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Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.096.434 - RJ (2008/0219376-6)

RECORRENTE : UNIVERSITY OF ARKANSAS


ADVOGADO : JOAQUIM EUGENIO GOMES DA SILVA GOULART PEREIRA E
OUTRO(S)
ADVOGADA : NAHYANA VIOTT
RECORRIDO : INSTITUTO NACIONAL DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL INPI
PROCURADOR : MARISTELLA RAMOS VITORINO DE ASSIS E OUTRO(S)

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):


1. Trata-se, na origem, de ação ordinária ajuizada por University of Arkansas
em face do Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI, visando a anulação do ato
administrativo que importou no indeferimento do pedido de patente PI 19007702-4, com o
consequente prosseguimento do exame de mérito do pedido administrativo, para sua
posterior concessão.
Alega a autora que desenvolveu a invenção intitulada “uso de um conjugado de
vacina: preparação da vacina, artigo de manufatura e processo pra obtenção do dito
conjugado”, que foi objeto de três pedidos de patentes nos Estados Unidos e ensejou o
pedido internacional PCT/US90/D5581, de 01 de outubro de 1990. Informa que, dentro do
prazo estipulado no acordo internacional PCT, o referido pedido internacional entrou na fase
nacional brasileira, originando o pedido de patente em questão, datado de 01 de abril de 1992.
Relata a autora que, em 1998, a despeito da entrada em vigor do TRIPs, que
permitia o patenteamento da invenção ali reivindicada, a autarquia ré entendeu que não se
tratava de pedido de patente privilegiável, de acordo com o art. 229 da Lei 9.279/96,
concluindo, em exame final, realizado em 1999, pelo seu indeferimento, pois, ante a entrada
em vigor da Lei 9.279/96, a autora deveria ter abandonado aquele pedido e efetuado outro
depósito, nos termos dos artigos 229 e seguintes da nova LPI ("pipeline").
O Juízo de primeira instância julgou improcedente o pedido, condenando a
autora nas custa e honorários advocatício, fixados em 20% sobre o valor da causa (fls.
408/412).
A autora apelou (fls. 415/426).
O Tribunal Regional Federal da 2ª Região negou provimento ao recurso,
conforme a seguinte ementa:
PROPRIEDADE INDUSTRIAL. PEDIDO DE NULIDADE DE ATO
ADMINISTRATIVO QUE INDEFERIU PEDIDO DE PATENTE DEPOSITADA
EM 1990. VEDAÇÃO DE PATENTEABILIDADE PELO CPI. POSSIBILIDADE
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DE PATENTEAMENTO PELA LPI APENAS SE ATENDIDOS OS ARTIGOS
229, 230 E 231 – TIPO PIPELINE -, VIA NÃO APROVEITADA PELA
DEPOSITANTE. INAPLICAÇÃO DO TRIPS. INEXISTÊNCIA DE DIREITO
ADQUIRIDO. APELAÇÃO IMPROVIDA.
- Ação de nulidade de ato administrativo de indeferimento de patente
depositada em 1990, sob a égide do CPI (Lei 5.772/71), que a vedava,
conforme o artigo 9º, “b”, “c” e “g”.
- Advindo a LPI (Lei 9.279/96), a alternativa para a patenteabilidade seria o
atendimento aos disposto nos artigos 229, 230 e 231, via de que não se
valeu a depositante, já que não abandonou o primeiro pedido para fazer
outro requerimento tipo “pipeline”, no prazo e nas condições previstas.
- Invocação do TRIPS que, em verdade, não protege a Apelante, pois o art.
70, I, dispõe: “Este Acordo não gera obrigações relativas a atos ocorridos
antes de sua data de aplicação para o respectivo Membro”.
- Inexistência de direito adquirido, invocado pela Apelante, se de um lado
não obteria a patente se examinada ao tempo de seu depósito, segundo a
regra proibitiva do CPI e, de outro, nem se valeu da prerrogativa criada pela
LPI, dando a entender não poder suprir as condições previstas nos aludidos
artigos 230 e 231.
- Sentença de improcedência mantida. Apelação improvida. (fl. 458)

Opostos embargos de declaração (fls. 487/498 e 504/506), foram rejeitados


(fls. 509/516).
Inconformada, a autora interpôs recurso especial, fundado nas alíneas “a” e “c”
do permissivo constitucional, alegando, em síntese:
a) violação aos art. 65.2 do TRIPs, pois, tendo em vista que o país não se
utilizou da prerrogativa prevista no art. 65.2 do TRIPs, que possibilitava o signatário adiar sua
aplicação até 1º de janeiro de 2000, o Acordo entrou em vigor no Brasil em 1º de janeiro de
1995;
b) violação aos arts. 70.1 e 70.2 do TRIPs, pois com a entrada em vigor do
Acordo, as regras do TRIPs incidiram sobre os prazos em curso, revogando a legislação
anterior que lhe era contrária, motivo pelo qual a patente do recorrente, que foi analisada pelo
INPI em 1999, já era permitida, ainda que o depósito do pedido tenha sido realizado ante de
sua entrada em vigor;
c) violação aos arts. 27.1 e 70.8 do TRIPs, que permitem o patenteamento de
fármacos;
d) violação ao art. 229, caput, da Lei 92679/96, pois o acórdão recorrido
entendeu que a recorrente deveria ter convertido o seu pedido de patente em pedido de
patente pipeline para obter a patente nacional, conversão que não era obrigatória, mas
facultativa, já que o pedido ordinário de proteção de patente realizado era plenamente possível
em razão da entrada em vigor do Acordo TRIPs. Ademais, alega que, em função dos
requisitos previstos no art. 230 da Lei 92679/96, a conversão do seu pedido de patente em
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patente pipeline não era possível. Por fim, aduz que apenas após as modificações do art. 229
da Lei 92679/96 pela Lei 10.196/01 é que passou a ser obrigatório o pedido de patente
pipeline, o que sequer poderia ser cumprido pela autora face o decurso de prazo para a
realização deste procedimento.
e) violação ao art. 538, parágrafo único, do CPC, pois os embargos de
declaração opostos não foram protelatórios, sendo incabível a multa aplicada.
f) existência de divergência jurisprudencial.
Contrarrazões às fls. 607/646.
O Tribunal de origem admitiu o recurso especial (fls. 660/661), subindo os
autos a esta Corte.
Distribuído os autos à Ministra Eliana Calmon, foi determinada sua
redistribuição à Segunda Seção deste Superior Tribunal de Justiça (fl. 665).
É o relatório.

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.096.434 - RJ (2008/0219376-6)

RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO


RECORRENTE : UNIVERSITY OF ARKANSAS
ADVOGADO : JOAQUIM EUGENIO GOMES DA SILVA GOULART PEREIRA E
OUTRO(S)
ADVOGADA : NAHYANA VIOTT
RECORRIDO : INSTITUTO NACIONAL DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL INPI
PROCURADOR : MARISTELLA RAMOS VITORINO DE ASSIS E OUTRO(S)
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. PATENTE DE
MEDICAMENTO. PEDIDO DE PATENTE DEPOSITADA SOB A ÉGIDE
DA LEI 5.771/71. IMPOSSIBILIDADE. INAPLICABILIDADE DO
ACORDO TRIPS. ENTRADA EM VIGOR DA LEI LEI 9.279/96.
POSSIBILIDADE DE DEPÓSITO DE PATENTE PIPELINE.

1. O art. 65.2 do TRIPs prevê prazo de extensão geral, estabelecido


para todos os países em desenvolvimento, não sendo necessário
qualquer tipo de manifestação por parte dos Estados membros
incluídos nessa categoria, motivo pelo qual as disposições do TRIPs
tornaram-se obrigatórias, no Brasil, somente a partir de 1º de janeiro
de 2000.

2. Por esse motivo, incabível a análise do pedido de patente da


autora, depositado em 1992 e indeferido em 1999, diretamente e com
base nas disposições do Acordo TRIPs.

3. Ademais, considerando que o pedido administrativo da autora é


do ano de 1992, sob a égide da Lei 5.771/71, não é possível a
concessão de patente de fármaco, ainda que o pedido de patente
fora depositado e concedido em país estrangeiro.

4. Com a entrada em vigor da Lei 9.279/96, poderia a autora requerer


a patente pipeline, desde de que cumpridos os requisitos dispostos
na nova lei, o que não ocorreu.

5. O fato de a ora recorrente não poder cumprir os requisitos


impostos pelo procedimento da patente pipeline e,
consequentemente, não poder realizar um novo depósito, cuja
obrigatoriedade sequer restou configurada, não implica violação ao
art. 229 da Lei 9.279/96.

6. Não se conhece da divergência jurisprudencial quando fundada


em acórdão paradigma deste Superior Tribunal de Justiça que
representa jurisprudência superada.

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7. Embargos de declaração manifestados com notório propósito de
prequestionamento não têm caráter protelatório. Súmula 98/STJ.

8. Recurso especial conhecido em parte e, nesta parte, parcialmente


provido.

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VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

2. Preliminarmente, face a matéria suscitada pelo INPI, em memorial, no


sentido de que seja sobrestado o julgamento do presente recurso, face conflito de
competência submetido à Corte especial em caso análogo (CC n° 101141/RJ), cumpre tecer
algumas considerações.
Nos termos do Regimento Interno desta Corte, à Segunda Seção compete:
§ 2º. À Segunda Seção cabe processar e julgar os feitos relativos a:
[...] VI - propriedade industrial, mesmo quando envolverem argüição de
nulidade do registro;

Por conseguinte, em que pese a University of Arkansas tenha ajuizado ação


com a finalidade de anular ato administrativo que indeferiu seu pedido administrativo, vê-se
que seu objetivo, na verdade, é que seja reconhecida a patenteabilidade da invenção, matéria
que implica a análise pormenorizada das normas aplicáveis à propriedade industrial, a qual
se me afigura como de competência da Segunda Seção.
Inúmeros são os precedentes, julgados pela Segunda Seção desta Corte,
tratando da vigência do Acordo TRIPs e das patentes pipeline: REsp 731.101/RJ, Rel. Ministro
JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 28/04/2010, DJe 19/05/2010;
REsp 642.213/RJ, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado
em 28/04/2010, DJe 02/08/2010; EDcl no REsp 1145637/RJ, Rel. Ministro VASCO DELLA
GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA, julgado em
04/03/2010, DJe 15/03/2010; REsp 806.147/RJ, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA
TURMA, julgado em 15/12/2009, DJe 18/12/2009; REsp 960.728/RJ, Rel. Ministra NANCY
ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/03/2009, DJe 15/04/2009.
Ademais, a existência de conflito de competência pendente de julgamento junto
à Corte Especial deste Superior Tribunal de Justiça, é relativa a outras partes e limitadas
àquele caso concreto, além do que sem efeito suspensivo no tocante ao presente recurso,
por isso que não obriga o sobrestamento dos demais feitos.
3. No tocante ao pedido da União para integrar a lide, é de se deferir o pedido de
assistência simples em favor do Instituto Nacional de Propriedade Industrial - fundada nos
arts. 50 do CPC e 5º da Lei n. 9.469/97.
De fato, a intervenção da União é cabível, na medida em que o parágrafo único
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do art. 5º da Lei nº 9.469, de 1997, é textual, conforme abaixo transcrito:
"As pessoas jurídicas de direito público poderão, nas causas cuja decisão
possa ter reflexos, ainda que indiretos, de natureza econômica, intervir,
independentemente da demonstração de interesse jurídico, para esclarecer
questões de fato e de direito, podendo juntar documentos e memoriais
reputados úteis ao exame da matéria e, se for o caso, recorrer, hipótese em
que, para fins de deslocamento de competência, serão consideradas
partes".

Contudo, a admissão da intervenção é com a ressalva de que vale a partir


desse momento processual, tendo em vista a especial peculiaridade do recurso que está
sendo julgado, sem prejuízo de todos os atos até aqui praticados.
4. Cuida a presente controvérsia em saber se os pedidos de patentes de
fármacos, oriundos daquelas concedidas no exterior, depositados sob a égide da Lei
5.771/71, mas analisados somente após 01/01/1995, data em que, segundo a recorrente,
passou a vigorar em nosso país o Acordo TRIPs, são passíveis de proteção, ainda que não
tenha sido o pedido convertido em pedido de patente pipeline, em conformidade com o
disposto no art. 229 da Lei 9.279/96
Nesse passo, aduz a recorrente que o Tribunal de origem, ao afastar a
possibilidade de proteção da patente requerida, violou o disposto nos arts. 27.1, 65.2, 70.1,
70.2, 70.8 do Acordo TRIPs e art. 229 da Lei 9.279/96.
Prevêem os referidos dispositivos:

ARTIGO 27
Matéria Patenteável
1. Sem prejuízo do disposto nos parágrafos 2 e 3 abaixo, qualquer
invenção, de produto ou de processo, em todos os setores
tecnológicos, será patenteável, desde que seja nova, envolva um
passo inventivo e seja passível de aplicação industrial. Sem prejuízo
do disposto no parágrafo 4 do Artigo 65, no parágrafo 8 do Artigo 70
e no parágrafo 3 deste Artigo, as patentes serão disponíveis e os
direitos patentários serão usufruíveis sem discriminação quanto ao
local de invenção, quanto a seu setor tecnológico e quanto ao fato
de os bens serem importados ou produzidos localmente.

ARTIGO 65
Disposições Transitórias
1. Sem prejuízo do disposto nos parágrafos 2, 3 e 4, nenhum Membro
estará obrigado a aplicar as disposições do presente Acordo antes de
transcorrido um prazo geral de um ano após a data de entrada em vigor do
Acordo Constitutivo da OMC.
2. Um País em desenvolvimento Membro tem direito a postergar a
data de aplicação das disposições do presente Acordo, estabelecida
no parágrafo 1, por um prazo de quatro anos, com exceção dos
Artigos 3, 4 e 5.
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3. Qualquer outro Membro que esteja em processo de transformação de
uma economia de planejamento centralizado para uma de mercado e de
livre empresa e esteja realizando uma reforma estrutural de seu sistema de
propriedade intelectual e enfrentando problemas especiais na preparação e
implementação de leis e regulamentos de propriedade intelectual, poderá
também beneficiar-se de um prazo de adiamento tal como previsto no
parágrafo 2.
4. Na medida em que um País em desenvolvimento Membro esteja obrigado
pelo presente Acordo a estender proteção patentária de produtos a setores
tecnológicos que não protegia em seu território na data geral de aplicação
do presente Acordo, conforme estabelecido no parágrafo 2, ele poderá
adiar a aplicação das disposições sobre patentes de produtos da Seção 5
da Parte II para tais setores tecnológicos por um prazo adicional de cinco
anos.
5. Um Membro que se utilize do prazo de transição previsto nos parágrafos
1, 2, 3 e 4 assegurará que quaisquer modificações nas suas legislações,
regulamentos e prática feitas durante esse prazo não resultem em um
menor grau de consistência com as disposições do presente Acordo.

ARTIGO 70
Proteção da Matéria Existente
1. Este Acordo não gera obrigações relativas a atos ocorridos antes
de sua data de aplicação para o respectivo Membro.
2. Salvo disposição em contrário nele prevista, este Acordo, na data
de sua aplicação para o Membro em questão, gera obrigações com
respeito a toda a matéria existente, que esteja protegida naquele
Membro na citada data, ou que satisfaça, ou venha posteriormente a
satisfazer, os critérios de proteção estabelecidos neste Acordo.
Com relação ao presente parágrafo e aos parágrafos 3 e 4 abaixo, as
obrigações em matéria de direito do autor relacionadas com obras
existentes serão determinadas unicamente pelo disposto no Artigo
18 da Convenção de Berna ( 1971), e as obrigações relacionadas
com os direitos dos produtores de fonogramas e dos
artistas-intérpretes em fonogramas existentes serão determinadas
unicamente pelo disposto no Artigo 18 da Convenção de Berna
(1971), na forma em que foi tornado aplicável pelo disposto no
parágrafo 6 do Artigo 14 deste Acordo.
3. Não haverá obrigação de restabelecer proteção da matéria, que, na data
de aplicação deste Acordo para o Membro em questão, tenha caído no
domínio público.
4. Com respeito a quaisquer atos relativos a objetos específicos que
incorporem matéria protegida e que venham a violar direitos de propriedade
intelectual, nos termos de legislação em conformidade com este Acordo, e
que se tenham iniciado, ou para os quais o investimento significativo tenha
sido efetuado, antes da data de aceitação do Acordo Constitutivo da OMC
por aquele Membro, qualquer Membro poderá estabelecer uma limitação
aos remédios disponíveis ao titular de direito com relação à continuação
desses atos após a data de aplicação deste Acordo por aquele Membro. Em
tais casos, entretanto, o Membro estabelecerá ao menos o pagamento de
remuneração eqüitativa.
5. Nenhum Membro está obrigado a aplicar as disposições do Artigo 11 nem
do parágrafo 4 do Artigo 14 a originais ou cópias compradas antes da data
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de aplicação deste Acordo para este Membro.
6. Os Membros não estão obrigados a aplicar o Artigo 31, nem o requisito
estabelecido no parágrafo 1 do Artigo 27 segundo o qual os direitos de
patente serão desfrutados sem discriminação quanto ao setor tecnológico,
no tocante ao uso sem a autorização do titular do direito, quando a
autorização para tal uso tenha sido concedida pelo Governo antes da data
em que este Acordo tornou-se conhecido.
7. No caso de direitos de propriedade intelectual para os quais a proteção
esteja condicionada ao registro será permitido modificar solicitações de
proteção que se encontrem pendentes na data de aplicação deste Acordo
para o Membro em questão, com vistas a reivindicar qualquer proteção
adicional prevista nas disposições deste Acordo. Tais modificações não
incluirão matéria nova.
8. Quando um Membro, na data de entrada em vigor do Acordo
Constitutivo da OMC, não conceder proteção patentária a produtos
farmacêuticos nem aos produtos químicos para a agricultura em
conformidade com as obrigações previstas no Artigo 27, esse
Membro:
a) não obstante as disposições da Parte VI, estabelecerá, a partir da
data de entrada em vigor do Acordo Constitutivo da OMC, um meio
pelo qual os pedidos de patente para essas invenções possam ser
depositados;
b) aplicará as essas solicitações, a partir da data de aplicação deste
Acordo, os critérios de patentabilidade estabelecidos neste
instrumento como se tais critérios estivessem sendo aplicados
nesse Membro na data do depósito dos pedidos, quando uma
prioridade possa ser obtida e seja reivindicada, na data de
prioridade do pedido; e
c) estabelecerá proteção patentária, em conformidade com este
Acordo, a partir da concessão da patente e durante o resto da
duração da mesma, a contar da data de apresentação da solicitação
em conformidade com o ARTIGO 33 deste Acordo, para as
solicitações que cumpram os critérios de proteção referidos na
Alínea (b) acima.
9. Quando um produto for objeto de uma solicitação de patente num
Membro, em conformidade com o parágrafo 8 (a), serão concedidos direitos
exclusivos de comercialização não obstante as disposições da Parte VI
acima, por um prazo de cinco anos, contados a partir da obtenção da
aprovação de comercialização nesse Membro ou até que se conceda ou
indefira uma patente de produto neste Membro se esse prazo for mais
breve, desde que, posteriormente à data de entrada em vigor do Acordo
Constitutivo da OMC, uma solicitação de patente tenha sido apresentada e
uma patente concedida para aquele produto em outro Membro e se tenha
obtido a aprovação de comercialização naquele outro Membro.

Art. 229. Aos pedidos em andamento serão aplicadas as disposições desta


Lei, exceto quanto à patenteabilidade dos pedidos depositados até 31 de
dezembro de 1994, cujo objeto de proteção sejam substâncias, matérias ou
produtos obtidos por meios ou processos químicos ou substâncias,
matérias, misturas ou produtos alimentícios, químico-farmacêuticos e
medicamentos de qualquer espécie, bem como os respectivos processos de
obtenção ou modificação e cujos depositantes não tenham exercido a
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faculdade prevista nos arts. 230 e 231 desta Lei, os quais serão
considerados indeferidos, para todos os efeitos, devendo o INPI publicar a
comunicação dos aludidos indeferimentos. (Redação dada pela Lei nº
10.196, de 14.2.2001)
Parágrafo único. Aos pedidos relativos a produtos farmacêuticos e produtos
químicos para a agricultura, que tenham sido depositados entre 1o de
janeiro de 1995 e 14 de maio de 1997, aplicam-se os critérios de
patenteabilidade desta Lei, na data efetiva do depósito do pedido no Brasil
ou da prioridade, se houver, assegurando-se a proteção a partir da data da
concessão da patente, pelo prazo remanescente a contar do dia do
depósito no Brasil, limitado ao prazo previsto no caput do art. 40. (Parágrafo
único inclúido pela Lei nº 10.196, de 14.2.2001)

Dessa forma, segundo a autora, haveria a possibilidade de deferimento da


proteção da patente de fármaco requerida, aplicando-se, diretamente, o ato internacional,
sem necessidade de conversão do pedido para patente pipeline, cujos requisitos e prazos
não poderiam ser atendidos pela Universidade.
5. Destarte, antes de examinar a suscitada possibilidade de concessão da
patente requerida, cabe análise acerca do alcance do art. 65 do Acordo TRIPs, o qual prevê a
data de entrada em vigor do Tratado Internacional, questão sobre a qual já tive oportunidade
de me manifestar por ocasião do julgamento, na Segunda Seção desta Corte, do REsp
642.313/RJ, de relatoria do e. Ministro João Otávio de Noronha.
5.1. Observa-se, primeiramente, que o próprio acordo estabeleceu que
nenhum Estado Membro estaria obrigado a aplicar as disposições do TRIPs antes de
transcorrido prazo geral de um ano após a data de entrada em vigor do Acordo Constitutivo
da OMC, do qual o TRIPs é um anexo.
Logo, levando-se em consideração que a entrada em vigor do acordo, em
âmbito mundial, se deu em 1º de janeiro de 1995, a data da entrada em vigor do TRIPs,
considerados os países genericamente e sem a observância das exceções prevista no
próprio tratado, é 1º de janeiro de 1996.
Contudo, conforme referido, o acordo estabelece exceções à sua aplicação em
âmbito nacional em determinados casos, interessando, na hipótese, as ressalvas presentes
nos parágrafos 2º e 4º do art. 65, in verbis:
2 - Um país em desenvolvimento Membro tem direito a postergar a data de
aplicação das disposições do presente Acordo, estabelecida no parágrafo
1º, por um prazo de quatro anos, com exceção dos Artigos 3, 4 e 5.

4 - Na medida em que um país em desenvolvimento Membro esteja obrigado


pelo presente Acordo a estender proteção patentária de produtos a setores
tecnológicos que não protegia em seu território na data geral de aplicação
do presente Acordo, conforme estabelecido no parágrafo 2º, ele poderá

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adiar a aplicação das disposições sobre patentes de produtos da Seção 5
da Parte II para tais setores tecnológicos por um prazo adicional de cinco
anos.

Com efeito, em virtude da regra que pretende igualar o tratamento a países em


condições especiais, concedendo-lhes tratamento privilegiado, o TRIPs estabeleceu que a
aplicação das disposições gerais contidas no Acordo seriam postergadas em quatro anos
para os países em desenvolvimento, como o Brasil, tendo sua entrada em vigor, adiada,
portanto, para 1º de janeiro de 2000.
O parágrafo 4º, por sua vez, prevê a possibilidade de adiamento da aplicação
das disposições do TRIPs, especificamente, sobre patentes de produtos de setores
tecnológicos, que não eram protegidos no território nacional em 1º de janeiro de 1996,
prorrogando para as patentes dessas matérias a entrada em vigor do Acordo por mais 5
anos.
Assim, tratando-se de país em desenvolvimento, as disposições do TRIPs
tornam-se obrigatória a partir de 1º de janeiro de 2000, sendo possibilitado, ainda, na esfera
das patentes não protegidas no território nacional na data de entrada em vigor geral do
acordo, ou seja, 1º de janeiro de 1996, que o Estado membro opte pela prorrogação da
vigência do acordo por mais 5 anos.
5.2. Diante dessas conclusões, é importante perceber, que, se por um lado, o
benefício de extensão do prazo de aplicação do acordo na hipótese do 65.4 do TRIPs
implicava no exercício de uma opção, a extensão de quatro anos prevista no art. 65.2,
cuidava-se de um prazo de extensão geral estabelecido para todos os países em
desenvolvimento, não sendo necessário qualquer tipo de manifestação por parte dos Estados
membros incluídos nessa categoria.
Cumpre referir, também, que a OMC, ao diferir a entrada em vigor das regras
estabelecidas internacionalmente, criando um direito em favor dos países em
desenvolvimento, estabeleceu claramente seu objetivo ao indicar que “um país em
desenvolvimento Membro tem direito a postergar a data de aplicação das disposições do
presente Acordo”.
Vale dizer, o texto do pacto internacional, quando desejou, expressamente
assinalou tratar-se de uma faculdade concedida ao Estado Membro em desenvolvimento.
Denis Borges Barbosa ao tratar do tema refere:
“A questão não se reduz, absolutamente, à óbvia aplicação de regra
segundo a qual o Acordo TRIPs tem efeito imediatamente ao ser aprovado e
promulgado. TRIPs não se aplica automaticamente, aumentando o prazo
das patentes em vigor ou extintas, pelas seguintes razões:
Porque o Acordo TRIPs, ele mesmo, diferiu aus aplicação para os países
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em desenvolvimento até 1/1/2000.
Porque o Acordo TRIPs não é uma lei uniforme. Ele cria direitos e
obrigações para os Estados-Membros. Ele não cria direitos e obrigações
para as partes privadas.
Porque, mesmo se não houvesse diferimento de sua aplicação, e mesmo
se se aplicasse às partes privadas, o Acordo TRIPs tem vigência para o
futuro. Ele não se aplica aos atos jurídicos já praticados e completos
antes de sua vigência, em especial, no sistema jurídico brasileiro, o prazo
das patentes já concedidas.
Porque, mesmo se o Acordo TRIPs e a Lei nova tivessem determinado a
prorrogação, esta se confrontaria com o direito adquirido dos
concorrentes a entrar no mercado, ao fim do prazo concedido
inicialmente para o privilégio, no exercício da liberdade constitucional de
iniciativa.
A última questão, por sua relevância, merece parecer próprio.
A posição oficial brasileira: obrigação só em 1/1/2000.
O INPI já tinha oficialmente se manifestado nos mesmos termos. Em parecer
publicado oficialmente tratando dos casos ainda pendentes de exame
(parecer DIRPA n. 01 de 1997), a autarquia entendeu que o Brasil, como
país em desenvolvimento, só estaria obrigado a aplicar tais novos requisitos
do TRIPs a partir de 1/1/2000 (TRIPs, art. 65.2)
(...)
Diz J. H. Reichman, Universal Minimum Standarts of Intellectual Proprty
Protection under the TRIPs Component of the WTO Agreement, em The
International Lawyer, vol. 29, n. 2, p. 353, Ordem dos Advogados
Americana, 1995:
'(...)'
(Por exemplo, os países em desenvolvimneto podem postergar a maioria
dos padrões exigidos por um período de pelo menos cinco anos, e até
mesmo dez anos no que toca aos campos de tecnologia previamente
excluídos sob suas leis internas de patentes.)
O mesmo dizem Ávila, Urrutia e Mier, Regulation Del Comercio Internacional
trás la Ronda Uruguay, Tecnos, Madrid, 1996, p. 194, McGovern,
International Trade Regulation, Golbefield Press, 1995, pp. 21-24-2.
Mais do que tudo, diz o Comunicado Oficial da própria Organização Mundial
de Comércio (OMC (GATT FOCUS Newsletter de dezembro de 1993, p. 14):
'(...)'
(No que toca à implementação do acordo, ele prevê um período de
transição de um ano para os países desenvolvidos trazerem sua
legislação e práticas à conformidade. Países em desenvolvimento e
países em processo de transformação de uma economia planejada
centralmente para uma economia de mercado terão um período de
transição de cinco anos, e os países menos desenvolvidos terão 11
anos.)
(BARBOSA, Denis Borges. Usucapião de patentes e outros estudos de
propriedade intelectual. Editora Lúmen Júris: Rio de janeiro, 2006. p. 33-36)

Nesse sentido, também, o precedente de relatoria da ministra Nancy Andrighi,


na 3ª Turma desta Corte, que analisou com profundidade e percuciência, todas as nuances
da questão:
Comercial. Recurso especial. Mandado de segurança. Patentes. Pedido de
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prorrogação, por mais cinco anos, de patente concedida na vigência da Lei
nº 5.772/71, em face da adesão do Brasil ao Acordo TRIPS. Natureza do
Acordo. Exame das cláusulas relativas às possíveis prorrogações de prazo
de vigência do TRIPS para os países em desenvolvimento e das discussões
legislativas no Congresso brasileiro durante a adesão ao Acordo.
- Quando o STJ acatou, em precedentes anteriores, a prorrogação do prazo
de 15 anos previsto na anterior Lei nº 5.771/71 para 20 anos, com base no
acordo TRIPS, tomou por premissa necessária um fundamento que não
chegou a ser questionado e que está longe de ser pacífico, segundo o qual
tal Acordo, no momento de sua recepção pelo Estado brasileiro, passou a
produzir efeitos sobre as relações jurídicas privadas que tinham em um dos
pólos detentores de patentes ainda em curso de fruição.
- Em reexame da questão, verifica-se, porém, que o TRIPS não é uma Lei
Uniforme; em outras palavras, não é um tratado que foi editado de forma a
propiciar sua literal aplicação nas relações jurídicas de direito privado
ocorrentes em cada um dos Estados que a ele aderem, substituindo de
forma plena a atividade legislativa desses países, que estaria então limitada
à declaração de sua recepção.
- O argumento de que o Brasil não demonstrou interesse em fazer valer o
prazo extra de quatro anos, como Nação em desenvolvimento, para
aplicação do TRIPS desconsidera a existência de dois prazos de carência
no corpo do Acordo, pois é nítida a diferença entre as redações dos §§ 2º e
4º do art. 65. Com efeito, o § 2º, quando cria o prazo geral de aplicação de
cinco anos (na modalidade 1 + 4) fala expressamente que tal prazo é um
direito do Estado em desenvolvimento; porém, ao tratar do segundo prazo
adicional, no § 4º, a redação muda substancialmente, estando ali
consignado que um Estado nas condições do Brasil “poderá adiar” a
aplicação do Acordo em alguns pontos por mais 5 anos. A segunda ressalva
é uma mera possibilidade, ao contrário da primeira.
- O Brasil, conforme demonstram as transcrições das discussões legislativas
juntadas aos autos, abriu mão do segundo prazo especial e facultativo de
mais cinco anos constante no art. 65.4, prazo esse destinado à extensão da
proteção a setores tecnológicos ainda não protegidos pelas antigas Leis de
Patentes; mas não do primeiro prazo, porque, em relação a este e pelos
próprios termos do Acordo, qualquer manifestação de vontade era
irrelevante.
- Em resumo, não se pode, realmente, pretender a aplicação do prazo
previsto no art. 65.4 do TRIPS, por falta de manifestação legislativa
adequada nesse sentido; porém, o afastamento deste prazo especial não
fulmina, de forma alguma, o prazo genérico do art.
65.2, que é um direito concedido ao Brasil e que, nesta qualidade, não pode
sofrer efeitos de uma pretensa manifestação de vontade por omissão,
quando nenhum dispositivo obrigava o país a manifestar interesse neste
ponto como condição da eficácia de seu direito.
Recurso especial não conhecido.
(REsp 960728/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA,
julgado em 17/03/2009, DJe 15/04/2009)

5.3. O nosso país não realizou a opção prevista no art. 65.4 do TRIPs, mas,
tampouco, abriu mão do direito de prorrogação geral do acordo estabelecido para os países
em desenvolvimento.
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O Brasil, em nenhum momento, equiparou-se aos estados desenvolvidos para
os quais o acordo tornou-se obrigatório a partir de 1º de janeiro de 1996.
Por outro lado, destaca-se que o Brasil, em conformidade com o art 65.5 do
TRIPs, embora utilizando-se do prazo de transição previsto nos parágrafos 1º e 2º, do
Acordo, ao editar nova lei interna sobre o tema, a Lei 9.279/96, o fez em conformidade com
as disposições TRIPs, que passaram a regulamentar os procedimentos e prazos para os
depósito de novas patentes a partir de então.
5.4. Nesse ponto, alegam os defensores da teoria de que o TRIPs teria entrado
em vigor em 1º de janeiro de 1995, que ao internalizar o acordo por meio do Decreto nº 1.355,
de 30 de dezembro de 1994, o legislador brasileiro não se manifestou sobre a prorrogação de
sua aplicação, consoante o previsto no art. 65.2 do TRIPs, motivo pelo qual deve-se
interpretar que não se aplica a ressalva.
Porém, o art. 65.2 do TRIPs não trata de uma opção do Estado em
desenvolvimento, mas de um direito a ser exercido por todos os países nas mesmas
condições, motivo pelo qual não há falar em necessidade de manifestação expressa para
usufruir da prorrogação do prazo para vigência do Acordo.
Nesse sentido também se manifesta a doutrina:
“Algumas controvérsias ainda persistem sobre os efeitos das disposições do
art. 65 do TRIPs no Brasil. O Acordo não define como os Estados devem
exercer esses direitos. A extensão do período de transição depende de
manifestação expressa ou basta o silêncio do estado em desenvolvimento
membro?
Desse questionamento surgiram duas correntes de pensamentos.
Alguns defendem que o Estado interessado em se beneficiar do período de
transição previsto no art. 65 do TRIPs deve manifestar a sua intenção no
momento de ratificação do Acordo Constitutivo da OMC, alegando que, se o
Congresso aprovou a incorporação da Ata Final da Rodada do Uruguai ao
direito brasileiro, sem ressalvas, tornou todas as suas disposições vigente
no Brasil.
Outros entendem que o TRIPs não estabeleceu nenhuma formalidade para
que o Estado em desenvolvimento membro se beneficie do período de
transição, o qual é automático, frente às condições do Estado que são
conhecidas. A nosso ver não é necessária nenhuma formalidade, basta a
inação, porque os Estados em desenvolvimento têm a liberdade de não
implementar as regras do TRIPs até certa data, exceção feita aos arts. 3, 4
e 5, que devem ser implementados imediatamente. Ultrapassado o período
de transição de cinco anos, será acionada a vigência dos dispositivos do
TRIPs.
Para os membros da OMC, o Brasil está em transição, um direito automático
que decorre de sua condição de país em desenvolvimento.
O Estado em desenvolvimento que não quiser gozar de período de
transição deverá renunciar expressamente a esse direito.
O Brasil notificou a OMC, em 1997, esclarecendo que gozava do período de
transição, o que foi feito ad cautelam, em benefício da transparência, haja
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vista que, em reunião de 22 de fevereiro de 1997, o Conselho para TRIPs
registrou que o benefício do período de transição independe de
comunicação formal por parte do estado-Membro à OMC.” (BASSO,
Maristela. O Direito Internacional da Propriedade Intelectual. Livraria do
Advogado: Porto Alegre, 2000. p. 283-284)

Assim, não tendo havido qualquer ressalva na internalização do acordo - ato


complexo que inclui a aprovação congressual e a promulgação executiva -, o que sequer é
admitido na teoria dos tratados, visto que os legislador interno não pode proceder somente
parte de um acordo, impedindo a concretização do restante, aplica-se o TRIPs em sua
totalidade, inclusive em relação ao dispositivo que prevê a prorrogação do prazo de vigência.
Ademais, ainda que assim não fosse, não se pode admitir que a falta de
manifestação no tocante ao prazo de prorrogação do art. 65.2, produza efeitos jurídicos,
quando, na verdade, se exige a manifestação expressa de vontade.
6. Por conseguinte, considerando que a aplicação das disposições do TRIPs só
se tornaram obrigatórias a partir de 1º de janeiro de 2000, incabível a análise do pedido de
patente da autora, depositado em 1992 e indeferido em 1999.
O art. 70, parágrafos 1º, 2º e 3º, do TRIPs, tem redação clara quanto ao ponto:
ARTIGO 70 - Proteção da Matéria Existente
1 - Este Acordo não gera obrigações relativas a atos ocorridos antes de sua
data de aplicação para o respectivo Membro.
2 - Salvo disposições em contrário nele previstas, este Acordo, na data de
sua publicação para o Membro em questão, gera obrigações com respeito a
toda a matéria existente, que esteja protegida naquele Membro na citada
data, ou que satisfaça, ou venha posteriormente a satisfazer, os critérios de
proteção estabelecidos neste Acordo. Com relação ao presente parágrafo e
aos parágrafos 3º e 4º abaixo, as obrigações em matéria de direito do autor
relacionadas com obras existentes serão determinadas unicamente pelo
disposto no art.18 da Convenção de Berna (1971), e as obrigações
relacionadas com os direitos dos produtores de fonogramas e dos
artistas-intérpretes em fonogramas existentes serão determinadas
unicamente pelo disposto no art.18 da Convenção de Berna (1971), na
forma em que foi tornado aplicável pelo disposto no parágrafo 6º do art.14
deste Acordo.
3 - Não haverá obrigação de restabelecer proteção da matéria, que, na data
de aplicação deste Acordo para o Membro em questão, tenha caído no
domínio público.

Carlos Correa, ao analisar o supracitado dispositivo, explica que não há


nenhuma retroatividade das obrigações do Acordo em relação a atos já praticados antes de
sua entrada em vigor.
Vale transcrever o seguinte excerto da obra do jurista argentino:
“Em relación com el artículo 70.2, el Acuerdo generará obligaciones con

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respecto a toda materia existente a la fecha de aplicación del Acuerdo en
um Miembro, siempre y cuando esté protegida en ese Miembro en dicha
fecha, o que cumpla entonces o posteriormente los criterios de protécción
establecidos. El mismo artículo clarifica luego que, con respecto a los
derechos de autor y conexos, sólo es aplicable el artículo 18 del Convenio
de Berna.
La aplicación de este artículo ha generado ya considerable controversia en
algunos países que deben observar el convenio a partir de 1/1/96, como en
el caso de los estados Unidos, en relación con la extensión de patentes
vigentes a esa fecha pero concedidas con el plazo previsto por la ley
anetrior al Acuerdo (la que preveía diecisiete años desde la concesión).
El artículo 70.2 devendrá operativo en los países en desarrollo en el año
2000, por tanto sólo entonces se podrá plantear la eventual extensión de
los derechos ségun lo que se deriva del Acuerdo TRIPs. Deberá definirse
ese momento el alcance de la obligación que él establece, en particular en
cuanto a su aplicación o no a derechos registrables (como patentes y
marcas), cuya amplitud depende sel acto de concesión respectivo (con el
que nace el derecho mismo). Como se ha dicho, los actos anteriores a la
entrda en vigor del Acuerdo no pueden ser afectados por sus disposiciones
(conf. Art. 70.1)”. (CORREA, Carlos. Acuerdo TRIPs – Regimen
Internacional de la propriedad intelectual. Ediciones Ciudad Argentina:
Buenos Aires, 1996. p 228-229)

Com efeito, no caso ora em análise, a patente foi depositada e analisada em


data anterior a entrada em vigor do TRIPs, considerando como tal 1º de janeiro de 2000.
Assim, ainda que considerássemos o ato internacional de aplicação imediata, o
pedido da autora não seria passível de provimento com base nessas regras, pois o acordo
não gera obrigações em relação a atos constituídos antes de sua vigência.
Portanto, prejudicada a análise dos arts. 27.1 e 70.8 do TRIPS, que permitem a
patenteabilidade dos fármacos.
7. Ademais, cumpre destacar que, em 1996, foi editada nova lei interna sobre o
tema, a Lei 9.279/96, respeitando as disposições TRIPs, e impondo requisitos para a
concessão de patentes já depositadas, anteriormente, em país estrangeiro, conforme os arts.
229, 230 e 231 da Lei 9.279/96.
Transcrevo, abaixo, novamente, o teor do art. 229 da Lei 9.279/96:

Art. 229. Aos pedidos em andamento serão aplicadas as disposições desta


Lei, exceto quanto à patenteabilidade dos pedidos depositados até 31 de
dezembro de 1994, cujo objeto de proteção sejam substâncias, matérias ou
produtos obtidos por meios ou processos químicos ou substâncias,
matérias, misturas ou produtos alimentícios, químico-farmacêuticos e
medicamentos de qualquer espécie, bem como os respectivos processos de
obtenção ou modificação e cujos depositantes não tenham exercido a
faculdade prevista nos arts. 230 e 231 desta Lei, os quais serão
considerados indeferidos, para todos os efeitos, devendo o INPI publicar a
comunicação dos aludidos indeferimentos. (Redação dada pela Lei nº
10.196, de 14.2.2001)
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Parágrafo único. Aos pedidos relativos a produtos farmacêuticos e produtos
químicos para a agricultura, que tenham sido depositados entre 1o de
janeiro de 1995 e 14 de maio de 1997, aplicam-se os critérios de
patenteabilidade desta Lei, na data efetiva do depósito do pedido no Brasil
ou da prioridade, se houver, assegurando-se a proteção a partir da data da
concessão da patente, pelo prazo remanescente a contar do dia do
depósito no Brasil, limitado ao prazo previsto no caput do art. 40. (Parágrafo
único incluído pela Lei nº 10.196, de 14.2.2001)

Com efeito, no caso ora em análise, a Lei 9.279/96 não era aplicável ao pedido
depositado em 1992 pela ora recorrente, tendo em vista que o pedido fora realizado sob a
égide da Lei 5.771/71, a qual não permitia patenteabilidade nos moldes requeridos pela
autora.
Contudo, com a entrada em vigor da Lei 9.279/96, surgiu a possibilidade, para
autora, de requerer a patente pipeline, desde de que cumpridos os requisitos dispostos na
nova lei.
Dessa forma, não se trata, como pretende fazer entender a recorrente, de
obrigatoriedade de conversão do pedido ordinário, depositado em 1992, em um pedido
extraordinário, conforme as regras da patente pipeline previstas na Lei 9.279/96.
Cuida-se, em verdade, de uma faculdade, que, em virtude das peculiaridade do
caso ora em análise, configurava a única possibilidade da parte em ver protegida sua patente,
pois, com base na lei anteriormente aplicável, a concessão do pedido não seria possível.
Portanto, o fato da ora recorrente não poder cumprir os requisitos impostos
pelo procedimento da patente pipeline e, consequentemente, não poder realizar um novo
depósito, cuja obrigatoriedade sequer restou configurada no caso ora em análise, não implica
violação ao art. 229 da Lei 9.279/96.
8. Para a análise da admissibilidade do recurso especial pela alínea "c" do
permissivo constitucional, torna-se imprescindível a indicação das circunstâncias que
identifiquem ou assemelhem os casos confrontados, mediante o cotejo dos fundamentos da
decisão recorrida com o acórdão paradigma, a fim de demonstrar a divergência
jurisprudencial existente (arts. 541 do CPC e 255 do RISTJ). Nesse sentido, confira-se o
AgRg no Ag 1053014/RN, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em
07.08.2008, DJe 15.09.2008.
No caso ora em análise, restou pacificado na jurisprudência deste Tribunal
Superior que o Acordo TRIPs é aplicável no Brasil a partir de 1º de janeiro de 2000, não
podendo servir-se a recorrente, para comprovação de dissídio, de jurisprudência já superada.
9. Todavia, no tocante à alegada violação ao art. 538, parágrafo único, do CPC,

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tem razão a recorrente, pois os embargos declaratórios foram opostos com o intuito de
prequestionamento. Tal circunstância atrai a incidência da Súmula 98/STJ: “Embargos de
declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não têm caráter
protelatório”.
10. Ante o exposto, conheço em parte do recurso especial e, nesta parte, dou
parcial provimento, apenas para afastar a multa imposto com base no art. 538, parágrafo
único, do CPC.
É como voto.

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