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CARDIOPAPERS
Nos últimos anos os novos anticoagulantes (NOACS) ganharam muito espaço no manejo
de pacientes de diversas áreas (cardiologia, clínica médica, cirurgia vascular, etc). Após
décadas surgiram opções à boa e velha varfarina e todos os problemas envolvidos com
seu uso como a monitorização laboriosa dos níveis de INR. Com as novas medicações
começaram a surgir também as dúvidas do cotidiano:
Qual dose usar?
Que medicação escolher?
Como trocar a varfarina pelos NOACS?
O que fazer com os NOACS antes de procedimentos invasivos?
E muitas outras perguntas.
Para facilitar a sua vida, fizemos uma compilação dos principais textos do Cardiopapers
sobre o assunto. Aproveite.
Atenciosamente,
Eduardo Lapa, André Lima e Fernando Figuinha
Sumário
Aspectos gerais 3
Você sabe o mecanismo de ação dos diferentes 4
anticoagulantes?
Quais as principais vantagens dos novos 7
anticoagulantes sobre a varfarina?
Estudos clássicos: a dabigatrana recebe sinal 9
verde para ser comercializada
Dicas práticas para o uso de dabigatrana 13
Guia de medicamentos cardiovasculares: 14
Apixabana
Que dose de apixaban usar em pacientes com 17
fibrilação atrial?
Aspectos práticos 18
Novos anticoagulantes - ingerir em jejum ou com 19
alimento?
Como fazer o seguimento ambulatorial de um 20
paciente usando algum dos novos
anticoagulantes?
Como faço para trocar varfarina por um novo 21
anticoagulante na prática?
Como faço para trocar um novo anticoagulante por 22
varfarina na prática?
Meu paciente esqueceu de tomar o novo 24
anticoagulante: como orientá-lo?
Prescreve dabigatrana para seus pacientes? Não 26
esqueça de dar esta orientação!
Quando usar e quando evitar? 27
Quem definitivamente não deve usar os novos 28
anticoagulantes orais?
Posso usar novos anticoagulantes em pacientes 29
com fibrilação atrial e valvopatia?
Dabigatrana pode ser usada em paciente prótese 33
valvar mecânica?
Cirurgia e novos anticoagulantes 34
Novos anticoagulantes + cirurgia eletiva: quando 35
suspender a medicação?
Novos anticoagulantes e procedimento dentário: o 38
que fazer?
Sangramento e novos anticoagulantes 40
Sangramento digestivo durante uso de novos 41
anticoagulantes: posso ou não voltar a
medicação?
Risco de sangramento alto = contraindicar 42
anticoagulação, certo? Errado!
Aspectos gerais
Você sabe o mecanismo de ação dos diferentes
anticoagulantes? A gente te explica de uma
forma fácil.
Tudo começa com, por exemplo, uma lesão endotelial que por sua vez expõe fator tecidual
na parede do vaso (ex: instabilização de uma placa coronariana). Este fator tecidual irá se
juntar ao fator VII ativado (VIIa) e este complexo irá ativar o fator X. Já aí podemos
colocar o primeiro grande grupo de anticoagulantes que é o que atua inibindo a ação do
fator X ativado (Xa). Neste grupo estão:
O uso dos novos anticoagulantes orais (NOACS) vem sendo cada vez mais difundido no
tratamento de pacientes com fibrilação atrial. Mas você sabe quais as 3 principais
vantagens destas medicações sobre a boa e velha varfarina? Resumindo:
Baseado nestas vantagens citadas, o guideline europeu de FA, por exemplo, já coloca que
pacientes que irão iniciar uso de anticoagulação devido à arritmia devem preferir os
NOACs à varfarina.
Qual o grande problema dos NOACS? Preço. Enquanto o tratamento com varfarina por
menos de 10 reais ao mês, o preço do tratamento mensal com NOACS costuma ficar na
faixa entre 180-300 reais.
Dados do estudo:
Resultados:
A dose de 110 mg 12/12h foi não inferior à varfarina. Também foi mais
seguro em relação a sangramentos maiores (2,71% ao ano x 3,36% ano
ano com a varfarina).
A dose de 150 mg 12/12h além de ter sido não inferior à varfarina,
também atingiu signi cância estatística para superioridade. Não houve
diferença de sangramentos maiores em relação ao inibidor de vitamina
K.
Comparando-se as duas doses de dabigatrana, foi observado
basicamente uma menor taxa de AVCI com a posologia maior
contrabalanceada por uma tendência a aumento de sangramento.
O único efeito colateral que ocorreu mais frequentemente com a
dabigatrana foi dispepsia (5,8% com varfarina x aproximadamente 11%
com a dabigatrana).
No campo de desfechos secundários, observou-se uma incidência
levemente maior de infarto no grupo da dabigatrana (0,53% no grupo
da varfarina x 0,72% no grupo da dabigatrana). Possivelmente isso deve
ao fato não da dabigatrana causar infarto mas sim pelo fato da varfarina
trazer uma proteção um pouco superior para IAM do que a nova
medicação.
Opiniões pessoais:
– A cápsula tem que ser ingerida inteira. Não deve ser mastigada ou quebrada.
– A medicação deve ser ingerida de 12/12h. Caso o pcte esqueça de tomar uma dose, a
conduta deve ser a seguinte:
> 6h do horário adequado – pular aquela dose e tomar uma cápsula apenas no próximo
horário. NUNCA tomar 2 comprimidos de uma só vez para compensar uma dose
esquecida.
– Não retirar a medicação da embalagem inicial. Exemplo: evitar tirar as cápsulas para
colocar naquelas caixas que separam as medicações pelo dia da semana.
Indicação e Posologia:
– Profilaxia de eventos embólicos em pacientes com fibrilação atrial não valvular – dose:
5mg VO 2x por dia (ou 2,5mg VO 2x por dia se 2 características a seguir: idade >= 80 anos,
peso <= 60kg ou creatinina sérica >= 1,5mg/dL) – estudo ARISTOTLE.
– Profilaxia de TVP em artroplastia de quadril ou joelho – dose 2,5mg VO 2x por dia por 35
dias ou por 12 dias, respectivamente.
Cuidados: pode tomar a medicação com ou sem alimentos. O comprimido pode ser
triturado e misturado com água se dificuldade para deglutir ou se sondas gástricas.
Em casos de cirurgia, interromper 48hs antes do procedimento se risco moderado a alto
de sangramento, OU interromper 24hs se baixo risco de sangramento ou localização em
que o sangramento possa ser facilmente controlado.
Troca de anticoagulantes:
– Apixabana para AVK: continuar a administração de apixabana por 48hs após a primeira
dose do AVK.
– Apixabana para Heparina: iniciar heparina (HNF ou HBPM) no horário da próxima dose
do Eliquis®.
Primeiro temos que lembrar que para estas medicações não é necessário realizar-se
exames laboratoriais periódicos (ex: coagulograma) para medir a ação da droga. De toda
forma, o paciente está em uso de uma medica10ção que aumenta o risco de sangramento.
Assim, a diretriz europeia sugere que após a introdução do NOAC, o paciente seja
reavaliado, caso não surjam intercorrências, após 1 mês. Está tudo tranquilo? O paciente
tolerou bem a medicação e não teve indícios de complicações? O guideline então sugere
um seguimento periódico a cada 3 meses. Obviamente isto é apenas uma recomendação e
não um número preciso a ser seguido. Podemos individualizar a conduta sem problemas.
Paciente jovem, peso normal, sem maiores comorbidades? O intervalo entre as consultas
pode ser mais longo. Paciente idosa, baixo peso corporal, ClCr de 30 mL/min? Melhor
acompanhar mais de perto.
Para definirmos isto, temos que lembrar que enquanto o efeito do NOAC é rápido, a
varfarina costuma demorar vários dias até atingir alvo terapêutico de INR. Desta forma, o
recomendado pela diretriz europeia é:
Exemplo 2: Paciente usa rivaroxabana 20 mg.d. Costuma tomar a medicação junto com o
café-da-manhã às 6h. Como a medicação é usada 1x ao dia, sua meia-vida é de 24h.
Assim, metade da meia-vida são 12h. Se o paciente esquecer-se da dose de hoje mas
lembrar-se disto até as 18h, pode tomar a dose no momento que lembrar. Caso passe das
18h, aí deixar quieto, “pular” a dose de hoje e voltar a tomar amanhã normalmente.
Prescreve dabigatrana para seus pacientes? Não esqueça de dar esta orientação!
Quando usar e quando evitar?
Prescreve dabigatrana para seus pacientes? Não esqueça de dar esta orientação!
Quem definitivamente não deve usar os novos
anticoagulantes orais?
E em paciente com insuficiência mitral moderada, por exemplo? Posso usar NOACS? Veja
este post.
Entre os estudos que avaliaram o uso dos novos anticoagulantes orais (NOACs – RELY2,
ARISTOTELE3, ROCKET-AF4 e ENGAGE AF-TIMI 485) no cenário deprofilaxia de eventos
cardioembólicos em pacientes com FA não valvar, cerca de 70% dos pacientes foram
alocados por centros americanos e europeus, com estimativa de 6% de pacientes latino
americanos1.
Recente estudo publicado no JACC6 faz uma análise combinada dos 4 maiores estudos
comparativos entre NOACs e varfarina, comparando a eficácia clínica e sangramento grave
entre pacientes com e sem lesão valvar.
1- Os autores não tiveram acesso ao banco de dados completo e fizeram uma análise
comparativa com os dados publicados,
2- Os estudos, apesar de todos serem de não inferioridade, são diferentes ( RE-LY não foi
duplo cego e o ROCKET-AF não fez análise por intenção de tratar e o TTR do grupo placebo
era menor que 60%), apresentavam diferentes critérios de inclusão e exclusão.
Mesmo com limitações, o estudo vem aos encontro aos dados já conhecidos em análises
individuais, aos registros publicados e e ao conjunto dos trabalhos originais. Entre as
conclusões podemos destacar:
Referências:
Para responder a essa questão foi elaborado o estudo RE-ALIGN – estudo de fase 2 que
buscava avaliar pacientes que iniciaram anticoagulação logo após a cirurgia de troca
valvar (mecânica – aórtica, mitral ou ambas) ou naqueles que haviam sido submetidos à
implante de valva mitral mecânica 3 meses ou mais antes da randomização. Pacientes
eram randomizados para receber por 12 semanas dabigatrana 150mg, 220mg ou 300mg
duas vezes ao dia ou varfarina.
Isso reforça que esses novos anticoagulantes não devem ser prescritos para pacientes
que se encontram em alguma situação ainda não avaliada por grandes estudos, como
pacientes com prótese valvar metálica ou com FA valvar, pelo menos até que apareça
alguma evidência científica indicando o contrário.
Depois, precisamos ver a função renal do paciente e qual medicação está usando
exatamente. Como estes dados em mãos, podemos definir o tempo de interrupção da
medicação:
Exemplo:
Paciente usa apixabana 5 mg 2xd (tomada às 8h e 20h) e vai ser submetido a uma
colecistecotmia. O procedimento é considerado de alto risco de sangramento como
podemos ver na primeira tabela. Digamos que a função renal seja normal (ClCr 92
mL/min). Nesse caso precisamos parar a medicação no mínimo 48h antes da cirurgia
abdominal. Digamos que a cirurgia esteja marcada para sexta às 7h. A última dose da
apixabana seria, neste caso, na terça às 20h.
Resumindo:
Há vários escores que podem ser usados para se medir o risco de um paciente em uso de
anticoagulação oral devido à fibrilação atrial (FA) vir a sangrar. O mais conhecido é o HAS
BLED. Quando este escore pontua 3 ou mais pontos, o risco de sangramento do paciente é
considerado razoavelmente alto. Isto quer dizer que HAS BLED ≥ 3 = a contraindicar
anticoagulantes? Não! Quando vamos analisar as variáveis que entram no cálculo deste
índice percebemos que várias delas entram também no cálculo do CHADSVASC, escore
mais usado para medir risco de eventos tromboembólicos na FA. Exemplos: hipertensão
arterial, histórico de AVC e idade >65 anos são exemplos. Ou seja, estes fatores
aumentam o risco tanto de AVCI embólico quanto de sangramentos de forma geral.
Quanto mais alto o CHADSVASC do paciente, mais ele se beneficia do uso de
anticoagulantes na prevenção de AVC.
O que fazer então em pacientes com HASBLED alto? Tomar cuidado redobrado! Caso seja
prescrito um novo anticoagulante (NOAC), checar se a dose está ajustada para as
características do paciente (ver este post para checar quando temos que diminuir a dose
da apixabana, por exemplo), considerar o uso de inibidores de bombas de próton caso o
paciente use antiagregação plaquetária associadamente, seguir o paciente mais de perto
no ambulatório, etc.
E vale a pena prescrevermos doses menores dos NOACs nestes pacientes? Questionamos
o Dr Renato Lopes (Duke University) sobre o assunto. Resposta: não, não vale. As doses a
serem usadas na prática clínica devem ser as mesmas aplicadas nos grandes trial de fase
3. Ajustar a dose apenas de acordo com o próprio label da medicação (exemplo citado no
parágrafo anterior em relação à apixabana). Dos 4 trials que avaliaram os NOACs, apenas
2 testaram mais de uma dose, o ENGAGE (edoxabana) e o RE-LY (dabigatrana). No
primeiro caso, a dose inferior da edoxabana não foi equivalente à varfarina, evoluindo com
41% mais eventos isquêmicos do que o braço varfarina do estudo. Desta forma, esta
posologia mais baixa não foi aprovada pelo FDA. Já no caso do RE-LY, a dose mais baixa
causou menos sangramento mas preveniu menos eventos isquêmicos. De toda forma esta
dose menor não foi usada especificamente na população considerada como de maior
risco de sangramento. Por exemplo, subanálise deste trial mostrou que em pctes com
ClCr<50 mL/min, o risco de sangramento da dose menor da dabigatrana foi igual ao da
varfarina, ou seja, perdeu-se o efeito “protetor” da dose de 110 mg 2xd do NOAC neste
contexto.
Resumindo com exemplo prático: está com um paciente com FA, HAS BLED alto, 67 anos,
peso normal, ClCr de 75 mL/min? Caso vá usar apixabana, por exemplo, prescreva a dose
usada no ARISTOTLE (5 mg 2xd). Não prescreva subdose (ex: 2,5 mg 2xd)!