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CURITIBA
2013
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
SETOR DE CIÊNCIAS JURÍDICAS
FACULDADE DE DIREITO
CURITIBA
2013
“Do what thou wilt shall be the whole of the Law”.
(Aleister Crowley)
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.....................................................................................................................p. 1
CONCLUSÃO.....................................................................................................................p. 40
BIBLIOGRAFIA..................................................................................................................p. 42
RESUMO
INTRODUÇÃO
1
Nesse sentido o autor prescreve: “O destino de nosso tempo, que se caracteriza pela
racionalização, pela intelectualização e, sobretudo, pelo desencantamento do mundo levou os
homens a banirem da vida pública os valores supremos e mais sublimes. Tais valores encontraram
refúgio na transcendência da vida mística ou na fraternidade das relações diretas e recíprocas entre
indivíduos isolados”. WEBER, Max. Ciência e política: duas vocações. São Paulo: Cultrix, 2007. p. 51.
2
GROSSI, Paolo. Mitologias jurídicas da modernidade. Tradução de Arno Dal Ri Júnior. Florianópolis:
Fundação Boiteux, 2007.p. 12.
2
da opinião dos antropólogos que tomaram por base análise de culturas alheias tidas
como “primitivas”, mas também de que forma essa magia passou a incorporar-se na
cultura Ocidental sem que tenha por isso perdido seus pressupostos de eficácia.
A partir daí, passa-se a traçar um paralelo entre o método de ação e
justificativa dos Rituais Mágicos e dos métodos de atuação do Direito inseridos no
paradigma Racional, analisando não apenas de que modo ocorrem e se justificam
as ações escolhidas dentro do sistema jurídico e dentro do sistema mágico, mas
também de que forma elas podem ser aproximadas no seu método de atuação
simbólico.
Dessa análise pretende-se demonstrar que, no campo simbólico, Direito e
Magia enquanto representação social, podem por vezes assemelhar sua
procedimentalização, através da técnica e da ritualização de seus meios que assim
conferem uma eficácia a priori, atribuindo legitimidade à ação.
4
4
O paradigma hegemônico do Direito na Modernidade construiu-se
através dos processos de racionalização, tendo como pano de fundo as sombras
deixadas pelo Iluminismo e sua busca pelo incessante uso da razão. Essa razão
deve ser contextualizada como um instrumento a serviço do homem moderno.
Esclarece-nos SANTOS que:
3
TOURAINE, Alain. Crítica da Modernidade. Tradução de Elia Ferreira Edel. 4. ed. Petrópolis: Vozes,
1997. p. 38.
4
Neste sentido, pretende-se trabalhar com a noção de paradigma exposto por Thomas Khun que
assim o define: "são as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum
tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma
ciência” KUHN, Thomas S. A Estrutura das Revoluções Científicas. 7 ed. São Paulo: Perspectiva,
2003. p. 13.
5
SANTOS, Boaventura de Sousa. Introdução a uma ciência pós-moderna. 6. ed. Porto:
Afrontamento, 2002.p. 37.
5
6
WEBER, Max. A ética protestante e o “espírito” do capitalismo. Tradução de Maria Irene de Q. F.
Szmrecsányi e Tamás J. M. K Szmrecsányi. 6. ed. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1989.p. 11.
6
7
WEBER, Max. Ciência e política: duas vocações. p. 42-43.
8
“Por ‘ação’ deve-se entender um comportamento humano, tanto faz que se trate de um comportar-
se externo ou interno ou de um permitir ou omitir, sempre quando o sujeito os sujeitos da ação ligam
a ela um sentido subjetivo”. WEBER, Max. Metodologia das ciências sociais. São Paulo: Editora da
Universidade Estadual de Campinas, 1995. p. 400.
9
Neste sentido, a ação arquetípica deve ser considerada como um recorte à realidade, e não uma
reprodução fidedigna desta: “A sociologia constrói – como já supomos evidente - tipos ideais e
procura descobrir regras gerais do acontecer. Em oposição à história, que se esforça em conseguir a
análise e imputação causal das personalidades, das estruturas e das ações individuais consideradas
culturalmente importantes. A construção conceitual da sociologia encontra o seu material
paradigmático, de maneira essencial, mas não de maneira exclusiva, nas realidades da ação
consideradas também importantes a partir do ponto de vista da história. Ela constrói também os seus
conceitos e busca para suas leis com o propósito, sobretudo, de poder prestar um serviço para a
imputação causal histórica dos fenômenos culturalmente importantes. Como acontece com toda
ciência generalizadora, uma condição da peculiaridade de suas abstrações no que se refere aos
conceitos, tende a dar-se de maneira que estes mesmos conceitos tendem a ser vazios em seus
conteúdos. O que ela pode oferecer em contrapartida é a univocidade elevada dos seus conceitos.
Esta elevada univocidade se alcança em virtude da possibilidade de um optimum da adequação de
sentido tal como acontece na conceituação sociológica. Por sua vez, esta adequação pode ser
alcançada na sua forma mais plena - e isto, sem dúvida, foi considerado até agora – através de
regras e conceitos racionais (racionais com relação a valores ou racionais com relação a fins)”.
LAZARTE, Rolando. Max Weber: ciência e valores. São Paulo: Cortez, 1996 p. 73.
7
para fins de estudo, conhecido como ação social 10 , que seria um método de
entender quais seriam os fatores e de que forma são sobrepesados para influenciar
o agente na tomada de sua decisão.
Assim, o autor define os critérios que podem desembocar nos tipos de
categorias da ação social:
A ação social, como toda ação, pode ser: 1) racional com relação a fins:
determinada por expectativas no comportamento tanto de objetos do mundo
exterior como de outros homens, e, utilizando essas expectativas como
“condições” ou “meios” para o alcance de fins próprios racionalmente
avaliados e perseguidos. 2) racional com relação a valores: determinada
pela crença consciente no valor – interpretável como estético, religioso, ou
de qualquer outra forma – próprio e absoluto de um determinado
comportamento, considerado como tal, sem levar em consideração as
possibilidade de êxito. 3) afetiva, especialmente emotiva, determinada por
afetos e estados sentimentais e atuais; e 4) tradicional: determinadas por
11
costumes arraigados.
10
“A ‘ação social’, portanto, é uma ação na qual o sentido sugerido pelo sujeito ou sujeitos refere-se
ao comportamento de outros e se orienta nela no que diz respeito a seu desenvolvimento”. WEBER,
Max. Metodologia das ciências sociais. p. 400.
11
WEBER, Max. Metodologia das ciências sociais. p. 417.
12
Cabe-nos aqui ressaltar observação de Weber acerca do Direito: “Tomemos ainda o exemplo da
ciência do Direito. Essa disciplina estabelece o que é valido segundo as regras da doutrina jurídica,
ordenada em parte, por necessidade lógica e, em parte, por esquemas convencionais dados;
estabelece, por conseguinte, em que momento determinadas regras de Direito e determinados
métodos de interpretação são havidos como obrigatórios. Mas a ciência jurídica não dá resposta à
pergunta: deveria haver um Direito e dever-se-iam consagrar exatamente estas regras? Aquela
ciência só pode indicar que, se desejamos certo resultado, tal regra do Direito é, segundo as normas
da doutrina jurídica, o meio adequado para atingi-lo”. WEBER, Max. Ciência e Política, duas
vocações. p. 37.
8
formal por ter uma lógica estabelecida em função dos objetivos e não dos
processos. A segunda distinção, entre as racionalidades meio finalística e
valorativa, deriva do fato de existirem vários tipos de ações e cada tipo
corresponde a um grau de maior ou menor racionalidade. A ação que é
racional quanto aos fins que se propõe a alcançar, a ação que é racional
quanto aos meios empregados, a ação “afetiva”, que é racional quanto aos
sentimentos, a ação tradicional que está próxima da irracionalidade, já que
fundada unicamente no hábito. De modo que um comportamento racional
não precisa, necessariamente, obedecer a uma lógica finalística. Pode ser
“valor-racional”, sempre que seus fins ou seus meios sejam religiosos,
morais ou éticos e não diretamente ligados à lógica formal, à ciência ou à
13
eficiência econômica.
13
THIRY-CHERQUES, Hermano Roberto. Max Weber: o processo de racionalização e o
desencantamento do trabalho nas organizações contemporâneas. Rev. Adm. Pública. vol. 43, n. 4.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034-76122009000400007&script=sci_arttext>.
Acesso em: 10 nov. 2013.
14
TENBRUCK, Friedrich. The problem of thematic unity in the works of Max Weber. British Journal of
Sociology. London: vol. 31, n. 3, set. 1980. p. 322.
15
“A ciência criou esse cosmo da causalidade natural e pareceu incapaz de responder, com certeza,
à questão de suas pressuposições últimas. Não obstante, ela, em nome da ‘integridade intelectual’,
arrogou-se a representação da única forma possível de uma visão racional do mundo”. WEBER, Max.
Rejeições religiosas do mundo e suas direções. In: TRAGTENBERG, Maurício (Org.). Textos
Selecionados / Max Weber. São Paulo: Abril Cultural, 1980. p. 265.
9
do indivíduo optar por uma “ação consciente”. Em seu livro Ciência e política, duas
vocações, temos um conceito mais claro:
16
WEBER, Max. Ciência e política, duas vocações. p. 180.
17
JASPERS, Karl. Ciência e verdade. O que nos faz pensar. In: Cadernos do Departamento de
Filosofia da PUC-RJ. n. 1, jun. 1989. p. 104-117. p. 105.
18
JASPERS, Karl. Ciência e verdade. p. 108.
10
para alcançar a verdade (como o mito), mas também, porque nesta culmina a
possibilidade da verdade natural:
19
GROSSI, Paolo. Mitologias jurídicas da Modernidade. p. 55.
20
“Com efeito não é de modo algum evidente que um fenômeno sujeito à lei do progresso albergue
sentido e razão. Por que motivo, então, nos entregamos a uma tarefa que jamais encontra fim e não
pode encontra-lo? Assim se age, responde-se, em função de propósitos puramente práticos ou, no
sentido amplo do termo, em função de objetivos técnicos.” WEBER, Max. Ciência e política, duas
vocações. p. 29.
21
COHN, Gabriel. Introdução. In: COHN, Gabriel (Org.). WEBER, Max. Sociologia – Coleção Grandes
Cientistas Sociais. São Paulo: Ática, 2004. p 21.
11
22
SANTOS. Boaventura de Souza. Introdução a uma ciência pós-moderna. p. 38.
12
(...) o objetivo da burocracia é o de gerir o poder. Esta gestão, por sua vez,
pode ser mais racional, quando mediada pelo tipo de administração
burocrática pura, (administração burocrático-monocrático), que ressalta os
aspectos da precisão, disciplina, continuidade, calculabilidade,
27
WEBER, Max. Ciência e política, duas vocações. p. 57-58.
28
Assim esclarece BOBBIO: "Weber e Kelsen interpretam no fundo o mesmo fenômeno da
convergência do Estado e do Direito, embora olhando-o de dois pontos de vista diferentes. Weber, a
partir de um ponto de vista da juridificação do Estado, ou seja do poder estatal, que se racionaliza
através de uma complexa estrutura normativa articulada e hierárquica; Kelsen, a partir da estatização
do Direito, ou seja do sistema normativo que se realiza através do exercício do máximo poder
(...)".BOBBIO, Norberto; MATEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política.
Tradução de Carmen C. Varrialle, Gaetano Loiai Mônaco, João Ferreira, Luis Guerreiro Pinto Caçais
e Renzo Dini. Brasília: UnB, 2004. p. 351.
14
29
ARGÜELLO, Katie Silene Cáceres. O Ícaro da modernidade: direito e política em Max Weber. São
Paulo: Acadêmica, 1997.. p. 82-83.
30
GROSSI, Paolo. Mitologias jurídicas da Modernidade. p. 12.
31
"Poder significa a probabilidade de impor a própria vontade, dentro de uma relação social, mesmo
contra toda a resistência e qualquer que seja o fundamento desta probabilidade". Weber, Max.
Economia y Sociedad – esbozo de sociologia compreensiva. México D.C. e Buenos Aires: Ed. Fondo
de Cultura Econômica, 1964. p. 43.
15
“(...) as leis possuem crédito não porque são justas mas porque são leis. É o
fundamento místico da autoridade delas, não tem outro fundamento, e é
bastante. Frequentemente são feitas por imbecis”. A dose vem recarregada
algumas linhas depois: “quem as obedece por serem justas, não dá a
34
obediência devida a elas”. (grifo nosso)
32
WEBER, Max. Economia y sociedad: esbozo de sociología comprensiva. p. 74.
33
GROSSI, Paolo. Mitologias jurídicas da Modernidade. p. 41
34
GROSSI, Paolo. Mitologias jurídicas da Modernidade. p. 42.
16
Pois bem, até aqui se falou de que forma foi construído o paradigma
racional Ocidental da Modernidade, trabalhando com conceitos weberianos de
racionalização para um agir racional. Demonstrando de que forma esse conceito de
racionalização espalhou-se por diversos campos de conhecimento da sociedade
moderna, consolidando-se na Ciência como detentora única da verdade e dessa
forma, de como o Direito e os demais campos estatais precisaram ter seus valores
atestados por ela para que se tornassem neutros e legítimos.
Evidenciou-se, assim, que na visão “politeísta de valores” que virá a
fundamentar as escolhas racionais do Direito, os autores abordados optam por
afirmar uma eficácia mágica do Direito pautado na crença deste como legitimador de
seus atos, distanciando-se assim da ideia de que o Direito tem uma racionalização
uni-valorativa pautada na razão.
Dentre os motivos que justificam essa validação, encontram-se o contexto
pretensamente racional que transmuta um valor de crença, para ser entendido como
racional de forma a prioristicamente sem que se tenha necessidade de que se
analise a situação como de acordo com os valores racionais.
Antes de demonstrarmos através de metodologia analítica de que forma
os valores ritualísticos advindos do sistema de racionalidade mágica podem interferir
na racionalidade utilizada pelo Direito, bem como na constituição de valor simbólico,
crença e na constituição de seu habitus (inserido dentro da teoria de BOURDIEU),
faz-se necessário delimitarmos o que é, e para fins didáticos, o que se entende por
magia.
35
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Tradução de Fernando Tomaz.10. ed. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. p. 189.
17
A noção que temos atualmente do que seria magia foi construída pelo
Iluminismo, que delimitou campos de atuação diferentes para magia, religião e
ciência. Em que pese, tenhamos identificado esses sistemas de pensamento em
todas as civilizações36, somente recentemente no Ocidente é que se pode distanciar
seus métodos e formas de interação social.
Assim, para fins metodológicos, trabalharemos com os conceitos trazidos
por MAUSS e HUBERT, confrontando-os com as teorias de seus pares como
37
DURKHEIM, MALINOWSKI e FRAZER . Tais autores caracterizam-se por
abordarem aspectos diferentes bem como posicionarem-se de forma heterogênea
acerca dos constitutivos da magia e de suas características.
Pinçaremos pontos específicos em comum que podem ser encontrados
nas teorias trabalhadas por tais antropólogos, priorizando a visão apontada por
MAUSS, já que, assim, será mais fácil aproximá-la quando do tratamento do poder
simbólico exercido pelo Direito, abordado por BOURDIEU.
Estes estudiosos, ao debruçarem-se sobre o tema, trouxeram novas
ideias e formas de se ver os entrelaçamentos desses três sistemas, na opinião de
MALINOWSKI:
36
“Assim como não existem, diga-se de passagem, quaisquer raças selvagens que não possuam
atitude científica ou ciência, embora esta falha lhes seja frequentemente imputada. Em todas as
sociedades primitivas, estudadas por observadores competentes e de confiança, foram detectados
dois domínios perfeitamente distintos, o Sagrado e o Profano; por outras palavras, o domínio da
Magia e da Religião e o da Ciência”. MALINOWSKI, Bronislaw. Magia, ciência e religião. Tradução de
Maria Georgina Segurado. Rio de Janeiro: Edições 70, 1948. p. 1.
37
Os autores supracitados apresentam como característica comum a definição de magia sempre
como oposição ao que se entende por magia. Ainda que concordemos que tal posicionamento deve
ser alvo de estudo, este viés não será apresentado neste trabalho, por acreditarmos que não é
conveniente ao que esta obra se propõe.
38
MALINOWSKI, Bronislaw. Magia, ciência e religião. p. 6.
18
39
SILVA, F. P. C. S. Magia: A Religião do “outro”. In: Veredas da História. São Paulo: 2010. p. 2-3.
40
“A palavra ‘magia’ deriva do grego antigo, e mais especificamente do termo ‘mageia’, o qual era
usado para descrever as práticas e crenças dos andarilhos ‘magi’ ou ‘magoi’, os quais se acredita
serem de origem persa. Estes ‘magi’ estrangeiros eram admirados pela sua sabedoria esotérica e seu
conhecimento de feitiçaria, que foi rapidamente absorvido e reinterpretado dentro do contexto grego,
apesar de que em alguma medida ainda fosse visto como uma intromissão estrangeira na cultura
local. A relação de certa forma ambivalente dos gregos com a magia ficou cimentada na cultura
Ocidental, e persiste até os dias de hoje, embora de um modo diferente”. Tradução livre do original:
“The word magic derives from ancient Greece, and more specifically from the term mageia, which was
used to describe the practices and beliefs of the wandering magi or magoi, believed to be of Persian
origin. These Foreign magi were admired for their esoteric wisdom and knowledge of sorcery, which
was quickly absorbed and re interpreted into the Greek context, although on some level it was still
viewed as a foreign intrusion in to local culture. The somewhat ambivalent relationship of the Greeks
with magic became cemented into Western culture, and persists to this day, albeit in different guise”.
BOGDAN, Henrik. Introduction: modern western magic. In: Aries. vol. 12, n. 1, jan. 2012.p. 3.
19
O ato médico não apenas permaneceu, quase até nossos dias, cercado de
prescrições religiosas e mágicas, preces, encantamentos precauções
astrológicas, mas também as drogas as dietas do médico, os passes do
cirurgião, são um verdadeiro tecido de simbolismos, de simpatias de
homeopatias, de antipatias e, de fato, são concebidos como mágicos. A
eficácia dos ritos e a da arte não são distinguidas, mas claramente
41
pensadas em conjunto.
41
HUBERT, Henri; MAUSS, Marcel. Esboço de uma Teoria Geral da magia. In: MAUSS, Marcel.
Ensaios de sociologia. São Paulo: Perspectiva, 2005.p. 56.
42
MAUSS, Marcel; HUBERT, Henri. Esboço de uma teoria geral da magia. p. 66.
43
ROSSI, Paolo. O nascimento da ciência moderna na Europa. Bauru: EDUSC, 2001.p. 59.
20
Um dos mais famosos é sem dúvida Eliphas LEVI, que tem seu sistema
de magia baseado no Hermetismo e atrela o conceito de magia à força de vontade
do homem utilizada para alterar o mundo. Baseado em seus escritos acerca da
Cabala, do Hermetismo e da Alquimia, consolida-se na Inglaterra vitoriana,
rapidamente vindo a espalhar-se por todo o Ocidente, a Ordem conhecida como
Golden Dawn, que tem como um de seus membros Aleister CROWLEY.
Polêmico escritor e filósofo ocultista, CROWLEY criou seu sistema magico
e filosófico conhecido como Thelema. Tal autor definia a magia como ciência e arte
de se alterar a realidade de acordo com sua vontade44. Além da vontade, em seus
escritos podemos encontrar diversas manipulações técnicas que, mediante a crença,
poderão levar o mago a transformação da realidade, de acordo com sua vontade.
O termo vontade também aparece nos estudos antropológicos, quando
MAUSS diferencia o poder criador da vontade mágica: “sua vontade faz com que
efetue movimentos dos quais os outros são incapazes” 45.
Ao mesmo tempo em que CROWLEY delimitava a magia, dando-lhe
assim uma aparência de racionalidade formal, postulando teorias e teoremas em
suas obras, também estendeu o âmbito da magia, já que considerava todo ato
intencional um ato mágico. Podemos perceber, portanto, que a magia não é deixada
de lado com o avanço da racionalidade, senão readaptada à sua nova realidade.
Esta adaptação da magia a nosso paradigma, pretendendo-se forma de
ciência, não foi alvo de estudos dos antropólogos clássicos já que, para a grande
maioria, ainda persiste a ideia de que a magia seria uma fase pré-científica presente
em povos tidos como primitivos.
Tal pensamento é respaldado pelas análises de FRAZER, para quem a
magia estaria mais próxima da ciência do que da religião, sendo considerada “sua
46
irmã bastarda” . Ele observa através de seu paradigma evolucionista, as
necessidades de se passar por um estágio mágico imediatamente anterior ao
paradigma científico.
Considerando que as mesmas causas produzirão sempre os mesmos
efeitos, o mago convencer-se-ia de que por isso deve respeitar um método, o que na
opinião de FRAZER abre caminho à valorização do talento e dá autoridade às
44
CROWLEY, Aleister. Magick without tears (Eletronic Version). Disponível em:
<http://hermetic.com/crowley/magick-without-tears/> Acesso em: 10 out. 2013.. p. 52.
45
MAUSS, Marcel; HUBERT, Henri. Esboço de uma teoria geral da magia. p. 70.
46
MONTERO, Paula. Magia e pensamento mágico. São Paulo: Atica, 1986. p. 53.
21
O mago que pratica estas leis crê implicitamente que elas regem o
funcionamento da natureza inanimada. Em outras palavras, tacitamente
admite que as leis de semelhança e de contato são de aplicação universal e
não se limitam às ações humanas. Em síntese, a magia é um sistema
espúrio de leis naturais, uma errônea guia de conduta, uma falsa ciência e
uma arte abortada. Considerada como sistema de leis naturais, é dizer, um
estatuto de regras que determina a sequência dos acontecimentos em todo
o mundo, podemos caracterizá-la como magia teórica. Se a consideramos,
entretanto, como uma série de preceitos que os seres humanos observam
para conseguir os objetivos, poderia chamar-se de magia prática. Mas, ao
mesmo tempo devemos ter presente que o mago primitivo só conhece a
magia em seu aspecto prático, porque nunca analisa os processos mentais
em que se baseia e nem reflete sobre os princípios abstratos que regem
suas ações. Para ele, como para a maioria dos homens, a lógica é implícita,
não explicita; ele entende como digere seus alimentos, ignorando por
completo os processos mentais e fisiológicos essenciais em uma e outra
operação. Em suma, para ele a magia sempre é uma arte, nunca uma
ciência. O verdadeiro conceito de ciência não existe em sua mente
rudimentar. Fica para o estudo da filosofia descobrir o curso do pensamento
pelo qual se embasa a prática do mago; desenrolar os poucos fios da
emaranhada madeixa, separar os princípios abstratos de suas aplicações
47
concretas. Em síntese, discernir a ciência espúria do ato bastardo.
47
Tradução livre do original: “El mago que practica estas leyes cree implícitamente que ellas rigen el
funcionamiento de la naturaleza inanimada. En otras palabras, tácitamente admite que las leyes de
semejanza y de contacto son de aplicación universal y no se limitan a las acciones humanas. En
síntesis, la magia es un sistema espúrio de leyes naturales, una errónea guía de conducta, una falsa
ciencia y un arte abortado. Considerada como sistema de leyes naturales, es decir como un estatuto
de reglas que determinan la secuencia de los acontecimientos en todo el mundo, podemos
caracterizarla como magia teórica. Si la consideramos en cambio como una serie de preceptos que
los seres humanos observan para conseguir sus objetivos, podría llamarse magia práctica. Pero al
mismo tiempo debemos tener presente que el mago primitivo sólo conoce la magia en su aspecto
práctico, porque nunca razona los procesos mentales en los que se basa ni reflexiona sobre los
principios abstractos que rigen sus acciones. Para él, como para la mayoría de los hombres, la lógica
es implícita, no explícita; él razona como digiere sus alimentos, ignorando por completo los procesos
mentales y fisiológicos esenciales en una u otra operación. Em suma, para él la magia siempre es un
arte, nunca una ciencia. El verdadero concepto de ciência no existe en su mente rudimentaria. Queda
para el estudio de la filosofía descubrir el curso del pensamiento en el cual se basa la práctica del
mago; desenredar los pocos hilos de la embrollada madeja, separar los principios abstractos de sus
aplicaciones concretas. Em síntesis, discernir la ciencia espuria del acto bastardo”. FRAZER, James
George. La Rama Dorada – Magia y Religión. Ciudad de México, Fondo de Cultura Económica, 1996.
p. 3.
22
48
MONTERO, Paula. Magia e pensamento mágico. p. 54.
49
MALINOWSKI, Bronislaw. Magia, ciência e religião. p. 10.
50
“A ciência nasce da experiência, a magia é construída através da tradição. A ciência é norteada
pela razão e corrigida pela observação; a magia, imune a ambas, vive numa atmosfera de misticismo.
A ciência está aberta a todos, é um benefício para toda comunidade, a magia é oculta, ensinada
através de misteriosas iniciações, transmitida hereditariamente ou pelo menos com grande
seletividade. Enquanto a ciência assenta na concepção de forças naturais, a magia desponta a ideia
de um determinado poder místico e impessoal, em que a maior parte dos povos crê”. MALINOWSKI,
Bronislaw. Magia, ciência e religião. p. 4.
23
51
MALINOWSKI, Bronislaw. Magia, ciência e religião. p. 31.
52
MALINOWSKI, Bronislaw. Magia, ciência e religião. p. 31.
53
MONTERO, Paula. Magia e pensamento mágico. p. 56
24
54
Tradução livre do original: “According to the Realists, legal outcomes were actually determined by
judges’ individual preferences and ideology - and actually should be determined by straightforward
empirical and evaluative analysis. Precedential hierarchies, doctrinal formulas, and procedural rules
were all a kind of “magic solving words," “word ritual,” and “legal myth” that obscured the real reasons
for court decisions. Although the most important Realist writings were produced a long time ago, they
exert a powerful continuing influence. Complaints about "talismanic" reasoning and "magic words"
continue to crop up. Doubtless most comparisons of law and magic today are purely rhetorical;9 but
during the Realist heyday similarities between legal and magical practices were the object of serious
investigation, and recently a few scholars have again begun to consider the connections among law,
magic and ritual”. ALLEN, Jessie. A theory of adjudication: law as magic. In: Public Law & Legal
Research Paper Series. Working Paper 07-10, jul. 2007. New York: New York University School
of Law, 2007. p. 2.
25
55
Novamente salientamos que argumentação seguida por MAUSS é a da definição da magia em
contraposição ao sistema religioso o qual não adotaremos por motivos metodológicos, dessa forma,
separações entre rito publico x rito secreto.
56
MAUSS, Marcel; HUBERT, Henri. Esboço de uma teoria geral da magia. p. 57.
26
57
BOURDIEU, Pierre. Poder simbólico. p. 213.
58
MAUSS, Marcel; HUBERT, Henri. Esboço de uma teoria geral da magia. p. 80.
27
dessa forma uma simbologia própria separando os “aptos” dos que não estariam
prontos a utilizar-se de suas técnicas, limitando assim não só a atuação dos agentes
externos a ele, mas, também a interpretação dos juristas.
É de conhecimento comum, por exemplo, que os juristas se utilizam de
termos rebuscados, que são entendidos com plena significação apenas entre os
sujeitos já acostumados a seu meio, dando vazão ao uso desnecessário e excessivo
de jargões jurídicos, acompanhados de termos técnicos bem como denotando floreio
excessivo da língua e subterfúgios linguísticos desnecessários, de forma a excluir-se
assim a sociedade civil deste entendimento. Convencionou-se assim a chamar tal
“dialeto” de juridiquês59, o que também entendemos como elemento constitutivo do
habitus jurídico.
Assim, se por um lado limita-se a manipulação do Direito apenas aos que
já possuem conhecimento prévio acerca do “arcano jurídico”, de outro, atesta-se o
poder constitutivo, estruturado e estruturante, do habitus e de que forma sua eficácia
tem legitimidade na ritualística. 60
Deve-se tomar como regra geral que as práticas são sempre efetuadas
por especialistas mágicos que gozam de tal posicionamento porque dotados de
crença pública no meio em que se vive. Dessa forma, a eficácia do ato mágico utiliza
como respaldo a tradição não apenas de sua gesticulação, mas também dos
poderes simbólicos concedidos aos membros da sociedade em que participa, sendo
59
“Diagnosticada a mazela, põe-se a querela a avocar o poliglotismo. A solvência, a nosso sentir,
divorcia-se de qualquer iniciativa legiferante. Viceja na dialética meditabunda, ao inverso da almejada
simplicidade teleológica, semiótica e sintática, a rabulegência tautológica, transfigurada em
plurilingüismo ululante indecifrável. Na esteira trilhada, somam-se aberrantes neologismos
insculpidos por arremedos do insigne Guimarães Rosa, espalmados com o latinismo vituperante.
Afigura-se até mesmo ignominioso o emprego da liturgia instrumental, especialmente por ocasião
de solenidades presenciais, hipótese em que a incompreensão reina. A oitiva dos litigantes e das
vestigiais por eles arroladas acarreta intransponível óbice à efetiva saga da obtenção da verdade real.
Ad argumentandum tantum, os pleitos inaugurados pela Justiça pública, preceituando a estocástica
que as imputações e defesas se escudem de forma ininteligível, gestando obstáculo à
hermenêutica. Portanto, o hercúleo despendimento de esforços para o desaforamento do
“juridiquês” deve contemplar igualmente a magistratura, o ínclito Parquet, os doutos patronos das
partes, os corpos discentes e docentes do magistério das ciências jurídicas. Entendeu? É desafiadora
a iniciativa da AMB de alterar a cultura lingüística dominante na área do Direito e acabar com
textos em intrincado juridiquês, como o publicado acima. A Justiça deve ser compreendida em
sua atuação por todos e especialmente por seus destinatários. Compreendida, torna-se ainda
mais imprescindível à consolidação do Estado Democrático de Direito”. ASSOCIAÇÃO DOS
MAGISTRADOS BRASILEIROS. O judiciário ao alcance de todos: noções básicas de juridiquês.
2005. p. 4.
60
Neste sentido podemos perceber que os termos técnicos, indicativos da prevalência daaposta da
modernidade no mito da ciência, também serve como barreira que impede o acesso da sociedade
civil, de maneira geral, ao Direito. Fato este que motivou o lançamento da “Campanha pela
Simplificação do Juridiquês” promovida pela OAB no ano de 2005.
28
que: “o que lhes confere virtudes mágicas não é tanto seu físico individual quanto a
atitude tomada pela sociedade em relação a todo seu gênero” 61.
Podemos identificar, portanto, que há aproximação da legitimidade do
Direito na teoria weberiana com o que BOURDIEU identifica como Poder Simbólico,
porque ambos exercem sua eficácia mágica mediante crença e desta forma
legitimam o operador do Direito da mesma forma que ocorre a legitimação do agente
mágico:
O poder simbólico é um poder que aquele o qual está sujeito dá aquele que
o exerce, um credito que ele credita, uma fides uma auctoritas, que ele lhe
confia pondo nele sua confiança. É um poder que existe porque aquele que
está sujeito crê que ele existe. CREDERE, diz Benveniste, é literalmente
colocar o KRED, quer dizer, a potência mágica, num ser que se espera
62
proteção, por conseguinte, crer nele. (grifo nosso)
Assim a crença, que aqui pode ser entendida também como justificada
num mito, da mesma forma gera uma potencia mágica, que se sustenta enquanto
representação social da eficácia do Direito. Novamente BORDIEU afirma a questão
dessa eficácia mágica enquanto produto da fé social:
O homem político retira sua força política da confiança que um grupo põe
nele. Ele retira o seu poder propriamente mágico sobre o grupo da fé na
representação do próprio grupo que ele dá ao grupo que é uma
63
representação do próprio grupo e sua relação com outros grupos. (grifo
nosso)
61
MAUSS, Marcel; HUBERT, Henri. Esboço de uma teoria geral da magia. p. 65.
62
BOURDIEU, Pierre. Poder simbólico. p. 188.
63
BOURDIEU, Pierre. Poder simbólico. p. 188.
29
desdobramento do mágico no contato com estes seres e assim estes o tem como
escolhido; e a mais comum: a um ritual dotado de características iniciáticas.
Trata-se nesse caso de uma representação, geralmente mítica, em que o
indivíduo é iniciado e considerado renovado. Dessa forma, geralmente exploram-se
temas como morte e ressurreição, ou concepções fantásticas como se “as entranhas
do mágico foram renovadas pelos espíritos”. Isso quer dizer que para a sociedade
cria-se um novo indivíduo que tem seus poderes confirmados pelo rito iniciático.
O mito dessa forma compreende-se intrinsecamente ligado a prática da
virtude mágica. Nas palavras de MALINOWSKI:
64
MALINOWSKI, Bronislaw. Magia, ciência e religião. p. 87.
30
65
MAUSS, Marcel; HUBERT, Henri. Esboço de uma teoria geral da magia. p. 79.
66
MAUSS, Marcel; HUBERT, Henri. Esboço de uma teoria geral da magia. p. 88.
31
67
CARNEIRO, Rafael Prince. Sacralidade e Direito. São Paulo, 2008, 44 f. Monografia – Faculdade
de Direito – Universidade de São Paulo. p. 15.
68
BOURDIEU, Pierre. Poder simbólico. p. 227.
32
O fato de toda encantação ser uma fórmula e de todo rito manual possuir
virtualmente uma fórmula já demonstra o caráter formalista de toda magia.
Em relação às encantações, ninguém jamais pôs em dúvida que elas
fossem ritos, sendo tradicionais, formais e revestidas de uma eficácia sui
generis; jamais se concebeu que palavras produzissem fisicamente os
efeitos desejados. Em relação aos ritos manuais, o fato é menos evidente:
pois há uma correspondência mais íntima, às vezes lógica, às vezes mesmo
experimental, entre o rito e o efeito desejado; é certo que os banhos de
vapor, as fricções mágicas aliviaram realmente os enfermos. Mas, na
realidade, as duas espécies de ritos possuem claramente os mesmos
caracteres e prestam-se às mesmas observações. Ambas se passam num
69
mundo anormal.
69
MAUSS, Marcel; HUBERT, Henri. Esboço de uma teoria geral da magia. p. 94.
70
“A forma mais simples dessa noção de contiguidade simpática nos é dada na identificação da parte
ao todo. A parte vale pela coisa inteira”. MAUSS, Marcel; HUBERT, Henri. Esboço de uma teoria
geral da magia. p. 100.
71
A ideia de continuidade mágica, que esta se realize por relação prévia do todo com a parte ou por
contato acidental, implica a ideia de contágio.
72
“Dessa lei de similaridade se conhecem duas fórmulas principais, que importa distinguir: o
semelhante evoca o semelhante, similia similibus evocantur; o semelhante age sobre o semelhante e,
especialmente, cura o semelhante, similia similibus curantur”. MAUSS, Marcel; HUBERT, Henri.
Esboço de uma teoria geral da magia. p. 50.
73
MAUSS, Marcel; HUBERT, Henri. Esboço de uma teoria geral da magia. p. 106.
33
74
BOURDIEU, Pierre. Poder simbólico. p. 240.
75
“Aided by the Realist critiques and analyses of magic and ritual in other cultural contexts, I have
identified five techniques of legal magic: (1) enacting performance, (2) heightened formality, (3)
performativity, (4) temporal play, and (5) transformative analogy”. ALLEN, Jessie. A theory of
adjudication: law as magic. p. 11.
76
Assim são definidos os Realistas por CARNEIRO: “um movimento que despontou,
concomitantemente, na alvorada do século passado, nos Estados Unidos da América e na
Escandinávia. Ambas as vertentes questionavam os aspectos mágicos do direito, usados para
mascarar o arbítrio, o poder em estado puro” (CARNEIRO, Rafael Prince. Sacralidade e Direito. São
Paulo, 2008, 44 f. Monografia – Faculdade de Direito – Universidade de São Paulo. p. 21). ALLEN
esclarece ao tratar sobre a corrente de pensamentos: “Legal realism has fundamentally altered our
conceptions of legal reasoning and of the relationship between law and society. (…) All major current
schools of thought are, in significant ways, products of legal realism”.
34
que não pode haver condenação do réu á revelia, já que ele estaria ausente de todo
esse processo.
Em relação à formalidade elevada, ALLEN esclarece:
77
Tradução livre do original: “Legal and magic rituals are both extraordinarily sensitive to time and
place. In the judicial process it matters enormously when and where an argument is made or a fact
revealed. In most other important government or, for that matter, private decision making, beyond the
basic need to get the information to the decision makers and the practical need for a decision at some
point, it does not much matter whether an idea is expressed in June rather than January, or in a coffee
shop rather than an official government building. In adjudication, however, as in magic, such
contextual distinctions make the difference between success or failure. Strict procedural rules about
waiver, exhaustion, and preservation mean that unless lawyers present their arguments and facts at
exactly the time and place determined by the judge according to the legal rules, they will be utterly
ineffective, regardless of the substance of the matters discussed.” ALLEN, Jessie. A theory of
adjudication: law as magic. p.13.
35
como se quanto maior for a distância entre os objetos comparados entre si, mais
força adesiva sua eventual associação realiza” 78.
Sustenta-se, ainda, que a magia é objeto de crença que, aliás, não opera
de forma muito diferente da crença na verdade científica, já que a crença tanto na
magia quanto na ciência e nos paradigmas do Direito é sempre atribuída de forma a
priori. Quer dizer, a fé na magia precede a experiência.
A eficácia observada na magia deve ser atrelada ao conceito de mana
que pode ser configurado a priori como medida de uma potencialidade mágica ou
uma força mágica que, à medida que atua, tem a possibilidade de alterar a realidade,
pois nela se resume também a força do rito como um todo. É ainda uma força infinita,
mas com poder de atuação dentro dos limites de seu ritual, isto é, trazendo para
uma realidade mais convencional à nossa linguagem jurídica, poderíamos dizer que
se a mana tem potencialidade de transformação do mundo circundado ao ambiente
mágico, pode ser comparada com o poder de atuação dos operadores do Direito que,
ainda que possam causar mudanças no mundo real, ficam restritos a fazê-las a
partir do mundo do ordenamento jurídico.
Este mundo constituído pelo Direito não apenas implica, como já tratamos,
a divisão entre os iniciados e os não iniciados, mas também que no uso de
linguagem própria, vestimenta, para que se construa essa noção jurídica com a
funcionalidade de justificar aprioristicamente as decisões judiciais, assim ocorre um
verdadeiro desvio de poder, dos “judiciáveis” aos seres “comuns” enquanto
encontram-se em uma situação jurídica:
A situação judicial funciona como lugar neutro, que opera uma verdadeira
neutralização das coisas em jogo por meio da <desrealização> e da
distanciação implicadas na transformação da defrontação directa dos
interessados em diálogos entre mediadores. Os agentes especializados,
enquanto terceiros - indiferentes ao que está diretamente em jogo (o que
não quer dizer desinteressados) e preparados para apreenderem as
realidades escaldantes do presente atendo-se a textos antigos e
78
Tradução livre do original: “In both legal and magical analogies, the diversity of the source objects
contributes to the power of the eventual association. It is as though the greater the distance between
the objects likened to one another, the more adhesive force their eventual association carries.”
ALLEN, Jessie. A theory of adjudication: law as magic. p.22.
36
Esse conceito de “lugar neutro” pode ser aproximado do que é tido como
“mana” na análise feita por STRAUSS dos escritos encontrados no Esboço de uma
teoria geral sobre a magia, na medida em que entende tal conceito como um
fundamento dos juízos a priori, atuando como força misteriosa ou potência secreta
dotada de um significado flutuante. Ainda, entende a mana como uma função
semântica “cujo papel é permitir ao pensamento simbólico exercer-se apesar da
contradição que lhe é própria” 80. Assim nos resume STRAUSS:
79
MAUSS, Marcel; HUBERT, Henri. Esboço de uma teoria geral da magia. p. 39.
80
MAUSS, Marcel; HUBERT, Henri. Esboço de uma teoria geral da magia. p. 43.
81
MAUSS, Marcel; HUBERT, Henri. Esboço de uma teoria geral da magia. p. 39.
82
MAUSS, Marcel; HUBERT, Henri. Esboço de uma teoria geral da magia. p. 143.
37
83
MAUSS, Marcel; HUBERT, Henri. Esboço de uma teoria geral da magia. p. 155.
84
MAUSS, Marcel; HUBERT, Henri. Esboço de uma teoria geral da magia. p. 159.
38
85
BOURDIEU, Pierre. Poder simbólico. p. 225.
86
MAUSS, Marcel; HUBERT, Henri. Esboço de uma teoria geral da magia. p. 177
39
pode ter sua forma de atuação muito próxima do que se entende por magia. A
linguagem trabalhada por ambos, fortemente marcada pela questão técnica é fonte
de justificação que ocorre de forma acrítica, pois, goza de um poder simbólico que a
imbui de eficácia mágica perante a sociedade.
A causa desse poder, como pudemos analisar, é a crença, seja ela nas
instituições e no poder de previsibilidade propiciado pela burocracia administrativa
descrito por WEBER, ou a crença exercida através do poder simbólico analisado por
BORDIEU. Essa crença intimamente ligada a questões míticas também se faz
presente na explicação da atuação dos mágicos analisados por MAUSS, justificando
assim, a analise aproximativa que nos propusemos a fazer entre Direito e Magia.
40
CONCLUSÃO:
BIBLIOGRAFIA
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Research Paper Series. Working Paper 07-10, jul. 2007. New York: New York
University School of Law, 2007.
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Coleção Grandes Cientistas Sociais. São Paulo: Ática, 2004.
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 4. ed. São
Paulo: Saraiva, 2005.
43
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MAUSS, Marcel. Ensaios de sociologia. São Paulo: Perspectiva, 2005.
JASPERS, Karl. Ciência e verdade. O que nos faz pensar. In: Cadernos do
Departamento de Filosofia da PUC-RJ. n. 1, jun. 1989. p. 104-117.
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TENBRUCK, Friedrich. The problem of thematic unity in the works of Max Weber. In:
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WEBER, Max. Ciência e política: duas vocações. São Paulo: Cultrix, 2007.
WEBER, Max. Metodologia das ciências sociais. São Paulo: Editora da Universidade
Estadual de Campinas, 1995.