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COMPLEMENTO
ESPÍRITUAL
COMPLEMENTO PARA O ESTUDO DE HERMENÊUTICA
Necessidade da hermenêutica
Necessidade da
hermenêutica
JOSE M MARTÍNEZ
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que pregunta e entende por outra parte”. No caso da história da igreja e a experiência diária
bíblia, as dificuldades se multiplicam por causa de sua testificam que uma pretendida dependência do
complexidade. Não é a obra de um homem em um Espírito divorciada do estudo sério e diligente
momento histórico determinado, senão um conjunto na interpretação da Escritura é frequentemente
de livros escritos ao longo de mais de um milênio. causa de extravagancias religiosas ou de
Coalhado de grandes mudanças culturais, políticas,
heresias. A obra do Espírito Santo é
sociais e religiosas. Se a isto se adiciona a diversidade
de seus autores, estilos, e gêneros literários, se indispensável para a compreensão da Palavra de
compreenderá o imperioso de um trabalho esmerado Deus; mas não é, em gral, uma obra que nos
quando se trata de interpretar as Escrituras hebreu- dispense da saudável tarefa da hermenêutica. É
cristãs. As vezes a hermenêutica bíblica é olhada com guia, não atalho, para levar-nos ao
Dependência do Espírito Santo em nosso estudo
diário. receio e até com menosprezo. Deturpando o princípio conhecimento da verdade de Deus. Tal razão,
da perspicácia da Escritura defendido pelos contar com o Espírito seriamente não exclui a
A interpretação como risco reformadores do século XVI, particularmente por necessidade do estudo encaminhado a
Evidentemente, o exposto sobre a necessidade da Lutero, acredita-se que o essencial da bíblia é desentranhar o mais exaustiva e fielmente
hermenêutica nos situa diante de um problema. Por suficientemente claro e não precisa de minuciosos possível o significado dos textos sagrados. E se
um lado, é óbvio que não podemos prescindir dela. estudos exegéticos. Mas tal crença é insustentável. É alguém insistisse em suas objeções contra a
Por outro, existem possibilidades de que a certo que algumas passagens da Escritura são muito
hermenêutica apoiando-se em mensagens como
interpretação seja incorreta e até mesmo nociva, que claras. Espacialmente aquelas que se referem ao plano
de Deus para a salvação do homem e para sua as de 1Jo. 2:20, 27 “Vós tende a unção do Santo
ao invés de esclarecer, gere confusão. A tarefa
interpretativa se nos apresenta como espada de dois orientação moral. Mas ainda nestes casos, os textos só e conheceis todas as coisas... A unção que
gumes. A brecha existente entre judeus e cristãos foi são compreendidos na plenitude de seu significado recebestes dele permanece em vós e não tens
aberta pelo diferente modo de interpretar o Antigo quando analisados conscientemente. Não há em toda a necessidade de que ninguém vos ensine”,
Testamento. As diferenças confessionais dentro do bíblia um versículo mais fácil de entender que João evidenciaria sua ignorância ou esquecimento de
próprio cristianismo são basicamente diferenças de 3:16. Resulta compreensível ainda para a mente mais outras passagens nas quais se põe manifesto
interpretação. O que separa a protestantes de simples. Entretanto, o incomparável de sua riqueza que a clara compreensão de um ensinamento
católicos é, em síntese, uma disparidade exegética em espiritual só se aprecia efetivamente quando se bíblico nem sempre se obtém e maneira direta e
torno do texto de Mateus 16:18 (e tu és Pedro, e sobre aprofunda nos conceitos bíblicos expressados pelos imediata, mas que frequentemente se faz
esta pedra edificarei a minha igreja... e a ti te darei as termos “amor”, “Filho unigênito”, “crer”, “perdição”, necessária a mediação do intérprete.
chaves do reino dos céus»). No seio do e “vida eterna”. Se até os textos claros devem ser
Lembremos do exemplo já mencionado da lei
protestantismo, as diferentes «denominações» — objeto de cuidadosa análise exegética, que diremos
lida ao povo e explicada por Esdras. Algumas
elementos históricos a parte — apoiam as dos escuros, dos que apesentam expressões ambíguas,
características que as distinguem o que cada uma equívocas ou em aparente contradição com outras das parábolas referidas por Jesus não foram
considera ser o ensinamento da Escritura. Existe uma passagens da Escritura? Que significado atribuiremos suficientemente claras para os discípulos e o
resposta válida para questão do risco da a linguagem figurada, aos tipos e alegorias, aos salmos Senhor mesmo teve que interpretá-las. O
interpretação? A igreja católica resolveu imprecatórios, aos enigmas proféticos, as descrições Eunuco etíope lia uma porção do profeta Isaías,
tradicionalmente o problema mediante a autoridade apocalípticas? mas só compreendeu seu sentido depois da
de seu magistério, pelo qual se decide a interpretação explicação de Felipe. O apóstolo Pedro
verdadeira, infalível, da Escritura. Nas últimas referindo-se a alguns escritos de Paulo, afirma
décadas, especialmente a partir de 11 Concílio que são “difíceis de entender’ e que os indoutos
Vaticano, esta postura tem sido matizada. Uma maior e inconstantes os torcem, assim como às demais
liberdade para a investigação bíblica permite aos Escrituras, para sua própria perdição” (2Pe.
escritores católicos saírem dos rígidos moldes
3:15-16).
dogmáticos de sua igreja e chegar a interpretações
idênticas ou similares em alguns poucos pontos, às de
exegetas protestantes. Porém, oficialmente, a posição
do catolicismo não mudou. Somente o magistério da
igreja tem a palavra final na determinação do
significado de qualquer texto bíblico. Contra essa
pretensão, os reformadores do século XVI
levantaram suas vozes. Na interpretação da Escritura,
a autoridade final — asseveravam — não é a igreja,
mas a própria Escritura. Scriptura sacra Sui ipsius
interpres (a Escritura sagrada é intérprete de si
mesma). Assim, se dava a entender que nenhuma
passagem bíblica deve estar submetida à servidão da
tradição, ou ser interpretada isoladamente de modo
que contradiga o ensinado pelo conjunto da Escritura.
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INTERPRETAÇÃO O INTÉRPRETE
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A inspiração
Se nos atermos ao testemunho da própria
Escritura, a ele voltaremos no capítulo
seguinte, - nela palpita um espírito, o Espírito
de Deus que a inspirou, e só há uma
interpretação autêntica - como veremos mais
adiante desde outra perspectiva, quando se
estabelece um nexo de comunhão entre o
Espírito de Deus e o espírito do intérprete e
quando a palavra de Deus que fala segue a
resposta de quem a escuta. Isto nos leva à
contextualização, é dizer, à determinação de
relações existentes entre o texto da Escritura e
o contexto existencial (Sitz im Leben ou
situação vital) referido tanto ao escritor como
ao intérprete, seja qual for o lugar, a época e as
circunstâncias históricas em que este viva. É
necessária uma comunicação entre o autor
bíblico (e seu mundo) e o intérprete (e seu
mundo), a qual se leva a cabo mediante o
“diálogo” já mencionado ao nos referirmos a
Ao exposto deve-se adicionar uma observação sobre os textos aos que se podem atribuir “Nova Hermenêutica”. Neste diálogo, o
mais de um significado válido. Não nos referimos às inumeráveis interpretações alegóricas intérprete inicia sua tarefa com compreensão
que poderiam fazer-se de muitas passagens, mas a pluralidade de sentidos de alguns deles. prévia do texto, a qual é confirmada ou
modificada pela luz que o texto jorra sobre ela.
Além do houve na própria mente do autor, existe outro sentido distinto, mais profundo,
Este “círculo hermenêutico” é indispensável
que estava na mente de Deus e que, sem contradizer o primeiro, o transcende, como se
para a elaboração de uma teologia séria, com
faz manifesto ao examinar textos antigos à luz posterior de uma revelação progressiva. É o todas suas implicações éticas e sociais, e deve
que se há denominado Sensus Plenior da Escritura. Por exemplo, o texto de Isaias 7:14, observar-se com todo o dinamismo que o
relativo a Emanuel, se referia evidentemente a um acontecimento próximo à profecia, mas distingue. Ele conduzirá a descobrir ou
o alcance de seu pleno significado o vemos na perspectiva messiânica que o Novo enfatizar em um dado momento, aspectos da
Testamento nos oferece (Mt. 1:23). mensagem bíblica que antes haviam
permanecido ocultos ou esquecidos.
Esta característica de algumas passagens bíblicas pode ser um esporão saudável para aprofundar na análise hermenêutica de qualquer texto.
Mas ao mesmo tempos um abuso do sen susplenior gera erros. Abusivamente o aplica a teologia católico-romana quando trata de justificar
dogmas baseados na tradição com alegação de que esta constitui o desenvolvimento de doutrinas que se achavam em estado latente da
Escritura. O mesmo erro cometem quantos extraem textos bíblicos segundo significados que não concordam com os ensinamentos globais
da bíblia, senão que surgem de correntes de pensamentos mais ou menos vigorosas em seu momento histórico determinado ou de seus
próprios interesses dogmáticos. Na prática, muitas vezes este segundo significado invalida o primeiro, o correspondente a interpretação de
um texto transmitido a seu próprio modo. O significado real de um texto, quando este fala ao intérprete, não depende das contingencias do
autor ou daqueles para os quais se escreveu originalmente. Um autor não necessita conhecer o significado real do que escreveu, porque o
intérprete pode e deve: geralmente conhecer mais que ele. E isto é de fundamental importância. Não só ocasionalmente, senão, sempre, o
significado de um texto vai mais além de que, em palavras de Gerhard Ebeling, "a exegese literal histórica é fundamento da exposição da
Escritura efetuada pela igreja", e o é porque aparte dela, qualquer interpretação é uma desnaturalização da hermenêutica. Assim, pois, todo
avanço pela via até um sensus plenior, todo significado de um texto diferente de seu sentido original, deve ser controlado e autorizado pela
própria escritura de outro modo, o mais provável é que produza o extravio histórico-gramatical, que é verdadeiro. Isto é o que acontece,
por exemplo, com a interpretação bíblica praticada pelas seitas.
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