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Viotti Da Costa - Estrutura Versus Experiência PDF
Viotti Da Costa - Estrutura Versus Experiência PDF
A partir de 1980 houve uma grande gem de tipo estrutural e há aqueles que
expansão dos estudos sobre as classes tra só buscam reconstituir a “experiência” ope
balhadoras na América Latina. Entre os rária. Por essa razão, resolvi limitar-me a
livros publicados encontram-se os que analisar as tendências mais recentes dessa
foram escritos a partir das teorias de mo historiografia e focalizar apenas a litera
dernização e de um ponto de vista empre tura publicada nos Estados Unidos e
sarial, como por exemplo o trabalho de Inglaterra.
Charles H. Savage Jr. e George F. F. Lom- Do ponto de vista metodológico, a nova
bard [1986], um cuidadoso esíudo etno historiografia abandona as abordagens de
gráfico de três fábricas na Colômbia, e tipo tradicional. Essa mudança de orien
aqueles escritos por militantes de linhas tação resulta em parte da reflexão sobre
políticas as mais diversas, alguns dos quais as novas tendências da historiografia da
continuam a se utilizar de uma perspectiva classe operária na Europa e nos Estados
marxista muito esquemática e tradicional, Unidos (e do movimento contemporâneo
como por exemplo a coleção de ensaios da história do movimento operário nessas
editados por Pablo Gonzales Casanova regiões), e em parte das mudanças políticas
[1984]. Dentro desses limites definidos e econômicas que estão ocorrendo hoje
pelos interesses opostos dos que tem como na América Latina, mudanças que em
meta a luta de classes e dos que almejam alguns países, como Brasil e Argentina, pro
promover sua colaboração, ou seja, do mi jetaram os trabalhadores no centro da
litante de esquerda e do empresário, existe arena política ao mesmo tempo em que
uma enorme variedade de linhas de abor puseram em questão as estratégias do mo
dagem que vão desde o empirismo tradi vimento operário tradicional. A nova his
cional até o novo marxismo. Há autores toriografia representa um rompimento com
que procuram acentuar as semelhanças na o passado.
história do movimento operário em dife Essa mudança de tipo de abordagem é
rentes países da América Latina, e há os um fenômeno bastante recente. Em 1979,
que só vêem as diferenças. Há os que o historiador americano Peter W inn obser
consideram fundamental analisar a expe vou em um artigo publicado na Latin
riência operária a partir de uma aborda American Research Review que a histo-
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mesmas razões — uma tendência que Rox- contraditórias: de um lado, a emergência
borough atribuiu à teoria da dependência. na Europa e em outros lugares do mundo
Em vez desse tipo de abordagem tradi da nova esquerda, as questões levantadas
cional, Roxborough propôs uma outra que pelos grupos comprometidos com o socia
levasse em consideração muitas variáveis lismo democrático, sua crítica à União
internas: tipos de gestão nos sindicatos, Soviética e aos partidos comunistas e por
grau de integração do mercado de traba extensão aos enfoques marxistas-leninistas
lho, grau de homogeneidade da classe ope tradicionais, e, de outro, o êxito eleitoral
rária, taxas de rotatividade do trabalho, da direita e dos partidos conservadores na
tipos diversos de corporativismo etc. Nesse Europa e nos Estados Unidos, assim como
ensaio Roxborough reconheceu a utilidade o clima gerado pela guerra fria.
do uso de tipologias, mas as considerou Tudo isso tem levado vários historiado
prematuras. Estamos longe ainda, disse ele, res interessados no estudo do trabalho na
de podermos descrever adequadamente os América Latina a questionar as interpre
movimentos operários da América Latina, tações tradicionais e a criticar as práticas
e mais longe ainda, de explicá-los. Esta antidemocráticas das burocracias sindicais
afirmativa traduz um viés empírico comum e as estratégias políticas dos partidos de
à nova história, e postula uma separação esquerda, particularmente dos partidos co
artificial entre descrição e interpretação, munistas. A nova historiografia reavalia as
esquecendo aparentemente que não existe relações entre as lideranças operárias e as
descrição sem interpretação. Em ensaios bases, privilegiando estas e subestimando
publicados posteriormente [Roxborough aquelas, ao mesmo tempo em que acentua
1984, e 1986, X X I, 2:184-188], como ve o caráter espontâneo dos movimentos ope
remos, ele reviu suas posições. rários. Rejeita também as abordagens que
Seria errôneo pensar que os debates identificam etapas no desenvolvimento
entre ‘'estruturalistas” e “ antiestruturalis- econômico e repudia o conceito de falsa
tas” ou culturalistas refletem conflitos entre consciência. Ao mesmo tempo, valoriza o
marxistas e não-marxistas. Ambas as ten papel dos anarquistas no movimento ope
dências se encontram dos dois lados. Na rário e acentua a importância das condi
realidade, o debate contemporâneo que ções subjetivas, da ideologia e da cultura
parece estar dividindo os historiadores pro política no movimento operário. Seguindo
cede em grande parte de conflitos den o caminho traçado por Raymond Williams,
tro das próprias esquerdas. A história do a nova geração de historiadores questiona
movimento operário tem sido o campo o uso dos conceitos de infra e superestru
favorito das esquerdas e muitos estudos tura [Williams, 1977], e alguns chegam
recentes sobre as classes trabalhadoras a descartar outros dois conceitos marxistas
latino-americanas inspiram-se em E. P. básicos: a determinação material das ideo
Thompson e Raymond Williams. Mas logias de classe e a relação entre as forças
alguns dos temas que dividem os histo produtivas e as .relações de produção. Em
riadores hoje remontam pelo menos às conseqüência desse revisionismo, aspectos
questões levantadas por Sartre em 1960 e que os historiadores do passado freqüen
aos debates que a partir de então tiveram temente consideraram irrelevantes por se
lugar entre meios de esquerda. Vista dessa rem superestruturais adquiriram uma po
maneira, a polarização entre os historia sição central na nova historiografia.
dores que se dedicam a estudar a história Muitos dos historiadores revisionistas
do trabalho na América Latina apenas re repudiaram também o uso de modelos teó
produz um fenômeno maior, que pode ser ricos a priori (principalmente modelos
também identificado em outros campos da macroeconômicos derivados seja da teoria
história, como as recentes controvérsias da modernização ou da teoria de depen
sobre o abolicionismo inglês e o cartismo dência) e voltaram-se para o estudo do
sugerem, e as publicações da History que consideram formas concretas de com
Workshop documentam am plam ente1 [An- portamento, empiricamente demonstráveis,
derson, 1980]. as percepções e sentimentos da classe tra
Quando situamos o debate historiográ- balhadora. Ao descartar uma noção “essen-
fico sobre a história das classes trabalha cialista" e estática de classe social, e ao
doras dentro dessa perspectiva mais ampla, tentar evitar explicações reducionistas da
fica evidente que estamos enfrentando uma consciência de classe, alguns dos historia
importante crise epistemológica. Essa crise dores novos encaram com suspeita aqueles
tem como contexto algumas tendências que insistem em dizer que as condições
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“objetivas” definem os parâmetros no inte indivíduos como “portadores e pontos de
rior dos quais a consciência dos trabalha interseção de uma acumulação de contra
dores se constitui e as ações dos trabalha dições, muitas das quais não são contra
dores têm lugar. Etapas do desenvolvimento dições de classe” . Desta forma, os novos
econômico e do processo de acumulação historiadores têm mais consciência do que
do capital, mudanças no tamanho das fá os que os precederam de que existem várias
bricas, melhorias tecnológicas, mudanças formas de subjetividade humana, distintas
na composição da força de trabalho, a daquela que nasce da situação de classe.
importância relativa do setor industrial, Por essa razão esses historiadores estão
formas de dependência econômica, a natu mais preparados para reconhecer a natu
reza do sistema político, conflitos entre reza contraditória da consciência de classe
elites, formas de imperialismo, todos aque operária. Em suas análises, a posição que
les fatores que no passado eram conside tradicionalmetne se estabelecia entre co-
rados cruciais para o entendimento da optação e resistência, e entre luta pela
consciência dos trabalhadores e seu com sobrevivência e luta política, tende a desa
portamento político já não são conside parecer.
rados tão significativos. Os historiadores Em seu estudo sobre o peronismo, por
da nova geração tendem a dar mais impor exemplo, Daniel James mostra que a leal
tância ao político do que ao econômico dade a um movimento cuja ideologia for
e privilegiam o ideológico sobre o polí mal prescrevia a virtude da colaboração
tico. Em vez de examinar a forma através de classes, a subordinação dos interesses
da qual as mudanças das estruturas eco dos trabalhadores aos da nação, a impor
nômicas, políticas e sociais afetam o mo tância de uma obediência disciplinada a
vimento operário e investigar a relação um Estado paternalista, não impediu a
entre formas de acumulação do capital e resistência da classe operária nem a emer
formação da classe operária, ou o papel gência de uma cultura de oposição entre
do Estado no processo de acumulação de os trabalhadores. A mensagem de Perón
capital e sua política em relação aos tra era ambígua. Sua ênfase na colaboração
balhadores, a nova geração de historiado de classes beneficiava o capitalismo mas,
res prefere examinar a maneira pela qual ao garantir os direitos dos trabalhadores
a ação dos trabalhadores força a mudança na sociedade e nos locais de trabalho, o
econômica e política. Os temas de inte peronismo estabeleceu limites à explora
resse da nova historiografia são as impres ção dos trabalhadores e criou novos m o
sões subjetivas dos trabalhadores, os vín tivos de luta. A resistência dos trabalha
culos entre práticas políticas e discursos dores, no entanto, não se traduziu numa
políticos, as experiências dos trabalhadores ideologia revolucionária classista sem ambi
nos locais de trabalho e nos bairros ope güidades. A ideologia da classe trabalha
rários, suas formas de apropriação e rein- dora argentina continha fortes elementos
terpretação da cultura da elite, e a maneira que promoviam integração e cooptação.
pela qual os trabalhadores iníerpretam o James não vê os trabalhadores argentinos
passado e visualizam o futuro. Típicas des como vítimas passivas e inexperientes da
sa nova historiografia são as obras de manipulação de Perón, nem tão pouco
Daniel James [1988], William Roseberry como indivíduos pragmáticos seduzidos por
[1986=149-171], Peter Winn [1986], Jeffrey benefícios materiais, mas como atores cons
Gould [1988] e Adriana Raga [1988]. cientes para quem a mensagem peronista
Na nova historiografia, a ideologia apa de dignidade pessoal, cidadania e justiça
rece às vezes como um nexo essencial entre social tinha um grande apelo — principal
experiência e protesto. A própria noção de mente tendo em vista a falta de outras alter
ideologia foi reform ulada.2 A ideologia é nativas mais viáveis, fato esse que Daniel
considerada um processo de “ interpelação” James não enfatiza suficientemente. James
[Laclau 1977, James'"'1988]. E, se bem que vê o peronismo não apenas como criação
alguns historiadores da nova geração con de um líder carismático, mas como obra
tinuem utilizando o conceito de classe, eles dos trabalhadores, que continuaram a criar
não mais assumem que existe uma relação e recriar seu conteúdo até um ponto em
necessária entre classe e consciência de que o próprio Perón teve dificuldades em
classe, nem consideram a formação da se reconhecer no peronismo que os pero
consciência de classe um processo linear nistas tinham criado. Assim, se a classe
[Mallon, 1986]. Existem também aqueles operária argentina foi redefinida por Perón,
que, como Ernesto Laclau, consideram os suas próprias políticas foram redefinidas
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pela classe operária. Jeffrey Gould [1987], nificativo para caracterizar a experiência
estudando o somozismo, e John French dos trabalhadores.
[1978], estudando o populismo no Brasil, Apesar da imprecisão metodológica ine
chegaram a conclusões semelhantes. rente ao conceito de experiência, a nova
Até aqui falei apenas de algumas ten história dos trabalhadores contribuiu para
dências da nova historiografia do trabalho. reformular nossa percepção da história da
O que não quer dizer, evidentemente, que classe operária na América Latina. A nova
todas essas tendências aparecem na obra historiografia identificou novas fontes e
de cada um dos historiadores que escre fez amplo uso do testemunho oral. De
veram sobre o movimento operário na monstrou a extraordinária variedade e he
América Latina. Das várias tendências a terogeneidade da experiência da classe ope
mais difundida é a preocupação desses rária, ao mesmo tempo em que contestou
historiadores com a “ experiência” dos tra as imagens vigentes na historiografia tra
balhadores. Esse conceito, no entanto, é dicional. Reavaliou, por exemplo, as rela
difícil de se definir. Quais seriam os com ções entre população rural e urbana, argu
ponentes relevantes da experiência? O mentando que não é válida a caracterização
local de trabalho, a região de moradia, o da população rural como massa passiva
sindicato, as lutas operárias, as relações e que, ao contrário do que se afirmava na
entre os trabalhadores e outras classes historiografia tradicional, as populações
sociais, os partidos políticos, as ideologias, rurais que se deslocaram para as cidades
a cultura política, os discursos políticos, o não foram meras vítimas da manipulação
mercado de trabalho, a composição da de líderes populistas carismáticos, mas
classe trabalhadora, o tamanho das indús agentes históricos conscientes e autônomos
trias, as relações entre o Estado e o traba capazes de decisões racionais. A nova his
lho, as formas de acumulação de capital, toriografia também apresenta uma nova
as crises econômicas locais, a recessão imagem das relações entre lideranças sin
mundial, .a presença do capital estrangeiro? dicais e bases, mostrando que estas não
Não existirá alguma forma de hierarquia são simplesmente massa de manobra. Rox-
entre essas várias experiências, sendo umas borough [1984], estudando os sindicatos
mais determinantes do que outras? Como no México, argumenta que quanto mais
se articulam? Em outras palavras, como se democrática é sua organização, tanto mais
estrutura (constitui) a própria experiência? militantes são os operários, enquanto Da
Se os trabalhadores têm muitas identida niel James [1988], estudando os trabalha
des, religião, etnia, partido político, classe, dores em Buenos Aires, chegou à conclusão
de que maneira a identidade de classe vem de que foi a passividade dos trabalhado
a prevalecer sobre outros tipos de identi res que num certo momento levou à buro-
dade? cratização dos sindicatos.
Poucos historiadores têm formulado essas A nova historiografia questionou a idéia
questões. Florencia Mallon [1980] foi uma de que os trabalhadores empregados nas
das poucas pessoas a se preocupar com indústrias oligopólicas de capital intensivo
elas. A seu ver, a formação da consciên e de propriedade estrangeira constituem
cia de classe depende de vários fatores: uma aristocracia do trabalho3 [Humphrey
a forma de investimento do capital, as (1982) e Keck (1986)], e levantou dúvidas
relações de trabalho e as condições da sobre a noção de hegemonia, mostrando
força de trabalho, a cultura que os traba por exemplo que os operários se apropriam
lhadores trazem consigo e finalmente o dos símbolos e discursos das classes do
curso seguido pelas lutas no local de tra minantes conferindo-lhes significados no
balho. Mallon conclui que, embora de vos [Roseberry (1986) e Gould (1988)].
certa forma cada classe trabalhadora cons Ao mesmo tempo, os historiadores revisio
trua uma consciência histórica e cultural nistas chamaram a atenção para a impor
única, isto não nos impede de fazer gene tância de conflitos de geração no interior
ralizações que se aplicam a um grande do movimento operário e aprofundaram
número de casos. No entanto, quando ana nossa compreensão dos mecanismos pelos
lisamos o trabalho da maioria dos histo quais os trabalhadores constroem de forma
riadores revisionistas, descobrimos que de seletiva um passado significativo a partir
fato cada um escolhe seu próprio conjunto do presente, inventando uma tradição, para
dc variáveis, cada um tem uma forma di utilizar um a expressão utilizada por Eric
versa de selecionar o que lhes parece sig Hobsbawn [1983]. [Veja-se Sigaud (1975),
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167-177; Roseberry (1986); Jeffrey Gould olhos dos trabalhadores. Mas o que faz
(1988)]. com que seu livro seja um sucesso é que
Na nova historiografia os trabalhadores ele tem consciência de que a luta dos
aparecem como sujeitos da história em vez operários da fábrica Y arur não se dá num
de simples objetos, tão importantes para vazio, e que a experiência deles não pode
a compreensão da história quanto as elites, ser entendida simplesmente em termos da
cujos limites eles definem. Esta revisão que sua própria subjetividade e testemunho,
amplia de forma significativa o nosso co não pode ser apreendida de forma isolada
nhecimento é devida em grande parte a da história do capital e das lutas entre
historiadores que abandonaram as análises capital e trabalho. Os testemunhos dos
“estruturalistas” tradicionais. Mas os estu trabalhadores não teriam significado não
dos mais bem-sucedidos são exatamente fosse Winn capaz de ir além dos muros da
aqueles em que o autor conseguiu estabe fábrica e dos limites dos bairros operários
lecer uma ponte entre esses dois tipos de para incorporar em sua análise o processo
abordagens que outros consideraram irre de industrialização chileno, as organizações
conciliáveis. Um bom exemplo é o estudo operárias nacionais, os partidos políticos,
de Peter Winn. O autor parte do estudo a política nacional, os discursos.
da fábrica, mas não se detém aí; sua aná É porque Winn estava a par do debate
lise abarca a história do Chile entre 1930 sobre industrialização na América Latina
e 1985, extraindo dela o que é relevante que pôde fazer perguntas relevantes aos
para entender os trabalhadores e suas lutas. trabalhadores e conseguiu comunicar de
Se tivesse permanecido dentro dos limites forma tão convincente a sua história, acom
da fábrica e dos bairros operários e se panhando-os através de etapas de desen
limitasse a escrever a história dos oprimi volvimento econômico que vão desde o
dos, se se tivesse preocupado apenas com período de substituição de importações até
a subjetividade e as percepções dos tra a era das multinacionais, desde os tipos
balhadores, não teria sido tão bem-suce paternalistas de direção empresarial ao
dido. É porque Peter Winn tem acompa taylorismo. Ele próprio reconhece que sem
nhado os debates sobre as teorias de estes pontos de referência seria impossível
modernização e d a dependência e pós-de- entender as lutas dos trabalhadores da fá
pendência, porque se manteve a par das brica Yarur.
discussões sobre a formação do Estado na Entre os novos historiadores da classe
América Latina e não ignora o debate mar operária, é comum se exaltar o esponta-
xista contemporâneo que pode conferir um neísmo dos trabalhadores e a importância
significado amplo à história dos trabalha das bases operárias e minimizar a impor
dores da fábrica Yarur. E é por isso que tância das lideranças sindicais e dos par
o leitor acaba por descobrir não apenas tidos de esquerda — uma tendência sau
diferenças, mas semelhanças importantes dável para corrigir o excesso contrário, mas
entre a experiência dos trabalhadores da que a longo prazo pode ter conseqüências
fábrica Yarur e a dos trabalhadores de desastrosas, levando os historiadores (e
outros lugares da América Latina. militantes) a negligenciar fatores impor
Winn mostra como os trabalhadores fo tantes na história do movimento operário.
ram protagonistas centrais no drama histó Ao descrever a luta dos trabalhadores,
rico que culminou na derrocada de Allen- Winn demonstra de maneira irrefutável o
de. Descreve como nas lutas em prol dos papel importante das lideranças operárias
seus interesses os trabalhadores acabaram e até mesmo dos “burocratas” sindicais,
por expor os limites da agenda política da de quem os trabalhadores inexperientes re
Unidade Popular e revelaram tensões entre ceberam não só assistência jurídica como
os trabalhadores e as lideranças políticas, instruções sobre como se organizar e ga
resultantes de diferentes concepções do nhar suas batalhas. H á também no livro
processo revolucionário. Peter Winn critica de Winn numerosas evidências que do
a historiografia tradicional por que esta cumentam o papel importante desempenha
parece acreditar que os atores políticos na do pelos partidos de esquerda que defen
cionais foram os protagonistas mais impor deram os interesses dos trabalhadores no
tantes dessa história, ignorando a relativa Congresso e ajudaram a criar as condições
autonomia da classe trabalhadora. Assim institucionais necessárias à mobilização po
como Daniel James [1988], Peter de pular tanto na cidade quanto no campo,
Shazo [1983] e outros, Winn afirma que sem falar na importância dos setores de
seu propósito é ver a história através dos esquerda na formação de uma ideologia
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que contribuiu para a formação da cons suas tentativas de subornar os líderes ope
ciência operária. 4 rários, o renovado sacrifício dos militantes,
De fato, muitos dos operários que se o conflito de gerações dentro do movimento
destacaram como líderes sindicais em Yarur operário, a dependência dos trabalhadores
revelaram que suas “experiências” tinham em relação ao Estado, o papel mediador
sido filtradas através de noções que tinham desempenhado pelos partidos políticos, as
recebido de socialistas ou comunistas. Os ambigüidades e limites das políticas traba
documentos deixam bem claro que as lutas lhistas da Frente Popular; a importância
dos trabalhadores dependeram também das da política eleitora} na formação de alian
alianças estabelecidas pelos partidos polí ças entre trabalhadores e políticos, o ambí
ticos de esquerda com outros partidos, e guo papel das classes médias, às vezes
não é por acaso que a maioria das greves aliadas aos trabalhadores, às vezes aos
importantes que tiveram lugar em Yarur seus opressores; as tentativas frustradas
ocorreram quando coalizões de frentes po de sucessivos governos na década de 60
pulares, incluindo vários partidos de de resolver o impasse econômico; a cres
esquerda, estiveram no poder. Finalmente, cente radicalização e mobilização popular
para se compreender a ocupação da fábri e finalmente o golpe militar, a repressão
ca pelos trabalhadores, é tão necessário dos trabalhadores, que num curto período
conhecer a política nacional como saber de tempo viram seus salários drasticamente
da experiência dos trabalhadores no local reduzidos e perderam muitos dos privilé
de trahalho ou nos bairros operários onde gios e garantias legais conquistadas no
se forjaram laços de solidariedade essen passado, tudo isso encontra paralelismos
ciais para a ação coletiva. espantosos em outras regiões da América
Latina.
Quando comparamos a experiência dos
trabalhadores chilenos descrita por Winn Por trás dessas semelhanças é possível
com a dos trabalhadores em outros países reconhecer as mudanças no mundo capi
da América Latina durante o mesmo pe talista e na divisão internacional do tra
ríodo, notamos não somente diferenças balho, as formas de desenvolvimento ca
como semelhanças surpreendentes. A crise pitalista na América Latina desde os anos
do setor exportador e o impacto da reces 30, o processo de formação de classe, as
são dos anos 30; o importante papel do alianças e os conflitos de classe, o pape)
Estado no processo de industrialização e do Estado na acumulação capitalista e
acumulação de capital através de conces como mediador entre capital e trabalho.
sões aos empresários de tarifas preferen Isto não quer dizer, no entanto, que todos
ciais, isenções tributárias, taxas de câmbio os países seguem o mesmo caminho, ou
especiais etc.; a dependência dos empre que o desenvolvimento econômico deter
sários em relação ao capital e à tecnologia mina a natureza do Estado, ou que a
estrangeira, a transição de formas paterna formação de classe é a mesma em toda
listas de administração para o taylorismo, parte, ou que a proletarização e a cons
o impacto negativo do taylorismo sobre a ciência de classe são processos automá
força de trabalho, a intensificação da luta ticos. Não há dúvida, no entanto, que a
de classes e a tentativa do Estado de insti experiência dos trabalhadores é insepará
tucionalizar o conflito através da imple vel dos processos descritos anteriormente.
mentação de uma legislação trabalhista A tarefa do historiador é precisamente de
corporativista, em torno da qual novas finir esses processos e suas várias formas
formas de luta operária se organizaram; de articulação.
os problemas criados para o desenvolvi Entre os livros publicados recentemente,
mento industrial pelos limites estreitos do nenhum foi tão convincente na sua carac
mercado interno, a constante necessidade terização das semelhanças e diferenças
das indústrias introduzirem melhoramentos quanto a coleção de ensaios sobre a indús
técnicos e recorrerem a empréstimos; o tria automobilística na Argentina, Brasil,
endividamento crescente do país, a infla México e Colômbia editado por Rich
ção e seu impacto negativo sobre os traba Kronish e Kenneth S. Mericle [1984]. Os
lhadores, a formação de conglomerados ensaios iluminam as formas de articulação
agrupando um grande número de empresas entre economia nacional e internacional e
industriais e financeiras, as políticas anti- o papel do Estado no processo de acumu
-slndicais dos empresários e seu acesso íácil lação capitalista e no controle da força
à imprensa e ao governo, suas práticas bru- de trabalho. O propósito original desses
tnis dc controlar as lideranças operárias. ensaios foi estudai- as indústrias automo
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bilísticas como exemplos de industrializa não fosse acompanhada por um aumento
ção dependente, mas os autores chegaram proporcional de salários.
à conclusão de que as condições internas A leitura desses ensaios publicados por
— as formas através das quais os diferentes Kronish e Miracle demonstra que, apesar
governos trataram de controlar o capital das diferenças significativas entre as indús
estrangeiro e a natureza do movimento trias automobilísticas nos vários países,
operário — foram ainda mais decisivas do existem padrões comuns importantes. Sem
que os condicionamentos externos. Os a identificação desses padrões, que eviden
ensaios demonstraram que a mobilização temente não são estáticos e estão constan
da classe operária impôs limites às nego temente em fluxo em função das lutas po
ciações entre os países hospedeiros e as líticas, é difícil, senão impossível, conferir
multinacionais, chegando mesmo ao ponto significado à experiência da classe traba
de pôr em risco o crescimento industrial lhadora. Sem essa visão mais ampla a
como sucedeu na Argentina. Nos países nova história do trabalho, em vez de re
nos quais a força de trabalho não tinha presentar um salto para frente, pode facil
uma tradição de mobilização comparável mente se transformar numa história da
à da Argentina, e portanto era mais vulne vida quotidiana, um gênero muito em moda
rável a manipulações governamentais, as na década de 50, com conotações profunda
indústrias tinham mais condições de serem mente conservadoras.
bem-sucedidas. Tal foi o caso do México, Não é minha intenção exumar velhos
por exemplo. Controle de salários, repres modelos nem construir novos, mas apenas
são de greves e de militantes, emprego cres propor uma síntese entre duas tendências
cente de trabalhadores temporários, mais que até aqui se definem como antagônicas.
suscetíveis a pressões etc., tornaram as A nova história do trabalho é profunda
indústrias mexicanas, pelo menos tempo mente revisionista, mas num aspecto muito
rariamente, mais competitivas. importante continua bastante tradicional.
Apesar dessas diferenças, no entanto, Considerando seu interesse em recuperar
notam-se aqui também importantes seme a experiência dos trabalhadores, é surpreen
lhanças. Por toda parte, depois de ter dente que a maioria dos acadêmicos que se
tentado desenvolver as indústrias nacio encontram na vanguarda da nova história
nais, os governos foram obrigados a recor do trabalho continue ignorando os proble
rer ao capital estrangeiro. Competindo uns mas étnicos. Isso é particularmente sur
com os outros para atrair o capital estran preendente quando lembramos que uma
geiro, cada governo procurou oferecer as boa parte da força de trabalho na América
melhores condições possíveis exercendo um Latina é composta de indígenas, mestiços
controle rígido sobre a força de trabalho, e negros. Mais espantoso ainda é que a
tentando incrementar a produtividade da maioria dos autores revisionistas tenha
mão-de-obra e diminuir os seus custos. Na passado ao largo do importante debate
tentativa de superar as limitações do mer sobre a mulher na força de trabalho e o
cado interno, os vários governos adotaram papel da mulher no desenvolvimento ca
políticas que resultaram na concentração pitalista.
de riquezas no setor mais alto. Em pouco Essa tendência talvez se explique em
tempo as indústrias chegaram de novo a parte pelo fato de que existem presente
um beco sem saída. As vendas caíram, os mente duas correntes historiográficas que
lucros diminuíram. Sua contínua depen parecem correr paralelamente. Uma que
dência em relação à tecnologia internacio aparece sob o rótulo de história do traba
nal e aos empréstimos estrangeiros e sua lho e/ou história da classe operária, e
dificuldade em incrementar a produção
fizeram com que os custos unitários fossem outra que aparece sob o rótulo mulheres.
mais altos na América Latina do que nos Ambas parecem se ignorar mutuamente.
países mais desenvolvidos e contribuíram Curiosamente, enquanto a história do tra
para agravar o desequilíbrio da balança de balho se afasta de enfoques “estruturalis-
pagamentos, acarretando ondas inflacioná tas” em busca da “experiência” dos traba
rias e o crescimento da dívida externa. lhadores, a história das mulheres na força
Estes problemas tornaram-se particular de trabalho corre em direção contrária, ofe
mente sérios com a crescente internaciona recendo algumas das mais sofisticadas aná
lização da economia. Nestas circunstâncias, lises estruturalistas, como por exemplo, nos
não é de se estranhar que a crescente pro estudos de Junes Uash e Carmen Diana
dutividade das indústrias automobilísticas Deer.
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Apesar da sofisticação metodológica de evidente que minhas observaçõeS não se
muitos pesquisadores e pesquisadoras e do aplicam às autoras feministas, mas estas,
grande número de ensaios e livros que se como já foi observado, têm-se dedicado
publicam e conferências que se promovem mais ao estudo das mulheres na força do
todos os anos, a maioria dos historiadores trabalho, ou seu papel no desenvolvimento
do trabalho industrial na América Latina econômico, do que ao estudo dos traba
continua ignorando o importante papel de lhadores em geral.
sempenhado pelas mulheres. Os pesquisa Como é possível a esta altura que os
dores dedicam pouco tempo a entrevistar historiadores continuem a ignorar o papel
mulheres trabalhadoras e raras vezes des da mulher na força de trabalho industriai?
crevem as percepções que elas têm do pro Será realmente possível entender a expe
cesso histórico.5 O que é mais sério ainda riência dos trabalhadores sem examinar as
é que os historiadores acima analisados relações entre homem e mulher e o papel
parecem ignorar a especificidade desse tipo da mulher na produção e reprodução?
de experiência.6 Quando se referem à Acredito que não. Nenhuma história das
mulher na força de trabalho, limitam-se a classes trabalhadoras digna de respeito
oferecer breves comentários sobre sua pas pode ser escrita hoje sem incorporar a mu
sividade sem procurar sequer explicá-la. lher, não apenas aquelas que trabalham no
Referem-se à maneira pela qual o compor setor industrial, mas também as esposas e
tamento da mulher afeta negativamente o outros membros da família que trabalham
sindicato, mas não se perguntam como o em empregos temporários no setor infor
comportamento do sindicato afeta as mu mal. Não se trata simplesmente de agre
lheres. Quando muito atribuem a difi gar informações sobre a mulher às abor
culdade de organizar as mulheres a “dispo dagens tradicionais. É preciso encarar a
sições naturais” , ou ao caráter intermi história do trabalho e da classe traba
tente da presença, da mulher no mercado lhadora dentro de uma nova perspectiva.
de trabalho. Não lhes passa pela cabeça Historiadores interessados na história da
que, ao ignorar os problemas específicos Europa e dos Estados Unidos tomaram a
da mulher e ao mantê-la excluída das po dianteira, e os que na América Latina têm
sições de liderança, sindicatos e partidos estudado o trabalho no campo já o fazem
políticos, possam ter alienado a mulher e há muito tempo. É preciso agora que os
contribuído para a sua tão decantada pas que estudam o trabalho industrial e a his
tória das classes trabalhadoras sigam esses
sividade. Mesmo quando escrevem sobre o
exemplos e reconheçam que a história do
peronismo, os novos historiadores do traba trabalho só pode ser adequadamente ava
lho raramente discutem o que peronismo liada quando se introduz em cena os tra
significou para as mulheres trabalhadoras balhadores na sua totalidade.
e contentam-se em frisar a importância de
Eva Perón no movimento peronista [Na (Recebido para publicação em
varro (1982), Fraser e Navarro (1981)]. É março de 1989)
Notas
11
5. Ver, por exemplo, Nash e Safa (1986) e (1980) Nash e Fernandez-Kelly (1983),
ßeneria e Roldan (1987), Navarro (1985) e (1982), Para uma avaliação geral da biblio
grafia sobre a mulher na América Latina, ver Lavrin (1984) e Stoner (1987).
6. Em artigo publicado em 1982 chamei a atenção para essa lacuna na historiografia
brasileira. Ver “ A Nova Face do Movimento Operário na Primeira República”, Revista
Brasileira de História, v. 2, n. 4, 1982, pp. 217-232.
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