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Introdução
1
COLLINS, John J. Introduction: towards the morphology of a genre. In: ______ (Ed.). Apocalypse:
the morphology of a genre (Semeia 14). Missoula: The Society of Biblical Literature, 1979. p. 1.
2
Definição de “apocalipse”
2
COLLINS, A imaginação apocalíptica, p. 48.
3
COLLINS, Introduction, p. 9.
4
COLLINS, A imaginação apocalíptica, p. 35.
5
FIORENZA, Elisabeth Schüssler. Composition and structure of the book of Revelation. The Catholic
Biblical Quarterly, Washington, v. 39, n. 3, p. 344-366, July 1977.p. 356.
3
apocalíptico. Esse não é constituído por um ou mais temas distintivos, mas por uma
combinação distintiva de elementos que também podem ser encontrados em outros gêneros
literários. A palavra-chave para a definição é “transcendência”: o modo de revelação requer a
mediação de um ser sobrenatural, já que ela não se enquadra no compasso do conhecimento
humano6. O apelo à origem sobrenatural da revelação fornece uma base de segurança e
orientação, além de conferir autoridade ao texto apocalíptico.
Collins, evidentemente, tenta elevar a sua definição a um nível de generalização que a
torne aplicável também a alguns escritos gnósticos, greco-romanos e persas. Porém, a
definição da versão judaica do gênero requer desdobramentos que evidenciem a sua forma, o
seu conteúdo e a sua função7. Do ponto de vista formal, o escritor apocalíptico compõe sob
um pseudônimo (um vulto da tradição judaica), em primeira pessoa, descrevendo uma visão
(sonho ou êxtase ou rapto celeste) e fazendo discursos de despedida, exortações, orações e até
mesmo recitando hinos. O conteúdo: mostra uma era presente, desprezada e vista com
pessimismo, pois se encontra sob o domínio de Satanás, e uma era vindoura, exaltada como
um tempo de maravilhas; considera o todo do mundo e das pessoas, não apenas os judeus,
destacando a ressurreição e o julgamento individuais; ensina que Deus preordenou todas as
coisas, segundo um plano, inclusive os eventos do fim iminente (eschaton). Finalmente, os
apocalipses têm a função de motivar o leitor/ouvinte a plasmar a sua visão de mundo e,
consequentemente, o seu agir segundo a perspectiva transcendente.
Escatologia apocalíptica
No século XIX, o termo “escatologia” começou a ser utilizado para designar a parte da
teologia sistemática que trata do futuro individual (morte, ressurreição, julgamento, vida
eterna, céu e inferno) e dos tópicos relacionados com as expectativas coletivas de Israel (vinda
do Messias, grande tribulação, ressurreição, julgamento final, reino messiânico temporário e
recriação do universo) e da Igreja cristã, que adota as expectativas de Israel, subordinando-as
à esperança da segunda vinda de Cristo. Os estudiosos geralmente distinguem entre
“escatologia profética” e “escatologia apocalíptica”, destacando seja a continuidade, seja a
mudança que a segunda opera em relação à primeira. A escatologia profética é possuidora de
6
COLLINS, Introduction, p. 10.
7
As características apresentadas a seguir resultam de uma confluência das ideias de Philipp Vielhauser
(1965) e de David Hellholm (1986), referidas respectivamente por THOMPSON, The book of
Revelation, p. 18-19 e AUNE, David E. and Christian Apocalyptic. Word & World, Saint Paul, v. 25,
n. 3, p. 233-245, Summer 2005. p. 234-235.
4
uma perspectiva otimista, que mostra Deus atuando através de processos históricos e que, até
mesmo, antecipa a restauração das condições primordiais da existência humana no mundo
(cf., por exemplo, Is 2,4)8.
A escatologia apocalíptica, ao invés, é pessimista em relação à ordem presente, que é
vista como domínio temporário de Satanás e seus agentes e que há de ser substituída por Deus
pela ordem edênica anterior à queda9. A cosmovisão apocalíptica diz que a vida humana está
situada em um contexto que é modelado pelo mundo transcendente. A escatologia
apocalíptica visa a esse mundo transcendente, apontando para um tipo de existência humana
radicalmente distinta da atual, na qual todos os percalços, inclusive a morte, serão superados.
O conteúdo escatológico da revelação apocalíptica vislumbra, portanto, o outro mundo, que é
a fonte do conhecimento renovado e da salvação futura10. Porém, é importante perceber que
nem todos os apocalipses trazem uma escatologia voltada ao cenário do final da história.
Existem também aqueles (3Baruc, Apocalipse de Sofonias) em que a escatologia assume
simplesmente a forma de um julgamento individual pós-morte, sem referência ao final dos
tempos11. Seja como for, a esperança escatológica apocalíptica está respaldada na retribuição
para além das fronteiras da história.
Linguagem apocalíptica
8
AUNE, Understanding Jewish and Christian Apocalyptic, p. 237.
9
Ibid., p. 236.
10
COLLINS, Introduction, p. 10-11.
11
COLLINS, A imaginação apocalíptica, p. 32.
12
RUSSELL, D. S. The method and message of Jewish apocalyptic. London: SCM Press Ltd., 1964.
p. 122-123.
5
modelou. Também, uma alusão mitológica em contexto apocalíptico não implica equivalência
de significado com o mito original13.
O símbolo difere do signo, porque o simbolizante e o simbolizado pertencem a dois
planos distintos – respectivamente o material e o imaterial – enquanto o significante e o
significado pertencem ao mesmo plano material, sensível e observável. O símbolo é, também,
diferente da metáfora, pois essa sempre se formula numa frase, que relaciona duas realidades
distintas, mas que pertencem ao mesmo plano ou ao mesmo nível. Além do mais, enquanto o
símbolo estimula a fantasia, a reflexão e as emoções, a metáfora tem uma função
primordialmente cognitiva: ela procura revelar um aspecto do objeto que ficaria oculto ou
inacessível ou ainda imperceptível. Porém, tanto o símbolo quanto a metáfora são evocativos
e polissêmicos. O símbolo também não se confunde com a alegoria, porque essa é um
fenômeno restritamente literário (como a metáfora) e porque, na alegoria, cada elemento tem
um significado próprio, o que não combina com a polissemia simbólica14.
O símbolo é, portanto, a mais globalizante das formas de linguagem conotativa. Uma
qualidade inerente à imagem simbólica é a sua estrutura triangular, pela qual há uma
coincidência entre aquilo que a imagem é em si mesma, a representação (gráfica, ortográfica,
cromática etc.) daquilo que ela reproduz e a sua referência à coisa simbolizada. A pluralidade
interpretativa se introduz no terceiro nível, quando mais de uma conotação poderia satisfazer
corretamente à projeção evocativa da imagem simbólica. No caso particular de um relato
simbólico, o conteúdo preciso englobado por um símbolo pode sofrer mudanças de um
estágio ao outro da narração, devido às eventuais conotações semânticas, pragmáticas ou
conceituais que se lhe vão agregando ao longo do processo narrativo.A razão de ser do caráter
plurivalente do símbolo repousa justamente na sua natureza analógica. Assim, cabe ao
intérprete perceber, ao longo do movimento mutatório da imagem, qual o sentido analógico
que mais convém a cada situação15.
Apocalipse de João
Uma vez que a definição geral do gênero apocalíptico apresentada por Collins tem
como ponto de partida o Apocalipse de João, é natural que a obra preencha os pré-requisitos
13
COLLINS, A imaginação apocalíptica, p. 41-43.
14
ARENS, Eduardo; MATEOS, Manuel Díaz. O Apocalipse, a força da esperança: estudo, leitura e
comentário. São Paulo: Loyola: 2004. p. 29-32.
15
CUADRADO, José Fernando T. Apocalipsis: estética y teología. Roma: Editrice Pontificio Istituto
Biblico, 2007. (Subsidia Biblica, 31). p. 91.
6
Conclusão
A literatura apocalíptica dos judeus alcançou o seu apogeu no período que começa com a
guerra dos Macabeus e que termina com a revolta sob Adriano, isto é, de 168 a.C. a 132 d.C 22·. Os
exemplos de escritos apocalípticos são muito raros na Bíblia, de modo que a maioria das
obras pertencentes ao gênero é classificada como apócrifa. O livro de Daniel (Dn 7–12) é o
único livro apocalíptico encontrado no Antigo Testamento, mas muitos outros apocalipses
foram escritos no judaísmo primitivo, sendo os principais 1Henoc (composto de cinco
apocalipses distintos), 2Henoc, 2Baruc, os Oráculos Sibilinos e o Apocalipse de Abraão. Do
lado cristão, o Apocalipse de João é a única composição sistemática do gênero incluída no
cânon escriturístico. Porém, o cristianismo primitivo também produziu muitos outros
apocalipses como, por exemplo, o Pastor de Hermas (início do século II), o Apocalipse de
20
PIKAZA, Apocalipsis XII, p. 217-218.
21
COLLINS, A imaginação apocalíptica, p. 388-389.
22
BAILEY John W. Jewish apocalyptic literature. The Biblical World, Chicago, v. 25, n. 1, p. 30-42,
Jan. 1905. p. 30.
8
Pedro (antes do ano 150), a Ascensão de Isaías (final do século II) e o Apocalipse de Paulo
(meados do século III)23.
Certos aspectos da apocalíptica judaica não se aplicam ao Apocalipse, assim como
também algumas características do escrito destoam do padrão do gênero. Dois exemplos
significativos disso são a ausência da pseudonímia no Apocalipse e a vitória final, que não se
concentra exclusivamente na intervenção futura de Deus, mas que já se faz realidade no
sacrifício consumado por Jesus Cristo, o Cordeiro imolado (Ap 5,12; 7,14; 12,11). Ainda
assim, as semelhanças entre a obra do vidente de Patmos e a literatura apocalíptica judaica são
muitas, de modo que a definição básica do gênero se aplica adequadamente ao Apocalipse 24.
A ausência da pseudonímia é uma fuga bastante limitada das convenções do gênero,
exercendo pouca influência na estrutura conceitual da obra, e mesmo que a função do Messias
seja mais exaltada no Apocalipse do que nos apocalipses judaicos, as convenções do gênero
se mostram de maneira clara, por exemplo, na figura messiânica do cavaleiro de Ap 19,11-21
(cf. 4Esd)25.
23
AUNE, Understanding Jewish and Christian Apocalyptic, p. 234.
24
OSBORNE, Apocalipse, p. 15.
25
COLLINS, A imaginação apocalíptica, p. 396.