada. Na Aracruz a mensagem foi passada, e esta não se pode prender. Os
processos e as prisões jamais irão deter, a coragem daquelas que da mudez estão curadas.
Cartas de Amor
Nº 163
AO VIVER

Quero viver, para ver: as crianças, as mudanças e a juventude rebelada. Ver o anoitecer e as
madrugadas, o raiar do dia e o sol a pino. Viver para dizer ao destino que ele pode se enganar.
Viver, só para abusar, dos governantes e das autoridades; daqueles que defendem a propriedade e
não vacilam na hora de matar.
Quero viver para admirar a lua. Para dizer que a luta continua mais atrativa do que no
passado. Viver, para dizer aos namorados, que não há tempo a perder; viver também só por viver,
para deixar pelo menos um espaço ocupado, viver só para ser questionado, é também uma maneira
de viver.
Quero viver para escrever muitas poesias, para pôr letras em belas melodias, que venham a
se tornar belas canções. Viver para sentir as emoções de encontros cheios de lembranças; para fazer
com outras forças alianças, ligando as velhas às novas gerações.
Quero viver para sonhar de olhos abertos; para ver os campos encobertos de plantações
floridas e bem cuidadas. Para incluir-me na classe organizada, que se levanta para marchar bem
cedo. Quero viver para driblar o medo, e discursar nas praças enfeitadas.
Quero viver para aplaudir, a quem se dedica a fazer sorrir, pessoas que buscam diversão.
Viver só para dar razão, a quem ousa enfrentar os poderosos; para vaiar os discursos melosos, e
elogiar quem fala com emoção.
Quero viver para fazer loucuras, só para ver o que vem depois da conjuntura, ou do que foi
dito no jornal; o que sucede o processo eleitoral, depois que os candidatos chegaram onde queriam.
Viver para ver se eles fariam, a metade do que sempre prometeram; conversar com aqueles que
perderam, se mesmo assim ainda continuariam.
Quero viver para ver as mulheres liderando, altivas, compondo os comandos, com uma flor
vermelha no cabelo. Ver o combate e compreendê-lo, e assinar uma carta coletiva. Viver para poder
deixar mais viva, a causa da libertação; para sentir o pulsar do coração, ao abraçar a companheira
combativa.
Quero viver para ver o que tem atrás da placa. Para derrotar uma proposta fraca e chegar
primeiro d’outro lado do rio. Para dançar numa noite de frio, e aproveitar cada festa junina. Quero
viver para banhar-me de neblina, nas serenatas sentindo calafrios.
Quero viver para ver o florescer, do poder dos trabalhadores. Viver para pintar as cores do
arco-íris no palácio da alvorada; pichar nos barrancos das estradas, um viva à revolução. Viver só
para ver se o coração, suportará uma luta prolongada.
Quero viver para dormir na rede, daquelas em que os ganchos nas paredes, propõem um
encontro de casal. Para sonhar como um imortal, que com o tempo não tem pressa; para cumprir
com esforço uma promessa, ou pagar uma aposta com prazer. Viver o anoitecer e o amanhecer,
sentado numa roda de conversa.
Quero viver para sentir saudade; para bendizer a liberdade, que de ninguém pode ser
subtraída. Quero viver para fazer comida, e convidar os vizinhos e os parentes. Para beber um licor
de aguardente, e adoçar o beijo para a despedida.
Quero viver nas folhas do jasmim, no caule do jacarandá, na flor do angelim. No canto do
canário que anuncia a florada, na chuva que desmancha as folhas já tombadas. Quero viver na terra
fecundada, na casca das raízes profundas penetradas. Quero viver, no prazer das aves em revoada,
no vinho sobre a mesa, na cama preparada.
Cartas de Amor
Nº 164
AO 1O DE MAIO

Data o 1o de Maio, como dia do trabalhador. Desde 1889, em Paris, onde um Congresso
recordou com muita dor, a execução, (três anos anteriores), quando uma greve, nos Estados Unidos
da América, (que jamais foi esquecida), onde quatro operários pagaram com a vida, os protestos
dirigidos contra os patrões malditos exploradores.
Naquele tempo, a superexploração levou à mobilização milhões de trabalhadores pelo
mundo; o desejo sincero e mais profundo era a diminuição das horas trabalhadas; o sacrifico das
longas jornadas levavam a morte homens, mulheres e crianças; para evitar em silêncio essa
matança, duras batalhas foram organizadas.
Na origem o “trabalho” era prazer. Caçar e pescar, um bom lazer e cada ser o fazia com
muito gosto. Mas aí veio a dominação e uma parcela recebeu a punição: ganhar o pão com o suor do
próprio rosto.
Trabalho, na etimologia, quer dizer tripaliare, do substantivo tripalium, aparelho que seria,
formado por três paus, onde se prendia o animal para ferrar. Mas os humanos também iam a esse
lugar, para mudar o comportamento. Por isso, o trabalho passou a ser mal visto, como, pena, labuta
e sofrimento.
Na antiga Grécia o trabalho manual não era valorizado. Platão, um filósofo renomado,
achava que as idéias tinham a supremacia. Contemplar e fazer filosofia, cabia ao “homem superior”,
o escravo era servidor ou cidadão de outra categoria.
Entre os romanos era a mesma situação. Tanto assim que, negotium (negociar), era negar o
ócio e o prazer; somente os podiam ter, os livres, que possuíam tal condição.
Em outros tempos de maneira natural, o pagamento pelo esforço era o sal; daí é que o
“salário” teve a denominação. Sendo o produto de difícil extração, mas era de grande utilidade, pois
não havia outra possibilidade, de salvar os alimentos da putrefação.
Tomás de Aquino no período medieval, equiparou o trabalho manual ao esforço da
contemplação. Na verdade estava em decadência o feudalismo, e o esforço humano no capitalismo,
seria o principal meio para a exploração.
E assim nesta viagem ao passado, vimos surgir o proletariado; quando, o capital em seu
estado acelerado, tornou o trabalho uma mercadoria. A força vendida todo dia passou a ser a
referência. Mas iniciou-se aí a resistência, para evitar a exploração e a mais-valia.
Então as máquinas e as técnicas com suas inovações foram impondo novas condições e o
braço humano perdeu parte da importância. O desemprego em outras circunstâncias levou o
“exército de reserva” à decadência, corroendo a organização e a consciência, dificultando as tarefas
da velha militância.
Seguimos hoje para um futuro incerto. As técnicas avançam em campo aberto diminuindo os
sacrifícios dos trabalhos manuais. Com isto cada vez veremos mais, desempregados e pessoas
inativas. Porém, sejam bem-vindas todas as iniciativas, que visam o sofrimento desfazer. O trabalho
voltará a ser prazer, quando as relações sociais, alcançarem, o desenvolvimento das forças
produtivas.
Por isto, o dia do trabalhador continua atual. Errado está o capital que mantém os lucros
concentrados. Quando o sistema for um dia superado, os afazeres serão como um lazer; cada qual
fará o que der prazer, pensar e trabalhar serão equiparados; e o tripalium assim como o “salário”,
serão apenas lembranças do passado.
Cartas de Amor
Nº 165
À TECNOLOGIA

O ser humano é alguém que tudo inventa; produz os próprios bens e todas as ferramentas. É
por sua intervenção, que há transformação em um caminho combinado, ao mesmo tempo que faz, se
constrói e se desfaz, como um ser eternamente inacabado.
Conhecemos a história, por mil fatores estudados. Construções, velhas em ruínas, escritos,
textos gravados. Mas a parte mais sensível, que, através dela o saber se faz possível, é pelos restos
de instrumentos encontrados.
São eles que indicam como viviam nossos antepassados. Como era o trabalho organizado e
também como se relacionavam. O que comiam, o que plantavam; tudo como restos de memória;
assim são resgatadas as histórias, das gerações que em outros tempos aqui habitavam.
É a tecnologia. Ela é quem provoca e desafia a fazer mais descobertas; às vezes difícil e
arredia, em outras situações, cordial e mais aberta. Mas revendo na história a sua conduta, não
tirando a sua importância absoluta, mas nem sempre ela esteve certa.
Há coisas importantes no caminho da invenção, desde que surgiu a roda e o motor a
combustão. Mas o que dizer da pólvora e do canhão, da bomba atômica, dos mísseis, do agrotóxico
e do carvão, das árvores e sementes transgênicas que se tornam plantação?
Dizem que a ciência, em suas tarefas vitais, não pode submeter-se as opiniões sociais, pois
seus valores não são éticos, mas intelectuais. Então, é o capital que passa a decidir e a sociedade de
consumo, perde o rumo e deixa de saber para onde ir.
O capital que tudo dinamiza é quem impõe a necessidade da pesquisa, daí é que surgem as
invenções! Cada empresa busca inovações para ampliar seus lucros em dinheiro; torna-se então
capital financeiro, que espezinha os direitos das nações.
Vejamos um exemplo de avanço exagerado, quando surgiu a escrita no passado, escrevia-se
em pedras, na argila e em couro de animais. Um chinês juntando vários materiais, há dois mil anos
inventou o papel; e a técnica foi ficando mais cruel, pois avançou sobre as florestas naturais.
Pelo consumo ter sido estimulado, o papel passou a ser bem mais visado, pelas perversas
forças do capital. Mas o processo passou a fazer mal, primeiramente no meio ambiental, pelo
excesso de veneno e poluição; por isso o capital sob pressão, inventou a floresta artificial.
E essas foram aqui plantadas. As mudas todas clonadas para que tenham o mesmo tamanho
e espessura; passaram a dominar a agricultura, secando os rios, os córregos e os açudes; poluindo e
destruindo o habitat e a saúde, desde os humanos até as saracuras.
Há um excesso de consumo e desperdício, que o capital alimenta como vício. Um norte
americano consome, de papel, em média a cada ano, trezentos e trinta quilos sem perdão, um
brasileiro, trinta e oito, e então? Será aquele um país desenvolvido, ou é um sinal de que o planeta
está comprometido, pelo descaso, ganância e poluição?
E hora da humanidade se insurgir. Colocar-se diante do devir, e intuir o que de fato passará.
Se as empresas não sabem o que será, e nem podem imaginar o que vai ser, devem se calar e
obedecer, os limites que a cada uma caberá.
Sejam elas privadas ou estatais, devem saber que já se estragou demais, e o planeta não suportará.
O bom senso deve alertar a inteligência, sabemos a causa da ganância e da demência, mas ninguém
sabe o que será, do que será.
Cartas de Amor
Nº 166
AOS SEM LUGAR

Quando a formação do planeta se iniciou, cada espécie procurou se acomodar. Cada qual
escolheu onde morar e assim foi ampliando a descendência; muitas vidas entraram em decadência e
deixaram de se multiplicar. Uma delas que se julga superior, ampliou-se tanto em massa quanto em
cor e inventou o espaço menor do que o lugar.
Há os que não têm lugar nos canaviais, nas catedrais, nos clubes e nas associações; mas não
cabem nas prisões.
Há os que não têm lugar nas oficinas, nas cantinas e parques de diversões; e não cabem nas
prisões.
Há os que não têm lugar no parlamento, não produzem seu sustento, nem recebem bolsas e
pensões; e não cabem nas prisões.
Há os que não têm lugar nas fábricas, nos bancos, nas farmácias, e no comércio não vendem
ilusões; e não cabem nas prisões.
Há os que não têm lugar nos campos, nas máquinas sofisticadas, nem carteira assinada e
vivem procurando soluções; mas não cabem nas prisões.
Há os que não têm lugar nos escritórios, não vão em laboratórios, já não são prestadores de
serviços, nem tampouco tecelões; e não cabem nas prisões.
Há os que não têm lugar para morar, se amontoam sem planejar, não possuem documentos
nem dão procurações; e não cabem nas prisões.
Há os que não têm lugar nos bancos escolares, não passam nos vestibulares por isso perdem
a auto-estima e as ilusões; e não cabem nas prisões.
Há os que não dão lugar à alegria, alimentam a nostalgia e deixaram de fazer parte das letras
das canções; e não cabem nas prisões.
Há os que não têm lugar nos consultórios, não portam óculos escuros nos velórios, nem
guardam boas recordações; e não cabem nas prisões.
Há os que não têm lugar nos restaurantes não usam roupas extravagantes, dormem sobre
plásticos e papelões; mas não cabem nas prisões.
Há os que não têm lugar para comprar fiado, não consomem produtos importados nem
participam das exportações; e não cabem nas prisões.
Há os que não têm lugar nos bares e restaurantes, não usam trajes elegantes, não entram em
palácios e mansões; e não cabem nas prisões.
Há os que não têm lugar nas padarias, não tiram fotografias, nem cópias das próprias
certidões; e não cabem nas prisões.
Há os que não têm lugar nos estádios de futebol, não vão à praia em dias de sol, nem
tampouco em festas de peões; e não cabem nas prisões.
Há os que não têm lugar nas filas dos cinemas, não recebem cartas nem telefonemas, estão
fora das comunicações; e não cabem nas prisões.
São tempos difíceis, onde o poder ao invés de justiça pensa em segurança. Protege a minoria
e, da maioria, mata as esperanças. Impede de viver e de sonhar. Mostra que o excesso de civilização
é um fracasso, pois conseguiu fazer com que o espaço, ficasse menor do que o lugar.
Desde Roma aos Estados Unidos, quando no tempo os impérios foram sucedidos,
estruturados com violências e repressões, os dominantes esqueceram dos bárbaros o recado, de que
um dia, em lugares ampliados, voltariam e seriam milhões.
Cartas de Amor
Nº 167
AOS FILHOS DA BARBÁRIE

Por que é difícil de entender, que aqueles que queimam colchões nas rebeliões, disputam
espaços em celas empilhados, exigem atendimento humanizado, são semelhantes a você?
Eles também moraram nas favelas e nos bairros carentes. Procuraram terra, emprego,
inutilmente e tentaram até ir regularmente à escola. Evitaram a primeira esmola, rejeitaram a cesta
de alimentos, carregaram em silêncio o sofrimento e sonharam ter, uma calça social e uma camisa
de gola.
Também eles foram revistados pelas ruas, mãos ao alto, pernas nuas e por diversas vezes
apresentaram os documentos. Foram tratados de “elementos” como se não tivessem nome, levam no
rosto os anseios que os consome, pois confiaram no desenvolvimento.
Sonharam com uma vida boa. Evitaram deixar os filhos à toa, para que tivessem um dia um
lugar. Lutaram para prosperar e viram os esforços dando em nada. Guardaram as mágoas mal
choradas e rezaram sem saber rezar.
Viram os vícios destruírem a cultura; a família perdendo a estrutura sem ter uma sociedade
para os filhos amparar. Aprenderam em silêncio a soletrar: assassinato, violência, polícia, tiro, bala;
a desviar o olhar e engolir a própria fala, para não ter que em vão testemunhar.
Se cada um queima o colchão para se defender, você vende o seu para poder comer. Qual é
então a diferença? É que você ingenuamente pensa estar em liberdade e não percebe que enfrenta as
mesmas “grades”, até o dia em que a ordem enfim lhe vença.
O conceito de barbárie está ligado à destruição, e quem fala desta forma tem razão, quando
vê rebeliões com grandes contingentes envolvidos. Mas se tomarmos no concreto, antes de serem
arrebentados os objetos, os seres humanos é que foram destruídos!
Então, “barbárie” é, como o conceito emana, a destruição humana, da cultura, dos direitos e
das perspectivas. A riqueza concentrada é a locomotiva, que carrega a sociedade para o abismo.
“Bárbaro”, é o genuíno produto do capitalismo, o que sobra no fim de toda a exploração. Resta a
ele, o cemitério ou a prisão, seja ela, dentro ou fora das penitenciárias. Crescem com elas as casas
mortuárias, o medo, o preconceito e a repressão.
Por isso, não é o bárbaro pela barbárie o culpado; mas o modo de produção que está
esgotado e as estruturas sociais em decadência. O resultado é o aumento da violência e a regressão
da sociabilidade. Cada vez menos veremos a solidariedade, pois a injustiça burguesa triunfou, mas
foi assim que o império romano despencou, e os bárbaros impuseram a sua vontade.
Então, as injustiças e as violências findarão, quando os bárbaros, fruto da exploração,
decidirem atacar o alvo verdadeiro; e destruírem pelo mundo inteiro os instrumentos das
desigualdades. Então veremos os campos e as cidades, renascerem como as flores nos canteiros.
Quem são os bárbaros? É a pergunta que nos atormenta. Se você sofre discriminação
violenta, não tem emprego, moradia, escola para os filhos, comida sobre a mesa, terra para
trabalhar, não passa no vestibular, vive com dificuldade, tem que esmolar ou vender o que possui
para receber algum dinheiro; desculpe a revelação, mas você está em uma situação, tão próxima,
que já é dos bárbaros companheiro.
Cartas de Amor
Nº 168

ÀS MODAS E OS MODELOS

A França é aqui! Enfim, os burgueses realizaram o desejo mais profundo: estão no primeiro
mundo! Chegaram de uma só vez! Fogo nas ruas, carros incendiados, policiais assassinados,
rebeliões nas praças e nas cadeias; são sinais da barbárie que campeia, nestes tempos tão
globalizados.
Globalização é isso aí! É internacionalizar o capital, o tráfico e a violência. Enquanto o
Estado, finge que toma providências, as empresas com seus hábeis mercadores, vendem armas,
aparelhos de escuta e rastreadores; investem na polícia e na propaganda dos candidatos a presidente
e a governadores.
A mídia se diverte expondo as mazelas isoladas. Como se ela não tivesse responsabilidade
com nada do que está acontecendo. “Mais escola!”; exigem as reportagens; expondo programações
recheadas de bobagens, e induzem a juventude a consumir. É o mercado tentando usufruir, das
tragédias, mais lucros e mais vantagens.
Então, por um período a barbárie é a solução. Iludem a população que a saída é investir em
segurança; enquanto o capital avança sobre as florestas, a água e a biodiversidade; saqueia ou
transforma em propriedade, aquilo que é de direito coletivo. Os governantes como bestas no cultivo,
levam a carga na camaradagem.
A França é aqui! Já temos incêndios dos meios de transporte. Manifesta-se o preconceito
cada vez mais forte contra os pobres, migrantes, negros, índios e Sem Terra. Prende-se gente com
rigor mais do que as feras; e investe-se na assistência social. É a lei do próprio capital, que
sobrevive em função de novas guerras.
Então a burguesia mesquinha, não percebe que chegou ao primeiro mundo pela porta da
cozinha, se igualando no que tem de mais errado: riqueza e mais lucro concentrado é a receita da
ordem internacional. Aumentar cada vez mais o arsenal, treinar melhor o policial e aumentar a
segurança nas penitenciárias, não falam em distribuir renda nem em reforma agrária, esta é a ordem
e o poder do capital.
Os políticos falam em fazer leis ainda mais duras, tornar as cadeias mais seguras e impedir
que entre ali o telefone celular. Sobre isto é preciso analisar, nos Estados Unidos onde a repressão é
muito forte; há prisão perpétua e até pena de morte; revistam-se advogados e carcereiros, mas não
diminuíram as rebeliões! É o país é campeão em detenções, e já tem lá mais de dois milhões de
prisioneiros.
A sociedade deveria tomar consciência, de que, quem gera a violência é a burguesia, não a
pobreza. Se no Brasil distribuíssemos a riqueza, as cadeias seriam esvaziadas, pois ninguém
precisaria tomar nada e a fartura reinaria em todas as mesas.
Os presídios tornar-se-iam centros culturais. As cadeias, as localizadas em lugares mais
centrais, seriam museus ou escolas de música e pintura. Os policiais dariam cobertura para quem
procurasse os endereços; mas isto custaria um alto preço, ninguém poderia sonhar com propriedades
e ditaduras.
Mas enquanto o capital estiver globalizado, o comércio liberado, e a ganância das elites
persistir; a violência não irá diminuir e aumentarão as desconfianças. Os presídios manterão duras
lembranças e a burguesia terá do que se orgulhar; que houve um tempo, em que aqui neste lugar, ela
conseguiu respirar o ar da França.
Carta de Amor
Nº 169

AOS DIAS NORMAIS

Era para ser um dia normal. Dia das mães, filhos e flores. Mas não foi. O dia anunciava a
rebeldia. O sistema asfixiado perdeu sobre os presos o comando, e eles insuflaram os seus bandos a
agirem com o máximo de rigor; o sistema por um dia foi perdedor e envergonhou-se de sua própria
covardia.
Era para ser um dia normal. Dia em que o capital lucraria com a afetividade. Mas não foi. A
fúria da grande cidade se expandiu e ruíram as estruturas da cobiça; que espreme gente igual
lingüiça, esquecendo dos tratos humanitários; bem feito para o poder judiciário que vê nas leis a
única forma de justiça.
Era para ser um dia normal. Dia em que o crime organizado daria folga. Mas não foi. A
força da tecnologia louvada pelos arautos da civilização, mostrou que é na contradição que se
compreende o bem e o mal; bem feito para o capital que julga ter todas as soluções, perdeu o
controle sobre as rebeliões e, foi atacado com seu próprio arsenal.
Era para ser um dia normal. Dia em que as televisões nos seus alienados domingões, não
diriam nada. Tiveram que mostrar as cadeias rebeladas, onde os presos levaram para o mundo, as
imagens que o capital também aqui é imundo, egoísta, gera violência e crises combinadas.
Era para ser um dia normal. Dia em que os políticos descansam ou ficam isolados. Mas não
foi. Tiveram que se mover e negociar com o crime organizado, que comanda os presídios e as
ações. Bem feito para os grandes figurões, que julgam controlar a sociedade, sentiram que suas
imunidades, não valem nem ao menos dois tostões.
Era para ser um dia normal. Dia em que a bolsa de valores não opera. Mas não foi. O crime
organizado deflagrou uma dura guerra, queimando os Bancos e o dinheiro. Bem feito para o capital
financeiro que pensa lucrar em segurança, pode tardar a justiça, mas não tardará a vingança, chegará
também a vez do capital interno e estrangeiro.
Era para ser um dia normal. Dia em que os estádios estariam lotados, os times jogariam
embalados pelas torcidas organizadas. Mas não foi. As chamas nas cadeias incendiadas roubaram a
cena e o cenário. Bem feito para os grandes empresários, que forjam entre o povo a delinqüência,
eles são a causa da violência, e do mesmo povo, os grandes mercenários.
Era para ser um dia normal. Dia em que as igrejas fazem preces e orações. Mas não foi. As
almas embrutecidas entraram em convulsões, assustando os crentes e os ateus. Os políticos
imploraram a Deus, mas este não quis se revelar, então tiveram que se ajoelhar, diante do comando
dos bárbaros e plebeus.
Era para ser um dia normal. Dia em que os carros ficariam estacionados, nas ruas passeariam
os namorados e de mãos dadas trocariam juras de amor. Mas não foi. Os miseráveis com instinto
vingador atacaram o Estado de Direito, que estabelece uma ordem com defeitos, que defende
apenas a propriedade. Bem feito para os portadores de vaidades, que querem impor o direito de seu
jeito.
Era para ser um dia normal. Mas não foi. Sob a barbárie, dias normais não há mais, tudo é
surpresa. Até o dia em que os filhos da pobreza, decidirem a ordem organizar. Com uma lei, que
ninguém poderá mais explorar, nem ameaçar seu semelhante. Então se avistará daí por diante, dias
normais plenos de gentileza.
Cartas de Amor
Nº 170
À DIALÉTICA DO FUTEBOL

Bendito seja o futebol que une a humanidade sob o sol. Que transforma os povos em
torcidas, que as diferenças, entre eles, são em campo resolvidas e os ataques são para forjar a
alegria. O gol é a utopia, onde as nações almejam a todo instante. É um lugar próximo e às vezes
tão distante, que os atletas, para chegar, gastam todas as energias.
O futebol é um divertimento tenso. Mas é uma aposta de bom senso, onde a luta dos
contrários é necessária. A bola é adversária e ao mesmo tempo companheira. As torcidas, inimigas,
são de brincadeira, que empurram seus times para frente; gritam e festejam alegremente, quando as
vitórias chegam por inteiras.
A bola está em todos os lugares. Habita nossos lares e brinca com as crianças. Mas nos
jogos, avança, ataca e deixa as torcidas até sem fala; depois da investida, cala, realizando um
golaço, como se mostrasse o seu cansaço, deixa-se pegar novamente com as mãos; ela se aquieta,
enquanto a multidão; festeja, gagueja e ergue os braços.
A torcida parece enfurecida, tudo o que pensa diz. Xinga a mãe do juiz, mas briga se alguém
ofende a sua. A bola, como uma fêmea nua, quer sempre se esquivar do adversário; desperta a
euforia e o imaginário, com os seus movimentos mais sutis. Quanto mais humilha, mais deixa feliz,
quem sempre vai, em sentido contrário.
A bola então rola, rola, rebola, por diversas vezes; se parece com o traseiro das rezes em
movimento. Como no acasalamento, chama o atleta que tem habilidade; com ele tem fidelidade,
como a comida que sacia a fome; nesse gingar não importa o nome, podem ser Pelés ou Manés, no
futebol se ama com os pés, e não há força que esta fúria dome.
O futebol é uma janela, aberta na parede da favela. De lá, ainda pequenino, o menino se põe
a sonhar, em um dia poder viajar, jogar em estádios lotados. E sentir por instantes silenciados os
representantes da classe dominante, que na política são tão arrogantes, mas no esporte se dobram
diante, de quem sempre consideraram ignorantes.
O futebol provoca fortes emoções, faz bem aos corações. Reúne as multidões e as faz sonhar
com um degrau acima; ele também resgata a auto-estima daqueles que por vezes se sentem
derrotados. O esporte coletivo é indicado, para combater os individualistas; nele não entram os
pessimistas, pois a derrota, de imediato, vira coisa do passado.
Hoje, mesmo no capitalismo, o futebol move o internacionalismo. Atletas de línguas
diferentes, em campo se entendem facilmente. Se as guerras fratricidas, que, a cada ano ceifam
milhares de vidas, destroem áreas construídas, igrejas, pontes e escolas, se tornassem disputas
esportivas, a humanidade tornar-se-ia uma irmandade viva, pois ao invés de balas, produziria bolas.
No futuro, quando os governantes deixarem de ser tão burros, ao invés de presídios cada vez
mais seguros, construirão campos e estádios iluminados. Farão leis, onde será obrigado, praticar
esporte todo o dia. E a sociedade que hoje é uma utopia, estará ao alcance das mãos; e viveremos
como irmãos, pois estará derrotada a burguesia.
Mas ainda não estaremos satisfeitos, para que se mantenha o respeito e cada qual saiba a sua
função; o esporte não será mais profissão e passará a ser parte da cultura. Assim a gentileza e a
ternura, serão comuns como os pratos e os talheres. E então, alcançaremos o desejo mais profundo,
de termos em cada ano uma copa do mundo; uma de homens e outra de mulheres.
Cartas de Amor
Nº 171

À CULTURA POPULAR

Junho é o mês da alegria. É por diversos dias que os festejos se desdobram ao redor das
fogueiras, e é por semanas inteiras que se ouvem músicas e canções, são os santos e as devoções,
mas também a vida simplificada em brincadeiras.
É o mês dos padroeiros. Dia 13, é Santo Antônio, o casamenteiro; 24 é São João, aquele dos
fogos e das fogueiras, que marcaram a sua aparição; 29 é São Pedro, o santo da chave da salvação.
Assim, os três com a alegria, estão ligados e são juntamente festejados.
As comemorações se iniciaram no passado; no século 4, para ser mais detalhado. Na Europa
quando os camponeses organizados cuidavam das colheitas; para dizer se haviam sido perfeitas,
festejavam o acontecimento. Os católicos nas Igrejas e nos conventos, louvavam a liberdade,
porque, foi aí por esta idade, que cessaram as perseguições e o molestamento.
Para o Brasil, com as navegações, no século 16, os portugueses que trouxeram as tradições.
Devido as grandes plantações de cana de açúcar e as povoações terem se estabelecido no Nordeste,
as festas aqui fizeram o seu primeiro teste e até hoje mobilizam as multidões.
É um mês de feriado regional. Há trabalho, mas, como no carnaval, dia e noite se organizam
os eventos. Lança-se mão de velhos instrumentos e as melodias já são tradicionais; dança-se até não
poder mais; reza-se e celebram-se casamentos.
Nas festas não pode faltar o alimento. O aipim, o milho e o amendoim; o gengibre e a
cachaça no quentão; o jenipapo no licor acompanha a carne de leitão; o biscoito, o biju, a pamonha
e a canjica, é uma mistura rica que só não aproveita quem não vive na região.
O São João é festejado em todas as regiões de nossa terra, seja nas planícies ou nas serras,
cada qual faz a sua obrigação. Mas nenhuma se parece a esta região que dedica o mês inteiro para
festejar seus padroeiros.
Há uma infinidade de contribuições para esta festa que brilha, os franceses, dizem, que
acrescentaram a quadrilha, que eram os passos de uma dança da nobreza européia. Já os fogos que
provocam queimaduras sérias, teriam os chineses, acrescentado. A fogueira é de um acordo
celebrado, de Isabel que a Maria pedia auxílio, para que lhe socorresse quando nascesse o filho.
Os festeiros têm a obrigação de visitarem as casas da população. Ali recebem cortesias,
alimentos e bebidas como regalias. São os representantes das altas divindades. Por isso é que na
intencionalidade, não morre esta tradição, a festa se mistura à devoção, é o sagrado e o profano
convivendo com naturalidade.
Ali não existe pecado. Amar é justamente estar ligado à vida e a algo abstrato. Com os
santos fazem-se alguns tratos que podem virar até promessas; Antônio é colocado de cabeça às
avessas, dentro de um copo com água filtrada, devendo ele, para ter a cabeça libertada, arranjar um
casamento para a donzela encalhada.
Os homens carregam em um dia da festa, um pau de Jatobá retirado da floresta e passam
correndo por entre a multidão, sorte terá quem consegue por a mão, ou levar um pedaço de
lembrança, e cada qual volta com esperança, enquanto espera outro São João.
Salve a cultura popular que sabe corretamente cultivar os valores das matrizes. Se ela
acabar, secarão as raízes das belas invenções tradicionais, e os jovens não poderão saber jamais, no
que acreditavam os seus pais.
Cartas de Amor
Nº 172
À LEGITIMA DEFESA

Temos, pela própria natureza, o direito à legítima defesa. Defender a vida, o espaço ou os
próprios sentimentos. Defender-se dos acontecimentos e da falta de respeito. Mas acima de tudo,
defender-se dos ataques e de todos os preconceitos.
Os movimentos sociais, em qualquer situação, sempre têm razão, porque são vítimas da
histórica de exploração. Quando reagem de forma enfurecida, é porque sobrou-lhes apenas esta
saída, para dizer que não estão satisfeitos. Também usam métodos e jeitos que às vezes exageram e
vão além. Mas é preciso reconhecer porém, que a paciência tem limites; por qual razão se usaria
uma “dinamite”, se no caminho tudo estivesse bem?
Se existe algo errado, a culpa é do Estado e daqueles que controlam o capital. É de onde se
origina o mal, e está na raiz das desavenças. Há os que através da própria crença, acreditam ser
melhores e superiores; mas só o são por serem exploradores, e os interesses determinam as
sentenças.
A pobreza então desencadeia o seu reinado. Reconhecida pelo Estado, como o espaço das
humildes aparências. Não pode ser virtude o fruto da violência, e nem servir de espaço para que
façam caridade. Fome não é sinônimo de humildade; antes sim, é sinal de decadência.
Há os que adoram usar adjetivos, contra os movimentos que se tornam muito ativos,
qualificando as ações de badernas e arruaças. Mas esquecem de falar de suas trapaças, falcatruas e
roubos desmedidos. O que mais revolta os oprimidos é ver os opressores os enganando. Por isso os
movimentos não são “bandos”; quem explora, forma os bandos e os bandidos.
Então, se há quebra-quebra no Congresso Nacional, esta ação vira notícia de jornal e os
políticos exaltam-se como marimbondos provocados; julgam que foram atacados por um motivo
político eleitoral; então disparam o arsenal, de leis que reforcem e justifiquem suas razões. Não
percebe este bando de zangões, que se não fossem as lutas sociais organizadas, o parlamento já não
serviria para nada, e os poderes perderiam suas funções.
Vejamos se não é verdade: o Congresso por sua falsidade sofreu o que chamaram de
“invasão”. O motivo, nem todo revelado, foi, dentre outros, por não terem aprovado, os gastos do
orçamento da União.
E por que assim foi feito? Porque este sempre foi o jeito que os deputados usaram para
pressionar. Quando querem extorquir ou se vingar, usam o poder do impedimento. Enquanto o povo
espera o orçamento, eles passeiam e disputam suas mesadas. Assim as promessas ficam arquivadas
e campeia o abandono e o sofrimento.
Mas ainda há outra razão que esta ação encerra, vejamos o problema dos Sem Terra que é
apenas um, de todos os fatos. São quatros anos que duram os mandatos, porém são cinco que há
famílias acampadas, na beira das estradas. As leis foram todas respeitadas, mas os políticos, ao
problema não deram solução, sinal de que há mandatos que merecem cassação, pois há políticos
que não servem para nada.
É fácil fazer leis e criminalizar os movimentos. Difícil é arranjar bons argumentos, que
justifiquem a inoperância dos poderes. Enquanto houver distância entre os direitos e os deveres, não
haverá democracia para a pobreza. E, tanto o Estado quanto o capital, obrigarão as massas em geral,
a se levantarem em legítima defesa.
Cartas de Amor
Nº 173

ÀS VIAGENS

Conta uma lenda remota e, um tanto estranha, que um rio, incentivado por uma grande
montanha, descia rasgando a terra preparando o leito. Fazia as curvas de seu jeito, seguindo a
direção marcada. Ao sentir as forças esgotadas, parava e descansava um instante; e assim sempre
confiante, seguia em busca do que acreditava.
Após um tempo de duro trabalho, resolveu cortar por um atalho e avistou um pântano em
sua frente. Revoltado e muito descontente, reclamou para a montanha vigilante: “De que valeu este
esforço tão gigante, se meu fim será um desencanto, pois morrerei afogado neste pântano, sujo e
imundo, tão desconcertante!”
A montanha tolerante e compreensiva, respondeu à exclamação com voz passiva,
orientando no que devia fazer. Disse: “isto depende de você. Se entrar no pântano temeroso e
desanimado, será com ele misturado e seu destino ali vai se findar. Ao contrário, se entrar decidido,
o lixo todo será surpreendido, e você, logo em seguida, alcançará o mar”.
O rio aceitou o desafio e contra o pântano se insurgiu. Este foi se abrindo lentamente,
deixando entrar a água corrente e para as margens recuou toda a sujeira. Como se fosse uma
brincadeira, as águas formaram a correnteza e, ao avistarem o mar com sua grandeza, esqueceram
das dores e das canseiras.
Como o rio, a luta é uma grande viagem; horas é cheia de camaradagem, horas de apertos e
dúvidas conflitivas. Interessa é manter as forças vivas, para evitar cair no pântano da sujeira. Viajar,
é ir em busca da clareira, que às vezes está muito distante; mas ao chegar é tão gratificante que,
como as águas, esquecemos as mágoas, as dores e as canseiras.
Há quem viajando na luta também se desfigura, entra no pântano e ao lodo se mistura, pois
vê ali grande satisfação; deixa de tentar chegar ao outro lado, por achar que já está realizado, e
assim encerra o seu caminho. Não percebe que o mar é seu vizinho e que por pouco deixou de ser
buscado.
As viagens na luta são belas e cheias de elegância; principalmente quando a militância
enfrenta tudo só por um abraço. Não há desânimo, problema ou cansaço que interrompa o caminho
da chegada. Mesmo que às vezes as barreiras nas estradas, obriguem a marcha a retornar, mas é
somente para se organizar e avançar com forças redobradas.
Mas o pântano é uma realidade, ignorá-lo é uma falsidade que impede o próprio desafio. Foi
assim que as águas do rio, cedo ou tarde tiveram de o enfrentar. Pelo meio tiveram que passar, sem
deixarem-se levar por tentações, assim também seguem as revoluções, para outras terras poderem
cultivar.
O pântano então com força é rechaçado, mas não é totalmente eliminado, permanece nas
margens do leito. Mas as águas vigilantes dão um jeito, para que não venha interromper. É assim
também a viagem do poder; quem se descuida se atola, se enlameia e deixa de participar da grande
ceia, que premia quem não se deixou perder.
Por isso, viaje sempre e não se encoste, diz o ditado, “parado, só o poste”, por isso não
cresce nem aumenta. A história pertence a quem enfrenta, todos os desafios e os sacrifícios. Vai
mais longe quem combate os vícios, os desvios e as tentações. Os passos são apenas encenações, e
cada dia sempre é um reinício.
Viajar é uma forma de buscar o que está perto e, ás vezes tão distante. É o jeito de amar do
militante que não se entrega também não desanima. A mística alimenta a auto-estima, de quem quer
ser, eterno caminhante.
Cartas de Amor
Nº 174

ÀS SEMENTES HUMANAS

Plantamos sementes porque acreditamos nas colheitas. Elas são a maneira mais perfeita de
provar que haverá futuro. Chegado o tempo, o fruto já maduro, oferece novamente uma promessa; é
assim que a história recomeça e segue em busca do sonho ainda mais puro.
Há sementes de vários tipos e cores; mas nem todas se originam nas flores. Calma! Não é
uma heresia! É apenas um grito que anuncia, que a vida tem seus caprichos e cuidados. Por isso é
que há seres floridos, outros gerados, é assim que se compõe a grande sinfonia.
As sementes de gente são as mais cobiçadas. Desde que uma criança é gerada, começam os
preparativos. Como se fosse um cultivo, fazem-se exames e tratamentos; vive-se com expectativas
os momentos que antecedem o nascer; é uma bela forma de dizer, que, o ser humano, por si só, é
um acontecimento.
Não é por nada, nem por sermos superiores! È que simplesmente nos diferenciamos das
flores, que nascem e morrem tão ligeiras. Nós, produzimos a vida inteira sementes de gente e de
valores, por isto somos construtores, de costumes, jeitos e maneiras.
Há sementes de hábitos e de cultura, comuns em todas as criaturas, que convivem em um
grupo social. Há uns que fazem muito mal, são sementes que produzem as polêmicas; poderíamos
dizer que são transgênicas, nascidas de genes do capital.
Há sementes feitas de profissões, e passam de gerações em gerações, indo e vindo em
sentido contrário. Há sementes de camponeses e operários que no momento estão sendo
espezinhadas; é a maldade das técnicas inventadas, que desmancham as categorias, são as sementes
da hipocrisia que o capital espalha em sua estrada.
Há países que querem ser sementes, mas usam de métodos prepotentes para impedir que
nasça a independência; na verdade estão em decadência, na economia, na política e na cultura. Os
Estados Unidos com sua linha dura seguem sendo o exemplo inconveniente, naquele país hoje há
muito mais gente, nos presídios do que na agricultura.
São disparidades da modernidade. Sementes de desigualdades se multiplicam por todo o
planeta. Como a pedra à espera da marreta, estão os povos dos paises dependentes. É certo que as
lutas são ainda insuficientes, mas é preciso avançar enquanto é tempo, como Cuba se tornou um
grande exemplo, deverão levantar-se os continentes.
Há sementes sociais com mofo e com gorgulho. Há sementes políticas que não nos dão
orgulho; e há sementes estéticas depravadas. Mas há aquelas com esforço cultivadas desde a
cozinha até o meio artístico, na militância onde cresce o espírito místico, nos movimentos e nas
massas organizadas.
Se as sementes pertencem à humanidade, elas devem gerar uma nova sociedade. Cresce
então o sentido da solidariedade, da entre ajuda e do bem comum. Em cada espécie não deverá ter
ser algum, que seja desconsiderado. Se um dia o planeta esteve equilibrado, foi pela tolerância das
sementes, que souberam conviver no ambiente, com todos os direitos preservados.
Se observarmos, veremos a história feita. Se olharmos para o futuro, imaginaremos as
colheitas que no presente estamos preparando. Assim, a cada dia estaremos chegando, mais perto
das emancipações; onde, as sementes em outras condições, terão a voz e a força do comando.
Cartas de Amor
Nº 175

AO GÊNERO

Vamos falar do gênero com naturalidade; da sexualidade e suas diferenças. Vamos falar do
gênero e das desavenças, dos desencontros e das separações; dos preconceitos e discriminações;
para pôr a limpo a convivência; elevar o nível de consciência e melhorar as nossas relações.
As relações iniciam nas funções. Algumas são hábitos das velhas gerações, outras são
criações contemporâneas, mas se misturam como coletâneas, nas formas de fazer e de pensar. Como
um prédio que cresce devagar, fazendo curvas às vezes não previstas, são as relações capitalistas,
que nos obrigam assim nos comportar.
Há quem duvide da possibilidade, de que o homem e a mulher possam ter igualdade, por
serem fisicamente diferentes. Pela mulher ter que levar no ventre, os futuros herdeiros, não impede
que sejamos companheiros, daquela que tem a tarefa maternal, ela é companheira por igual, na
construção da geração ou de um mundo diferente.
Se o trombone imaginasse ser na orquestra, o maior, por ultrapassar a testa, do artista que o
manuseia, a melodia ficaria tão feia, que ao invés de música viraria um gemido. Da mesma forma,
se o homem envaidecido, desprezar a mulher na orquestra social, a harmonia não será normal e o
futuro já estará perdido.
Cada pessoa, independente da sexualidade, tem uma função na sociedade. Seja ela na arte,
no ensino ou na produção; nos campos, nas montanhas ou na religião; cada qual deve dar sentido à
vida. Em qualquer ordem estabelecida, em qualquer pátria ou em qualquer regime, desrespeitar isto
é um grande crime, que arde mais do que qualquer ferida.
Como humanos, somos seres iguais, os preconceitos nos tornam desiguais, mas onde está a
origem deste mal? A prevalecer o capital, sempre haverá interesses escondidos. Enquanto houver a
esposa e o marido e a família for patriarcal, prevalecerá a velha moral que manterá o destino
definido.
O gênero elimina as diferenças, se o marido tem, no trabalho a força de presença e, à esposa
cabe o papel de cozinheira; devemos revisar nossas maneiras e colocar as mudanças em andamento.
Ir além da moral do casamento e tratar-nos por companheiros e companheiras.
Então dividiremos os afazeres. Cuidaremos das coisas e dos prazeres, com toda naturalidade.
Sem este esforço não muda a sociedade, mesmo que haja uma revolução; somente quando muda o
coração, acaba o preconceito, o poder individual e a autoridade.
No gênero está o modelo de democracia. O sexo que nos diferencia é a expressão diversa da
beleza. Não vale a pena estragar esta grandeza, com relações que nos tornam diferentes. Ser homem
ou ser mulher não é um acidente, é o equilíbrio que faz a natureza.
No gênero está o prazer de ser, cada qual com sua identidade. Isto é apenas a metade da
verdade, porque a natureza humana é coletiva. O prazer é uma força ativa que se extrai também do
ato erótico; mas ele pode se tornar caótico, quando apenas uma das partes é satisfeita. Sem prazer,
há plantio, não há colheitas, nada germina num coração neurótico.
Nem um ser sexuado pode viver isolado; este é o destino lógico Seja no ambiente ecológico
ou na vida cotidiana. As relações para serem verdadeiramente humanas, dependem de integrar a
parte ao todo organizado. Assim, ser homem, é ser complementado, com a mulher a parte feminina;
e ser mulher, é ter no homem à parte que combina; sem isto os seres viverão inacabados.
Cartas de Amor
Nº 176
AO SABER POPULAR

Na vida cotidiana, seja ela santa ou profana cada ser procura produzir o seu saber. São
invenções feitas pelas multidões, que aparecem sem autores. Refletem alegrias e dores; dão
conselhos e indicam formas de se comportar. É a sabedoria popular, quem produz os mais astutos
professores.
Quem come tudo num dia, no outro assovia. De janeiro em janeiro, o dinheiro é do
banqueiro.Gato escaldado tem medo de água fria. Galo só canta alto em seu terreiro.
Doente que espirra não morre naquele dia. Quebrado de dinheiro, tristeza profunda. A pior
roda é aquela que mais chia. Quem muito abaixa a cabeça mostra a bunda.
Em pé de pobre é que sapato aperta. Deixa estar jacaré que a lagoa vai secar. Cada um
espicha os pés até onde vai a coberta. Falar sem pensar é atirar sem apontar.
Grande gabador, pequeno fazedor. Depois da tempestade vem a calmaria. Em terra alheia
chama-se porco de senhor. Quando a esmola é demais, o Santo desconfia.
Antes só que mal acompanhado. Pelo afinar da viola se conhece o tocador. Ao bom
entendedor, uma piscada é mandado. Paga o justo sempre pelo pecador.
Ladrão de tostão, ladrão de milhão. Entrada de leão, saída de cão. A ocasião faz o ladrão.
Quem vê cara não vê coração.
A regra, se põe na boca do saco. Só se vê bem com os olhos do coração A corda arrebenta,
sempre do lado mais fraco. Quem furta pouco é ladrão, quem furta muito é barão.
Quem entra lambendo sai mordendo. Serra que faz barulho não corta. Morrendo e
aprendendo. Quem fala do diabo, olha para a porta.
Quem não tem cão caça com gato. Tamanco faz zoada mas não fala. Quem pisa em ovos não
gasta sapato. Em casa que tem gato não passeia rato.
Depois de beber cada um dá seu parecer. Navio apita quando está no porto. Acaba-se o
dever, fica o saber. Mais vale um burro vivo que um sabido morto.
O pior cego é aquele que não quer ver. Em casa onde não há pão, todos brigam e ninguém
tem razão. A necessidade faz a lebre correr. No primeiro de janeiro todo ano é bom.
A vida do homem é errar, da besta é teimar. Ruim não é mudar de idéia, é não ter idéia pra
mudar. Amar e rezar, a ninguém se pode obrigar. Depois de rapar não há o que tosquiar.
A porta da rua é serventia da casa. Leitão de um mês, pato de três. A agulha veste os outros
e vive nua. Vida e confiança, só se perde uma vez.
Quem canta seus males espanta. Só se dá conselho a quem compreende. Quem com os cães
se deita com pulgas se levanta. Só burro velho não aprende.
Não senta perto do fogo quem tem rabo de palha. Do prato à boca é que se perde a sopa.
Onde o ouro fala, tudo cala. A justiça tarda, mas não falha.
Quem trabalha conhece o caminho da roça. Peru calado está preservado, peru falando sai
apanhando. Pelo andar dos bois se conhece o peso da carroça.
Entrada de leão, saída de cão. De passinho em passinho, se faz o caminho. O cão tanto vai
ao moinho que um dia deixa lá o focinho. Quem vê cara não vê coração.
Salve a sabedoria popular. Salve o tempo, velho e novo. Salve os provérbios e os contos.
Salve a ciência do povo.
Cartas de Amor
Nº 177
À ESPERA

Esperar é uma característica imortal que se desenvolveu na espécie animal; seja naqueles
que contemplam a sua caça ou nos que conscientemente planejam o futuro; são maneiras de dizer
cada querer no silêncio, nas clareiras ou no escuro.
Acompanha o querer a necessidade de aprender. Esperar é silenciar, contemplar, ter
paciência; é sem dúvida uma ciência há milhares de anos, feita de experiências.
Quando esperamos ampliamos nossa forma de existência. Cresce em nós o raio de
abrangência; vamos além do espaço costumeiro. Ouvimos o tropeçar, sentimos cheiro, daquilo que
ainda se tornará vivência.
Há espera que nada modifica, como por exemplo, certos fatos na política; o tempo apenas
cumpre o seu vagar, devagar, sem parar. Então querem fazer acreditar que o não virou sim, são
aqueles que já não querem ir até o fim e por isso deixaram de sonhar.
São os tempos em que muitos esperam mudanças e transformações, mas por fazerem todas
as concessões nada acontece. E aquilo que devia subir, desce, como se a força agisse contra o
próprio ser. São as esperas em que o querer vira ceder, e o tempo não espera quem fenece.
Esperar é sonhar. Sonhar é tudo. Quem não sonha não espera, é fraco e se desespera por
qualquer desilusão. Sonhar com uma irrupção que ameaça o futuro, sem dúvida caminha mais
seguro, quem tece com a imaginação.
Quem espera se prepara. Quando as possibilidades são poucas, raras, as exigências são
imensamente superiores. Como os caules formados antes das flores, que esperam altivos e coesos,
pois sabem que logo virá o peso, misturando a beleza, o cheiro, as cores.
Esperar é ultrapassar limites. É deixar-se motivar pelos convites de que o amanhã virá e
responderá todas as perguntas feitas. Se houve plantios, haverá colheitas; se houve esforço haverá
recompensa. São os sonhos que fazem a diferença e não a técnica e as máquinas perfeitas.
Esperar é cuidar. É ver em cada olhar o mesmo brilho. É buscar no passado todo auxílio para
não se deixar dominar pela descrença. É cultivar a experiência imensa de todas as lutas já vencidas.
É preservar o suspiro da vida e aumentar sempre mais a pertença.
Esperar é desejar. É querer ver o que será. É deixar-se influenciar pela idéia em construção.
Esperar é a revolução que se forma aos poucos sem ser vista. É a vida da consciência socialista que
está escondida em cada coração.
Esperar é acordar para saber se o sol trará o mesmo brilho.É imaginar que os vagões estão
nos trilhos à espera da locomotiva. É acreditar como a aquele que cultiva que a semente se tornará
uma planta. É confiar como o galo que na madrugada canta, sem ver a luz, que a manhã será mais
bela e mais festiva.
Esperar é um movimento. Mesmo que às vezes um forte sentimento esconda os pilares da
grande construção. Eles estão lá na base do canteiro, a espera de quem o tempo inteiro, fez sua obra
na imaginação.
Quem desanima não espera mais. Mistura-se a todos os demais, iguais desanimados. Se o
futuro ainda está por ser criado, ninguém se pode dar por derrotado. Esperemos a roda dar a volta e
preparemos o grito de revolta, para anunciar que o dia é chegado.
Cartas de Amor
Nº 178
AOS LADOS

Há tempos estamos observando que o interesse eleitoral está se esvaziando. Vai indo ao
inverso dos princípios da República, quando, as disputas eram públicas e as promessas rígidos
deveres; aqueles que assumiam os poderes deviam ser de fato coerentes, mas o tempo os deixou
indiferentes; hoje governam para os seus próprios prazeres.
Para a esquerda, o sufrágio universal era bem visto pela Internacional; a Segunda, no final
do século dezenove. Pelos textos possível é que se comprove, que os socialistas após tantas
desgraças, organizados em partidos de massas, tornaram-se astutos e maduros, Engels disse, que o
processo tornar-se-ia lento, chato, porém infinitamente mais seguro.
Estava certo e equivocado. Porque a política tem dois lados, ou pelo menos deveria ter. Se
um atacasse, o outro, ao se defender, em tese, atacaria, e às disputas entre as classes cresceria, que a
repressão não poderia conter. Os dominantes incapazes de manter, o Estado e a dominação,
entregariam, mesmo com objeção, as estruturas históricas do poder.
Houveram muitas disputas acirradas, entre os homens, força privilegiada, pois as mulheres
não podiam votar. Em nossa pátria isso só veio a se dar, no Estado Novo quando os políticos se
misturaram ao povo e as disputas entre as classes decaíram, sempre que os pobres organizados
reagiram, reprimiram; e o processo lento e chato, passou a ser atrativo e correlato, ao carnaval onde
as massas se inseriram.
Mais tarde veio a televisão, era o início de uma nova arrumação, onde a promessa passou a
ser a referência. Os candidatos disputando as preferências, passaram a usar os argumentos, e as
eleições com menor acirramento, tornaram-se palanques de discursos, onde se elege quem tem
fartos recursos e, o princípio se inverteu, agora é chato e lento.
Hoje a política é prometer. Dizer que irá fazer sem ninguém a se propor cobrar. Perdeu-se o
hábito de consultar e debater com as grandes multidões. Comícios, programas de rádios e
televisões, são a essência desta nostalgia. Perdeu-se o senso da democracia, pois o lado do povo já
não fala, assiste, resiste e cala, a espera de que venham as melhorias.
Vivemos o tempo da política da aparência. Os que disputam não formam a consciência, e os
que votam não controlam os eleitos. O eleitor já não é mais o sujeito, tornou-se objeto de uso
descartado. É atraído até ficar do lado, de um escroque que gerirá o capital, e foi assim que o
processo eleitoral virou um grande negócio no mercado.
E o processo que seria lento, chato e mais seguro, perdeu o brilho, ficou escuro e por si só
não oferece solução. Os lados partidários misturaram-se numa só opção, porém, não quer dizer que
não haja ganhadores. Derrotados são os eleitores, que acreditam na passividade, enquanto votam, a
violência e sua perversidade, elimina sonhos e sonhadores.
É preciso ter dois lados na política. Caso contrário ela deixa de ser crítica. Mas não os lados
da situação e oposição; estas, dependendo da ocasião, se diluem como o sal na água que sequer
muda de cor. Os lados do explorado e do explorador que não disputam apenas uma eleição, mas o
direito a fazer de uma nação, a potência da solidariedade, porque democracia de verdade, só se
conhece com a revolução.
Os dois lados, como nos séculos passados ainda existem. Por certo há os que desistem e se
aliam ao lado oposto. Estes fazem a política só por gosto e não por ideologia. É verdade que após a
tormenta vem a calmaria! Mas o contrário também é verdadeiro; e será entre raios e aguaceiros, que
surgirá a velha democracia. E a República será pública, mas tão púbica que haverá votações todos
os dias.
Cartas de Amor
Nº 179
À IRONIA

Há tempos que vemos dia após dia, tudo se deformar, até a ironia. Na antiga Grécia,
Sócrates, a usava como um método de estudo, onde questionava tudo. Posteriormente ela foi
perdendo esta vertente e se tornou uma enganação, uma maneira de dizer sim, quando é não, e o
contrário quando a questão é exigente.
Marx foi a fundo no conceito da ironia e o empregou na análise da mercadoria. Disse ele,
após o mistério decifrado, que são os pés dos homens que levam os objetos ao mercado. Lá
chegando, ganham vida e utopia, pois os homens já não controlam as suas fantasias, são apenas os
seus representantes, que falam, negociam, calculam e concorrem com seus gestos e movimentos
extravagantes.
Cínica é a mercadoria de nascença, disse Marx, é um grande engano pensar que ao homem
ela pertença. Quer apenas emprestados, os seus sentidos para aguçar a percepção. Desta maneira o
trabalho cria a alienação, pois, não é o homem que ao ter progresso, domina o processo, mas o
processo que domina o homem em toda a produção.
De forma serena e muito calma, Marx ainda disse que a mercadoria tem corpo e alma por
isso dialoga e aceita ser trocada. É envolvida nesta caminhada, por mistérios, sutilezas e argúcias
teológicas, apostólicas, não que elas sejam crentes ou católicas, mas possuem um espírito superior,
é o feitiço que se faz dominador, toma as pessoas tornando-as egoístas e sempre mais diabólicas.
Este feitiço cruel e interesseiro surge quando a mercadoria quer trocar-se por dinheiro. As
pessoas vagam o dia inteiro a procura de uma oferta mais em conta. No final, se convencem,
mandam abrir uma conta e penduram a dívida no enfadonho crediário; então se embrenham no
calvário, para vender outra mercadoria humana, a força de trabalho, que, nesta relação profana,
alimenta o feitiço mercenário.
Mas o pior de tudo é que a mercadoria, não ficou só na economia, adentrou para a esfera da
política. Compram-se votos e mandatos, isto significa, que os compromissos deixam de ser
contratos. A ironia na voz dos artefatos torna-se promessa passageira. Colocam-se em fileiras, como
nas prateleiras iluminadas nas casas comerciais. Foi assim que os processos eleitorais se igualaram
ao que são as grandes feiras.
A mercadoria é então o candidato, que precisa de consumidores. Ele tem preço, número de
série, som e cores, para atrair na grande promoção. Quem vota, forma a seleção que deverá ir ao
paraíso. São as “argúcias teológicas” que fazem de forma melancólica o eleitor voltar na próxima
eleição, crente que irá reverter o prejuízo.
Para que não fiquemos cabisbaixos e confusos, Marx falou que há no objeto também um
valor de uso, é quando este não vira mercadoria. Mas já são poucos hoje em dia. Concluímos então
que a ironia está na forma de representação; quem escolhe é o cidadão para alguém representá-lo à
revelia. Depois de eleito não o vê, nem opina, é a ironia, daquilo que virou a tal democracia.
Então a eleição nas mãos da burguesia, se assemelha a uma galeria, um comércio, uma ceva,
onde o eleitor, ingênuo ou astuto, gasta tempo para escolher um dos produtos, que, embala, paga,
mas não leva.
Cartas de amor
Nº 180
AO APRENDIZADO

Este ano o frio do inverno foi mais rigoroso, ocupou todos os dias da estação e, ameaça
entrar sem compaixão na primavera. As árvores desfolhadas estão à espera para soltar os brotos.
São tempos arredios e revoltos, que perderam o equilíbrio sobre a terra.
As folhas caem no inverno devido ao aprendizado, que as plantas fizeram no passado.
Sempre que, antecedia a fria estação, elas cuidavam da depilação. Devia ser o contrário, aumentar o
número de folhas para servirem de agasalho! Ocorre que (embora branca e leve), acumulando-se
sobre as plantas a delicada neve, com seu peso rachava os belos galhos.
Assim sendo quando a estação fria se despedia, as árvores quase sem energias, não
conseguiam se reabilitar. Por isso aprenderam que ao se desfolhar, assim exercitavam a resistência.
Mudavam completamente de aparência, para que os ventos e a neve não as pudessem desgalhar.
Do ambiente das velhas estações, podemos tecer comparações, e perceber que nas relações
sociais, elas são quase iguais. Há, porém, algumas diferenças; às vezes elas se tornam tão extensas
que parecem não acabarem mais. São os tempos difíceis em que o Estado e os capitais, na história
impõem suas sentenças.
Há alguns anos sentimos que a esperança ficou um pouco fria; perdeu o vigor da rebeldia
como se o tempo houvesse se voltado contra os sonhadores. São impressões senhoras e senhores; as
energias estão apenas recolhidas, esperam a primavera prometida, para surgir com novas folhas e
muitas flores.
Como nos galhos, a esperança parece desfolhada; não é nada! É apenas a estação que se
alongou com suas contrariedades. E o inverno com sua crueldade, ataca as forças que mantêm os
galhos vivos, mas estes resistem combativos, que nem o vento inimigo os toca nem balança, apenas
esfria a esperança, mas eles continuam fortes e altivos.
No inverno há também galhos que secam, são aqueles que geralmente pecam nas outras
estações. Não se preparam para as duras condições que terão de enfrentar logo em seguida; alguns
racham outros perdem a vida, e há os que fingem enfrentar as previsões, mas sabem que nas
próximas estações, não brotarão, devido às imprudências cometidas.
Na política então, também temos estações! Os tempos frios recalcam as emoções e tornam
mais lento o crescimento. Mas o inverno, embora seja rígido e cruento, cumpre também o papel de
limpar as impurezas; testa nos sonhos todas as incertezas para que elas não atrapalhem os novos
acontecimentos.
Somos hoje como os galhos desfolhados, conscientes de que o tempo é reservado para o
inverno sem mudanças. Nos que lutam está guardada a esperança que alimenta a energia da
primavera. Ela virá nos campos e nas serras, nas cidades e nas cumeeiras das habitações, e surgirão
das grandes multidões, as folhas e as flores de uma nova era.
Acredite! O inverno não é só dor e castigo, nele se cultiva o trigo que servirá de alimento
nas outras estações. Folhas caídas são as concessões, que as árvores frondosas se obrigam a fazer;
isto não significa se render, mas um momento de renovação. Se agora estamos no inverno da
revolução, é tempo de cuidar e de aprender.
Aprender e se preparar. Compreender e interpretar no frio as contradições. Ele também tem
suas frustrações, por não poder eliminar totalmente as forças resistentes. A primavera é a prova
mais candente, de que a esperança vence as decepções.
Cartas de Amor
Nº 181
AOS ELEITORES

Não leve todas as esperanças para as urnas, o que você procura pode não estar na secção
eleitoral. Imagine que você, um ser social, jamais poderia delegar poderes. Observe os direitos e os
deveres e os relacione com os programas oferecidos. Veja, muitos têm seus prazos já vencidos,
servem somente para os espectadores.
Não escolha pela fisionomia. O candidato que você viu todos os dias é mais feio do que
parece. A tecnologia ajuda e rejuvenece aqueles que têm preconceito contra seu próprio ser. Se não
se aceitam e querem se eleger, fazendo com que você os aceite maquiados, é sinal de que são já
mascarados, ninguém pode acreditar só no que vê!
Não escolha por indicação. Procure, compare, verifique cada situação da trajetória política
do partido e do candidato. A eleição é um tipo de contrato que você assina individualmente. Por isto
seja muito exigente, leia as cláusulas com senso muito crítico, observe que o mandato de um
péssimo político é um castigo que deixa marcas eternamente.
Não pense que são todos iguais, há uns piores do que os outros na disputa. Há aqueles
gerados pelas lutas e tiveram os seus nomes projetados; mas há os que foram indicados por um
grupo, empresas, tios, avôs, ou políticos influentes. Será que estes agirão honestamente se já entram
na política dominados?
Poderíamos assim dizer: ao parlamento vai uma parte do poder, a outra parte fica com a
sociedade. Há os partidos que cultivam a unidade em torno de interesses não votados; fazem do
governo e do Estado, o espaço dos beneficiamentos. Para alguns o mandato é um passa-tempo, para
outros, lugar de combater os movimentos organizados.
Faz-nos lembrar a história de um vaga-lume e de uma cobra, que começou um dia a fazer
manobras, para comer o inseto inofensivo. Matá-lo era o único corretivo e o perseguia a todos os
lugares. Ia aos jardins e aos pomares e a decisão era não deixá-lo vivo.
Um certo dia o vaga-lume já cansado parou e decidiu se rebelar. Olhou para cobra e
começou a perguntar:
- Pertenço a sua cadeia alimentar? - E aguardou com atenção. A cobra olhou-o e disse:
- Não!
- Lhe fiz um mal ou alguma chateação?
- Não!
- Então por que insiste em me matar?
A cobra enraivecida aproximou-se com suas presas retorcidas e disse amargamente devagar:
- O que eu não suporto é ver você brilhar!
Há cobras também no seio da política. Você vota, ela se volta e pica. O pior é que o faz com
autoridade! Usa da cláusula da representatividade, que o contrato da eleição estabelece. O eleitor
que vota e se esquece que deu a alguém o poder de governar, corre o risco de a si mesmo condenar,
a obedecer às leis que nem conhece.
Por isso, como o vaga-lume, quem luta brilha e provoca ciúme naqueles que defendem o
capital. São as cobras que só pensam no mal e seus ouvidos só ouvem as palavras do dinheiro. Mas
votar e lutar o tempo inteiro é cumprir a outra parte do contrato; já raia o dia onde o único mandato,
pertence ao povo, suas herdeiras e seus herdeiros.
Cartas de Amor
Nº 182
ÀS CRIANÇAS SONHADORAS

Doze de outubro é o dia das crianças, mas deveria ser o ano inteiro. As crianças merecem ser
lembradas, presenteadas e cuidas para crescerem como construtoras da revolução, como as raízes
desta bela construção, que aos pouco deve ser edificada.
Tudo aquilo que fazemos no fundo é para as crianças. Grandes e pequenas coisas ficam
como herança, de benefícios e sacrifícios. As coisas boas inventadas tornam-se parte das novas
relações formadas, as coisas ruins, perversidades e vícios.
Cada criança tem uma fantasia diferente. Guarda em si a energia da semente que teimará em
crescer. Crianças sonham, imaginam buscam o prazer nos brinquedos, seus belos companheiros,
que escutam as confidências o tempo inteiro, mas é assim que desenvolvem as consciências, ligam-
nas às experiências, dos adultos seus grandes conselheiros.
Dizem que as crianças são egoístas porque querem tudo para si, mas é apenas a metade da
verdade; o “tudo” representa apenas a quantidade que elas podem tomar conta, por isso o seu querer
nunca é uma afronta à justiça e a igualdade, faz parte da curiosidade, da energia que esta idade
aponta.
Ser criança é querer. É aprender pelo exigir que um ser humano precisa de atenção. É alargar
a cada dia as esperanças para alcançar cada desejo, é esperar de cada boca um beijo, mesmo que
seja de mentira. Ser criança é um momento que fica a vida toda, agarrada aos sentimentos.
A história precisa das crianças e de suas fantasias. Sem elas o tempo se esvazia, de bom
senso e sensibilidade. Os cinemas e os estádios perdem a cordialidade, passa a não ter nem o papai-
noel. O adulto deixa de ser fiel e agir sem hospitalidade.
Ser criança é um divertimento permanente. É ver os diferentes como iguais. É querer ficar
perto dos pais, mas ao mesmo tempo ser independentes. É exigir coisas e de repente, deixá-las de
lado. É sentir o prazer de ser amado no coletivo e individualmente.
Ser criança é germinar histórias. É fazer com que os adultos resgatem na memória tudo o
que viveram no passado. É fazer dos acomodados, um incômodo permanente. Ser criança é ser
desobedientes e ao mesmo tempo comportados.
Por isso o dia das crianças é o dia das gerações. Os adultos perdem suas convenções e as
crianças dizem como deve ser a vida. Todas as utopias são revertidas e os desejos são
materializados; assim o tempo torna-se um aliado para as belas experiências convividas.
O dia das crianças traz lições. Amolece os duros corações a vencer a infantilidade. É um dia
em que toda a sociedade pára para homenagear as fantasias. As tristezas se escondem e as alegrias
aparecem como o amanhecer, é um dia em que a força do poder cede para a força da utopia.
Quem foi criança volta a ser sem se dar conta. Passa a brincar e agir no faz de contas, sem
perceber que regrediu na idade. É um bom exemplo para que toda a humanidade perceba que viver
pode ser uma bela brincadeira, onde se inventam de todas as maneiras, novos caminhos de
solidariedade.
Que este dia não seja de consumo, mas que os gestos apontem para o rumo, do cuidado e da
preservação. Que as crianças com sua percepção indiquem aos adultos a direção, do que devem
fazer de agora em diante. Que o poder deixe de ser arrogante e que a história seja uma intensa
confraternização.
Cartas de Amor
Nº 183
AOS MOVIMENTOS SOCIAIS

Há tempos em que lados diferentes pensam a ser iguais, vencem aqueles que sabem sonhar
mais.
Conta uma lenda simples e bela que uma mariposa ao voar por uma ruela, olhou sem querer
para o infinito e avistou o brilho de uma estrela, distante, inatingível, mas límpido e tão bonito.
Voltou rapidamente para casa, batendo livremente suas asas e com palavra cheias de calor,
revelou para a sua mãe que tinha descoberto um grande amor.
Disse a mãe à Cinderela que as estrelas não tinham sido feitas para ela; e que esta procurasse
algo mais afim; lâmpada de um poste, um abajur ou coisa assim.
Nada tirou da mariposa a decisão que se propôs a romper a escuridão. Todos os dias ao
anoitecer, iniciava seu vôo e, até já não poder, voltava lentamente; no dia seguinte fazia tudo
novamente.
Os dias eram longos e insuportáveis, cheios de sofrimento, pois com a claridade não podia
ver com facilidade a luz da estrela descer do firmamento.
As noites eram belas. Mal escurecia lá ia ela sempre na mesma direção. A cada vôo sempre
mais subia, cansava, mas cheia de alegria, voltava sempre no início das manhãs.
A mãe ao vê-la se punha a aconselhar, não entendia como poderia amar algo que não
conseguiria alcançar. Dizia: “seja como suas irmãs e companheiras que batem suas asas de forma
tão faceira, nos lustres das mansões. Acabe com suas ilusões e deixe de pensar estas besteiras”.
Por algum tentou em vão enganar o coração. Pensava em outras atrações; outros amores.
Ocupava o tempo com mil e um labores que martirizavam suas vontades. Mas era impossível,
sempre ao iniciar das tardes, chegavam as fortes emoções e então renasciam violentamente todas as
paixões.
Noite após noite voava o mais alto possível, até que um dia, a terra onde vivia, de onde
estava ficou quase invisível. Parou e começou a observar como eram lindas as luzes abaixo
colocadas, viu o oceano, a terra e as lavouras emendadas, as casas, as cidades, pessoas, aves e
insetos, e então descobriu que a estrela lá no teto, era tão bela porque havia alguém do solo para
admirá-la.
Dessa maneira demorou ainda alguns dias para voltar e ficar em companhia daquelas que
ainda não tinham aprendido a observar que o que vale na vida é sonhar e partir em busca do
sonhado, há aqueles que estão acomodados, mas também quem não se deixa convencer e, acredita
que existe em cada ser um universo brilhante e estrelado.
Enquanto muitos abandonam as utopias, os movimentos com sua frágil rebeldia igual às
mariposas giram e avançam em uma direção. Há claridade apesar da escuridão, elas estão além do
imediato, é preciso acreditar que os artefatos produzidos pelo capital, podem fazer de uma eleição
um carnaval, mas com certeza não deterão o natal, o alvorecer revolução.
É esta a crença que anima os movimentos, que, com as luzes presas no firmamento, está a
causa, os valores e o humanismo, onde a exploração do imperialismo tombará de uma só vez em
toda o espaço, e a humanidade fará com seus pedaços o palco para aclamar o socialismo.
Cartas de Amor
Nº 184

AO ARREPENDIMENTO

Quando o peixe olhar para a margem e perceber que ela avançou e comeu o rio, perceberá
que é hora de partir, e com o pouco de água ainda a vagar, tentará, descer, chegar ao mar.
Quando o homem cabisbaixo, sem sorrir, perceber que não pode mais fugir das próprias
armadilhas, sem amigos, sociedade nem família e consigo tiver que dialogar; dirá a si que o tempo
se esgotou, que de nada valeu acumular. O ouro não tem vida, a pedra é preciosa, mas está
endurecida, não serve para alimentar.
E a garganta seca de saliva, o resto de pão ainda na gengiva, suplicando por água para se
remover. Os cabelos desgrenhados repelindo o chapéu, o olho azul da cor do céu já não verá a
civilização, mas a barbárie atuando como história, sem respeitar memórias.
Quando a árvore olhar o fogo e perceber que ele avança aos saltos, deixando a terra escura
como asfalto, murchará lentamente a semente. Não deixará que ela se despenque e tente fecundar na
terra. Será o controle da natalidade que as plantas farão como na sociedade se mutilam as mulheres,
viver já não será servir, as espécies perderão o direito sagrado de se reproduzir.
Quando os pássaros avistarem a fumaça abandonarão os ninhos e voarão no infinito do céu
até acharem uma ilha onde o homem não habita. Lá não haverá esgoto e nem palafitas, apenas um
esconderijo, sem a espécie humana, um grande regozijo.
Quando os macacos não tiverem mais comida eles invadirão as casas, assaltarão as
despensas e as cozinhas, “mijarão” sobre o sofá da sala para dizer que um tronco seria suficiente
para sentar e namorar.
Quando os jacarés virem os peixes mortos devido a água envenenada, tomarão os campos e
as estradas e comerão a carne que não puder correr. Tornar-se-ão espertos como as cobras e
esperarão as vítimas desorientadas; dormirão nas irregularidades das calçadas, dispostos a matar e a
morrer.
Quando o calor tomar a terra e elevar a temperatura; as folhas ressecarem como em uma
fritura, os urubus com sua cor escura terão que trabalhar à noite na limpeza pública e muita coisa
deixarão sem recolher. Então as ruas vão feder que não se poderá mais transitar, aí então de nada
adiantará, todos os poderes e a República.
Quando o ar condicionado e o ventilador já não puderem refrescar o ambiente, os gatos e os
cães por terem o sangue quente, tomarão as salas e os escritórios; as moscas e as baratas, os
laboratórios; os ratos, os armazéns vazios e os galpões. Ninguém conseguirá dormir, ficarão
acordados dia e noite. Os pensamentos como açoites farão uma revisão total e a conclusão será que
o capital dominou as consciências que se deixaram levar pelas competições e concorrências.
Então agarrado às suas culpas, já será tarde para pedir desculpas pois, as espécies já terão se
despedido. E com o espírito ainda mais ferido o ser humano irá então perceber, que o seu magnífico
poder é limitado; somente inventa sobre o que está inventado, combina os elementos que estão
descombinados e, cairá em prantos de tristeza, ao ver que nada poderá fazer sem a natureza.
Antes que morra a última esperança é preciso se encher de confiança e dizer como será
aquilo que vai ser. É tempo cuidar e proteger, enfrentar o poder e dizer Não! Se a humanidade fez a
civilização, terá que descobrir com se proteger.
Cartas de Amor
Nº 185
AOS TEMPOS IMORTAIS

A história tem períodos diferentes; os dias as partes interligadas; a vida tem os ciclos, os
tempos, para alguns, úteis, para outros quase que não valem nada.
Já na antiguidade havia diferenças; tempos de otimismo e de descrenças; de fartura e de
necessidades. Mas nem por isso deixou de seguir e evoluir a humanidade. Chegou até aqui em nossa
porta, repleta de lições que fazem bem aos corações, vejamos o que dizem as velhas anotações:
Tudo neste mundo tem um tempo; cada coisa tem sua ocasião. Há um tempo de nascer e um
tempo de morrer; tempo de plantar e tempo de arrancar; tempo de matar e tempo de curar; tempo de
derrubar e tempo de construir.
Há tempo de ficar triste e tempo de se alegrar; tempo de chorar e tempo de dançar; tempo
de abraçar e tempo de afastar.
Há tempo de procurar e tempo de perder; tempo de economizar e tempo de desperdiçar;
tempo de rasgar e tempo de remendar; tempo de ficar calado e tempo de falar.
Há tempo de amar e tempo de odiar; tempo de guerra e tempo de paz.
Há tempos vazios, vadios, sem trabalho e sem salário. Há tempo de calendário que só marca
o dia. Há tempo de euforia e tempo de apreensão; tempo de expectativa e tempo de frustração.
Conta a história que um jovem dotado de oratória, não dava ao tempo sequer nenhum valor.
Foi a um sábio, honesto e conciliador, para saber porque este via o tempo completamente diferente.
O sábio com doçura e voz paciente, fez em dinheiro a conta a seu intercessor:
Imagine, disse o sábio com gestos cordiais, que todo dia ao amanhecer você receba oitenta e
seis mil e quatrocentos reais. E teria que gastá-los até o final do dia, pois, para o dia seguinte o seu
saldo zeraria.
O jovem animado, disse que não deixaria nenhum trocado para o outro amanhecer. Então o
sábio lhe falou: imagine que esta quantidade não seja dinheiro, mas os segundos que temos um dia
inteiro a nosso dispor.
Se quiser saber do tempo o seu valor, pergunte a um estudante que foi mal na escola o que é
um ano que deverá ser repetente? O que é um mês para uma mãe que teve um bebê
prematuramente. Ao editor de um jornal o que é o tempo semanal? Aos amantes prestes a irem
embora, o que é o valor de uma hora? Ao passageiro que perdeu o trem, o que um minuto por ter
chegado além? A quem escapou de um acidente, o que é um segundo e assim por diante...
Há meses, anos e décadas perdidas, em que as vitórias estão distantes e recolhidas, que as
gerações sentem que não viveram. Como as flores que secaram e as sementes se perderam e nada
nasceu além da frustração. Há tempos em que o próprio coração ameaça parar. Vale é não
desesperar e saber esperar.
Há tempo para tudo. Ele se move pelas contradições. Mas vencem sempre as gerações que
conseguem superá-las. Há quem se esquive a enfrentá-las, e há quem as tome como meio. Interessa
é que se tenha o anseio de chegar a um lugar. O tempo é imortal, e mesmo que passe de vagar,
jamais nos deixa retornar, segue em frente, com seus desafios e galanteios.
Cartas de Amor
Nº 186
AOS ENIGMAS

Em tempos pré-revolucionários, muitos eventos marcam o calendário, alguns sem destaque


ou comoções. No momento, o tema mais ativo que exalta os setores combativos, são os resultados
positivos que trouxeram as últimas eleições.
O assunto, por muitos visto com ternura, passou a entrar em pauta logo após a ditadura aqui
em nosso país; com cenas dignas de cinema, iniciamos, com o raiar, o lema, “Sem medo de ser
Feliz”. Este virou música, quase enredo. Terminamos após duas décadas de influência, extraindo
das disputas a experiência, de que “A esperança venceu o medo”.
O enigma aqui a ser decifrado: por que é que o “medo” esteve sempre embaralhado, com as
coisas boas perseguidas? Será que desde o início a vocação, era temer mais a morte que a opressão?
Não foi isso que nos ensinaram as primeiras gerações, quando disseram que nada tínhamos a
perder a não ser nossos grilhões. Aqui em nosso país aprendemos muito cedo, com o comandante
Carlos Marighella, disse ele numa frase bem singela: “Não tive tempo para ter medo”.
É bem verdade que as frases abstratas, não poderiam descrever de forma exata, o que seria a
“felicidade” e a “esperança”. Elas demonstravam confiança; mas por que o medo aparece
duplamente? Seria por um complexo antecedente ou por uma mera precaução? Seria a renúncia da
revolução ou a disposição para ser condescendentes?
Teria o “medo” no tempo acontecido, se apresentado com sentido invertido, falseando as
dúvidas que estavam na consciência? Será que não eram as conseqüências que se temiam na
verdade? Por que razão era que a felicidade deveria temer? Será que o medo é adjunto do prazer ou
ele o impede que se expresse com toda a liberdade?
De outra forma aparece ao lado da esperança. Como se esta mostrasse confiança, porque o
medo teria sido vencido. Será que de fato o seu sentido, invertia a mensagem formulada? Ou seja, a
esperança havia sido rebaixada e o desejo já não era ser “feliz”, mas apenas governar nosso país,
com as forças intensamente amedrontadas?
São os enigmas da atualidade. Decifrá-los com profundidade, é a tarefa de quem quer seguir
em frente. Os slogans mostram concretamente aquilo que pensamos. Eles explicam porque é que
lutamos e simplificam a estratégia, por isso são coisas muito sérias.
Vejamos para simples informação. Quando, o socialismo pôs em marcha a primeira
revolução, na Rússia, na intensa guerra fugaz. Os dizeres eram muito concretos, explicavam e
fluíam quase diretos, que se queria “Terra, Pão e Paz”.
Como a paz só viria depois da guerra, o pão só vira depois da terra, e esta só viria depois da
paz; o povo teve que se tornar capaz, pois temia mais a fome do que a morte. E foi assim que se
lançou à própria sorte, combatendo nas duras batalhas. A esperança era o pão quente nas fornalhas,
a paz e a terra como meios de transporte.
O enigma, quase revelado, nos mostra que lá na origem, no passado, o erro foi ter acreditado
no abstrato. Ao chegar “Lá” o povo com o impacto, não tinha contra quem agir. Optou por se calar
e assistir, sem tomar nenhuma providência. Aceitou ser “Feliz” com a assistência, e a “Esperança” é
que assim venha a seguir.
Por isto, a vitória atual, não assustou as forças do capital e nem tampouco significa o fim da
estrada. É preciso repensar a caminhada e pôr a coragem em movimento; só assim o medo e o
sofrimento sumirão na poeira levantada.
Cartas de Amor
Nº 187

À ESPERANÇA

A esperança é uma lembrança que ainda não aconteceu, mas já se ofereceu para se
apresentar. É como a flor que quer desabrochar e ainda não chegou a hora; deixa-se olhar pelo lado
de fora, porém por dentro ainda não quer se revelar.
Quem vive de esperanças acredita e, como a fêmea que se excita parte em busca da
realização; o prazer vem por antecipação, movido pelo pensamento. A esperança então é um
movimento que se firma sobre a imaginação.
Na sua essência a esperança é feminina; é pura como a água cristalina que espera por ser
bebida. É o despertar da vida como os pássaros ainda no ninho, que pedem o último carinho, para
arriscar o vôo da partida.
A esperança é a fonte e a cachoeira; mansa e ao mesmo tempo traiçoeira, para garantir a
atenção. É o sentir que se transforma em emoção, para fazer vibrar o estímulo da ansiedade; é o
desejo da felicidade que acompanha o pulsar do coração.
A esperança nos torna imortais. Ela é o gosto de sempre querer mais que nos lança para
frente. O querer torna-se surpreendente e o fazer uma simples brincadeira. Feito as crianças que
com pedaços de madeira edificam um mundo diferente.
A esperança é uma força positiva, altamente criativa e renovadora do espírito do querer.
Detém em si todo o poder de estimular e animar os passos; não se deixa dominar pelo cansaço, se
reaviva como fonte do prazer.
A esperança é a porta do futuro onde descansa o temido e o esperado. Contra o temido,
vamos com mais cuidado, quanto ao esperado, vamos com mais vigor. É separando o prazer da dor,
que o querer se torna “o vir a ser” antecipado.
A esperança é mais que um sentimento; é razão e ordenamento de passos em movimento. É
o saber e o conhecimento entrelaçados com a força da cultura. É a paixão em estado de loucura sem
medo nem constrangimentos.
É ela uma força irreversível; está adiante do limite do possível, onde a consciência à ilusão
recorre. Não é em vão o dito popular, desde os primórdios nos leva a comprovar, que “a esperança é
a última que morre”.
A esperança é um grande desafio; como a água doce de um rio que quer salgar-se com o
mar, ela incita para que o imaginar não se acomode nem tema os enfrentamentos, mesmo que
venham os arrependimentos é preciso saber acreditar.
Não há limites para a esperança. Se ela é, o vir a ser de uma lembrança, logo, o lembrar pode
ser ilimitado. Importa é que ele esteja acompanhado da imaginação, da honestidade e da confiança.
Somos herdeiros e herdeiras da esperança. Os que passaram deixaram em suas andanças os
rastros no caminho que sonhavam. Agora, nos tempos mais maduros, sabemos que, quando eles
falavam do futuro, era de nós com certeza que falavam.
Somos em parte a esperança já realizada. A outra parte continua a ser sonhada, como a
herança das gerações vindouras. Como as sementes cultivadas nas lavouras, sejamos nós a
esperança antecipada.
Esperança: sonhos e atitudes. Energia no coração da juventude, vigor nas fantasias das crianças.
Seja ela o alvorecer da confiança e a razão do existir e do querer. Fonte inesgotável do prazer,
cultivo e cuidado das lembranças.
Cartas de Amor
Nº 188
AO PENSAR

Quando pensamos observamos pelos sentidos. Olhamos para o desconhecido com os olhos
da consciência, mas nem sempre tomamos providências. Indiferentes aos problemas, nos calamos
diante de cada gravidade. Notamos que a prosperidade às vezes se distancia; e pensar que tanto
melhor seria, se houvesse mais franqueza e honestidade.
Pensamos na terra concentrada e na violência nas cidades. Vemos com obrigatoriedade o
processo do retorno dos migrantes. Sabemos que nem tudo é como antes, mas é possível recompor
certas verdades; e pensar que, se houvesse igualdade, as pessoas prosperariam felizes e confiantes.
Pensamos na força de trabalho desprezada; os braços e as pernas encruzadas a espera de um
estímulo ou um convite. Sabemos que os ricos e as elites suspiram pela tecnologia; sufocam todas
as rebeldias com a força dos programas assistenciais; e pensar que poderíamos ser iguais e termos
as mesmas garantias.
Pensamos nas florestas devastadas, nos troncos e na fumaça das queimadas como um deserto
escurecido. Enquanto o capital enfurecido, avança com suas armas assassinas, persegue, maltrata e
impõe a sina, daqueles que precisam do alimento; e pensar que todo o sofrimento seria nada sem a
ganância de rapina.
Pensamos em nossa juventude que goza de força e de saúde e não tem onde se ancorar.
Encontra o que não quer encontrar, no cerne da estrutura social. O avanço sempre mais do capital
faz das alternativas uma poeira; e pensar que há milhares de maneiras, para realizar um ideal.
Pensamos no ensino dominado, aos poucos sendo privatizado e as vagas vendidas como
mercadoria. Quem não tem como pagar se angustia, achando ser ele mesmo o culpado; e pensar que
é um dever do Estado cuidar bem de cada geração que principia.
Pensamos no mercado e no consumo e vemos que tudo em resumo é um entulho de objetos
tentadores. São as máquinas, não os trabalhadores, que dão forma à inutilidade. Torna-se uma
bestialidade, a disputa do insignificante; e pensar que as coisas importantes ressurgem com as
oportunidades.
Pensamos nas riquezas naturais devastadas pelos capitais que agem como se elas se
renovassem. As rochas e os minérios mesmo que tentassem, jamais se reproduziriam e, como os
dinossauros sumiriam no tempo deixando uma lacuna; e pensar que a humanidade ainda é aluna, na
escola que os tempos anunciam.
Pensamos no império enfurecido que avança em todos os sentidos em busca de sustentação.
Ignora qualquer satisfação e se adentra no espírito das nações; provoca, grandes destruições para
pôr o capital em movimento; e saber que todo o sofrimento cessaria com o simples mudar das
relações.
Pensamos nos partidos defasados, que perderam as origens do passado, mas passaram a
acreditar em velhas vias. As idéias e as filosofias se esconderam por trás das práticas oportunistas;
cederam aos capitalistas, o direito de apontar para o futuro; e saber que seria bem mais seguro,
assumir as idéias socialistas.
Pensamos na classe destroçada, dispersa e desorganizada, girando sobre a própria existência.
Há anos que o baixo nível de consciência deixou o espírito crítico ressecado. Há de surgir um
movimento, um partido, ou algo aproximado, que levante a auto-estima e a rebeldia; e pensaremos
que o futuro aceitaria, os novos seres agora preparados.
Cartas de Amor
Nº 189

À ATUALIDADE

Há na vida coisas que passam sem nenhuma importância; outras permanecem com extrema
relevância. Fatos e acontecimentos vividos na saudade; coisas ruins e coisas boas, objetos e pessoas,
que sobrevivem com tremenda atualidade.
Disse, o mesmo poeta de “América Neblina”, após homenagear a América Latina, em seu
bravo porvir. Expressando-se com outra ilustração, que “a vida é uma canção que faz a flor dormir”.
Nos lares aconchegantes de milhões de militantes há um quadro do Che. É o dormir do
florescer que permanece intacto. Como se fosse um pacto, do Che, não se descorar, da legião, de
nunca se esquecer. Portanto, de verdade, podemos falar que ele é uma atualidade.
O Che, extremamente humano e companheiro, mesmo após o triunfo vestia-se como um
guerrilheiro. Era avesso às honrarias e rejeitava todas as mordomias.
Seu tino revolucionário misturava as tarefas intelectuais, administrativas com as do trabalho
voluntário.
Fez o combate ao revisionismo, atualizou o marxismo desenvolvendo-o dentro de uma ilha.
Não era adepto a cartilhas, fórmulas ou dogmatizações; partia das contradições e, acreditava
imensamente no povo e na guerrilha.
Não separava ação e consciência. Buscava no princípio da coerência, formar os quadros
como coluna vertebral. A ele não importava o arsenal, nem a força do imperialismo; mais forte seria
o socialismo as lutas e a articulação mundial.
Não ceder ao imperialismo era a sua decisão. Via na revolução a única maneira de avançar.
Combater sempre e em qualquer lugar, com força e determinação.
O homem novo através da educação, era de onde deveria surgir. As tarefas, o meio de fluir
como a água limpa dos açudes; assim via a juventude, a estudar, lutar e a produzir.
O espírito de solidariedade elevava seu amor à humanidade e o compromisso com a
libertação. Para ele onde houvesse exploração, de homens, mulheres e crianças, tinha que se plantar
uma esperança e organizar a revolução.
Por tudo isto, Che não é uma saudade, é pura atualidade de exemplos e de orientação. Viveu
em cada geração sem se degenerar. As suas idéias não são fáceis de negar e, a sua prática sustenta-o
pela demonstração.
Não que ele quisesse ser sempre atual; é a arrogância e o poder do capital que revive o Che a
todo instante. Nada mudou hoje do que era antes, na exploração, devastação, saques e imposições.
Como pensar que são recordações, se as dores sempre são mais agravantes.
Che Guevara, Fidel, Marighella, Lamarca e todos os jovens das gerações passadas, que
souberam nas encruzilhadas optar pelo caminho da brava resistência. São atuais nas ações e na
consciência; seguem conosco, nas batalhas e nas jornadas.
Atualidade política não é moda, ao contrário, é aquilo que incomoda, muitas cabeças que
perderam a direção. Fizeram da conciliação, o modo de operar na prática da disputa; esqueceram
das armas e das lutas, do socialismo e da revolução.
Não deixe o Che se tornar uma saudade, traga-o para a atualidade através do estudo e da
percepção; leve-o sempre em teu coração, que ele ajudará a cultivar a tua mocidade.
Cartas de Amor
Nº 190

À CONJUNTURA

Há o costume de ver a conjuntura, pela situação da economia e pelo movimento da política.


É um esquema que muito simplifica, mas deixa muitas coisas obscuras, por isso todas as
“conjunturas”, por longos períodos se parecem, invertendo as coisas que acontecem, vendo calmaria
onde há turbulências e amarguras.
Disse bem o filósofo argelino, em seu destino peregrino, com astúcia e capacidade: se
queremos conhecer a sociedade, com as coisas ruins e boas, é preciso perceber: como trabalham,
como amam e como morrem as pessoas.
É um jeito diferente de ver e observar, perceber e interpretar, que vida levam os seres
humanos. O capital, o Estado e os seus planos não podem ignorar a presença social; saber se
vivemos bem ou mal, se gozamos ou sacrificamos toda a vida; são partes sempre despercebidas
pelas análises do velho instrumental.
No mundo do trabalho estamos mal. 15 milhões de pessoas no trabalho informal e quase o
mesmo tanto sem lugar de trabalhar. Mas o modelo insiste em exportar aquilo que as máquinas
produzem, e, é dessa forma que reduzem, as condições para se poder amar.
Trabalho escravo há uma infinidade. A exploração é uma antiga enfermidade que aos poucos
se tornou epidemia. Há aqueles que conquistam regalias, através dos acordos salariais; há milhões
que não negociam mais, por isso matam as próprias utopias.
Ainda há a discriminação, ser negro ou branco pesa na apresentação no momento de
escolher os candidatos; a cor da pele influi na assinatura dos contratos, onde os negros têm seus
ganhos rebaixados. Como amam as pessoas neste Estado, se não possuem as condições de fato?
Também na morte nos diferenciamos. A cada ano contabilizamos as perdas por violência ou
por falta de saúde. Optaram por matar a juventude e deixar os idosos abandonados. Para cada 100
mil, 52 jovens são por ano assassinados, e não há perspectiva que isto mude.
Assim matam com armas nacionais e importadas, a juventude que não tem culpa de nada,
por viver em um país descontrolado. A maior parte dos 40 mil por ano assassinados, estão abaixo
dos 25 anos; são pessoas que sonhavam, tinham planos, mas partiram antes de os terem realizado.
Passemos também o amor em revista. Vejamos por outro ponto de vista, aquilo que os
governantes chamam de turismo e rendimento. As pesquisas mostram sem constrangimento, que
meninas com 10 anos de idade, são levadas nas grandes cidades, a se prostituírem recebendo drogas
e moedas como pagamento.
Este é o projeto da classe exploradora: usar a nossa força sedutora para atrair o turista e o
capital. Aqui na terra onde atracou Cabral, onde há praias, praças e largas ruas, mantiveram a
imagem de que temos “índias nuas” e como antes “nada aqui é imoral”.
E a conjuntura segue assim premeditada. As coisas são altamente planejadas e seus efeitos
são de longa duração. Há conseqüências da primeira geração que ainda não se dissolveram; ao
contrário se desenvolveram, e tornaram-se culturas como a fome, a tortura e a corrupção.
As coisas podem ser bem diferentes se aos poucos nos tornarmos mais conscientes, teremos
uma outra conjuntura, onde o prazer se tornará cultura, porque o viver será democratizado, e
veremos um dia realizado, o encontro da rigidez e da ternura.
Cartas de amor
Nº 191
AO ASCENSO

Ascenso é o nome dado ao movimento a favor, das massas que se levantam com furor, para
atacar as injustiças sociais; por décadas, isto já não vemos mais; mas não significa que esteja sendo
o fim; foi a chama que se apartou do estopim, nas fábricas, nos campos e nos serviços gerais..
Mas a chama sempre esteve acesa; o capital com a sua rudeza é que tentou escondê-la atrás
dos muros. As massas caminham no escuro, fazendo sua parte nos eventos e nos festejos; e assim,
proletários e sertanejos desconhecem a própria condição, é que quando falha a organização, os
passos seguem as ordens dos desejos.
O estopim está no chão caído. Muitos fatores têm contribuído para que isto acontecesse. Não
foi por falta de interesse que as forças foram tomadas de apatia; é que, desta vez, como uma
ventania, o capital derrubou a lamparina, e a certeza de que duas ruas formam uma esquina, foi
questionada na prática e na teoria.
As classes sociais sofreram um terremoto, as de cima, agarraram-se ao voto; as debaixo
desmancharam-se em pedaços. Romperam a tradição e os velhos laços, da unidade internacional. O
mercado como um gás letal, arrasou a estrutura sindical, e o legalismo levou a tropeçar nos próprios
passos.
Mas a classe não foi exterminada, encontra-se desorganizada apenas em sua consistência.
Espalharam-se as pessoas e refluíram em suas consciências, acompanhando o descenso da utopia;
muitos abandonaram a ideologia que iluminava as curvas do caminho, e cada qual tenta fazer
sozinho, aquilo que com as massas se fazia.
Mas a procura continua, seja nos campos, nas fábricas ou nas ruas, as pessoas andam em
busca de um encontro; esperam pelo dia do confronto, como a fome que clama por comida; fazem
parte da história as descidas, não como uma ida para o abismo, mas para encher-se de otimismo e
enfrentar do outro lado a subida.
Na descida se conhecem os condutores. Aparecem os que têm grandes temores que freiam
para não pegar o embalo. Os otimistas relacionam os intervalos, mas com o pé sempre no
acelerador, no máximo usam o freio a motor, para deixar as rodas soltas na ladeira, não temem os
buracos e a poeira, pois o projeto é o grande condutor.
O ascenso é preparado no descenso. Quando se desce, se avalia a resistência; respeitam-se
algumas leis, é a obediência, obrigatória pela ordem dos fatores; mas, ao subir, todos os balizadores,
são questionados no conteúdo da existência; a ordem passa a ser a irreverência, é quando as forças
saem dos bastidores.
Subir significa reanimar, fazer cada peça funcionar para fortalecer o movimento, que avança
quase sempre contra o vento; mas este não é uma força que atrapalha; ao contrário, serve de toalha,
para enxugar o rosto judiado; mais valem com esforço os passos dados e as vitórias extraídas das
batalhas.
Por isso prestemos atenção, o ascenso está em formação, basta cuidar para que chegue
ligeiro. O estopim quer a chama no candeeiro, como a terra tombada quer o plantio da semente; o
horizonte está logo ali adiante, basta seguir em sua direção; pois não há força e nem repressão, que
contenha o encontro dos amantes.
Mesmo descendo, sigamos o caminho, importa é não ficar sozinhos, lamentando na beira do
penhasco; mesmo que às vezes o fazer vire um “fiasco”, não podemos parar para lamentos,
coloquemos as forças em movimento, que o navio da história, rasgará o gelo com seu casco.
Cartas de Amor
No 192
AO CRIADOR

Esta semana faremos uma carta diferente destas, que ninguém espera receber. Uma carta
assim, sem restrição; uma declaração; um grito forte. Uma carta ideológica que separa os lados; uns
rabiscos, se não fosse computadorizado o sistema. Uma mensagem com o tema da criação, que
retrata a inovação como loucura. Por fim, uma manifestação de amor, àquele que fez com as mãos,
a rigidez virar ternura.
A referência é muito clara, estamos falando do Oscar, sem codinome; o Oscar Niemayer,
que parece até predestinado, pois já nasceu batizado, com o nome de prêmio.
É uma figura rara e por isso também não se compara, pois não vemos na história uma
comparação. Se dissermos: é um artista! Dirão: - Não! Um engenheiro, um desenhista! Dirão: -Não!
Então um pintor, um projetista! Que nada, é só um autêntico comunista!
Santos Dumont, que ensinou a humanidade a voar, poderia se comparar, pois ao seu modo
foi um grande criador. Partiu perseguido pela dor, por achar que inventara um grande mal. Sua obra
se tornou um bem do capital e, seu invento passou a ser usado como um instrumento nos combates
de guerra. Oscar não! Desdenhou o capital e a ditadura e, fez através da arquitetura, a exaltação da
terra.
Pense bem! Alguém que trabalhou e projetou obras caras e monumentos, não enriqueceu,
não se vendeu, não renegou princípios, não anda em crise, não se desespera... vai achar outro
alguém assim aqui na terra? É claro que se encontram, mas apenas miniaturas, do tamanho de suas
maquetes, antes de se tornarem obra de sua arquitetura.
Vai achar gente assim lá no céu! Diria um marxista cristão que acredita nos dois. No céu e
no Oscar. Aqui na terra somos tão inferiores; em idade e talento e também em ideologia. Aquela
boa, que nunca atraiçoa nem engana a utopia.
E ainda dizem que um homem destes, nesta idade, faz aniversário! Não faz não! O que ele
faz é uma provocação ao tempo e à natureza. Não se pode ter um dia apenas para homenagear tanta
grandeza. Os séculos vindouros serão pouco para admirar tanta beleza!
É isto mesmo, há pessoas que contrariam as leis do ter e do poder; nascem e se constroem
para nunca mais morrer. O construído fica. O nascido, um dia, numa tardinha, vai se escondendo na
sombra dos arbustos e pronto. No dia seguinte acorda, mas já é uma lembrança boa; na escrita da
arte não há ponto.
Será que Hegel se enganou quando afirmou que o espiritual é superior ao natural? Não
poderia enganar-se quem, com tamanha sutileza desceu às profundezas para entender o belo e a
beleza.
Fez ele então a comparação, de que o belo natural se confunde com a função, por isso o sol é
visto como necessário, mais do que bonito. Mas com o espírito é diferente. Ele é superior a
natureza, por ser capaz de projetar, pela arte, o encanto e a beleza.
Oscar é um criador terreno. Mas, pelos feitos e pela idade, já é uma divindade. Deus que nos
perdoe pelo teor que esta idéia comporta: Se Ele é o inventor do mundo, pela força criativa, o fez,
facilitado pela matéria viva. Oscar não! Teve que forjar a sua criação, aproveitando a matéria morta.
Coisas assim, quase perdidas, que pela arte foram ganhando vida.
Oscar, prêmio do povo! Belo nos gestos e nos sentimentos! Irmão, companheiro e camarada.
Se pela arte, dás vida ao cimento, pela razão nos ensinas que, a criação e o conhecimento, são
sempre livres, quando não temem nada.
Cartas de amor
Nº 193
AO PROJETO

Fala-se sempre do projeto, como um objeto produzido e acabado. Como se nada pudesse ser
acrescentado ou retirado de sua composição. O projeto é semelhante a uma intenção, uma crença,
um anseio ou uma promessa, que se insurge contra tudo aquilo que impeça de se chegar a sua
realização.
O projeto não tem olhos por isso não vê o que está distante. Previne, é verdade, dos perigos
mais constantes, mas tudo depende de quem o está edificando. Há a responsabilidade do comando,
mas, a todos cabem obrigações; ele, por certo pertence às multidões, por isso sempre vai se
renovando.
O projeto, como já foi dito, nem sempre precisa estar escrito para se dizer que existe. As
massas que lutam e persistem sabem o que querem, só não dizem claramente! Toda vez que se
pensa para frente é o desejo que se apresenta como escrita, ao seu redor se junta quem acredita e se
avança com os passos irreverentes.
O projeto é uma cultura que prepara a ruptura. A sua formulação requer participação; assim
como os gregos na praça o faziam. Ali se reuniam para dizer o que pensavam. As boas idéias, todos
acatavam; as más rejeitavam e eram eliminadas; assim era administrada, a cidade onde habitavam.
O projeto é a cultura do confisco, então é um cultivo de alto risco, pode ir para frente ou
para trás. O projeto é para tornar capazes, aqueles que sempre capazes se mostraram; construíram e
edificaram tudo o quanto lhes foi proposto; o destino é que era de mau gosto; sendo assim ao fazer
se condenaram.
O projeto é um estado de consciência, que instiga a preparar as insurgências, em três grandes
dimensões: a propriedade, as leis e a moral, tripé das dominações, que precisam ao mesmo tempo,
serem modificadas. O projeto é uma seqüência de jornadas, que se articulam nas cidades e nos
sertões.
Então deve ter identidade! Aí reside a sua qualidade, pois, do outro projeto se diferencia.
Assim como não se mistura a burguesia com as lutas dos trabalhadores, nem se estabelece uma
utopia com favores. A nossa identidade é de solidariedade, de alegria e rebeldia, festas, som e
muitas cores.
A sociedade socialista e solidária, não terá a aparência mortuária, dos processos burocráticos
já vividos. Ao contrário, será um jardim florido, com flores coloridas e cheirosas. Com certeza não
será um mar de rosas, mas os caminhos terão outras dimensões, iniciarão e findarão nos corações,
pois as práticas serão altamente prazerosas.
O projeto se inicia no que já somos e se dirige para aquilo que queremos; nos leva a
compreender o que fazemos, como tarefas de seres sociais. Enfrentar e dominar os capitais e fazê-
los degraus da construção, onde se extinguem o proprietário e o patrão, e se inovam as relações
sociais.
Sem o projeto a luta só irá até a metade. Cada grupo se aterá às suas necessidades e não
perceberá as carências coletivas. A luta é a locomotiva, mas a consciência é a carga dos vagões, sem
ela as grandes multidões, se assemelham a um trem vazio passando sobre os trilhos; nada leva a não
ser o próprio brilho, pois lhes falta o conteúdo das razões.
Salve o projeto popular da grande classe explorada. A elite é a oposição da outra classe
organizada que ficará de fora. Vamos! A alvorada se anuncia já é hora, de resumir todas as causas
em uma só; os pés andando já escrevem sobre o pó, que a opressão e a exploração já vão embora.
Cartas de Amor
Nº 194

FELIZ ANO NOVO

Quem na vida não ouviu, na cultura de seu povo, os mais velhos se saudarem e em comum
se desejarem: Feliz Ano Novo!
É parte da tradição, festejar o Réveillon, que vem de um verbo francês, Réveiller; seja lá o
que quiser, quer dizer: DESPERTAR. É de fato um acordar, um surgir, um renascer... e não adianta
embravecer, ele vem para ficar.
No ano 46 antes do nascer de Cristo, agora sabemos disto, por revirar a memória, o
imperador Júlio César, em sua longa trajetória, deu um golpe bem certeiro; decretou que, no
Primeiro dia de Janeiro, o ano iniciaria a sua história.
Jano, era o deus dos portões, possuía duas visões, por ter duas faces coladas, uma altiva para
a frente, a outra, humildemente, para trás era voltada.
Daí veio a tradição, fartura e alimentação é que se vê neste dia. Festas, fogos e alegrias, é um
momento de prazer, mas tudo o que se comer, tem uma simbologia.
As lentilhas, muito usadas, são comidas e apreciadas, dizem que são indicadas pela Sagrada
Escritura; quem as come se habilita e, em sua conta credita, o ano cheio de fartura.
O romã atrai dinheiro, mas precisa ser ordeiro na cerimônia exigente. Retirar sete sementes,
chupá-las com boas maneiras, e depois suavemente, guardar os grãos na carteira.
A uva é bem parecida com esta superstição, deve-se ao chupar os grãos, retirar os seus
aportes, sejam três ou sejam sete, mas se a gula apetece, até o número da sorte.
Carne de porco é um capricho; é dentre todos os bichos o que melhor se apresente, com o
grunhido freqüente, ele tem a preferência, mas a sua influência, vem de fuçar para frente.
Pato, peru e galinha, neste dia são evitados, por serem predestinados a ciscarem para trás,
por isto, a ninguém apraz, este tipo de destino, e então no dobrar dos sinos, ficam fora de cartaz.
Carne de vaca é suspeita, quem come a cabeça enfeita com dois chifres revestidos, as
mulheres e os maridos se desviam deste prato e, garantem que o contrato no ano será mantido.
Bodes, cabras e carneiros, têm a mesma serventia, quem os comer neste dia terá a cerca
rompida e, pelo resto da vida sofrerá desassossego, terá idéias de “pelegos” e a história
comprometida.
São coisas boas da cultura, cultivadas pela vida, mas o que vale é a torcida, o desejo e a
esperança, onde o calor das festanças esquece as desavenças, pois as grandes recompensas, são
feitas de boas lembranças.
Todo ano se renovam os mesmos votos e desejos, os carinhos e os gracejos, os brindes e as
brincadeiras, está na alma hospitaleira, na cultura e tradição, desejar de coração que a paz venha por
inteira.
Seja do jeito que for, em qualquer lugar da terra, seja na paz ou na guerra, na derrota ou na
vitória, no insucesso ou na glória cada qual à sua maneira, faz de sua hora primeira um ano de boas
memórias.
Disse Câmara Cascudo, este baluarte grandioso que, somos representantes, espiritual e
biologicamente, de povos de alto patrimônio supersticioso.
Somos e nos assumimos, pois isso não desmerece a boa filosofia. Somos a dor e a alegria na
luta de nosso povo; a ele versejamos e, alegres desejamos: um Feliz Ano Novo.
Cartas de Amor
Nº 195
AO ESTORVO

Estorve como as pedras no caminho, os planos da classe dominante. Não se deixe levar pelo
instigante consumo de mercadorias. Estorve os planos da velha burguesia que se apresentam sempre
mais intolerantes.
Estorve a devastação ambiental, coloque-se em frente ao capital com as costas apoiadas nas
florestas! Convoque as sinfonias e as serestas, dos pássaros e dos animais felinos, terá de haver
outro destino, que se oponha a tudo aquilo que não presta.
Estorve o poder executivo, não deixe que ele seja um ente prestativo, submisso e
concordante com o capital. Estorve para que se sinta mal, ao formular as medidas provisórias, que
sempre vêm acompanhadas da oratória, por isto fica cada vez mais vexatória a política ambiental.
Estorve o poder do parlamento, mostre o seu lado nojento para os eleitores inconscientes,
que votaram acreditando honestamente, nos que defenderiam as causas populares; mas as bancadas
são particulares, das empresas e de grupos coniventes.
Estorve os planos do imperialismo, acredite na força do otimismo que levanta as bandeiras
mais pesadas. Não existe causa derrotada. O que existe é um tempo de descanso; já é hora de se
preparar o avanço e, de alinhar as fileiras nas estradas.
Estorve a mídia e sua ganância monetária. Instale estações comunitárias, de rádio e
televisão. Organize a força de proteção, para evitar perdas e frustrações; só assim faremos frente às
concessões, dadas de graça e sem tempo de devolução.
Estorve o poder da grande propriedade, ele representa a desigualdade e alimenta a catástrofe
da fome.Toda vez que ver alguém que já não come, não veja ali um indigente, mas, um retrato do
que será daqui pra frente, a barbárie que avança e nos consome.
Estorve a força do mercado. Rejeite em consumir os enlatados e tudo aquilo que prejudica a
natureza. Ajude a colocar em cada mesa, um pouco de saúde e de consciência. Rejeite a propaganda
e as aparências, e todas as artimanhas e sutilezas.
Estorve os planos das multinacionais. Seja por razões ambientais ou por qualquer razão que
lhe motive. Nunca se desmotive! Acredite na força da resistência! Se lutarmos, elevaremos a
consciência e forjaremos uma pátria livre.
Estorve o capital financeiro, dentre todos é o mais interesseiro que impõe a ordem mundial;
seu instinto perverso e infernal desrespeita qualquer dignidade; se deixarmos ele ficará à vontade,
para roubar-nos o tempo mais vital.
Estorve os enforcamentos, mostre que o império é nojento e não tem qualquer autoridade.
Os Ianques, entre toda a humanidade, são os mais perversos parasitas; sua descendência será sempre
maldita, enquanto durar a sua perversidade.
Estorve o progresso destrutivo. Seja combativa ou combativo na prática da contestação.
Quem cala nunca tem razão, ou sempre dá a razão ao opositor, lute com força e muito amor, há de
haver uma saída que interrompa o furacão.
Estorve sempre as injustiças. Seja valente e otimista, pois há tempo para tudo. Se os
governantes são alheios e cabeçudos, o futuro não pertence à sua vontade, a marcha segue com a
humanidade, mesmo que os cães rosnem e salivem carrancudos.
Estorve e desaprove. Seja exigente e comprove tudo aquilo que é duvidoso. Mesmo que o
caminho seja perigoso, a você coube criar os fatos. Não se atenha aos velhos contratos; nosso pacto
é por um futuro respeitoso.
Cartas de Amor
Nº 196
AOS ANCESTRAIS

Costumeiramente chamamos de ancestrais, àqueles que, fisicamente já não vivem mais. Já


viveram! Por isso nos legaram o que aprenderam.
Em todas as civilizações encontramos contadas ou escritas as recomendações. Como se
fosse um celeiro de ensinamentos, buscamos ali, nas perdas, um alento.
Daí, sabemos que todo o ser de antigamente, teve o seu tempo presente. Viveu e projetou o
futuro com a mente. Nos tempos atuais, pensamos em nossos ancestrais que de nós já se
orgulhavam, pois sempre que se reportavam às novas gerações, éramos nós as legiões, que
surgiriam como seus descendentes.
Então, nascemos antes do próprio nascimento. Fomos sonhados e queridos pelo sentimento
de cada geração interligada. A esperança foi uma luz na estrada que ajudou a cultivar as
semelhanças; foi com o aviso do choro de criança, que cada geração foi iniciada.
Cada época comporta os seus inventos; heranças de conhecimentos que vão tangendo os
dias. Há coisas feitas, como as colheitas, têm serventias; há outras perversas e sem valor. Há
aquelas que provocam muita dor e afetam a nossa convivência. É preciso usar a força da
consciência, para impedir que os erros avancem com seu ar destruidor.
Por isto, nossos ancestrais continuam vivos, sejam eles fortes ou inexpressivos, cada qual
tem as raízes que os geraram. Embora que os períodos se diferenciaram, pois na história, há sempre
evoluções; os sentimentos que produzem as emoções, estes por certo com o tempo não mudaram.
Olhamos cá do alto do tempo percorrido, e nos sentimos como os cactos florescidos,
sustentados por caules enrugados e retorcidos. Cada espinho é um ente querido que marcou o dia de
uma partida; poderíamos dizer que é uma ferida, mas no fundo é uma exaltação, que, de outro jeito
nos dão a proteção, para enfrentarmos as durezas desta vida.
Então a divisória morte estabelece no mundo duas povoações: a primeira, a que vive de
ilusões; a segunda, a que se move pelos feitos sugestivos. Sabemos que desde os tempos primitivos,
quando a vida social não tinha ainda este porte, que a dor da enfadonha morte, dói menos em quem
morre, e mais em quem permanece vivo.
Ancestral, tronco de caule já tombado. Força domada e levada para o esconderijo. Plantada
na memória a lembrança é o regozijo, dos feitos e das utopias. As marcas também são de alegrias e
de bons ensinamentos; assim vida e morte são apenas dois momentos, que se interligam como as
ironias e as simpatias.
Herdar dos troncos às suas consistências e injetá-las nas formas de consciência para que de
fato a história tenha a fiel continuidade. Um ancestral pode partir na mocidade, não importa os anos
aqui vividos, importa que sejam repartidos, os bons exemplos de vida e solidariedade.
Quem tem um ancestral tem suas raízes. Tem referência, rumo e diretrizes como uma
bússola a indicar a direção. Ninguém consegue retirar do coração aquilo que foi colocado com
paixão.
Ancestral fruta madura. Que se oferece com toda a sua doçura, para ser completamente
desmanchada. O sabor é a parte recordada e as sementes, o que é levado em frente. A perda de
companheiros, amigos e parentes; de companheiras e amigas muito amadas, nunca é perda, pois
continuam presentes, se nossas lembranças forem cultivadas.
Cartas de Amor
Nº 197
AO LUTO

O luto é uma sensação estranha que está na pele, nos ossos e nas entranhas, onde o físico
todo se torna sentimento. É uma dor sem um machucado; é um estado de dor, é um tormento. É um
vazio de amor, um rompimento. É uma frustração. É o embaralhamento da razão com uma ponta de
enlouquecimento.
É uma situação de tempo morto. Um viver absorto, sem rumo, quase que um caminho sem
saída. É o período em que a dor da perda é mais doída; um perturbar da mente sem noção das
conseqüências. É um sentimento de impotência, que tira o vigor da vida.
É um período em que o pensamento mais judia. É uma melancolia, um soluçar calado. É a
noção correta dos dois lados, o de cá e o de lá. E, por qualquer lugar que a gente vá, carrega junto a
cena. O luto é uma dor de pena de quem se foi, mas que ainda está presente. É um doer
profundamente, que a resistência da existência se torna tão pequena!
O luto é um bruto poder. Faz o ser se confundir ao parecer, pois, revela em sentimentos o
que está dentro, pelo lado de fora. É um choro agarrado que não chora, mas reduz a visão com uma
camada de água fina; embora a claridade esteja cristalina, mas parece que parte da luz se foi
embora.
A penumbra da razão reduz o ânimo e a intuição. O tempo é de pura compaixão e de
infelicidade. Os lapsos de incredulidade induzem a momentos de revoltas. É então a hora em que a
lágrima envergonhada se solta, como se fosse uma explosão molhada. Então a mente fica a pensar
em nada, sorvendo o gosto amargo da ida que não volta.
O luto é um período de tensão. É o sentir que alguém partiu e ainda não. É um silêncio
perdido no recolhimento. É um sentir que o tempo passa lento, embora os dias anoiteçam e
amanheçam. É um medo que as lembranças se enfraqueçam e se esqueçam das boas imagens do
relacionamento.
O luto é o emendar na morte após o ato repentino. É o encerramento de todos os destinos. É
como o badalar dos sinos que se debatem e depois param calados. O material fica dependurado, sem
se mover para dizer um oi. Pode-se ver e sentir o bronze machucado, mas, o som produzido e
espalhado, ninguém pode dizer para onde foi.
A apatia do luto sufoca a utopia, como se o dia perdesse a claridade. A inércia da morte é a
crueldade, que fica, como uma herança a quem se enluta. É como o despencar da fruta, que cai sem
ter amadurecido. É um fazer sem encontrar sentido. É um perguntar sem esperar respostas. É o
desfazer de todas as apostas, como se o jogo estivesse já perdido.
É o sentir que o mundo mental ficou menor do que o mundo real. É o querer despido de
prazer. O luto é um pouco de tudo e quase nada. É uma convulsão quase parada. É um desejo de
retorno sem lugar. É uma vontade de junto se enterrar, para sair da situação do nada.
Mesmo sabendo que a morte não é uma derrota, pois sua cota não tem de quem cobrar; o
luto é um tempo de lembrar, de sentir e de chorar também. Se for verdade que todos têm “seu
quem”, verdade é que um dia o perderá. Como e quando, ninguém sabe o que será, porque, o que
será, não pertence a ninguém.
O que sabemos é que são duros pedaços, que a vida cola como folhas recortadas. Mais tristes
são as páginas enlutadas, aparecidas de surpresa e sem piedade. Porém, maior que a dor da perda,
que é tamanha, é sentir a sensação estranha, de não ter nos vivos, a solidariedade.
Cartas de Amor
Nº 198
À POESIA

Bem na metade de Março, há uma comemoração. Há um dia reservado, onde, de todos os


lados surgem vozes e sinfonias. Ali, o matuto e o letrado, ambos sensibilizados, se encontram na
poesia.
É a linguagem universal que faz, no mundo mortal, outro mundo imaginário. É a recriação
humana, onde a vida profana vira um grande santuário.
A poesia é encantadora; assemelha-se a uma lavoura que cultivamos amando. Seja sorrindo
ou chorando, não importa a condição; quem tem poesia tem paixão e está sempre semeando.
Como Fernando Pessoa, dizemos constantemente, que “o poeta é um fingidor, finge tão
completamente, que chega a fingir que é dor, a dor que deveras sente”. Mas não mente.
Os estudiosos debatem e entre si se combatem para precisar o dia, em que nasceu a poesia. E
ficam decepcionados, pois não encontram um guia, uma estrada ou uma via que ao ponto inicial
conduz. E é tão fácil de explicar, que a poesia ao se inventar, nasceu junto com a luz.
Por ela ser companheira surgiu com o criador, que tal qual um fingidor pôs na palavra o
poder; como não podia escrever, pois não havia, o leitor nem a leitura, acendeu na tela escura, a luz.
Fez o sol de candeeiro e plasmou no espaço inteiro a imagem do seu saber.
Ao seguir com seu invento, rimou sob o firmamento, em versos: água e oceano. Em poesia,
fez dos seus planos, belos gestos de carinho. Sobre a terra pôs florestas; e, pra organizar a festa, fez
o homem, um ser sozinho.
Eis que o grande criador fingiu ter se esquecido, e inventou só o marido do casal da espécie
humana; numa manobra tirana, num momento posterior, para rimar com a dor, arrancou-lhe uma
costela, só para fazer com ela, surgir o seu grande amor.
Se não fosse fingimento teria nos vindo o recado: “amai as vossas costelas, se quiserem ser
amados”. Mas sempre ficou esta ponta de dúvida e preocupação: se ele criou os bichos, acasalados
em porção, por que teria se esquecido da mulher e da paixão?
Na poesia tudo se pode, ela é como uma colheita, onde a rima mais perfeita só aparece no
final. Por isso ela é feminina, e, na imitação divina, vêm pra formar o casal.
Por isto é que então dizemos, que a poesia do criador, foi ter rimado as espécies,
combinando cor com cor. Só em nossa fantasia, é que Ele poderia, em apenas sete dias, ter sido este
fingidor.
A explicação mais completa é esta que ora dizemos: poetizas e poetas se alimentam de si
mesmos. Por isso Deus é sozinho, não tem mulher não tem ninho e também não tem vaidade; entra
em si e sai às pegadas, utilizando uma escada, que é a sensibilidade.
A religião estragou tudo, com sua interpretação; deu-nos semelhanças físicas com o senhor
da criação. Por isso, se Ele é homem, a mulher não caberia; só que a imagem era a poesia, que fazia
a imitação.
Poetas e poetizas é que consolam os amantes; quem finge não saber nada, se agarra feito
assaltante, na poesia elaborada e, com a cara apaixonada lança a declaração. Quem ouve então se
arrepia, porque, é próprio da poesia, atacar o coração.
Há poesias do todo tipo, gênero e diversidade, que dão sensibilidade à humanidade arredia.
Somos uma imensa rima, vemos pela auto-estima, como a ave que assobia; que lá no fundo da alma
é só procurar com calma que acharemos a poesia.
Cartas de Amor
Nº 199
ÀS MÃES CAMPONESAS

Para o artista é a cabocla do sertão. Para o Estado, é “do lar”, sem profissão”. Para a classe, é
a mulher agricultora, bóia-fria, lavradora, ribeirinha, quebra-coco e pescadora, em plena
organização.
Na choupana ou na palhoça, na casa boa ou na choça, não existiria a roça se não houvesse a
mulher. Seja em espaço qualquer, ela é como a semente, que combina facilmente raízes caules e
flores, que se levantam em cores, em sons e frutos maduros, vermelhos, verdes, escuros, cada qual
com seus sabores.
Não existiria a roça porque esta é uma cultura, forjada na lida dura em sintonia com o céu,
que imitando um chapéu, se oferece em proteção, por isso é com razão, que enquanto campo tiver, o
senhor da criação, sem nenhuma imitação, terá a face de mulher.
Já vem de muito distante na crença dos ancestrais, que a deusa dos cereais, de Ceres era
chamada, sendo muito festejada nos plantios e nas colheitas, e Ela sempre perfeita, retribuía com
presentes, dava os frutos e as sementes e as promessas eram refeitas.
Sendo assim esta cultura, se expandiu pelo universo, cantada em prosa e em versos chegou
até nós em lições: que há quatro estações e quatro fases da lua, o sol é o astro que atua oferecendo
energia; crenças, festas, romarias, marchas e lutas nas ruas.
É a força feminina que põe na roça a estética. No lar, no ar, na poética ou na estrutura da
dança. A altivez e a confiança colocam em linha os plantios, sempre ouvindo os assobios dos bem-
te-vis mais faceiros, que sobrevoam os terreiros, os pomares e os rios.
Terra mãe e mães da terra. Artistas de longas tranças, que fazem dentro de si, um mundo em
plena mudança; onde os brotos e as crianças são as gerações nascendo e, assim o campo vai tendo,
cada dia mais esperança.
Mães camponesas em luta, que enfrentam o imperialismo, muito pior que o machismo, que
ataca dentro dos lares; pois este toma os lugares e, adormecendo as consciências; transforma a
própria violência em prática de desatino, fazendo cada destino pagar duras conseqüências.
Mães das sementes crioulas, selecionadas à mão, guardadas com atenção para evitar os
insetos. Mães que erguem o próprio teto, com lonas e palhas trançadas. Mães que cultivam
cansadas, guardando um tempo pra luta, e é nesta dura labuta que a nação é transformada.
O dia das mães no campo é diferente. Sabemos porque nele nascemos e vivemos. A terra, na
sua doce acolhida, tem razão, quando nos promete a vida. Por isso acampamos e esperamos. O parto
do acampamento é o mesmo do nascimento.
O dia das mães no campo é diferente. Até a terra sente que é um dia especial. Se parece
quase com Natal: tem festas e visitas; flores, rezas, cantigas e até passeios. O campo é um desses
meios, que não vive se não houver gente por perto. Sem gente o campo é um deserto, nele não
pulsam anseios.
As mães, pela sensibilidade, sabem que o ventre é uma preciosidade que somente pode-se
tocá-lo com afetividade. Sabem que a vida precisa de sossego, cuidado e muito apego; por isso
nascemos todos dependentes, do leite, do colo e das carícias das mãos quentes.
Mães da terra: que vossas enxadas neste dia, se encham de energia e transformem o verbo
maltratar, e que nasça em cada lar uma nova utopia.
Cartas de Amor
Nº 200
AO CONGRESSO

O Congresso é um regresso para dentro da experiência; onde se banha a consciência no


prazer da grande reunião. O Congresso é uma congregação, onde se dá o ajuntamento das vontades;
é festa, é choro e sensibilidade; é um momento de renovação.
O Congresso é um verso de início. É despertar indícios das significações presentes. É não
caber-se de contentes a espera de ver as primeiras gerações; é um vibrar de corações, que batem
aceleradamente.
O Congresso é um ajuste de contas das saudades. É não conter-se de ansiedade por ver quem
se preza, aparecer. É o reencontro do prazer e das lembranças das velhas jornadas. O congresso é
uma janela escancarada, aberta em pleno amanhecer.
O Congresso é um grito de alerta. É uma grande descoberta do rumo e da linha da conduta.
O Congresso é um acerto para a luta; um olhar rebelde na mesma direção. É propor-se a andar na
contramão, para atacar de frente a força bruta.
O Congresso é o dizer de outro jeito. É acender em cada peito uma disposição sincera. É
pintar o espírito para a guerra. É fazer uma trincheira com a teimosia. É um reafirmar da utopia,
enquanto passeamos pela terra.
O Congresso é congratulação. É um pedaço da revolução que se pretende realizar. É uma
assembléia de arrepiar; de fazer sorrir quem está desanimado. É festejar o que se tem já
conquistado. É ir em busca do que ainda se quer festejar.
O Congresso é recordação. É ver a face em cada delegação de quem perdeu a vida nas
tocaias. É afinar os assobios das vaias, aos governantes maldosos e tapeadores. É dizer para os
legisladores que, o arco-íris apaga mas não muda as cores.
O Congresso é um suspirar maneiro. É uma visita ao grande celeiro do patrimônio humano
produzido. É festejar o dever cumprido e renovar os compromissos que ainda virão. O Congresso é
uma confirmação de tudo o que se tem já construído.
O Congresso é afetividade. É onde a regionalidade perde a importância, e as relevâncias nos
tornam nacionais. É perceber que podemos ainda mais; basta apenas um pouco mais de empenho.
Congresso é arte, é engenho, a espera dos grandes canaviais.
O Congresso é um ato amoroso. É um piscar malicioso para dizer que o inimigo não presta.
É abrir no meio do peito uma fresta, para que alguém nos toque o coração. O Congresso é uma
comoção; uma inquietude, um gaguejar, uma revelação.
O Congresso é aplaudir o que se gosta. É apresentar uma proposta e aguardar a sua
aprovação. É concordar quando nos dizem não, e afirmar quando nos dizem sim. É comportar-se
como o seco capim, que espera a hora de alastrar o fogo; é se empenhar para ganhar o jogo, mesmo
que o tempo pareça já no fim.
O Congresso é uma roda de causos. É uma euforia, um despertar de aplausos, que não se
calam nem se descontrolam. É enxugar as lágrimas que rolam, puxando-as para os lados com as
palmas das mãos. É levantar-se em cada aclamação, e se sentar para ouvir a idéia. O Congresso é
como uma odisséia; uma poesia de longa duração.
O Congresso é uma convocação. Um combinar para a continuação, rumo ao projeto da pátria
libertada. É uma despedida mais chorada, é um retornar de olho para frente. É querer ainda mais
fortemente, aquilo que nunca teremos em excesso. E se alguém lhe questionar: isto é um
Congresso? Responda apenas: é que o nosso é assim, bem diferente...
Cartas de Amor
Nº 201

AOS OLHARES

Olhos nos olhos, em pranto submersos, assim foi o nosso Congresso. Por esta razão, temos a
compreensão, que foi ele um sucesso. Aliás, ainda vai ser: pois o que decidimos ali, de agora em
diante é que vai acontecer.
Foi um belo momento onde sentimos por dentro a força e a energia de nosso Movimento.
Cada qual acentuou seu tom e, assim vimos e revimos o que o tempo fez de bom.
A confraternização elevou o nível da paixão. Sentimos em cada presença o que significa a
força da pertença. Ser do Movimento é como ter uma luz, um pensamento, que ilumina o olhar e
nos faz enxergar o presente e o futuro; saímos do Congresso mais maduros, leves, e destemidos
como o vento.
Vimos as gerações mais velhas entrelaçadas como os cipós com as mais recentes, jovens e
adolescentes ali empunharam suas bandeiras; crianças que mal alcançavam as cadeiras, cantaram e
participaram. Os mais astutos olharam e filmaram, as belas olas que se pareciam a grandes
cachoeiras.
Nas discussões olhamos para o alto e para a frente. O tempo que nos viu ser diferentes
dobrou-se diante da alegria. As noites prolongaram os dias, onde expusemos os inventos culturais; e
creiam: só não fizemos mais, porque o sono às vezes se insurgia.
Músicas, sons cantos e idéias, tornaram-se matérias: sentidas, tocadas e cantadas. A marcha
que desceu pela Esplanada deixou caixões frente à Embaixada dos Estados Unidos; foi a
apresentação dos mortos e feridos, em forma de simbologia, pois o império não goza de nossa
simpatia e será um dia, com certeza destruído.
Na praça dos três poderes, a faixa enorme de cor escura, foi com enorme esforço levantada;
nela, a frase estampada: “Acusamos os 3 poderes de impedir a realização da reforma agrária” e, ao
sentarmos no chão, em silêncio, fizemos a plenária, de protesto, sem som, sem gritos ou discursos; a
multidão bateu em retirada.
E a utopia camponesa e socialista, expressou com clareza o seu ponto de vista, de que não
queremos produzir em nossas terras, o que no futuro se transformará em guerras, como ocorre
atualmente nas bases petroleiras. E assim desfraldamos a bandeira, do alimento contra o bio-
combustível. Nos propusemos, da luta, elevar o nível e aumentar o comprimento das fileiras.
Os inimigos também de olhos atentos, filmaram e registraram os momentos, como se fosse
um rebelde batizado. Eles têm outra visão de Estado, de poder e de ordem social. Nós atacamos o
capital, o imperialismo e as intervenções; nos insurgimos contra os saqueadores e os ladrões, que
sobrevivem às custas do império do mal.
E os aplausos selaram o comprometimento, de fazermos de nosso Movimento uma
organização sempre mais combativa; enquanto o capitalismo segue à deriva, nós avançaremos nas
conquistas. Imbuídos do espírito socialista, nossa prática será sempre mais eficiente e criativa.
E, com os olhares fizemos a despedida, um adeus, até breve e voltaremos. Juramos que não
dispensaremos outro convite para retornarmos. E quando aqui de novo nos apresentarmos, ainda
seremos seres em formação, mas certamente em nosso coração, não caberão todas as conquistas que
forjarmos.

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