Você está na página 1de 18

Sociologia

Início A cultura organizacional A estrutura das organizações A mudança nas


organizações Aspectos Sociais das Escolas de Administração e suas Concepções de
Eficiência e Eficácia Burocracia Ciências Sociais CIÊNCIAS SOCIAIS E
SOCIOLOGIA Finulia Introdução ao estudo sociológico das organizações O ambiente
organizacional O poder nas organizações O trabalho humano sob o domínio do
capital Problemas Sociais no Brasil Processos sociais Projeto
social Projetos Sociedade, educação e emancipação Sociedade, educação e vida
moral Sociologia na escola Sociólogos da Educação Sociólogos do Brasil ▼

O ambiente organizacional
O Ambiente Organizacional e a Responsabilidade Social

Reinaldo Dias

Neste capítulo, vemos as tendências e influências às quais estão submetidas as


atuais organizações, fruto do aumento do processo de globalização e do incremento da
tecnologia, entre outros fatores que contribuem para que os processos internos da
organização devam se adaptar a novas situações. Diferentes fatores ambientais
externos às organizações têm provocado mudanças em algumas características das
estruturas tradicionais, tornando-as menos operacionais, forçando a necessidade de
mudanças para que se adaptem às novas situações.

Além dos contextos mais gerais, estudamos o ambiente mais próximo e externo
às organizações, específico ou operacional, onde se encontram indivíduos, grupos e
organizações diretamente interessados, aos quais se denomina de stakeholders.

Vemos, ainda, que cada vez mais as organizações estão deixando de considerar
que o seu único objetivo seja buscar a maximização do benefício ou a criação de valor
para os seus acionistas. Vem ganhando força a concepção de que nenhuma
organização econômica no contexto atual, e qualquer que seja sua natureza, pode ficar
indiferente diante do contexto social e natural em que desenvolve suas atividades.

O ambiente externo demanda das organizações um maior compromisso com o


ambiente em que operam, procurando melhorá-lo. Esta é uma condição que a torna
cada vez mais uma necessidade e um requisito indispensável, a médio e longo prazo,
para manter-se em condições de competir num mercado cada vez mais competitivo e
exigente.
Para as organizações, principalmente as econômicas, isto se traduz no fato: a
que, embora a responsabilidade inicial da empresa seja de criar riqueza para todos os
participantes em sua gestão, também deve contribuir para a melhoria das condições de
vida das comunidades onde atua. Ocorre que, cada vez mais, responder às demandas
sociais está se tornando uma vantagem competitiva e fonte de criação de valor para os
indivíduos e organizações que estão de algum modo relacionados com a empresa. A
responsabilidade social, assim, torna-se, cada vez mais, um fator de competitividade e
condição a médio e longo prazo para que uma organização permaneça no mercado.

12.1 O ambiente organizacional

Embora variáveis ambientais estejam presentes nos trabalhos da escola clássica


e das relações humanas, estas não lhes deram a devida atenção. Na realidade, o
ambiente organizacional passou a se constituir em um componente fundamental na
análise organizacional a partir das abordagens da teoria contingencial, como vimos no
Capítulo 5. Vários autores, entre os quais Burns e Stalker (1961), Lawrence e Lorsch
(1973), Perrow (1967) e Thompson (1967), contribuíram com a análise de diversas
variáveis ambientais.

Na medida em que se constitui, uma organização se estrutura configurando o


seu ambiente. Este é um dado importante, pois o ambiente organizacional não é
preexistente à organização. A organização, ao se construir; também constrói o seu
ambiente. E em função da estruturação da organização que se estrutura o seu ambiente
externo, porque a organização provoca mudança no ambiente ao seu redor; e porque
se considera ambiente organizacional aquilo que é significativo para a organização. Ou,
dito de outro modo, o ambiente organizacional está relacionado com uma organização
em particular.

Podemos considerar como ambiente organizacional os vários aspectos da


realidade social e natural que, de um modo ou de outro, podem afetar a organização e
podem ser afetados por ela. Entre esses se destacam as questões econômicas,
ecológicas, tecnológicas, culturais, políticas, legais, climáticas, entre outras.[1]

O ambiente organizacional corresponde àqueles fatores externos sobre os quais


a empresa pode não ter influência direta, embora possa ser afetada por algum deles.
Podemos diferenciar um macroambiente organizacional (geral) e um microambiente
organizacional (específico ou operacional) para facilitar a análise (Figura 12.1). Do
ambiente geral fazem parte todos aqueles fatores sobre os quais a organização tem
pouca ou nenhuma influência direta. No ambiente específico, podemos incluir todos
aqueles setores relacionados diretamente com a atividade da organização, e onde as
decisões da empresa exercem maior efeito; de acordo com Richard Daft, “o ambiente
operacional inclui os setores que têm uma relação direta de trabalho com a organização:
clientes, concorrentes, fornecedores e mercado de trabalho”.[2]

12.2 O ambiente organizacional geral

Também denominado de macroambiente organizacional, é constituído por


aqueles fatores sobre os quais a organização não tem influência direta, O ambiente
geral da organização é formado por ambientes que apresentam sua especificidade e
que, no entanto, estão de alguma forma relacionados entre si. Entre eles podemos citar
os ambientes político, econômico, jurídico, cultural, tecnológico, climático, internacional
etc.

O ambiente político

Neste contexto, as organizações podem exercer pressões quando se agrupam


formando grupos de pressão ou através de suas associações. Mudanças de governo,
crises políticas, governabilidade entre outros aspectos, afetam as organizações.

O ambiente econômico
As decisões que são tomadas neste aspecto afetam quase todas as
organizações. A situação econômica mundial ou nacional pode apresentar fatores de
instabilidade importantes, como as taxas de inflação, a estabilidade monetária, o poder
aquisitivo da população, índice de desemprego, crescimento do PIB, níveis de
investimentos, entre outros, que podem se constituir em graves problemas para a
sobrevivência das organizações, principalmente as econômicas.

O ambiente jurídico (ou político-legal)

Trata-se de aspecto institucional-legal, ou seja, as regras que controlam as


atividades das organizações. A legislação atinge a organização nos seus produtos e
serviços, trabalhadores, processos internos e externos, clientes e a sociedade de modo
geral. A legislação pode incrementar as atividades da organização ou pode restringi-las.
Aqui se incluem as normas ambientais, sociais e sanitárias, entre outras.

O ambiente sociocultural

Aqui, encontram-se os valores, os hábitos e costumes da sociedade em que está


imersa a organização e que afetam a sua própria cultura organizacional, seu padrão de
relacionamento com a sociedade e a elaboração de seus produtos e serviços. Mudanças
comportamentais, de valores, princípios, filosofias e costumes ocorrem devido a fatores
culturais e sociais em localidades, regiões e num país. A conduta da população num
determinado território pode se alterar em relação aos produtos e serviços oferecidos ou
até mesmo aos processos utilizados pelas organizações, variando do acolhimento à
rejeição, por exemplo.

Ambiente tecnológico

Os avanços tecnológicos e do conhecimento de um modo geral afetam


substancialmente as organizações, em particular aqueles que estão relacionados com
os seus objetivos de algum modo. As tecnologias de informação e comunicação
influenciam os processos internos da maioria das organizações, e as empresas em
particular devem se atualizar continuamente para manter a competitividade. O
desenvolvimento das tecnologias de informação está tornando o conhecimento o
principal recurso das organizações e sua principal fonte de vantagens competitivas. A
utilização do conhecimento como embrião do processo de inovação constante é um
elemento chave nas sociedades atuais, devido à necessidade de dar respostas rápidas
e adaptadas a um mercado cada vez mais competitivo e a clientes exigentes.

O ambiente internacional

Qualquer organização se vê afetada hoje pela situação do mundo como um todo.


O processo de globalização tornou próximos fenômenos que antes nem seriam
considerados como fatores de perturbação. Particularmente para as organizações que
têm uma atuação internacional, o conhecimento das condições internacionais (políticas,
normativas, culturais etc.) é fundamental.

O ambiente natural (ecológico)

Diz respeito ao meio ambiente natural e de como este pode afetar fortemente as
organizações. As mudanças climáticas, as mudanças na camada de ozônio, o efeito
estufa, a diminuição da biodiversidade são temas que estão presentes no cotidiano da
maioria das organizações.

Embora as condições climáticas afetem a todas as organizações de um modo


ou de outro, algumas dependem mais desse fator do que outras em virtude de sua
atividade principal de algum modo estar vinculada. Por exemplo: organizações ligadas
com o turismo e o setor agrícola e que são afetadas diretamente pelas condições
climáticas; organizações públicas que têm que adotar medidas antecipadas de
prevenção; organizações não governamentais cujo foco de trabalho envolva áreas
abertas etc.

12.3 O ambiente organizacional operacional ou especifico

Também conhecido como microambiente organizacional, compreende o


contexto mais próximo à organização. E o sistema de relações que se desenvolvem no
tipo de atividade (no caso das empresas: negócios) no qual se envolve. Os principais
vínculos que podem ser encontrados aqui são com os fornecedores, clientes,
concorrentes, instituições governamentais, o mercado de um modo geral e a
comunidade onde está localizada a organização. No seu conjunto, devem ser
considerados todos stakeholders, que serão abordados neste mesmo capítulo em outro
tópico. Tratando especificamente das organizações econômicas como exemplo, além
daqueles assinalados, compreende as forças que determinam a competitividade da
empresa ou do setor do qual participa, e que são: concorrentes existentes, concorrentes
potenciais, eventuais substitutos dos bens e serviços produzidos, consumidores dos
bens e serviços e fornecedores de matérias-primas e materiais para a produção de bens
e serviços.

Concorrentes existentes: são as empresas rivais e que competem no mesmo


mercado, que atuam no mesmo setor produtivo e que disputam os consumidores de
determinados produtos ou serviços. A concorrência, de um modo geral, é sempre
acirrada e a perspectiva da organização será sempre fidelizar o maior número de
clientes possível.

Concorrentes potenciais: são as empresas que podem ingressar no mercado


principal da organização.

Eventuais substitutos: são os bens que cumprem uma mesma função que
aqueles produzidos na organização e que podem vir a substituí-los num futuro
imprevisível. Por exemplo: as empresas que produzem pen drives trabalham com um
produto que pode ser um eventual substituto dos CDs num futuro não muito distante.
Esses mesmos pen drivesvêm assumindo as mesmas funções dos discos rígidos nos
computadores.

Consumidores: constituem um fator importante para determinar a concorrência


em determinado setor. Variáveis importantes na análise das condições deste fator são:
grau de concentração; poder de negociação; preço dos produtos; impacto da qualidade
do produto no público-alvo; influência e poder da marca, entre outras. Deve-se
considerar que as pessoas que adquirem os bens ou serviços de uma empresa
constituem o público-alvo principal da ação organizacional. Elas são o motivo de
existência da organização e desse modo influenciam todo o processo de produção de
bens ou serviços que deve atendê-las.

Fornecedores: são aqueles que fornecem a matéria-prima, as máquinas e


equipamentos, os recursos humanos, a tecnologia e o conhecimento adquirido na
produção de bens e serviços que são produzidos pela organização. A falta de
fornecimento de qualquer desses elementos citados pode afetar consideravelmente a
capacidade competitiva da empresa, e pode acarretar a perda de clientes e mercado.

Entidades reguladoras: constituem os organismos que têm o poder de


controlar; legislar ou influenciar o cotidiano das organizações. Entre as entidades
reguladoras estão: organismos do governo que controlam as atividades no setor; grupos
de interesse organizados em entidades que procuram defender ou proteger sua
atividade; e organismos (como conselhos, ordens, associações etc.) que regulam o
exercício profissional.

Parceiros estratégicos: são as organizações que se unem com outras para


formar uma aliança com o objetivo de obter benefícios comuns, tais como maior
cobertura do mercado, facilitação da comercialização de produtos (bens e serviços) e
atuação publicitária.

12.4 O enfoque dos stakeholders e a responsabilidade social


organizacional

No âmbito mais específico do ambiente organizacional, encontram-se as


pessoas ou grupos que possuem algum interesse na relação com a organização ou que
são fundamentais para o seu funcionamento. A esse conjunto de grupos de interesse
convencionou-se chamar de stakeholders. Ele é constituído pelas pessoas ou
organizações que apresentam necessidades conscientes ou inconscientes, que são
explícitas ou implícitas, legítimas ou ilegítimas, e em função das quais interagem com a
organização, influenciado-a e sendo influenciadas por ela. A organização se legitima
socialmente na medida em que responde a determinadas necessidades
dosstakeholders.
O enfoque dos stakeholders se consolidou nos anos 90 como a visão dominante
na RSE. Diante dos enfoques tradicionais de gestão empresarial centrados sobre os
interesses e expectativas dos acionistas, o enfoque dos stakeholders propõe uma visão
da empresa muito mais complexa que a estabelecida pela teoria econômica
neoclássica, atribuindo à direção a obrigação de administrar em função das
necessidades, expectativas e interesses de todos os grupos e indivíduos afetados por
suas atividades, entre os quais os acionistas, os empregados, os fornecedores e outros
parceiros do negócio, os clientes e as comunidades nas quais se estabelecem as
empresas.

Embora a principal função da empresa tenha sido historicamente a criação de


valor para seus proprietários e, de forma geral, tenha se considerado o restante dos
grupos e indivíduos envolvidos ou afetados pela atividade empresarial — o quadro de
pessoal, os fornecedores, clientes e outros grupos — como “meios instrumentais” para
alcançar os objetivos da organização, ou “como ameaças aos seus interesses” (QUINN
e JONES, 1995, p. 23), o modelo de gestão baseado no enfoque dos stakeholders
estabelece critérios de respeito e de equilíbrio entre todos os interesses que convergem
na empresa. O núcleo desta nova visão da gestão é a verificação da crescente
complexidade dos ambientes internos e externos nos quais se desenvolve a empresa.
Em menos de 20 anos houve profundas transformações na organização da vida social.
Mudanças associadas, em muitos casos, aos processos de globalização, à
extraordinária aceleração das inovações tecnológicas e à difusão massiva das novas
tecnologias de informação, cujas consequências nas possibilidades de acesso à
informação e ao saber justificam plenamente a ideia de uma sociedade do
conhecimento, na qual a autonomia dos indivíduos está avançando em um ritmo sem
precedentes na história da humanidade.
Com o desenvolvimento da sociedade do conhecimento mudam os indivíduos,
suas necessidades e expectativas, provocando a modificação radical de muitos dos
pressupostos organizacionais e institucionais anteriores. As bases da competitividade
empresarial e das relações das pessoas com as empresas se transformam em todas as
direções. Produz-se um deslocamento da soberania para os clientes que favorece o
desenvolvimento de importantes transformações estruturais internas, ao mesmo tempo
em que adquirem uma nova e radical importância as pessoas, suas iniciativas e
capacidade de responsabilizar-se pelos processos de trabalho, antes governados
fundamentalmente pela ótica da autoridade hierárquica. Cresce, também, a incerteza
em todos os níveis das decisões empresariais, convertendo-se no principal componente
da atividade das empresas. O efeito mais importante destas mudanças nas empresas é
a perda progressiva de controle sobre muitas das forças que determinam seu êxito ou
fracasso. E esta constatação de que as corporações modernas são influenciadas por
um número crescente de forças e fatores que, em muitos casos, estão fora de seu
controle tem favorecido as visões e conceitos de gestão que permitem arbitrar e conciliar
este novo universo de pressões e interesses. Uma das novas respostas é a proposta do
enfoque dos stakeholders.

A origem do conceito de stakeholders relacionado com a questão da


responsabilidade social surgiu como uma crítica à visão do Prêmio Nobel de Economia
Milton Friedman, que foi exposta no livro Capitalismo e liberdade e publicado em 1962.
Para este economista, a única responsabilidade social das organizações era para com
seus proprietários ou acionistas.[3]

O termo stakeholder apareceu pela primeira vez em um memorando interno do


Instituto de Pesquisa de Stanford em 1963. Este termo, em inglês, significa a
necessidade de atuar com responsabilidade diante de toda pessoa ou grupo at stake
(que participa do jogo), ou seja, que está envolvido com a atividade da organização,
superando a concepção que defendia que somente os acionistas deveriam ser
considerados. No documento, descreviam-se os participantes como “esses grupos sem
cujo apoio uma organização deixaria de existir” e se recomendava aos dirigentes a
tarefa de compreender suas necessidades e interesses.[4]

Mas a verdadeira popularização e generalização do termo se deve a Edward R.


Freeman, com a publicação em 1984 de seu Strategic management: a stakeholder
approach. Freeman define o termo stakeholder como “um indivíduo ou grupo que pode
afetar ou ser afetado pela realização dos objetivos de uma empresa”.[5] O principal eixo
de sua proposta é que uma empresa não somente é responsável perante seus
acionistas e proprietários, mas também em relação a seus empregados, os
consumidores, seus fornecedores e o conjunto dos grupos e indivíduos que são
necessários ou que podem influenciar no desenvolvimento de seus objetivos e no êxito
do projeto da organização. Ou seja, a empresa deve ser administrada em benefício de
todos os indivíduos e grupos que participam em seu desenvolvimento ou podem ser
afetados por suas atividades, o que obriga seus gestores a estabelecer um novo
equilíbrio entre diferentes necessidades, interesses e expectativas que confluem na
empresa, tanto no nível interno como em suas relações mais amplas com a sociedade.

Cada um dos grupos envolvidos tem seus próprios objetivos e interesses, o que
deve ser levado em consideração pela organização, pois cada um tem diferentes
necessidades e motivações que devem ser levadas em consideração. Por exemplo,
enquanto os proprietários têm interesse prioritário nos lucros, os trabalhadores
buscarão, além de melhor remuneração, melhores condições de trabalho e segurança;
aos consumidores, por sua vez, interessarão produtos de melhor qualidade e baixo
custo, e assim por diante. Como se vê, entre os stakeholders vigoram interesses
bastante divergentes, embora haja muitas coincidências entre eles, como, por exemplo,
na tendência da sociedade como um todo de buscar sustentabilidade ambiental.

Com uma perspectiva muito parecida à de Freeman, em 1996, Archie B. Carroll


define os stakeholders como “indivíduos e grupos que influenciam nas ações, decisões,
políticas, práticas ou objetivos das empresas ou que se veem afetados pelas
mesmas”.[6]

A principal contribuição do enfoque dos stakeholders é proporcionar aos


gestores uma visão mais ampla do desenvolvimento da empresa, assim como os novos
quadros de relações que devem ser levados em consideração nos marcos de gestão
estratégica. No plano teórico, confere à empresa um novo status como “ator social”,
fundamentando a necessidade de uma nova dimensão da estratégia da empresa: a
gestão das questões sociais e políticas dentro dos marcos das finalidades tradicionais
da empresa.

O enfoque dos stakeholders exerceu uma influência benéfica na mudança de


visão sobre as responsabilidades da empresa, pois a integração do discurso da
complexidade sociopolítica nas estratégias de gestão favoreceu a sensibilização dos
atores econômicos e dos líderes empresariais sobre os principais desafios que devem
ser enfrentados na sociedade.

12.5 A responsabilidade social organizacional


Como vimos, o termo responsabilidade social empresarial (RSE) é utilizado
desde os anos 60, particularmente nos países de cultura anglo-saxônica, como os
Estados Unidos da América, o Canadá e a Inglaterra. No entanto, foi no final dos anos
90 do século XX que as reflexões sobre as relações entre as empresas e a sociedade
adquiriram um novo impulso, refletindo particularmente as consequências sociais
negativas da globalização.

Embora haja muitas definições de RSE (ou responsabilidade social corporativa


— RSC — ou ainda responsabilidade social organizacional — RSO), na prática o
conceito “promove um comportamento empresarial que integra elementos sociais e
ambientais que não necessariamente estão contidos na legislação mas que atendem às
expectativas da sociedade em relação à empresa”.[7] E deve-se destacar que as
iniciativas em questões de RSE devem ir muito além da obrigação de cumprir a
legislação em matéria ambiental ou social.

Outra questão importante é que as doações que a organização faz


ocasionalmente não se constituem em ações de responsabilidade social organizacional.
São um tipo de ajuda eventual prestado pela empresa, consideradas mais como ações
de filantropia. Pois, diferentemente, entende-se que a
“responsabilidade social da empresa vai além da filantropia. Na maioria
das definições se descreve como as medidas constitutivas pelas quais
as empresas integram preocupações da sociedade em suas políticas
e operações comerciais, em particular preocupações ambientais,
econômicas e sociais. A observância da lei é o requisito mínimo que
deverão de cumprir as empresas”.[8]

Desse modo, as ações de responsabilidade social corporativa


“são estratégias pensadas para orientar as ações das empresas em
consonância com as necessidades sociais, de modo que a empresa
garanta, além do lucro e da satisfação de seus clientes, o bem-estar
da sociedade. A empresa está inserida nela e seus negócios
dependerão de seu desenvolvimento e, portanto, esse envolvimento
deverá ser duradouro. É um comprometimento”.[9]

Com a retomada do debate sobre a RSE, é recuperada a ideia da empresa como


instituição que, além de ter responsabilidades e obrigações legítimas perante os
acionistas, também seria responsável pelos impactos sociais e ambientais de suas
atividades. As empresas, nesse sentido, não podem ficar à margem dos problemas e
desafios enfrentados pela sociedade, particularmente a marginalização e desigualdades
sociais decorrentes da racionalidade econômica na qual está inserida. Sua
responsabilidade vai além do cumprimento das leis e normas que regulam os negócios.
Essa retomada da RSE encontra as grandes empresas, nacionais e
multinacionais, muito mais permeáveis às pressões sociais, principalmente devido aos
intensos debates ocorridos após a Conferência das Nações Unidas para Meio Ambiente
e Desenvolvimento (CNUMAD) realizada em 1992, no Rio de Janeiro, sobre o
desenvolvimento sustentável e que as colocaram como as principais responsáveis pela
insustentabilidade de muitos processos econômicos nas quais estavam em volvidas. A
partir daí a reflexão sobre a RSE converteu-se em um discurso crítico sobre a distância
existente entre as políticas e práticas empresariais e o tipo de racionalidade econômica
que se deve adotar nas sociedades atuais.

O fato a destacar é que os argumentos a favor da ampliação da responsabilidade


empresarial não são somente normativos. Ocorre uma intensa relação das empresas
com o ambiente externo, que influi decisivamente no funcionamento das organizações,
em particular os valores sociais. Desse modo, junto com a responsabilidade imposta
pelas leis e regulamentos e pelos critérios normativos próprios do atual modelo de
racionalidade, como o crescimento, o valor para os acionistas e a maximização dos
benefícios, nas políticas e nas decisões empresa riais influem também, de modo
permanente, outros fatores de responsabilidade com a mesma capacidade (de
prescrição) dos comportamentos e das práticas.

A perspectiva e orientação com foco nos clientes teve importante consequência


nos objetivos e responsabilidades das empresas, e deu uma nova forma às
organizações. Este aumento da importância da responsabilidade perante os clientes
não tem um caráter normativo, nem se trata de uma exigência legal, mas condiciona de
forma crescente a atuação das empresas, provocando novas mudanças nos objetivos
e nas estratégias. Contribui também para destacar o papel das pessoas nas
organizações, favorecendo o desenvolvimento de estruturas hierárquicas mais
horizontais, nas quais os trabalhadores, independentemente de sua posição hierárquica
e de suas funções específicas, têm que assumir novas responsabilidades na relação da
empresa com os clientes.

Também tem ocorrido um crescimento de novas expectativas dos consumidores


e da opinião pública em relação com a empresa. Em relação ao meio ambiente, são
colocados para as empresas novos desafios, tanto no que diz respeito ao controle dos
efeitos ambientais de sua atividade como na adoção de iniciativas ecológicas, na
utilização de tecnologias e no desenvolvimento de produtos verdes. As empresas que
não internalizaram as novas ideias ambientais enfrentam o risco de campanhas
denunciadoras e o possível repúdio da opinião pública. Do ponto de vista social há uma
vigilância constante da comunidade em relação a atitudes e práticas que não respeitam
os direitos humanos, com a observação vigilante dos meios de comunicação sobre as
condutas empresariais que merecem sanções sociais, como a discriminação de
minorias, mulheres e outros grupos sociais. O incremento da corrupção nos negócios
tem adquirido maior atenção crítica por parte da opinião pública.

Estas novas expectativas sociais adquirem uma extraordinária força social,


tomando-se, quando não cumpridas, muito mais graves para as empresas que as
derivadas do não cumprimento de leis e regulamentos. A empresa tomou-se muito mais
permeável às pressões e influências externas, necessitando cada vez mais conciliar a
pressão social com seus objetivos e funções.

A discussão pública sobre a RSE ocupa atualmente um lugar central na agenda


global e constitui uma das principais referências normativas na reflexão sobre o papel
futuro das empresas no desenvolvimento e melhoria da qualidade de vida no planeta. E
nesse contexto que se inclui a iniciativa da ONU (Pacto Global) e medidas dos governos,
numa atuação que se insere num contexto de políticas públicas etc.

Na evolução do conceito de RSE, ocupam lugar de destaque os modelos de


síntese elaborados por Carroll e Wood.

Em 1979, Archie B. Carroll propôs um dos modelos mais destacados, onde


descreve a responsabilidade das empresas de acordo com quatro tipos de obrigações
que são expressas nas responsabilidades econômicas, legais, éticas e voluntárias
inerentes ao funcionamento e ao exercício das atividades e finalidades da empresa. Em
1991, Carroll aprimora o modelo com a incorporação do enfoque dos stakeholders e das
ideias sobre cidadania corporativa. Segundo Carroll, as responsabilidades empresariais
podem ser representadas com uma pirâmide de quatro níveis.[10] Na base estão
localizadas as responsabilidades econômicas, que envolvem a obrigação de contribuir
para a geração de riqueza e dos produtos e serviços que a sociedade necessita, ao
mesmo tempo em que a empresa gera um benefício legítimo. A atividade econômica,
que é a função básica da empresa, deve apoiar-se no respeito às leis —
responsabilidades legais —, que são para Carroll o segundo nível da pirâmide de
responsabilidade. As responsabilidades éticas ocupam o terceiro nível; por elas a
empresa se obriga a respeitar “os padrões, normas ou expectativas que refletem uma
preocupação pelo que os consumidores, empregados, acionistas e a comunidade
consideram justo, ou guardando seu respeito e proteção aos direitos morais dos
participantes”. Finalmente, e na parte superior da pirâmide, a empresa assume
responsabilidades voluntárias, que não são exigidas pelas leis, com as quais demonstra
seu compromisso de cidadania apoiando os objetivos sociais da comunidade (ver a
Figura 12.4).
[11]

Já Wood, por usa vez, define a “sensibilidade e capacidade de resposta social


da empresa” como a articulação na organização “dos princípios de responsabilidade
social, dos processos de resposta da organização e das políticas, programas e
resultados observáveis, na medida em que estão vinculados com as relações sociais da
empresa”.[12] Com a visão da empresa proposta pelo enfoque dos stakeholders, Donna
Wood considera que estas relações podem estudar-se em três níveis diferentes. No
“nível institucional” se definem as funções da empresa na sociedade de acordo com um
“princípio de legitimidade”. Segundo Wood, este princípio obriga as empresas a
organizar suas atividades de maneira socialmente responsável e com o máximo de
respeito às leis, às regulamentações econômicas e às normas éticas existentes na
sociedade. O segundo é o “nível organizacional” ou corporativo, no qual se rege um
“princípio de responsabilidade pública” inspirado nas responsabilidades que o setor
econômico privado tem no progresso social. De acordo com este princípio, as empresas
são responsáveis pelos resultados e pelos impactos econômicos, sociais e ecológicos
de suas atividades, portanto estão obrigadas a atuar com “sensibilidade” e manter um
forte compromisso com a sociedade, seus desafios e expectativas de progresso. As
responsabilidades institucionais e organizacionais são complementadas com as
responsabilidades individuais dos membros da organização. Estas últimas
responsabilidades são situadas por Donna Wood no “nível individual”, para explicar que
os dirigentes e o conjunto dos membros das organizações são “agentes morais” —
também obrigados pelos princípios de responsabilidade — cujas decisões e escolhas
contribuem para o desenvolvimento de empresas socialmente responsáveis.

Desse modo, ao final do século XX, os dirigentes empresariais foram


gradativamente se conscientizando de que as empresas não constituem somente
unidades de produção, ou de prestação de serviços, mas constituem agentes sociais
que gozam de autonomia relativa em relação aos indivíduos que as integram e que,
como unidades sociais, devem assumir determinadas responsabilidades coletivas que
se concretizam, por exemplo, no respeito aos direitos humanos, na melhoria da
qualidade de vida da comunidade e da sociedade mais geral e na preservação do meio
ambiente natural, entre outras.

No final do século passado, as discussões sobre a responsabilidade social


tomaram um novo rumo com o lançamento do Pacto Global pelas Nações Unidas em
999, quando o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, apelou para que as empresas do
mundo todo assumissem uma globalização mais humanitária. O Pacto tem dez
princípios universais:[13]

Princípios de Direitos Humanos

1. Respeitar e proteger os direitos humanos.

2. Impedir violações de direitos humanos.

Princípios de Direitos do Trabalho

3. Apoiar a liberdade de associação no trabalho.

4. Abolir o trabalho forçado.

5. Abolir o trabalho infantil.

6. Eliminar a discriminação no ambiente de trabalho.

Princípios de Proteção Ambiental

7. Apoiar uma abordagem preventiva aos desafios ambientais.

8. Promover a responsabilidade ambiental.

9. Encorajar tecnologias que não agridem o meio ambiente.

Princípio contra a Corrupção

10. Combater a corrupção em todas as suas formas, inclusive extorsão e


propina.

O Pacto constitui um referencial dos novos valores globais que devem ser
assumidos pelas organizações e pelos indivíduos que queiram assumir uma atuação
socialmente mais responsável.

Resumo
Neste capítulo, abordamos, essencialmente, a influência do ambiente
organizacional nos processos internos das organizações. Inicialmente definimos esse
ambiente externo com duas vertentes, um macroambiente, geral ou global, e um
microambiente, operacional ou específico.

Vimos que o ambiente organizacional global é formado por aqueles fatores sobre
os quais a organização não tem influência direta, principalmente o político, o econômico,
o jurídico, o sociocultural, o tecnológico, o internacional e o ecológico.

E que o ambiente organizacional operacional, mais específico, envolve o


contexto mais próximo da organização, apresentando como fatores, entre outros:
concorrentes existentes e potenciais, eventuais substitutos, consumidores,
fornecedores, entidades reguladoras, parceiros estratégicos.

Nesse contexto, em que cresce a importância do ambiente externo, é que se


insere a abordagem dos stakeholders, que são os indivíduos, grupos e organizações
que têm algum interesse na empresa. Fizemos um breve histórico da evolução
conceitual desse enfoque, e seus reflexos no conceito de responsabilidade social no
final do século XX.

A responsabilidade social foi abordada de forma ampla, que vai muito além da
filantropia, e que envolve a empresa com as preocupações mais gerais da sociedade
em termos ambientais, sociais e humanísticos.

No processo histórico de construção do conceito de RSE, vimos as propostas de


Archie Carroll, na década de 90, que apresentam as responsabilidades empresariais em
quatro níveis de progressão, em formato piramidal, compreendendo, na ordem:
responsabilidades econômicas, em seguida as legais, passando às éticas e finalmente
às voluntárias.

Vimos a importância que é dada atualmente à responsabilidade social


empresarial pelos organismos internacionais, como a ONU, que sintetizou em dez
pontos os princípios universais que devem servir de referência global para
implementação de propostas éticas no ambiente organizacional: respeitar e proteger os
direitos humanos, impedir violações desses direitos, apoiar a liberdade de associação
no trabalho, abolir o trabalho forçado, abolir o trabalho infantil, eliminar a discriminação
no ambiente de trabalho, apoiar uma abordagem preventiva aos desafios ambientais,
promover a responsabilidade ambiental, encorajar tecnologias que não agridam o meio
ambiente e combater a corrupção em todas as suas formas, inclusive extorsão e
propina.
Referência:

DIAS, Reinaldo. Sociologia das organizações. São Paulo: Editora Atlas, 2008,
233-247p.

[1] Os stakeholders integram o ambiente organizacional, no entanto, pela sua característica e


especificidade, serão abordados em outro tópico, neste mesmo capítulo.

[2] 2 Daft (2004, p. 80).

[3] Friedman (1977).

[4] Perdigueiro (2003).

[5] Freeman (1984, p. 25).

[6] Carrol (1996, p. 74).

[7] Araya (2003, p76)

[8] Unctad (2003).

[9] Toldo (2002, p. 84).

[10] Carroll (1991, p. 47).

[11] Baseada em Carroll (1991, p. 47)

[12] Wood (1991, p. 693).

[13] Disponível em: <wwwpactoglobal.org.br>.

Nenhum comentário:
Postar um comentário

Página inicial

Visualizar versão para a web


Quem sou eu

Sueli Rodrigues de Albuquerque Ferreira


Visualizar meu perfil completo
Tecnologia do Blogger.

Você também pode gostar