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O Salto Do Canguru
O Salto Do Canguru
A história maranhense, após o declínio do Estado Novo, foi marcada pela ascensão
política de um “preposto civil do poder central”, Victorino Freire.1 Este foi um dos
principais articuladores da campanha do general Dutra à presidência, além de
responsável pela organização do PSD no Maranhão. Formado em aliança com chefes
tradicionais, este partido obteve consagradora vitória eleitoral em dezembro de 1945,
passo importante na trajetória da “raposa”. Dessa forma, condição fundamental de seu
domínio foram as ligações na esfera federal, na medida em que o vitorinismo seria
“resultante da posição [dominante] ocupada pelo PSD dentro do sistema político”. Ligado
de maneira umbilical às estruturas do Estado, o partido se caracterizava “pela
sustentação de mandonismos locais”, contexto que possibilitou ao político pernambucano
tornar-se um dos “coronéis do PSD, posição essa adquirida dado o controle político que
exercia sobre o Maranhão”, transformado em “autêntica propriedade política”.2
O quadro político se caracterizava ainda pela existência das Oposições Coligadas
(frente de grupos tradicionais alijados do poder). Conforme um analista, a coligação não
era de esquerda, porém “representava um passo à frente no quadro político e social do
estado, dominado então pelas oligarquias rurais”. Seria “inegavelmente um movimento
progressista”, apoiado por todos os sindicatos e desfrutando de “uma grande simpatia no
seio da classe média e das populações marginalizadas dos subúrbios” da capital.3 No
seio desta frente, destacava-se o PSP, de características populistas, financiado pelo
paulista Adhemar de Barros. A agremiação contava com um matutino, o Jornal do Povo.
Outro importante diário oposicionista foi o vespertino O Combate, órgão do Partido
Republicano (PR – o “partido dos pés-rapados”).
Embora nunca tenham conseguido derrotar eleitoralmente a máquina de Victorino
(alicerçada no PSD e no uso sistemático da “Universidade da Fraude”), as Oposições
conseguiram eleger parlamentares, além de aglutinar o apoio de diversos segmentos,
especialmente das massas populares de São Luiz, que chegaram a “explodir” num amplo
movimento contra a posse do governador Eugênio Barros, eleito de forma fraudulenta. Foi
a Greve de 1951, em que a capital ficou completamente paralisada por uma greve geral,
nos meses de fevereiro/março (15 dias) e setembro/outubro (20 dias). Sua magnitude foi
tal que reunia nas manifestações diárias contingentes de 3 a 4 mil pessoas na “Praça da
Liberdade”. Dada a extensão e riqueza das manifestações populares (incluindo
trabalhadores, estudantes, classe média, políticos e mesmo empresários), São Luiz
recebeu a alcunha de Ilha Rebelde, centro de resistência e oposição à violenta oligarquia.
“Mudo, antes o tiroteio comeu alto, roçou de ponta a ponta: a lei falou sua
fala. Sim, a fala-força dos fuzis, das balas, não belas, amarelas. Bolos de
mortos. Para se ir à morte não é preciso passaporte. Um quieto domina a
Praça Dom Pedro II. Gente morrida matada, corpos sangrando, lares sem
pais, filhos, tudo, a prostituição. As gentes estavam rebeladas: a corrupção,
as velhas estruturas, o caciquismo e o sindicato da fraude. Universidade da
fraude (A mão maquiavélica de Vitorino. ‘Uma porca será eleita, até pro
Senado, se ele desejar’ – diziam) assim chamaram”.
“— Escuta esta, fala baixo, dizem que foi muita gente enterrada viva, só com
a perna quebrada, por exemplo, mas era ordem superior. Moradores dali de
junto do [cemitério de] São Pantaleão contam que ouviam os gemidos, os
apelos”.4
Destarte a vinculação inicial com o vitorinismo, sua carreira foi marcada por vários
saltos entre governo e oposição até a década de 1960. Já na Câmara Federal, em 1955,
integrou um grupo de deputados dissidentes do PSD que ingressaram na UDN. Nas
eleições de 1958 foi eleito deputado federal pelas Oposições Coligadas. Em 1960, a UDN
abandonou a frente oposicionista, para apoiar a candidatura vitoriosa do PSD ao governo
maranhense (Newton Bello, 1961-65), obtendo cargos executivos em troca. Este
posicionamento custou ao partido as mais severas críticas por parte dos demais
segmentos oposicionistas que consideraram espúrio o acordo PSD / UDN.
Simultaneamente, a UDN apoiou a candidatura de Jânio Quadros. Sua eleição
possibilitou uma breve mudança no padrão de relações com o governo federal, pois “no
lugar de Vitorino brilhava com intensa luminosidade em Brasília a estrela do deputado
José Sarney”.8 A condição de vice-líder do governo Quadros tornou-o porta-voz do
executivo estadual junto ao Palácio do Planalto. Nesse ínterim, alcançou outros cargos,
tais como o de vice-presidente do Diretório Nacional da UDN. Sua participação na “Bossa
Nova”, ala moderna do partido, aproximou-o das posições progressistas, chegando a
compor a Frente Parlamentar Nacionalista, movimento suprapartidário que buscava
aprovar no Congresso Nacional os projetos de Reformas de Base.9
Com as mudanças geradas pela renúncia de Quadros (ago/1961) e o advento da
“solução parlamentarista” (com o retorno da hegemonia do PSD), as relações entre o PSD
e a UDN no Maranhão foram se deteriorando, até que, em março de 1962, a aliança foi
rompida. Dessa forma, nas eleições de 1962, a UDN retornou às Oposições, elegendo
Sarney como o 2o deputado mais votado do estado. Segundo um analista, “a expressiva
votação” de Sarney, bem como sua “invejável posição popular na capital”, tinham gerado
as credenciais necessárias para que o mesmo pleiteasse a candidatura a governador em
1965, pelas Oposições Coligadas.10
O segundo nome cogitado era o do deputado federal Neiva Moreira (PSP). Em fins
da década de 1950, este parlamentar havia alcançado certa projeção no cenário político
nacional em virtude da participação na Frente Parlamentar Nacionalista. Em suas
memórias, o jornalista relembra um cartaz da campanha de 1958 que sintetizava seu
projeto político-ideológico: “Quem NÃO apoiar a Reforma Agrária, uma Política Externa
Independente, a Nacionalização da Economia, a Liberdade Sindical, a Educação e Saúde
para todos NÃO vote em Neiva Moreira”.11 Sua guinada à esquerda, porém, teve
desdobramentos importantes, pois, de um lado, afastou-o do líder nacional do PSP,
Adhemar de Barros; e, de outro, transformou-o no alvo preferencial da campanha
anticomunista decretada pelos setores conservadores do Maranhão, afetando seu
desempenho eleitoral.
Nessa conjuntura, o Jornal do Povo tornou-se o porta-voz das lutas e aspirações
reformistas, acompanhando o acirramento do conflito político-ideológico no país e
apoiando as mobilizações sociais. No campo, os trabalhadores rurais organizavam-se
contra a grilagem e a invasão das lavouras pelo gado, defendendo sua permanência na
terra e a realização da reforma agrária. Foram criados inúmeros sindicatos, bem como a
Associação dos Trabalhadores Agrícolas do Maranhão (ATAM), sob a influência do PCB.
Por outro lado, já se fazia presente a ação dos setores progressistas da Igreja Católica
(precursor da Teologia da Libertação), caso do padre Alípio de Freitas, que defendeu a
palavra de ordem das ligas camponesas ("Reforma Agrária na lei ou na marra") em sua
Carta Aberta aos Lavradores.12 Outros exemplos de atividades pastorais do setor
progressista foram a ACR (Animação dos Cristãos no Meio Rural), a JAC (Juventude
Agrária Católica), o Movimento de Educação de Base (MEB) e a catequese avançada
conduzida por D. Antônio Fragoso (Bispo Auxiliar de São Luiz), considerado um dos
expoentes da Igreja Progressista no Brasil.13
Em São Luiz, cresciam as mobilizações de estudantes, trabalhadores e intelectuais
em torno das bandeiras que empolgavam o país às vésperas do golpe de 1964. Foi
organizada, em fins de 1963, a Frente de Mobilização Popular (FMP), órgão de
coordenação da luta pelas reformas de base e pela constituição de um governo
nacionalista. Verificou-se, dessa forma, um amálgama entre o ideário político reformista e
o discurso de oposição ao vitorinismo no Maranhão. Nas páginas do Jornal do Povo foi
lançada a candidatura do “canguru”. Assim, na antevéspera do golpe de 1964, a matéria
“Partidários de Sarney querem iniciar comícios em abril” dava conta que, em Brasília,
“setores oposicionistas anunciam que está prevista para a segunda quinzena de abril a
realização nos bairros de São Luiz dos primeiros comícios do deputado José Sarney”,
candidato à sucessão do governador Newton Bello.14 Apenas a título de ilustração, pode-
se citar o artigo “64: Luta e Vitória”, de 1º de janeiro de 1964, escrito pelo então
progressista deputado da UDN: