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A Revolução

KS
Apple
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A LT
T RA
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AM

Rio de Janeiro, 2014

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Sumário

KS
Nota do Autor & Agradecimentos x

PARTE I: OS DOIS STEVES 1

OO
Prólogo: Falando Sobre a iGeneration 2
1  A História Secreta dos Computadores 9
2  Hackers: Hipsters com Cabeça de Anjo 28
3  A Grande e Divertida Apple do Ácido do Refresco Elétrico 58

5  Um Sistema Operacional Sofisticado


6  Grandes Artistas Roubam
AB
4  Um Conto de Dois Processadores de Textos 86
100
125
LT
7  Jovens Maníacos 152
8  O Volksmacintosh 184
A

parte II: A Melhor Opção 215


9  This Ain´t the Summer of Love 216
RA

10  Sexo, Drogas e Pixar Animation 253


11  Another Brick In The Wall 283
12  Medo e Delírio Em Um Ciclo Infinito 295
T

parte III: Como Steve Jobs Reinventou O Computador,


OS

A CorporaçãO E O Capitalismo Global 319


13  Pense Diferente 320
14  A Ideologia de Cupertino 338
AM

15 Appletopia 363

Epílogo: ¡Viva La Revolución! 404


Entrevistados 420
Bibliografia 421
Índice 429

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PRÓLOGO

KS
FALANDO SOBRE A
iGENERATION

OO
“Eu creio que os hackers... formam o mais
interessante e produtivo grupo de in-
telectuais desde os autores da Consti-
tuição dos Estados Unidos. Nenhum outro

AB
grupo que eu conheço traçou um plano com
a intenção de dominar a tecnologia e ob-
teve sucesso. Eles não apenas o fizeram
contra o desinteresse da América corpo-
rativa, como forçaram a mesma América a
LT
se adaptar ao seu estilo... Agora a alta
tecnologia é desenvolvida pelos próprios
consumidores de massa, ao invés de ser
desenvolvida para eles... as mais discre-
A

tas subculturas dos anos 1980 emergiram


como as mais inovadoras e poderosas - e
mais reticentes em relação ao poder.”
RA

Stewart Brand,
Whole Earth Review (1985)
T

Um nova-iorquino, dirigindo para casa em um dia no final do mês de março


OS

de 1999 e que, por acaso, tivesse olhado para cima de relance ao passar pela
parte leste da Rua 14 de Manhattan, poderia muito bem ter sido surpreen-
dido. Entre as Avenidas A e B, um gigantesco outdoor de 22,85m 2 com o
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característico slogan da Apple — Think Different (“Pense Diferente”) — em


destaque na lateral de um edifício de seis andares. Não havia nada de extra-
ordinário na existência do outdoor por si só. Nem com o estilo que a empresa
de computadores, localizada em Cupertino no Estado da Califórnia, vinha
adotando com grande sucesso desde 1997, mesmo ano em que um dos funda-
dores da Apple, Steve Jobs, retornou ao grupo após uma década no anonima-
to high-tech. O slogan, de maneira não formal, colocou em palavras exatas o
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que os chefes, funcionários e fãs da Apple vinham dizendo desde o início: a


Apple pensou diferente.
As palavras foram colocadas ao lado das imagens de algumas das figuras

KS
mais reconhecíveis dos últimos cem anos: Albert Einstein, Martin Luther King
Jr., John Lennon, Muhammad Ali, Pablo Picasso e outros. Foram selecionadas
por Jobs e pela agência de propaganda responsável pelos produtos da Apple,
a TBWA/Chiat/Day, pela vasta e indelével contribuição de cada um, nos mais

OO
diversos aspectos, ao longo do século XX. Também porque, de alguma manei-
ra, eram intencionalmente controversos. Como o comercial “Pense Diferente”
apontou, foram figuras reverenciadas e insultadas durante suas vidas. Como
um membro dos Beatles, John Lennon fez parte do grupo que mexeu com a

AB
música pop em suas raízes. “Ninguém jamais será mais revolucionário, mais
criativo ou mais original!”, escreveu Robert Greenfield, ex-editor da revista
Rolling Stone. Entretanto, Lennon também defendeu apaixonadamente seu
desejo de um mundo livre da violência advinda de ideologias, ao ponto de sua
música “Imagine”, de 1971, ser apresentada nos Estados Unidos com a frase
LT
“and no religion too” (“e também sem religião”) trocada por “and one religion
too” (“e uma religião também”). Nesse meio-tempo, Muhammad Ali conquis-
tou admiração e respeito como campeão mundial dos pesos pesados e lenda
A

do boxe, mas também teve seu título anulado e sua licença suspensa em 1967,
depois de recusar a convocação do serviço militar para lutar na Guerra do
RA

Vietnã. Durante a administração de Lyndon Johnson, ele declarou: “Nenhum


vietcongue jamais me chamou de ‘crioulo’”.
Ironicamente, muitas das razões que fazem com que essas pessoas sejam
admiradas e amadas hoje são as mesmas que as transformaram em vilões em
T

suas épocas. De certa maneira, o outdoor da Apple representou a ideia de que,


com o devido tempo, tudo se torna respeitável.
OS

Por isso esse outdoor em particular parecia tão audacioso. Aqueles que
dirigiam para passar pela parte leste da Rua 14, quando o viam, paravam
seus carros e saíam para observá-lo. Tendo isso ocorrido dois anos antes da
AM

popularização das câmeras digitais, muitas pessoas tiraram fotos utilizando


câmeras descartáveis para que os filmes fossem revelados depois. De qual-
quer maneira, certamente essa imagem tinha algo que prendia a atenção.
Os mais velhos podem tê-la visto como vulgar ou, ainda, apelativa e de mau
gosto para os críticos mais severos. Os mais novos podem tê-la julgado pro-
vocativa ou como a apropriação de outros elementos da cultura pop em uma

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A Revolução Apple

visão retrô, no mesmo ano em que era lançado um filme sobre a indústria
do entretenimento adulto na Califórnia dos anos 70, Boogie Nights — Prazer
sem Limites (apenas Boogie Nights no original), estrelado por Mark Wahlberg

KS
e um sucesso de bilheteria. Não importa qual reação provocava, é inegável
que a imagem escolhida era extremamente controversa. Conforme as pessoas
olhavam para cima e viam as imagens dos rostos expressivos e as observavam
de soslaio, questionavam-se sobre o mesmo tema: Charles Manson, conheci-

OO
do assassino em série, era realmente a melhor escolha para ser o porta-voz da
nova Apple Computer?



AB
Ao que parece, Manson — diferentemente do que ele próprio possa ter pensa-
do — não era de fato o mais recente representante da mais alternativa compa-
nhia de computadores. A imagem era uma criação de Ron English, um artista,
grafiteiro das ruas e agente cultural que chamou para si a iniciativa de “rou-
LT
bar” os outdoors para transmitir suas próprias mensagens subversivas. Ele se
referia a isso como “subvertising”. Um dos outdoors de English que apareceu
em Nova York, em 1990, apresentou um similar do ícone americano Tio Sam
A

com a legenda: “Censura é bom, porque nono nononono nonono”. Outra obra
foi inspirada em um anúncio dos cigarros Camel, com a representação de um
camelo perguntando a outro: “Já viciou mais algum garoto hoje?”.
RA

English não escolheu seus alvos de maneira aleatória. Tudo estava rela-
cionado ou a questões sobre as quais ele tinha firmes opiniões ou a empresas
que, em sua concepção, ofenderam-no gravemente. A implicância de English
T

em relação à campanha “Pense Diferente” da Apple foi com a apropriação de


algumas das figuras mais representativas da história do século XX como meio
OS

de promoção da empresa. Se ainda estivesse vivo, será que Gandhi, por exem-
plo — o defensor do desapego aos bens materiais, que via a ganância da civili-
zação moderna por riqueza e prazeres terrenos como sua maior decadência —,
teria sido o primeiro da fila para atuar como garoto-propaganda de um novo
AM

computador? “A religião de nossa sociedade é o mercantilismo”, disse English,


“mas a primeira vez que vi os anúncios da campanha ‘Pense Diferente’, isso me
tirou do sério. Eu não podia acreditar que as imagens daquelas pessoas haviam
sido vendidas. É como se o revolucionário de hoje fosse o corporativista de
amanhã. Eu pensei: você quer pensar diferente? Bom, aqui está”.

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A alteração no outdoor havia ocorrido naquela manhã, bem debaixo (ou


melhor, diretamente acima) do nariz das pessoas. English saiu cedo de seu
pequeno apartamento em Tribeca, Manhattan, onde morava com sua esposa,

KS
Tarssa Yazdani, e seus dois filhos, Zephyr e Mars. Para essa missão estava
acompanhado pelo diretor Don Goede, de uma editora do Lower East Side;
Janet O’Faolain, integrante de um grupo de dança contemporânea; e pelo
dono de uma gravadora independente, chamado Jake Szufnarowski. O grupo

OO
pegou um trem da estação de metrô City Hall até a Union Square e caminhou
o restante do trajeto em direção à parte leste da Rua 14. Enquanto Faolain
se afastava para preparar a câmera que usaria na filmagem da ação, English,
Goede e Szufnarowski subiram seis lances de escadas para alcançar o topo de

AB
um prédio ao lado. Ali eles misturaram um balde de cola de amido de milho
e, então, utilizando-se de brochas de cerdas duras presas a longos cabos de
madeira, aplicaram a base pastosa sobre a superfície do outdoor. Isto foi feito
cuidadosamente. Eles, então, desenrolaram a versão de English para a campa-
LT
nha “Pense Diferente”, com as dimensões de 6,71m x 3,35m e a posicionaram.
Todo o procedimento não durou mais do que vinte minutos. Anos de “apro-
priação” de outdoors ensinaram a English que a melhor maneira de não ser
pego por esse tipo de atividade era justamente realizá-la aos olhos de todos.
A

Nenhum cidadão de Nova York se preocuparia em fiscalizar a colocação de


um novo outdoor na cidade. As pessoas tendem a suspeitar quando algo é feito
RA

de maneira oculta e na escuridão. Mesmo em uma cidade que nunca dorme,


encontrar trabalhadores com esse grau de dedicação é bastante incomum.
Os indícios de que aquilo não era parte de uma campanha oficial da Apple
podiam ser notados após um exame mais detalhado. Um olhar mais atento
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revelava que as faixas arco-íris que caracterizam o logo da Apple — em ver-


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de, amarelo, laranja, vermelho, roxo e azul — eram, no caso do trabalho de


English, um emaranhado de traços, um emblema utilizado por ele como sua
assinatura desde seus dias como estudante do ensino médio em Decatur, Illinois.
Dada a natureza demagógica de seu trabalho, English estava acostumado a
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reações extremas. Porém, enquanto alguns poucos se manifestavam em favor


das companhias de cigarro, do McDonald’s ou da censura governamental, a
Apple era diferente. Ela era o reduto de artistas, designers, músicos e jornalis-
tas que lutavam pela liberdade. Naomi Klein, autora do aclamado manifesto
antiglobalização Sem Logo — A Tirania das Marcas de um Planeta Vendido
(no original: No Logo: Taking Aim at the Brand Bullies), usou um Mac. Por-
tanto, quanto a isso, English reagiu. “Há tantas pessoas que me dizem:
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A Revolução Apple

‘Ei! A Apple tem excelentes produtos. Por que você tem de persegui-los?’,
recorda-se.
Para ser levado a sério ele não recuou. De qualquer maneira, seu próxi-

KS
mo passo para agitar a cultura pop seria ainda mais ofensivo para a fideli-
dade à Apple.
Foi um anúncio “Pense diferente” ilustrado pelo CEO da Microsoft, Bill Gates.

OO


Quando Steve Jobs faleceu, em 5 de outubro de 2011, aos 56 anos, inúmeras pu-
blicações e outros meios de comunicação fizeram referências a suas raízes, mos-
trando-o como uma criança de pensamentos diferentes nos anos 60. Ele cresceu

AB
em Cupertino, na costa oeste americana, há pouca distância de São Francisco,
onde uma grande revolução cultural estava acontecendo, mas, ao menos apa-
rentemente, parecia não haver qualquer relação com o privilégio de computado-
res pessoais e tocadores de música portáteis. O que o conectava a isso, entretan-
LT
to, era a vasta ambição. Essa era uma geração que insistia na revolução: sexual,
política, ecológica, tecnológica... “É memorável o que se originou de Haight-
-Ashbury”, declarou Bono Vox, vocalista da banda U2, à revista Rolling Stone no
A

mês em que o CEO da Apple faleceu. “As crianças dos anos 60 estão mudando
o mundo drasticamente. Steve Jobs está muito além. Ele é, sob muitos aspectos,
o Bob Dylan das máquinas, o Elvis da dialética hardware-software. É um ser de
RA

um pensamento altamente progressivo, e sua reverência para com forma, som,


contorno e criatividade são características inerentes a ele.”
Apesar da onipresença dessas tecnologias nos dias de hoje, a evolução do
computador pessoal — de sua origem humilde, quase que como nascido em
T

um fundo de quintal, para a vasta indústria que atualmente representa — é,


OS

em um sentido muito real, a história esquecida da contracultura. No momen-


to em que a música de Bob Dylan, Jimi Hendrix, John Lennon, Joan Baez,
Rolling Stones e Grateful Dead, a moda das calças largas e bandanas tie-dye
e o reconhecimento de uma saudável apreciação de drogas psicodélicas com-
AM

punham a imagem de uma insurreição jovem, é muito fácil simplesmente ig-


norar a contribuição dos wireheads, phreakers e cyberpunks e outros techno-
-geeks que viram a revolução da contracultura como uma oportunidade de
reivindicar o acesso à tecnologia pelas massas. Se, como já afirmado diver-
sas vezes, os três grupos responsáveis por esse tipo de rebelião nos Estados
Unidos eram os traficantes de informação, os músicos de rock e os artistas

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FA L A N D O S O B R E A i G E N E R AT I O N

underground e escritores, então os engenheiros da computação e os oráculos


tecnológicos estavam bem atrás deles. Nas palavras de Peter Drucker, inventor
da administração moderna, os assim denominados “bardos e pregadores da

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tecnologia” tornaram-se os guardiões da luz da contracultura. “As pessoas que
construíram o Vale do Silício eram engenheiros”, disse Jobs à Wired em 1996,
pouco tempo depois de seu retorno à Apple. “Eles aprenderam sobre negócios,
aprenderam uma série de coisas, mas possuíam uma crença real de que seres

OO
humanos — se trabalhassem com afinco com outras pessoas inteligentes e
criativas — poderiam solucionar grande parte dos problemas da humanidade.
Eu acredito muito nisso.”
A própria sensibilidade de Jobs foi forjada em um momento crítico da his-

AB
tória americana, um período em que, por breves momentos, os portões da
burocracia pareciam desabar e os infiéis inundavam o castelo. Ele era o CEO
com uma diferença: dizia que ingerir LSD fora uma das duas ou três coisas
mais importantes que ele já havia feito na vida e que, por isso mesmo, esses
eram aspectos da vida de Jobs que a moderna América corporativa jamais
LT
poderia entender. “Os psicodélicos e os computadores se sobrepuseram, e Jobs
era certamente um caso claro de alguém que mergulhou cedo no mundo dos
computadores e, da mesma maneira, mergulhou cedo e com frequência no
A

mundo do LSD”, conforme declarado por Stewart Brand, criador do ícone se-
minal da contracultura Whole Earth Catalog. “Ele se referiu à perspectiva do
RA

LSD em relação a fatos que ocorreram ao longo de sua vida.”


Junto com o amigo e cofundador da Apple — Steve Wozniak —, Jobs apa-
rece como uma notável referência de quando os hippies tomaram o controle
da indústria da alta tecnologia. “Não foi nenhum acidente que fez com que
T

Steve Jobs e Steve Wozniak fossem dois malucos cabeludos e de pés descalços”,
disse uma vez Timothy Leary, ex-professor de Harvard, defensor do LSD e
OS

autointitulado porta-voz do cenário underground. “Eles eram os cyberpunks


originais. Seus nomes vão sempre acompanhar os dos grandes libertários* da
história.” Muito tempo depois de as comunidades hippies dissolverem-se, o
AM

LSD deu lugar a novas drogas sintéticas, a música popular transformou-se


gradualmente de um som de protesto para o rock de arena e a Apple continuou
a empreender suas batalhas contra a conformidade, as Instituições e as regras
e protocolos de arquivos.

*  Quando o termo ‘libertário’ for utilizado nesse contexto, por favor, leia-se ‘neoliberal’, sem qualquer
ligação com um conceito de comunismo libertário ou anarco-comunismo. O mesmo se refere a qualquer
momento em que eu mesmo utilizar essa palavra.

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A Revolução Apple

E, no processo, algo inesperado aconteceu à oprimida e renegada empresa


de computadores: ela se tornou a maior empresa de tecnologia do mundo.
A questão da mudança do papel da Apple é o cerne deste livro. Na última

KS
década e meia, a Apple se viu atravessando reveses em sua sorte, o que ficará
registrado como uma das mais fantásticas reviravoltas na história corporativa.
Em 1996, a empresa estava com a corda no pescoço; uma perda de US$ 740 mi-
lhões apenas no primeiro trimestre do ano. Quando perguntaram o que faria

OO
se fosse o CEO da Apple, Michael Dell comentou: “Eu a fecharia e devolveria
o dinheiro entre os acionistas”. Hoje essa ideia parece absolutamente absurda.
As ações da Apple decolaram quase 6.000% desde 2003.* Nesse meio-tempo,
a empresa mudou a cara do mundo: do jeito de comprar à maneira de ouvir

AB
música (o iTunes possui algo em torno de 70% de participação em downloads
legais de músicas); o modo como realizamos chamadas telefônicas; e a ma-
neira pela qual navegamos pela internet e, por consequência, como obtemos
informações diariamente. Em abril de 2011, a Apple registrou lucros muito
acima dos apresentados pela eterna rival Microsoft. Algumas semanas depois,
LT
foi informado que a Apple detém agora uma parcela de mercado maior do
que as da Microsoft e Intel juntas, aliança conhecida como Wintel, a mesma
que quase derrubou a Apple dez anos antes. Em alguns momentos, teve mais
A

dinheiro que o tesouro norte-americano: US$ 76 bilhões em comparação aos


escassos US$ 74 bilhões do tesouro nacional. A Apple, ao menos enquanto este
RA

livro estava sendo escrito, era a segunda empresa com maior valor de merca-
do, perdendo apenas para a Exxon, que brevemente assumiu o posto para,
momentaneamente, dominar o mundo como um grande conquistador da ma-
neira que Steve Jobs sempre acreditou que poderia acontecer.
T

Apesar das melhores tentativas de Ron English, a Apple é prova segura de


que a cultura não pode ser detida. Uma corporação fordista pode vir a se tor-
OS

nar a maior empresa do mundo e manter seu frescor da contracultura. É tudo


o que a geração hippie sonhou — e mais. Em última análise, essa é a história
sobre como um negócio de fundo de quintal começou com dois cabeludos que
AM

desistiram da universidade para se tornar a gigantesca corporação tecnológica


que a Apple é hoje. É, também, a história da ascensão da ideologia hegemônica
da Apple, da revolução de onde nasceu, daquele que a ajudou a começar e da-
quele que foi deixado para trás.

*  É um pouco inquietante pensar que, se alguém tivesse comprado ações da Apple em 1984 pelo mesmo
valor que poderia ter sido usado para comprar um Macintosh, hoje essa pessoa seria dona de um patrimônio
em torno de US$ 250 mil nos valores atuais.

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KS
A HISTÓRIA SECRETA DOS
COMPUTADORES

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“A conspiração... ganhou força quando os
‘desenvolvedores cowboys’ da contracul-
tura, combinando suas percepções e ati-

AB
tudes libertárias, de beats, hippies,
usuários de alucinógenos, roqueiros,
hackers, cyberpunks e visionários ele-
trônicos partiram para o Vale do Silício
e realçaram o maravilhoso roubo de men-
tes, desenvolvendo o grande equalizador:
LT
o computador pessoal.”

Dr. Timothy Leary,


Chaos and Cyberculture (1994)
A
RA

No início dos anos 70, antes do Macintosh, do iPhone e do iPad serem menos
que um sonho para Steve Jobs, uma nova e maravilhosa invenção mexeu com
as estruturas do mundo tecnológico em suas bases. Seu aparecimento mudaria
o curso da história da alta tecnologia e traria para as massas algo que antes
T

estava apenas ao alcance de poucos. Era a calculadora portátil e, por um curto


OS

espaço de tempo, essa era a coisa mais impressionante que os geeks do Vale
do Silício já haviam visto. Para esses fanáticos — que, na época, formavam no
Vale do Silício a maior população per capita em relação a qualquer outro lugar
no mundo —, o encanto da calculadora de mão estendia-se para muito além
AM

de ser apenas um dispositivo portátil para cálculos ou até mesmo de ser um


equipamento de relativa alta tecnologia que poderia ser comprado e levado
para casa. Ela era programável. Em outras palavras, alguém poderia comprar
uma calculadora dessas (as mais simples poderiam custar algumas centenas
de dólares e as mais avançadas em torno de mil dólares), levar para casa e, em
algumas horas — desde que soubesse o que estava fazendo —, usar a combina-

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A Revolução Apple

ção correta das teclas INT, STO, GTO e TAN para acessar programas simples.
Esses poderiam ser desde jogos comuns, como “jogo da velha”, até, no caso de
haver alguns ambiciosos cientistas da NASA, um completo modelo do sistema

KS
solar, capaz de dar informações antecipadas sobre o posicionamento planetá-
rio. Obviamente, como ferramentas de programação, as calculadoras também
tinham suas falhas. O número de “entradas” que poderiam ser inseridas era
extremamente pequeno, devido à restrição por conta do minúsculo tamanho

OO
do banco de dados. Ainda pior era que, se o dispositivo fosse desligado ou a
bateria terminasse, o programa que havia sido inserido sumiria para sempre
— ou até que alguém meticulosamente reprogramasse o dispositivo. Nas pala-
vras de um fanático pelas calculadoras, essa repetição quase cruel e incomum

AB
remetia à ideia de “punição medieval”. Acima de tudo, no entanto, os pontos
positivos iam muito além dos negativos — e, até que algo significativamente
melhor aparecesse, essa era a sensação entre os geeks do Vale do Silício.
A corrida atrás desse novo produto criou um mercado inteiramente novo
e os fabricantes imediatamente se movimentaram para suprir essa demanda.
LT
Somando-se às tradicionais Hewlett-Packard e Texas Instruments, pequenos
fabricantes começaram a participar dos acontecimentos. Dois homens em
Albuquerque, no Novo México, chamados Ed Roberts e Forrest Mims III,
A

fizeram sua primeira aparição nesse mercado em 1970, como fundadores da


companhia MITS (Micro Instrumentation and Telemetry System), através da
RA

qual esperavam vender miniaturas de foguetes para entusiastas do espaço.


Porém as vendas foram um fracasso e a MITS voltou sua atenção para as cal-
culadoras como um negócio lucrativo em potencial. Dessa vez, eles provaram
estarem certos e, por volta de 1973, a empresa estava vendendo todas as calcu-
T

ladoras que saíam de sua linha de produção, com 110 empregados trabalhando
a todo vapor para atender a demanda. Com o tempo, os preços competitivos
OS

tiraram Roberts e Mims do negócio. Eles descobriram que era perfeitamente


possível adquirir uma calculadora completa em uma loja de eletrônicos por
um valor inferior ao preço de uma única peça. A MITS estava sem sorte pela
AM

segunda vez. Tendo perdido milhões de dólares, ninguém culparia nenhum


dos dois homens por jogarem a toalha, mas eles se recusaram a desistir. Em
1975, eles reaparecem com um fantástico kit de peças para montar, chama-
do “Altair 8800”: o equipamento é considerado por muitos como o primeiro
e legítimo computador pessoal. Quando foi necessário colocar um preço no
Altair, Roberts e Mims se depararam novamente com a boa sorte. Enquanto o

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A HI S T Ó R I A S E C R E TA D O S C O M P U TA D O R E S

custo de uma máquina montada chegou a US$ 621,00, um grande número de


possíveis consumidores estava feliz em pagar US$ 439,00 pelo kit de peças. Em
vez de a montagem de um equipamento eletrônico ser aceita apenas por uma

KS
parcela de um todo, ambos descobriram, para seu espanto, que havia um gru-
po inteiro de geeks que apreciava construir coisas e, quanto mais complexas,
complicadas e irritantes, melhor. Em menos de um mês, o saldo bancário da
MITS saiu do vermelho para a cifra de US$ 250 mil.

OO
O Altair era tanto um produto técnico como de consumo bastante básico.
Em primeiro lugar, não possuía um display, a não ser uma série de luzes que
piscavam intermitentemente. Também não havia software. Nem mesmo vi-
nha acompanhado de um teclado. Ainda não possuía — até o aparecimento e a

AB
união de dois universitários que usavam óculos e que haviam largado seus cur-
sos, conhecidos como Bill Gates e Paul Allen — uma linguagem compreensível
por mais pessoas além de um grupo seleto. Isso representava uma “tábua rasa”,
sobre a qual poderia ser projetado o que quer que fosse que o usuário tivesse a
intenção de programar. Era ainda um computador real e genuíno que, para uma
LT
geração de nerds abandonados no frio tecnológico, era o suficiente. Esse primei-
ro grupo de geeks se reuniu em torno do Altair com um interesse que chegava a
beirar loucura. Alguns começaram publicações especializadas (fanzines) para fãs
A

com nomes peculiares, como Dr. Dobb’s Journal of Computer Calisthenics and
Orthodontia, através das quais poderiam dividir suas previsões freneticamente
RA

otimistas sobre o rumo que os computadores tomariam. Outros conseguiram


empregos em empresas de computação pioneiras, como a ComputerLand e a
Byte Shop. Esses empregos frequentemente pagavam apenas o suficiente para
arcar com o aluguel de um pequeno apartamento, mas isso não importava.
T

“De qualquer maneira, muitos levavam o pagamento em mercadoria”, admitiu


Michel Holley, um dos primeiros entusiastas.
OS

O que era surpreendente sobre a maneira veemente com que os geeks se


concentravam em torno dos computadores nos anos 70 era a ideia de isso ter
sido feito a passos tímidos e que mais tarde tornar-se-ia de domínio público e
AM

apto à reavaliação do meio. Apenas uma década antes, os computadores eram


vistos de maneira suspeita como sinistras ferramentas do governo para opres-
são, gigantescos servidores mantidos em salas que mais pareciam labirintos
nos fundos de laboratórios e vigiados por pessoas altamente capacitadas usan-
do jalecos brancos. Protagonistas falam sobre o sacerdócio tecnológico que
existia ao redor de tais máquinas — indivíduos sendo separados da sociedade

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A Revolução Apple

e necessitando de um longo período de treinamento em um seminário antes


que pudessem ser considerados aptos a interagir com uma delas. Uma história
que resume perfeitamente esses níveis de sigilo, segurança e asseio ao estilo

KS
de Howard Hughes conta que o administrador de um servidor divulgou um
aviso exigindo que ninguém fosse admitido na sala dos computadores salvo
se estivesse trajando uma roupa especial e com os sapatos cobertos. O admi-
nistrador admitiu que tais precauções não eram essenciais, “mas, com certeza,

OO
manteve as pessoas fora da sala dos computadores”.
O Altair da MITS, nesse meio-tempo, realizou um feito muito mais im-
pressionante do que auxiliar na organização, dando àqueles famintos por
tecnologia algo mais do que uma sexta-feira vazia: ele manteve o espírito da

AB
contracultura presente, batendo como o tique-taque de um relógio, da mesma
maneira que uma corrente elétrica pode manter um coração batendo por mui-
to tempo depois de ele, em um processo natural, ter parado. Aqueles que vive-
ram o suficiente para se lembrar das emoções inebriantes causadas pelo Altair
8800 tornaram-se intrépidos pioneiros da revolução do computador pessoal,
LT
assim como os hipsters e os poetas beatniks se tornaram os fundadores do
movimento hippie dos anos 60.
Apesar de a ideia ter ganhado aceitação ao longo dos anos, a tentação ainda
A

é ver os cyber-revolucionários como personagens curiosos dentro de uma aná-


lise global da revolução contracultural, esperando ansiosamente à margem dos
RA

acontecimentos e observando de maneira claramente desconfortável, enquan-


to músicos como Grateful Dead e Jimi Hendrix tomavam o centro do palco.
Isso pode ser verdade se considerarmos o aspecto da força da personalidade de
muitos desses representantes, mas decididamente não é o caso quando se trata
T

do direcionamento dos seus ataques ou da sua influência duradoura. Em suas


raízes, a contracultura tinha como foco reagir contra a hegemonia conformista
OS

dos anos 50, quando antigas tradições de individualismo desapareceram com


o surgimento das grandes corporações. Nas palavras do ativista político Abbie
Hoffman, isso era sobre rejeitar “um sistema que direcionou os seres humanos
AM

tal qual ratos de laboratório, com eletrodos conectados aos seus traseiros, dentro
de um labirinto altamente mecanizado de escalonamento de classe, formação,
carreiras, néons de supermercados, complexa indústria militar, subúrbios, se-
xualidade reprimida, hipocrisia, úlceras e psicanalistas”. O homem, por muitos
considerado o idealizador do termo “contracultura”, é um acadêmico ameri-
cano chamado Theodore Roszak. Em seu livro de 1969, A Contracultura: Re-
flexões Sobre a Sociedade Tecnocrática e a Oposição Juvenil (The Making of a
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A HI S T Ó R I A S E C R E TA D O S C O M P U TA D O R E S

Counter Culture), Roszak argumenta que a rebelião da juventude em todos os


níveis — tecnológico ou outros — uniu-se de alguma maneira contra a cha-
mada “tecnocracia”: uma ordem governamental que, como um computador de

KS
porte gigantesco, trabalhou pelo aumento da eficiência e elaboração de soluções
automatizadas para qualquer miríade de problemas que fossem apresentados e
impostos. Sugeriu que era capacidade do computador trabalhar sob uma pers-
pectiva lógica, calculista e isenta de emoções — permanentemente conectado

OO
com a racionalidade — e assim o tornou tão impressionante aos olhos da elite do
poder dos EUA, a ponto de gabarem-se de seu poderio de extermínio por meio
de armas nucleares, dizendo que poderiam destruir quaisquer de seus inimigos
mais de dez vezes. “A paixão do homem pela máquina é frequentemente con-

AB
fundida com um mero caso com o poder”, escreve Roszak. “... não é a capacidade
da máquina de trabalhar em uma rotina incansável que nós admiramos quase
tanto quanto sua absoluta força?”
Muitos dos geeks mais velhos da Baía de São Francisco (leia: qualquer um
acima dos 30 anos) estavam cursando a Universidade da Califórnia, em Berkeley,
LT
em 1964, quando estudantes protestaram marchando pela liberdade de expres-
são. Recusando-se a serem conduzidos pela burocracia universitária como sim-
ples bits desumanizados, eles se aproveitaram da metáfora computacional para
A

manifestar sua insatisfação. Muitos levaram cartões perfurados (na época os


programas de computadores eram armazenados em pedaços de papel cartão,
RA

nos quais a informação digital era transmitida de acordo com a presença ou


ausência de furos e posições pré-definidas), preenchidos com estranhas e novas
configurações de furos formando a palavra “Greve!” (Strike, em inglês) e “Liber-
dade de Expressão” (Free Speech, em inglês), que eram inúteis para fazer rodar
T

programações válidas, e os penduraram ao redor de seus pescoços. Um protes-


to particularmente criativo — mostrando uma mistura de política progressiva
OS

com senso de humor debochado que só poderia ser encontrada em estudantes


— incrementou esse vestuário com instruções falsificadas do cartão perfurado
do usuário. Era possível ler “Eu sou um aluno da Universidade da Califórnia;
AM

por favor, não me dobrem, curvem, torçam ou mutilem”.*

*  Nos anos seguintes, essa crítica ao homem moderno como robô, ou do cérebro humano como um
hardware, ganhou um grau de massa crítica. Em O Renascer da América: A Revolução dos Jovens (The
Greening of America), o autor Charles A. Reich se referiu a isso como Consciência II: em que trabalhadores
levam a vida de “um robô, o homem é privado de sua própria essência, e se torna uma mera função, um pa-
pel social ou uma ocupação”. Ao contrário de seus pais, entretanto, a jovem geração da contracultura (vista
da perspectiva de uma Consciência III) se sente ressentida pela traição de seu governo e vai revidar com a
recém-descoberta “habilidade para o ultraje”.

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A Revolução Apple

A ideia de que a tecnologia pode nem sempre ir ao encontro dos melhores


interesses do ser humano não é, obviamente, mutuamente condizente com o
alto nível de paranoia causado pela Guerra Fria. O ceticismo tecnológico re-

KS
monta há pelo menos tanto tempo quanto a visão dos poetas românticos de
Dark Satanic Mills (Moinhos Satânicos). Os estudantes de Berkeley não esta-
vam errados. Computadores naqueles tempos eram essencialmente ferramentas
de guerra: desenvolvidos inicialmente para quebrar códigos militares secretos e

OO
para auxiliar mísseis teleguiados. A IBM, por exemplo, somente construiu seu
primeiro computador digital programável quando foi solicitada pelo Departa-
mento de Defesa dos Estados Unidos durante a Guerra da Coreia. Reposicionar
os Sombrios Servidores Satânicos da complexa indústria militar como benevo-

AB
lentes ajudantes humanitários levaria tempo, e a reformulação do público iria
desestruturar até mesmo as mais assertivas agências de relações públicas. Isso
começou gradualmente. No MIT (Massachusetts Institute of Technology), em
Massachusetts, um grupo de acadêmicos simpatizantes formulou uma inten-
sa lista de princípios meritocráticos que mais tarde seriam citados como “ética
LT
hacker” pelo autor Steven Levy em seu livro Os Heróis da Revolução (Hackers:
Heroes of the Computer Revolution). A ética hacker inclui as seguintes diretrizes:
A

• O acesso a computadores — e a qualquer coisa que possa lhe ensinar algo


sobre como o mundo funciona — deveria ser ilimitado e total.
RA

• Toda informação deveria ser gratuita.


• Desconfiança das autoridades — promove a descentralização.
• Hackers deveriam ser julgados por seus acessos e não por falsos critérios,
como formação acadêmica, idade, raça ou classe.
T

• Você pode criar arte e beleza em um computador.


OS

• Computadores podem mudar sua vida para melhor.

Quando esses ideais se espalharam, encontraram respaldo nos tecno nerds


da contracultura. “Havia um sentimento de que o céu era o limite.” Relembra
AM

Mark LeBrun, um programador que então trabalhava para a Stanford Arti-


ficial Intelligence Laboratory: “Nós poderíamos redefinir nossa consciência,
redefinir a sociedade — por que não redefinir a tecnologia?”. Nesse ponto
nasceu a bola de neve. Muitos geeks fixaram-se nas ideias apresentadas no
livro de Norbert Wiener: “Cibernética e Sociedade: O Uso Humano de Seres
Humanos” (The Human Use of Human Beings), no qual o celebrado matemáti-

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