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RESUMO
O presente artigo tem como objetivo estabelecer uma reflexão sobre o papel
hegemônico do discurso contemporâneo sobre Direitos Humanos como condição para
a despolitização da política. A partir desse pressuposto se postula a atuação da
religiosidade evangélica pós-cristã brasileira como um agente não-hegemônico
importante para tal despolitização da política e, consequentemente, para a obstrução
de uma contra hegemonia que permita a emancipação das minorias segregadas no
Sul Global.
INTRODUÇÃO
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Termo se refere ao desenvolvimento das teologias antes classificadas por Mariano (2005) como neopentecostal.
Assim, o neopentecostalismo era caracterizado como: igrejas fundadas a partir dos meados da década de 1970,
incorpora aspectos mais liberais e mentos ascéticos e que se envolve em atividades empresariais, políticas e
culturais que antes eram rejeitadas pelas igrejas pentecostais. O tipo ideal evangelicalismo pós-cristão, aqui
referido apresenta uma radicalização e uma ruptura com o neopentecostalismo. A radicalização se dá por meio
da ênfase na participação política institucional que, a partir do início do século XXI, torna-se sinônimo do modo
como evangélicos pós-cristãos entendem e empreendem sua atividade de evangelização (antes entendida quase
exclusivamente como atividade de proselitismo religioso e que no novo ambiente inclui, sobretudo, a ocupação
de espaços de poder e autoridade na sociedade, constituindo-se assim como um projeto de poder), o que reforça a
teologia política fundamentalista cristã, cuja a hermenêutica se constrói também em contraposição à
hermenêutica da teologia da libertação católica, com frutos visíveis na política brasileira. A ruptura se refere à
expectativa de realização escatológica que no cristianismo católico medieval e na teologia luterana se projetava
para o futuro pós-histórico e que na teologia evangélica pós-cristã se dá dentro da história por meio da
transformação política da sociedade por meios dos valores propostos por estas igrejas
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REVISÃO DE LITERATURA
liberdade que cada um possui de usar o próprio poder...” ele está definindo tal direito
como um traço ontológico do sujeito. “O novo direito natural é “o poder de fazer
qualquer coisa”, uma soberania ilimitada e indivisa do Eu” que o define como ser
(DOUZINAS, 2009, p. 86).
Significa também que o Direito Natural não é definido como desejo racional,
antes é um apetite que coloca o corpo em ação e que, com suas ações, concretiza
sua existência no mundo. Douzinas, portanto, define:
O ser não é mais a criação de uma primeira causa divina, tampouco se
aproxima da realidade como uma cópia de um original pré-existente. O
homem é produtivo, sua essência deve ser encontrada no seu “fazer” e no
seu “movimento corporal”, ele se torna o criador e a causa das ações e o
outorgador de sentido a uma realidade profana. O Eu como agente reconhece
a si mesmo como o centro da tomada de decisão com um poder que não se
origina nem de emoções puras nem de inteligência pura. O poder da vontade
é único. Este poder encontra sua perfeita manifestação na decisão. Ao
finalizar a deliberação e tomar a decisão, o Eu desejante projeta a si mesmo
no mundo e se torna um agente Soberano (DOUZINAS, 2009, p. 87).
Por esta via, Douzinas sumariza a principal contribuição de Hobbes para a
política moderna. A saber, a entronização do sujeito como agente livre torna-se o mote
da política e o fundamento para a lei, bem como para o poder do Estado. O Direito
Natural, sediado no indivíduo é o mecanismo regulador fundamental da sociedade. O
cerne do Direito Natural, por sua vez, é a busca por satisfação (DOUZINAS, 2009, p.
88).
Antes de tratar propriamente dos desdobramentos para a afirmação do
indivíduo como sujeito da política, conforme apresentado acima, cabe ressaltar que
Locke mantém estes aspectos individualistas e volitivos firmados por Hobbes em sua
própria filosofia política liberal. Como lembra Douzinas:
Assim como Hobbes [para Locke] (...) ‘A natureza (...) depositou no homem
um desejo de felicidade e uma aversão à miséria; estes, na verdade, são
princípios práticos inatos’. O direito de buscar a felicidade é o único direito
inato, ele vem primeiro e funda a lei da natureza. (DOZINAS, 2009, p. 95)
Assim, no sistema filosófico lockeano observa-se a felicidade como Direito
Natural central. E tal conceito, de felicidade, é traduzido na prática como busca pela
autopreservação. Para se auto preservar o homem, além de controlar as forças
superiores às suas deve conquistar o mínimo para se manter, isto é, deve usufruir de
propriedade. Logo, Locke lançando mão do recurso da Natureza Humana e a associa
ao conceito de Direito Natural, a qual Hobbes também utilizara, e reconstrói a noção
de Natureza Humana a partir de uma observação à lei e dos direitos de propriedade
(DOUZINAS, 2009, p. 96).
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das diferentes vontades ainda é mantido nas interações dos cidadãos (ROUSSEAU,
1978).
Hunt lembra do papel dos romances epistolares na produção de uma cultura
de empatia que permitiu, por exemplo, pensar o Outro como um igual.
Os romances apresentavam a ideia de que todas as pessoas são
fundamentalmente semelhantes por causa de seus sentimentos íntimos, e
muitos romances mostravam em particular o desejo de autonomia. Dessa
forma, a leitura dos romances criava um senso de igualdade e empatia por
meio do envolvimento apaixonado com a narrativa (HUNT, 2012, p. 39).
Concordando com a autora, pode-se afirmar que os romances epistolares
foram apenas um dos fatores para consolidar a cultura da empatia que possibilitou o
desenvolvimento da ideia de igualdade que fundamentou as Revoluções do século
XVIII. Antecedendo esta produção literária e preparando o “campo cultural” observa-
se a produção filosófica que criou uma nova ordem jurídica centrada no indivíduo
(HUNT, 2012, p. 39). Tanto produção filosófica quanto produção literária, contudo,
concorrem para formar a ideia de indivíduo universal, portador de desejos e razões,
que através da própria ação deve moldar seu destino. A ideia de indivíduo possuidor
de desejos, detentor de direitos naturais universais e estes amplamente relacionados
com a busca da própria satisfação, da própria realização criou o anteparo jurídico
necessário que mais tarde foi apropriado pela literatura. Esta concepção passou a
difundir este novo ideal de ordem na sociedade europeia. A sociedade deveria se
organizar a partir dos Direitos Naturais deste homem, abstrato, sequioso por ser feliz.
O mais importante a ser frisado aqui é a ideia de que por ser um Direito
Natural, intrínseco à existência humana, esta busca por satisfação e felicidade não se
restringe mais à apenas uma classe, a um gênero ou à uma etnia. Esta ideia é
anunciada como constituinte da realidade. Portanto, a sociedade deveria se organizar
a partir dela. A cultura literária discutida por Hunt demonstra um outro fator, os Direitos
Naturais não são apenas uma elucubração racional de filósofos empedernidos. Eles
passaram a habitar na estrutura relacional cotidiana de diferentes pessoas permitindo
que elas pudessem desenvolver uma empatia mínima uns pelos outros, fazendo com
que a violação de direitos, ou dito de outra forma, o estranho destino das mulheres,
por exemplo, fosse sentido mais vividamente por outras gentes indiferente do seu
gênero ou classe social (HUNT, 2012, p. 42, 58, 59).
A individualidade desejante seria, tanto para Hobbes quanto para Locke, a
característica comum compartilhada por todos os homens e que os torna iguais. É o
direito natural de agir em busca da felicidade e da satisfação que funda tanto a ideia
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A LEI E O ESTADO
Resta, por fim, uma última afirmação sobre os conceitos de lei e de Estado
que se tornam importantes para a política moderna. Hobbes e Locke, discutidos
acima, evidentemente observaram um problema lógico decorrente da afirmação do
desejo como fundamento da ação política e como cerne do Direito Natural.
Douzinas chama a atenção para dois problemas decorrentes da centralização
do desejo individual como fundamento do Direito Natural identificados e discutidos
pelos próprios autores. O primeiro problema é justamente o da igualdade referida
acima. A igualdade natural revelada no fato de todos desejarem torna também
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inegável que o desejo em busca de satisfação só reconhece como limite a força que
o impeça (DOUZINAS, 2009, p. 88).
Além disso, torna-se um problema justamente a incapacidade de o desejo
distinguir entre diferentes níveis de prazer e de dor e a partir daí associar a dor e a
morte com valores morais negativos, o mau, que deve ser combatido e exterminado.
Bem como a associação do prazer com o bem a ser buscado e privilegiado acima de
qualquer coisa. Dito de forma simples, a partir desse contexto a luta pelo prazer,
entendido como uma luta justa pelo Direito Natural, se generaliza e se estende a todas
as relações humanas.
Assim, como Douzinas argumenta, Hobbes formula a teoria que legitima o
reconhecimento político do desejo e, consequentemente, do direito sobre o dever.
“Quando o indivíduo se torna o centro do mundo, quando o medo, o ódio e o amor são
as únicas finalidades, os únicos fins da ação cada um tem o direito à autopreservação
e aos meios de alcançá-la” (DOUZINAS, 2009, p. 88). O Direito Natural hobbesiano é
a fonte donde emana o caos e a desordem que clama por força disciplinadora. O
desejo incontrolável é também o cerne da guerra generalizada. Não é muito diferente
em Locke. O Estado de Natureza é marcado pelo conflito constante.
É a força insuperável do desejo que levará ao estabelecimento das leis civis.
Na lógica violenta do desejo incontrolável se (re)descobre a lei natural. A lei natural
fora anunciada por Hobbes como “o preceito ou regra geral, estabelecido pela razão,
mediante o qual se proíbe a um homem fazer tudo o que possa destruir sua vida”
(HOBBES, apud DOUZINAS, 2009, p. 84). E a lei natural trás a lume o limite do desejo,
isto é, o desejo de autopreservação que leva os indivíduos a considerarem a renúncia
da própria liberdade em busca da segurança que pode ser oferecida pela comunidade
e pela sujeição contratual desta ao Soberano (DOUZINAS, 2009, p. 89).
A paixão ilimitada no Estado de Natureza hobbesiano produz o Soberano
ilimitado. O Estado é, portanto, consequência indireta da preeminência do Direito
Natural na forma como formulado por Hobbes. Sem o impacto da consciência da
igualdade universal promovida pela noção do Direito Natural a elucubração de um
Soberano todo poderoso simplesmente se tornaria inviável. É o medo advindo da
possibilidade de todos se destruírem em busca do próprio Direito Natural que torna
viável a criação do Estado soberano, do Leviatã que possui poder irrestrito cuja
soberania não pode ser perdida. A partir de então é o Estado que se torna o único
legislador sem necessidade de a nenhuma lei se sujeitar.
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precedente. Esta ideia foi responsável por fundamentar a noção de um ser humano
abstrato e universal. Um ser humano que em essência é desejo. Assim, foi percepção
justificação teórica que legitimou a igualização jurídica e ontológica do homem na
filosofia política do século XVII. Esta ideia foi responsável também pelo processo que
culminou no processo de judicialização da política. Pois, se o que há de mais essencial
no homem é o desejo incontrolável, então ante os conflitos por aquilo que se deseja
há de se criar uma força limitadora. A partir de então o Estado enquanto
monopolizador da violência se consolidaria como a via legitima de se impor as leis. E
as leis civis, bem como os direitos reconhecidos pelo Estado seria a única forma de
se expressar legitimamente no campo político. Esta se tornou, sem dúvidas, a via
hegemônica de fazer política.
Assim, as Revoluções Burguesas que inauguraram a modernidade no
Ocidente tornaram o mundo o reflexo do indivíduo idealizado pelo Direito Natural.
Douzinas (2009, p. 100) afirma que tanto a Declaração Francesa quanto a Declaração
de Independência dos Estados Unidos consolidaram a perspectiva jusnaturalista da
igualdade dos seres humanos.
Hunt salienta que os documentos produzidos a partir dessas revoluções
tinham um cunho declaratório, isto é, que denotavam uma mudança na soberania dos
Estados abrigados sob tais declarações (HUNT, 2012, p. 114). E a partir de tais
declarações, portanto, os direitos naturais discutidos pelos filósofos jusnaturalistas e
que fundamentaram o pensamento revolucionário, os sentimentos individualistas que
motivaram a mudança em alguns comportamentos da Europa do século XVII, estes
deveriam ser o fundamento do governo (HUNT, 2012, p. 116).
Assim, o que se segue após a consolidação formal dos Direitos Naturais por
via revolucionária é um crescente e constante “estatização do direito e da política”. Os
contemporâneos às revoluções burguesas e seus sucessores tinham razão ao
declararem que uma vez conquistada a consciência dos direitos conforme declararam
por via dos atos revolucionários tal consciência jamais deixaria de recrudescer.
Quando a autora apresenta, portanto, a luta pelos protestantes por
reconhecimento e participação política no novo Estado francês ela apresenta esse
movimento histórico de fortalecimento da percepção do direito no Estado Moderno.
No entanto, indiretamente, Hunt apresenta um segundo traço que passa a se
desenvolver a partir de então, a necessidade do Estado, enquanto instituição política
monopolizadora da violência reconhecer e assegurar tais direitos.
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via regulada pelas leis promulgadas pelo Estado. Esta se tornou a via hegemônica da
política nos séculos XIX e XX.
Arendt (2012, p. 406) ressalta que no século XX o homem se emancipou
da natureza como o homem do século XVIII teria se emancipado da história por meio
do Direito Natural. A história e a natureza se tornaram separadas e indiferentes à
sociedade humana no sentido de que o homem em seu fundamento não pode ser
compreendido e/ou explicado por nenhuma das duas. Para Arendt, no decorrer do
século XIX e início do século XX a humanidade, enquanto ideia reguladora, assumiu
um papel que antes fora atribuído pela Natureza ou pela História. A partir de então o
direito de ser reconhecido como cidadão, ou o “direito de ter direitos” deveria ser
garantido pela própria humanidade.
Tal ideia, argumenta Arendt, transcende as organizações internacionais e
a lei internacional moderna. Para que tal concepção, de humanidade como reguladora
do direito se efetive torna-se necessário, a formulação de uma concepção de lei que
identifique o direito com a noção do que é bom partindo, portanto, para medidas
absolutas centradas na humanidade como um critério regulador da “bondade” a ser
aplicada (ARENDT, 2012, p. 407).
No entanto, o que se percebe, segundo Arendt, no desenvolvimento
histórico do século XIX foi o acirramento das tensões étnicas quanto ao
reconhecimento da cidadania e uma gradual, porém, decisiva, afirmação do Estado
político como regulador do direito e como único apto a resolver os conflitos sociais e
garantir os direitos a seus cidadãos. Essa torna-se a perspectiva hegemônica na
modernidade e se perpetua contemporaneamente, apesar dos questionamentos que
passaram a se formular durante o final do século XX e início do século XXI.
sociais bem como atua para a perpetuação da autoridade tradicional (SANTOS, 2014,
p. 35).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
CONCLUSÕES
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL 247. Damares ataca feministas: não gostam de homens porque são feias.
In: Brasil 247. 2019. Disponível < https://www.brasil247.com/brasil/damares-ataca-
feministas-nao-gostam-de-homens-porque-sao-feias> Acessado em: 05/08/19
DOUZINAS, Costas. O FIM dos Direitos Humanos. São Leopoldo: Unisinos, 2009.
https://expressonacional.com/entrevista-com-a-dra-damares-alves-pastora-e-advogada-do-
senador-magno-malta/> Acessado em 05/08/2019.
HUNT, Lynn. A Invenção dos Direitos Humanos. Uma História. Curitiba: A Página,
2012.