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Luiz Pinguelli Rosa

Nelson Job
Rogerio Mandelli
Valeria Portugal
[Org.]
Luiz Pinguelli Rosa
Nelson Job
Rogerio Mandelli
Valeria Portugal
[Org.]
© 2018 Auterives Maciel Jr., Frederick Travis, Gregory
Chaitin, Luiz Pinguelli Rosa, Nelson Job, Rogerio Mandelli,
Valeria Portugal

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sem autorização do detentor do copyright.
Sumário

9
A Consciência da Obra de Arte e o Devir-Outro do Criador
Auterives Maciel Jr.

29
A Science of Consciousness: Meditation Techniques as Scientific
Probes of the Structure of Conscious Experience
Frederick Travis

43
Consciousness and Information
Gregory Chaitin

51
Introdução ao Problema da Inteligência Artificial e da Mente: Discussão
de Textos Básicos e a Polêmica sobre o Modelo Quântico de Penrose
Luiz Pinguelli Rosa

97
Emergências no Inominável: os Aspectos Imanentes à Consciência
no “Conceito” de Vortex
Nelson Job

113
Consciência: Consonâncias e Dissonâncias entre Filosofia e Ciência
Rogerio Mandelli

141
Um Lampejo na Escuridão: uma Proposta Prática para se Avivar o Observador
Valeria Portugal
Apresentação

Este livro é resultado do Encontro Internacional Transdisciplinar da Cons-


ciência, que, por sua vez, é fruto do nosso grupo de pesquisa de Teorias da
Consciência. Nosso orientador/supervisor é o professor Luiz Pinguelli Rosa,
e o grupo pertence ao curso de pós-graduação em História das Ciências, das
Técnicas e Epistemologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
O professor Pinguelli ministra há muitos anos as disciplinas de Teorias
do Conhecimento Científico I, II e III realizadas na UFRJ, e nelas são abor-
dados, entre diversos assuntos, o tema da consciência, sempre de maneira
crítica e abrangente, passando pela ciência, pela história e pela filosofia. A
partir dos trabalhos de alunos que envolviam o tema da consciência, o grupo
de pesquisa Teorias da Consciência foi se formando há cerca de dez anos.
No grupo, o tema da consciência foi desdobrado e relacionado a ou-
tros, como a filosofia e a história da ciência, o sonho, a meditação etc. A
partir daí, várias teses foram defendidas e alguns livros dos doutores que
ali se formavam foram editados. Os temas são marcados pela ousadia e
consistência, e as orientações têm a saudável organização de serem em sua
maioria em grupo, de modo que os objetos de estudo de cada orientando
alimentem as discussões dos demais.
Nesse campo fértil, após os dez anos do grupo de pesquisa, nasceu a ideia
de um encontro aberto ao público. Além do professor Pinguelli, Nelson Job,
Valeria Portugal e Rogerio Mandelli se prontificaram a organizá-lo.
A partir desse esforço coletivo, com uma aprovação de edital da Coor-
denação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e apoio
do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de En-
genharia da UFRJ (Coppe), do Programa de Pós-Graduação em História
das Ciências e das Técnicas e Epistemologia (HCTE) e de outras institui-
ções, o Encontro Internacional Transdisciplinar da Consciência foi reali-
zado numa sexta-feira, 18 de agosto de 2017, na Casa da Ciência, no Rio de
Janeiro, com entrada franca. Além de Pinguelli e dos outros organizado-
res, pensadores afins dos temas do grupo de pesquisa foram convidados,
10 A Transdisciplinaridade da Consciência

compondo um rico cenário que envolvia físicos, filósofos, engenheiros, sa-


cerdotes, psicólogos etc. e constituído por mesas, palestra, lançamento de
livros e uma sessão de meditação coletiva.
No que seria um desdobramento natural do nosso grupo de pesquisa, o
encontro foi recebido com sucesso e surpresa pelo público, que, apesar de
extremamente heterogêneo – sendo composto por pessoas de diferentes
formações e campos de atuação –, jamais esperava ser oriundo da acade-
mia um evento tão abrangente acerca do tema da consciência. Também
para a nossa surpresa, havia um público ávido por um encontro desse tipo.
A maioria dos palestrantes do Encontro Internacional Transdisciplinar
da Consciência é autor de um artigo neste livro. Auterives Maciel apre-
senta o tema da consciência através das confluências das obras de Carlos
Castaneda, Henri Bergson e Gilles Deleuze. Fred Travis faz uma apanhado
das contribuições da Meditação Transcendental. Gregory Chaitin mostra
como descobertas recentes da física podem acrescentar à compreensão fi-
losófica da consciência. Luiz Pinguelli Rosa escreve sobre a consciência fa-
zendo uma revisão crítica de diversos autores das últimas décadas. Nelson
Job discute o que seu conceito de vortex acrescenta ao tema da consciên-
cia. Rogerio Mandelli conflui ciência e tradições orientais. Valeria Portugal
aborda o assunto no viés da psicologia védica.
Estamos conscientes, claro está, que este livro tem diversas passagens
interdisciplinares. No entanto, a emergência de trechos transdisciplinares
legitima os títulos do encontro e deste livro.
Por fim, cabe agradecermos a todos os envolvidos nestes projetos – o
grupo de pesquisa, o encontro e este livro – e desejar ao leitor o melhor
proveito possível. No horizonte das pesquisas acerca da consciência emer-
gem porvires que nos inspiram a partir em busca de novas empreitadas,
fazendo com que as linhas se entrelacem em uma malha cuja constituição
é tão heterogênea, sinuosa, misteriosa e imprevisível que nossa disposição
em mergulhar nessas confluências se torna cada vez mais intensa.

Rio de Janeiro, 17 de novembro de 2017.


Luiz Pinguelli Rosa
Nelson Job
Rogerio Mandelli
Valeria Portugal
A Consciência da Obra de Arte
e o Devir-Outro do Criador
Auterives Maciel Jr.*

A consciência que efetua a criação da obra de arte é o meio fluido que co-
necta o pensamento com o ser do sensível1 pelo ato de criação que ela torna
possível. Assim, ela se mostra fora de seu estado comum quando é rever-
tida por alguma coisa oriunda da sensibilidade. Sendo verdadeira a tese
de que a consciência comum trabalha em função dos interesses práticos –
estando esses condicionados por opiniões –, deve existir alguma coisa no
seio do sensível que venha produzir um efeito suspensivo na ação motriz
da consciência, colocando-a à disposição do pensamento. Algo que altere
o seu estado normal, vertendo-a à urgência de um pensamento nascido na
esfera de um questionamento do sensível.
Com isso, apresentamos dois estados de consciência: um banal – “interes-
seiro”, utilitário e imerso na opinião – e outro intensificado por uma atenção
oriunda de um impacto sensorial que afeta imediatamente a sensibilidade.
Partindo da premissa de que o pensamento na arte – implicado na criação
estética – se engendra em circunstâncias especiais, torna-se plausível dizer
que a consciência, inerente a tal ato, se evidencia na situação de uma exceção
que contraria seu curso corriqueiro. Há, portanto, uma consciência estética
ocasionada por uma experimentação que condiciona a criação da obra de
arte e faz desta o meio de conservação da sua intensificação. Como explicar
tal experimentação? Apresentando, primeiramente, uma definição geral da
consciência para detalhar a diferença da sua condição estética.
Consciência é, em princípio, o intervalo de indeterminação existente
entre a percepção do mundo externo e o reconhecimento exigido quando

* 
Auterives Maciel Jr. é doutor em Teoria Psicanalítica pela UFRJ e mestre em Filosofia pela Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (Uerj). Atualmente leciona no departamento de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro (PUC-Rio) e no programa de pós-graduação (mestrado e doutorado) em Psicanálise, Saúde e Sociedade
da Universidade Veiga de Almeida (UVA-Rio). É autor dos livros Pré-socráticos – a invenção da Razão. São Paulo: Odys-
seus, 2001 e O todo-aberto – duração e subjetividade em Henri Bergson. Rio de Janeiro: Arquimedes, 2017.
1 
Ser do sensível é aquilo que só pode ser sentido pela sensibilidade. Algo intenso que mobiliza a sensibilidade,
forçando o pensamento a se exercer. Tal noção, desenvolvida por Gilles Deleuze em Diferença e repetição, será devida-
mente apresentada na segunda metade deste estudo. Aqui, adiantamos uma definição provisória para estabelecermos
um esclarecimento inicial.
12 A Transdisciplinaridade da Consciência

este é percebido, para que se cumpra de modo eficaz a ação motora do ser
animado em geral e, mais especificamente, do ser humano. De acordo com
Bergson – segundo uma tese exposta no primeiro capítulo de Matéria e
memória2 –, a consciência habita o intervalo interno de todo ser movente,
sendo acionada por uma hesitação existente entre o ato de perceber, o afeto
que ocupa o intervalo subjetivo e a ação a ser executada. Com tal caracte-
rística, ela marca sua condição seletiva mediante uma dupla operação: por
um lado, analisa os estímulos que procedem do corpo e escolhe, dentre as
respostas possíveis, qual ação deve ser devidamente eleita para reagir ao
estímulo. Para isso, na hesitação existente entre o perceber, o sentir e o
agir há o esforço para reconhecer a realidade pela rememoração do passa-
do, cumprindo com as obrigações condicionadas por interesses orgânicos
e sociais. Por outro lado, o intervalo – por mais rudimentar que possa ser
– deve ser chamado de tempo da indeterminação; pois, nele, um certo coe-
ficiente de liberdade se torna possível, acentuando-se toda vez que o ser se
coloca à disposição de um pensamento que crie problemas, por meio de um
estado que altere o fluxo da consciência habitual.3
Sendo assim, podemos dizer, por um lado, que a função habitual da
consciência é presidir os interesses práticos que ganham fundamento nas
necessidades orgânicas e nos meios organizados pelas opiniões. A regula-
mentação dos hábitos, o ouvir dizer – ocasionado pela difusão da lingua-
gem – e os diversos interesses orgânicos que necessitam de um cuidado
fundamentado na esfera da atenção à vida tornam a consciência um re-
curso a serviço de uma inteligência utilitária, voltada para a manutenção
adaptativa do indivíduo ao seu meio.
Por outro lado, nos estados alterados de consciência, existe um pensa-
mento ativado por experimentações sensíveis, isto é, por algo existente no
sensível que desconstrói seus hábitos corriqueiros. Desse modo, isto força
o ser humano a pensar, retira a consciência de sua atenção habitual, colo-
cando-a em estado de pura atenção. Nesse estado, o ser humano contempla
o que percebe e objetiva o que sente, colocando-se na esfera do sensível

2 
Essa definição da consciência de fato pode ser lida ao longo do primeiro capítulo de Matéria e memória. Ao longo do
estudo, o leitor perceberá que as teorias de Bergson serão utilizadas em função do intervalo de indeterminação toda
vez que estivermos situando a consciência no seu aspecto temporal.
3 
Tempo de indeterminação é, igualmente, uma duração interna que em Bergson se mostra como um tempo hete-
rogêneo constituído por uma multiplicidade qualitativa ou virtual. Tal tese, exposta no livro Ensaios sobre os dados
imediatos da consciência, é aludida no trabalho como a condição preliminar de uma consciência contemplativa. Que-
remos, com isso, pensar livremente a condição da consciência imediata quando ela se livra dos interesses práticos ou
sensório-motores.
A Consciência da Obra de Arte e o Devir-Outro do Criador 13

com a aptidão de um pensamento que busca na experiência primária da


percepção a gênese da sua criação artística.
E aqui tocamos nos pontos cruciais da nossa análise: dizemos que a
gênese da obra de arte supõe um estado alterado da consciência; que este
ocorre graças à existência de algo no sensível que torna possível o ato de
criar; e que este se dá no estado de uma consciência desligada dos interes-
ses práticos que a ocupam no seio da vida cotidiana. Surge aqui um pathos
originário de uma consciência que apreende o sensível, tornando sensível
a matéria a ser trabalhada pelo criador. Na apreensão do sensível vemos
nascer a condição da criação artística e, com ela, torna-se possível advogar
a tese de que a gênese da obra de arte supõe uma análise minuciosa do
sensível por intermédio de uma consciência sensorial, isto é, de um fluxo
que conecta pensamento e sensibilidade. Nessa conexão, cria-se o meio de
análise de sensações obtidas como compostos de afetos e paisagens que
irão engendrar condições de possibilidade para a composição inédita de
um bloco de sensações que será, como mostraremos mais adiante, a obra
de arte entendida como o produto da composição. Além disso, a criação
da obra de arte é a experimentação de um criador que entra em devir pela
invenção de uma linguagem das sensações. Com isso, queremos dizer que,
na experimentação da obra, há a invenção de uma nova língua acontecendo
paralela a uma mutação no criador, onde nela a obra criada testemunha pela
existência de um devir-outro do artista.
Sendo assim, pode a consciência ser o meio de explorações tanto de
opiniões quanto de pensamentos que acionem sua capacidade de tornar
sensível sensações extraídas das experimentações. Quando a consciência
efetua as condições de um pensamento que cria sensações através de ex-
perimentos, só então ela se apresenta na sua dimensão estética, colocando-
-se a serviço de uma potência de pensar, isto é, de um inconsciente puro de um
pensamento que cria as condições efetivas da obra de arte.4
Pelo mesmo motivo, a obra de arte advém como expressão dessa cons-
ciência estética, sendo, com certeza, uma consciência artística. Se é ver-
dadeira a ideia de que a arte conserva a sensação, fazendo-a convergir com
pensamentos que se modulam na consistência da obra, talvez a pertinência

4 
Inconsciente puro do pensamento e pensamento inconsciente são diferenças demonstradas por Deleuze a partir da
Ética de Spinoza. De acordo com Deleuze, há em Spinoza uma concepção de pensamento referida a uma potência de
pensar que é inconsciente em relação à qual a consciência é efeito. Observem que aqui não falamos de representações
recalcadas, mas de uma potência de pensar que pode ativar a consciência quando ela for exercida. Tal exercício será,
no nosso trabalho, a condição da consciência alterada. Sobre o inconsciente puro do pensamento, ver Gilles Deleuze,
Espinosa – filosofia prática, capítulo 2.
14 A Transdisciplinaridade da Consciência

maior deste ensaio consista na expressão da consciência estética por meio


da consciência da obra de arte e do devir daquele que a construiu.
Claro está que a consciência da obra de arte e o devir do criador serão
os termos finais do nosso trabalho, cabendo agora delimitar sua condição
no domínio da experiência que cria a obra através dessa consciência, aqui
nomeada estética. Diante dessa alternativa, torna-se necessário afirmar
que esse estado estético de consciência se produz na quebra dos hábitos
coloquiais que direcionam a consciência para a ação motriz. É preciso que-
brar hábitos para pensar na inversão da tendência motora. É preciso criar
condições para pensar de outra maneira, criando possíveis através do arti-
fício estético de tornar sensível aquilo que permanece insensível quando a
atenção consciente se encontra voltada para ação.
Enfim, é necessário aproximar a consciência da intuição e do afeto,
tornando-a sensorial e intensa. É nesse sentido que presumimos – com a
nossa cautela inicial – a existência da consciência imediata ao relacioná-la
com a experiência sutil da realidade. Mas quais são suas condições?
Em primeiro lugar, ela deve ser definida pelo estado de contemplação5
passiva que alcançamos quando voltamos nossa atenção para a esfera da per-
cepção imediata ocasionada pela intuição.6 Em uma atenção primária ativa-
mos o lado sensorial ao desligá-lo da esfera dos interesses motores, vincu-
lando o perceber e o sentir (perceptos e afetos) na sensação obtida por meio
de dados imediatos. Nessa esfera a consciência torna-se intuitiva, uma vez
que refrata o meio cristalino onde podem germinar as sensações elementares.
Em segundo lugar, entremos na consideração do pathos da consciência
como a contemplação primária que viabiliza um duplo movimento: a per-
cepção imediata da matéria e a intuição do tempo interior. Na consciência
contemplativa assistimos ao desenvolvimento da sensação, aglutinando fa-
ces que conjugam o mundo físico com imagens que emergem de um pas-
sado puro. Ora, é nesse estado de consciência que a intuição advém como
“preensão” imediata do tempo no aprofundamento da duração interna. Com
isso, o vivente é conduzido da esfera das representações para a contemplação

5 
A contemplação na arte é explorada por Deleuze e Guattari na conclusão de O que é a filosofia?, para explicitar a
condição estética de uma síntese passiva que apreende a sensação em estado puro. Tal ideia já havia sido utilizada por
Deleuze no capítulo “A repetição para si mesma”, do livro Diferença e repetição, e foi retomada na conclusão, intitulada
“Do caos ao cérebro”, escrito pela dupla. Aqui utilizamos a noção de contemplação relacionando-a a um momento
páthico da consciência estética.
6 
A intuição é a visão direta do espírito por ele mesmo. Com tal palavra, Bergson propõe um meio de acesso imediato
da duração interna e elabora, posteriormente, seu método filosófico com o mesmo nome. Aqui utilizamos a intuição
como maneira de acesso imediato da duração e propomos essa forma como a condição da consciência rara. Sobre a
intuição, recomendamos a leitura dos dois capítulos iniciais do livro O pensamento e o movente, de Henri Bergson.
A Consciência da Obra de Arte e o Devir-Outro do Criador 15

do tempo na sua riqueza heterogênea; buscando, por meio da percepção ime-


diata, o vínculo com paisagens externas captadas em conexão com o afeto.
Em terceiro lugar, que a consciência imediata se torne o meio que conecta
o pensamento com o ser do sensível, pelo viés da experimentação. Para isso,
é necessário um acontecimento singular que coloque em suspensão o proce-
dimento das cognições coloquiais que contaminam o processo do conheci-
mento. A proposta é criar condições experimentais que forcem o pensamento
a pensar, estando a experimentação germinada no seio da pura contemplação.
Além disso, há na pura contemplação a necessidade de um dizer que
expressa a sensação analisada, tornando a consciência estética um meio
de análise para a implementação de uma linguagem de sensações. Ou seja,
há uma linguagem das sensações que é a expressão das experimentações
empenhadas em tornar sensível o ser do sensível; e isso cria a necessidade
de advogar o advento de um uso menor da língua como condição sintática
da linguagem da sensação.
Enfim, o enunciador da linguagem da sensação é o pensador nomeado ou
como figura estética (DELEUZE; GUATTARI, 1997, p. 229) ou como um hete-
rônimo (PESSOA, 2001). Sabendo da ideia de que a obra de arte é uma expe-
rimentação, não é possível rejeitar a tese de que tal experimento supõe o devir
do experimentador. Assim, sustentamos – para mais tarde entrarmos em um
detalhamento mais contundente –, que o devir na obra de arte supõe pensado-
res que serão devidamente nomeados tanto na filosofia quanto na obra de arte.
Por enquanto, comprovamos que tais experiências ocorrem através
desse estado alterado de consciência e que é possível confirmar a tentativa
de validar nosso estudo à revelia de teses construídas com o propósito
de desqualificar a consciência. Afinal, já nos são conhecidas as teses que
desqualificam a consciência em proveito de um inconsciente puro do pen-
samento. Elas preconizam a existência de uma pura potência de pensar
que pode ser explorada através de uma experiência páthica que introduz o
impensado no seio do próprio pensamento. Além disso, a ideia freudiana
de que somos regidos por processos mentais inconscientes colabora para
a desqualificação da consciência ao reduzi-la à condição de um simples
sistema psíquico. De toda maneira – embora existam diferenças entre as
duas concepções descritas acima –, a consciência é sempre posta como o
sistema que recolhe efeitos, reduzindo a percepção do real e da subjetivi-
dade aos investimentos de interesses mesquinhos e egoístas.
Embora tais teses encontrem fundamentação em teorias do inconscien-
te que deflagrem certo gosto pelo involuntário, pelo acaso que possa sur-
16 A Transdisciplinaridade da Consciência

preender a consciência em momentos traumáticos que atestem a presença


de um acontecimento real; elas não invalidam a possibilidade de pensar-
mos em uma consciência rara que seja o palco surpreendente de acon-
tecimentos que possam alterá-la, estendê-la, ampliá-la, por intermédio de
um pensamento que a eleve à estranha instância de uma consciência pen-
sante inseparável dos movimentos infinitos da matéria.
Sendo assim, confirmamos os “estados alterados de consciência”
pelas experiências plasmadas na convicção de que uma consciência in-
tensificada pode ser o meio de expressão de um pensamento puro alça-
do à esfera de um plano de consistência. Faremos a nossa demonstração
buscando no ser do sensível a condição da consciência rara e traremos
para a análise os autores implicados no laboratório estético da produção
da obra de arte.

A consciência rara
Há, no sensível, alguma coisa que faz nascer o ato de pensar no seio do
pensamento; isto é, algo que engendre o ato de pensar através de uma ex-
perimentação. É que, nessa inflexão, pensar é um acontecimento que supõe
uma ocasião para existir; pois não pensamos no elã de um gosto ou de
vontade; tampouco de uma maneira reta e natural. Para pensarmos, é pre-
ciso que nos coloquemos em uma situação experimental que condicione o
surgimento desse acontecimento que é o ato de pensar.
Ora, isso que torna possível o ato de pensar não é, obviamente, um
objeto passível de ser reconhecido; pois, quando reconhecemos, perma-
necemos na esfera dos interesses práticos, uma vez que o reconhecimen-
to é uma atividade a serviço de uma ação definida por representações
interessadas. Sendo assim, isso que força a pensar acontece quando não
reconhecemos uma situação e somos, por isso, forçados a contemplar
alguma coisa que intensificou nossos sentidos. Deleuze tem razão quan-
do diz que aquilo que nos força a pensar é o objeto de um encontro, isto
é, um signo que advém de um encontro que mobiliza a sensibilidade,
colocando-a em presença daquilo que só pode ser sentido. É assim que
ele irá se opor ao reconhecimento, pois o sensível, no reconhecimento,
“nunca é o que se pode ser sentido, mas o que se relaciona diretamente
com os sentidos num objeto que pode ser lembrado, imaginado, concebi-
do” (DELEUZE, 2003, p. 206). A respeito do objeto do encontro, Deleuze
dirá que:
A Consciência da Obra de Arte e o Devir-Outro do Criador 17

Ele não é uma qualidade, mas um signo. Não é um ser sen-


sível, mas o ser do sensível. Não é o dado, mas aquilo pelo
qual o dado é dado. Ele é também, de certo modo, o in-
sensível. É o insensível precisamente do ponto de vista da
recognição, isto é, de um ponto de vista de um exercício
empírico em que a sensibilidade só apreende o que poderá
ser apreendido por outras faculdades... (DELEUZE, 2003,
p. 203)

É que, na instância dessa experiência sensível, o signo advém de um


momento intenso que coloca a sensibilidade em seu limite sensorial e
faz com que ela só transmita às demais faculdades a violência sofrida
no encontro. Assim, aquilo que só pode ser sentido força a imaginação
a apreender aquilo que só pode ser imaginado; esta, por sua vez, força
a memória a rememorar o que apenas ela pode apreender – memória
involuntária daquilo que só pode ser lembrado etc. No limite entreaber-
to pela experimentação, aquilo que só pode ser sentido, “sensibiliza a
alma, torna-a perplexa, força-a a colocar um problema, como se o objeto
do encontro, o signo, fosse portador de problema” (DELEUZE, 2003,
p. 204).
A primeira consequência a ser extraída dessa tese diz respeito à si-
tuação da subjetividade violentada pelo objeto do encontro. Ao dizer-
mos que o ser do sensível introduz uma violência intensa na sensi-
bilidade e que esta transmite às outras faculdades a violência sofrida
na esfera do encontro; dizemos, por isso, que tal violência tem como
efeito imediato a ruptura com o eixo sensato das faculdades, isto é, com
o acordo concordante das faculdades que constituía o senso comum.
Como diz Deleuze:
Cada faculdade saiu dos eixos (...) Cada uma, por sua con-
ta, destruiu a forma do senso comum, forma que a manti-
nha no elemento empírico da doxa para atingir a sua enésima
potência. Em vez de todas as faculdades convergirem e con-
tribuírem para o esforço comum de reconhecer um objeto,
assiste-se a um esforço divergente, sendo cada uma colocada
em presença de seu próprio, daquilo que a concerne essen-
cialmente. Discórdia das faculdades, cadeia de força e pavio
de pólvora, em que cada uma enfrenta o seu limite e só recebe
da outra uma violência que a coloca em face de seu elemento
próprio. (DELEUZE, 2003, p. 205)
18 A Transdisciplinaridade da Consciência

Ora, é exatamente esse acordo discordante que vai forçar o pensa-


mento a problematizar, isto é, a trabalhar o sensível com problemas que
tornarão sensível o ato de criação da obra de arte. E é aqui, precisamente,
que surge a condição da consciência rara: nela prevalece a contemplação
do ser sensível conectado ao puro pensamento acionado pela perplexida-
de da experimentação. Nessa esfera, a consciência contempla, como um
fluxo, o ser do sensível e o conecta ao crivo de um pensamento nascido
de uma experiência intensa, dando vazão a uma atividade criadora. Uma
consciência rara é, portanto, uma consciência intensificada – ou um esta-
do alterado de consciência – por uma experimentação disparatada. Nela,
adentramos imediatamente no plano temporal da subjetividade por meio
de uma intuição fundamental do tempo. Ou seja, por esse viés, a cons-
ciência pode ser informada por uma intuição que a coloca à disposição de
um pensamento do tempo, isto é, de um pensamento de um movimento
apreendido como dado imediato. Ora, quando a consciência é informada
pela intuição, vemos crescer a indeterminação do agente na exata propor-
ção que ele deixa de agir e aprende a contemplar, entrando em contato
com o ser do sensível conectado imediatamente com o tempo puro como
forma da interioridade. Pela suspensão da ação motora, a consciência
contempla – com maior intensidade – os detalhes do sensível e sente, em
estado nascente, o tornar-se sensível da sensação em estado crepuscular.
Deixa, por um lado, de ser funcional; tornando-se, por outro, sensitiva,
isto é, sensorial; abrindo assim as condições reais de um tempo plausível
para as sensações.
Por outro lado, a sensação alcançada pela contemplação dará a condição
de fazer com que o passado imediato e o presente que passa fluam no seu
interior, criando o meio de uma dupla viagem: há, por um lado, a condição
simpática de ligar a sensação imediata a blocos físicos coextensivos à ma-
téria; há, por outro, a intuição premente que nos leva a um aprofundamen-
to mais tenaz de um ser do passado que coexiste com o presente que passa.
A sensação é o ponto de junção de um passado puro com um presente
que se encontra passando; sendo, nela mesma, um composto de afetos e
de paisagens; já que liga no ser do sensível o imediatamente passado com
o futuro iminente. A sensação é um composto de afetos e perceptos que
agrega uma duração que faz coexistir elementos afetivos com paisagens
imagéticas. Mas o que coloca a consciência na intuição da sensação? E o
que queremos precisar exatamente com a definição da sensação como um
composto de afetos e perceptos?
A Consciência da Obra de Arte e o Devir-Outro do Criador 19

Os afetos e os perceptos segundo


Deleuze e Guattari
Em Deleuze e Guattari (DELEUZE; GUATTARI, 1997), afeto é o devir não
humano do homem, isto é, o devir intenso que retira o ser humano dos
seus sulcos costumeiros. Nesse aspecto, o afeto deve ser diferenciado dos
sentimentos habituais que vinculamos ordinariamente às nossas repre-
sentações. Já os perceptos são as paisagens não humanas da natureza, isto
é, as paisagens não humanizadas que o homem alcança quando se encontra
em puro estado de contemplação.7 Com tais definições, convém ligeiro di-
ferenciar afeto de sentimento e percepto de percepção. Os sentimentos são
afetos subjetivados pela integração operada na consciência que os vincula
às representações do vivido; já as percepções são perceptos integrados às
exigências dos nossos interesses práticos. Assim, o percepto e o afeto an-
tecedem de direito as percepções e os sentimentos que habitam o vivido;
e devem se tornar sensíveis na operação estética que destrói os clichês do
vivido para alcançar a pureza da sensação sensorial. Extrair o percepto da
percepção, extrair o afeto do sentimento, fender o vivido para tornar sen-
sível a pura sensação; são estratégias estéticas que validam as condições
de experimentação da obra de arte, sendo estas as condições que retiram a
consciência da sua disposição habitual.
Além disso, em tal extração, existe um combate contra as opiniões do
vivido e um combate – um tanto arriscado – contra o caos,8 feito por um
pensamento que assume o risco da criação, ao produzir as condições nas-
centes de sensações. Sendo a criação na arte uma tarefa de compositor, e
sendo esta composição uma atividade construída com sensações experi-
mentadas; cabe dizer que o criador da obra passa pelos estados intensivos
que fazem dele um verdadeiro operador em devir ao criar para si a possibi-
lidade de sentir a sensação de uma outra maneira.
Ora, o que temos resumidamente com tais características? As condi-
ções que viabilizam a definição de uma consciência rara, isto é, de uma
consciência estética, distinta da consciência habituada com recursos ex-
traídos dos interesses práticos. A consciência comum é sensório-motora;

7 
A apresentação da sensação como um composto de afetos e perceptos inaugura o capítulo sobre a criação artística
que Deleuze e Guattari apresentam no livro O que é a filosofia?. Ao longo do texto, o leitor terá detalhes sobre os diversos
procedimentos artísticos apresentados como exemplos das definições acima propostas. Além disso, na conclusão desse
livro, intitulada “Do caos ao cérebro”, os dois autores irão trabalhar a criação na arte por meio desse crivo no caos, dizen-
do como é plausível uma construção de uma lógica das sensações erigida por um procedimento criacionista.
8 
Deleuze e Guattari, idem.
20 A Transdisciplinaridade da Consciência

a rara é contemplativa; na primeira reina o interesse prático, conservador


e adaptativo do ser humano, que administra a realidade com a sua inteli-
gência; na segunda, existe a possibilidade de um pensamento criador que
trabalha o ser do sensível para dele extrair novas sensações. Na primeira,
ficamos restritos aos comandos das opiniões; sendo a segunda, a condi-
ção de uma experimentação que faz nascer os objetos da arte por meio
da criação do pensamento. Na primeira, falamos como tipos psicosso-
ciais históricos; na segunda, entramos na experimentação que faz advir
o devir-outro do criador.
Assim, a consciência rara é o meio adequado à experiência criadora
de um pensamento puro. Mas como é possível tal experiência? Mediante
um artifício artístico devidamente delineado por Fernando Pessoa no seu
laboratório poético e corroborado por Deleuze e Guattari, que constroem
a teoria da sensação e consolidam sua lógica pela intuição artística posta
em análise no nosso texto. Vejamos em detalhe o procedimento de Fer-
nando Pessoa.

O laboratório poético de Fernando Pessoa


No livro intitulado Fernando Pessoa ou a metafísica das sensações, José Gil
(GIL, s/d) analisa o laboratório poético de Pessoa em Livro do desassosse-
go.9 Diz que o livro escrito pelo semi-heterônimo Bernardo Soares pode
ser entendido como o protocolo laboratorial do desassossego, sendo este o
ambiente de germinação das sensações poéticas. Ou seja, segundo o autor,
há em Pessoa a necessidade poética de narrar a condição da criação da poe-
sia, utilizando os recursos da experiência do desassossego.
Assim, o desassossego é posto como a condição da criação do poema
segundo etapas que envolvem toda uma involução de consciência que po-
demos analisar na confluência com as teses de Bergson. Sejamos pacientes
com suas etapas fundamentais: faremos, inicialmente, as indicações suge-
ridas por José Gil no primeiro capítulo do seu livro de Fernando Pessoa; e
buscaremos, no próprio desassossego, as condições laboratoriais da cons-
ciência rara. Nossa meta é conjugar as nuances poéticas de Fernando Pes-
soa com a contemplação intuitiva da filosofia de Bergson. Tendo sido feita
a conexão teremos, enfim, a demonstração cabal da consciência estética

9 
A análise do Livro do desassossego feita por José Gil se encontra desenvolvida ao longo dos dois primeiros capítulos
de Fernando Pessoa ou a metafísica das sensações. Lá, o autor apresenta os detalhes que fundamentam a ideia de que tal
livro seja a exposição do laboratório poético de Fernando Pessoa.
A Consciência da Obra de Arte e o Devir-Outro do Criador 21

por meio da conjunção da intuição com a sensação. Vejamos os principais


aspectos do laboratório poético.
É no lado de dentro do fora que florescem as sensações mínimas que
farão germinar o poema. Lido pelo atravessamento poético, tal enunciado
pode ser assimilado a uma mera metáfora de sensação. E talvez até mes-
mo o seja, na condição de precisarmos a metáfora no seu poder de operar
transporte. Entretanto, na estética de Pessoa, o enunciado acima precisa as
condições iniciais da experiência do poema mediante uma análise minu-
ciosa do espaço entreaberto pela sensação. É que na esfera do sentir primá-
rio – ali onde a sensação floresce sem ser acrescida da urgência de ter uma
significação –, não existe a separação habitual entre um interior e um exte-
rior, entre um dentro e um fora, entre uma realidade regida pelo princípio
do prazer e um princípio de realidade que modera a ambição dos apetites;
em suma, não existe a realidade em oposição aos secretos desejos regidos
pelo princípio do prazer. O lado de dentro do fora é, assim, o espaço-tempo
entreaberto por uma sensação que, de direito, conjuga, como já vimos, o
afeto e o percepto na sua preensão imediata.
Há um entrelace entre o dentro e o fora, um devir que vai na direção do
fora em conjunção com uma paisagem interna. A sensação é um composto
de afetos e perceptos, isto é, um aglomerado de sentires primários investidos
em paisagens rítmicas. Ora, vista dessa maneira, há, na experiência da sen-
sação, todo um esforço para sentir que exige da consciência outra disposição
existencial. Se no curso habitual das nossas atividades a consciência traba-
lha a serviço dos nossos interesses práticos, se ela funciona, na vinculação
com o meio externo, procurando oferecer ao ser humano condições de fun-
cionamento e de efetuação de interesses; na esfera do sentir ela irá se con-
verter à sensação, irá se aproximar do sentir através de uma atenção aplicada
à sensação, se colocando a serviço de um pensamento estético.
No laboratório poético de Fernando Pessoa tal procedimento será no-
meado de sensacionismo. A invenção da palavra logo diz que aquilo que
é buscado se traduz exatamente como uma lógica das sensações. Nessa,
há três etapas fundamentais: tornar a consciência sensorial, isto é, pro-
curar anular a distância entre a consciência e o sentir; tornar a sensação
abstrata, isto é, fazê-la entrar na consciência, submetendo-a a uma análise
pormenorizada; e tomar consciência da consciência através da escrita fina
da sensação analisada. Ou, como escreve José Gil:
Para passar da mera emoção sem sentido à emoção artística,
ou suscetível de se tornar artística, uma sensação tem que ser
22 A Transdisciplinaridade da Consciência

intelectualizada. Uma sensação intelectualizada segue dois


processos sucessivos: é primeiro a consciência dessa sensa-
ção, e esse fato de haver consciência de uma sensação trans-
forma-a já numa sensação de ordem diferente; e, depois, uma
consciência dessa consciência, isto é: depois de uma sensação
ser concebida como tal – o que dá a emoção artística – essa
sensação passa a ser concebida como intelectualizada, o que
dá o poder de ela ser expressa. (GIL, s/d, p. 31)

O desdobramento dessas três etapas darão o revelo daquilo que consi-


deramos essencial para a nossa análise. Vejamos a primeira operação.
O que vem a ser exatamente uma consciência sensorial? Uma atenção
redobrada advinda da suspensão da ação motora. É que a consciência na sua
função habitual preside ações ao escolher, dentre as possíveis, a mais eficaz
para o ser humano. Normalmente, a consciência se vincula à ação motora
e percebe o objeto sobre o qual a ação irá incidir, por meio de uma escolha
puramente funcional e interessada. Entretanto, quando a ação motora não
se impõe como necessária, a contemplação como atividade de consciência
ganha um relevo, fazendo o humano ter uma atenção redobrada ao voltar
a consciência para as faces sensórias. Ora, tal estado de consciência não
deve ser entendido como uma postura voluntária, tampouco intencional.
Na verdade, a consciência sensorial é o estado no qual caímos quando so-
mos inquietados por questões que nos exigem tal atenção premente. É a
necessidade de criar que se torna imperativa, tornando possível a sensação
em estado nascente pela via laboratorial da contemplação. No laboratório
poético do desassossego, a inquietude desejada supõe uma renúncia aos
movimentos largos e interessados da vida. Curiosamente, o desassosse-
go exige um estar em sossego para alcançar a inquietude.10 Ou melhor, é
preciso não agir para contemplar e é preciso entrar em contemplação para
tornar possível novas maneiras de sentir.
Além disso, a escolha deliberada pela contemplação é apenas a condição
de fato para a análise da sensação. Nela, o sujeito vive uma duração intensa
na exata proporção em que não sente a necessidade de agir para dela se
livrar. Ou seja, ao perceber e sentir ele cria a condição sensorial para fa-
zer com que as sensações mínimas se proliferem, abrindo mão do espaço-

10 
Todas as páginas iniciais do Livro do desassossego são uma apologia das “horas lentas e vazias”, onde nelas o desas-
sossego cresce. Em Fernando Pessoa, a ideia de desassossego se vincula à capacidade de análise das sensações posta
como uma conquista do terreno primário dos sentires. Para um esclarecimento geral da ideia, indicamos a leitura
das páginas 54-80 do Livro do desassossego. Nelas, teremos a precisão deste estranho desassossego na vida anódina
de Bernardo Soares.
A Consciência da Obra de Arte e o Devir-Outro do Criador 23

-tempo definido pelas ações motoras. Isso vai resultar no ingresso em um


novo espaço-tempo? Sim, pois o espaço-tempo da criação na arte supõe
tão somente o meio amorfo capaz de fazer proliferar as sensações. Trata-se,
por um lado, de um espaço tátil; e, por outro, de um tempo espesso, de uma
duração concreta que faz proliferar pela atenção as sensações das coisas
mínimas de maneira intensa.
Dito assim, é preciso concluir que a consciência sensorial é o momento
páthico que torna sensível sensações de coisas mínimas, dando ao experi-
mentador condições espaço-temporais de manipulações de sensações. Ao
aproximarmos a consciência da sensação, percebemos uma certa incorpo-
ração da consciência que abstrai a sensação ao torná-la sensação de cons-
ciência. E aqui chegamos ao segundo procedimento proposto.
A consciência da sensação pela via da incorporação conduz o experi-
mentador a um novo movimento de abstração: nele, é preciso libertar a
sensação do objeto para torná-la abstrata; analisar a sensação abstrata para
dela extrair outras sensações; compor as sensações analisadas segundo
a lógica específica da criação poética para traçar o plano de composição
poética. Aqui, toda a análise é feita na consciência que desfia as sensa-
ções abstraídas, para tratá-las segundo uma lógica expressiva: buscar as
sensações elementares pelo procedimento da destruição dos aglomerados
representativos; para criar as condições poéticas de composições inéditas
pela possibilidade entreaberta das sensações analisadas. Enfim, analisar e
compor sensações abstratas é o processo de criação que torna possível o
advento de novas sensações. Ora, ao colocar o procedimento nesses ter-
mos, podemos dizer que o poeta cria blocos de sensações analisadas e traça
o plano de composição da experiência poética. Tal plano é inseparável do
movimento de versificação e funciona como a terra do poema captado pelo
poeta por meio de uma intuição artística. Ou seja, no trabalho de compo-
sição da sensação já existe a preocupação preliminar de traçar o vetor que
irá se expressar no verso acontecido na terceira etapa da criação poética:
tomar consciência da consciência através da escrita analisada pelo labora-
tório poético. Agora, escrever é exprimir sensações analisadas, conferindo
ao verso o estatuto de matéria de expressão para visões e audições que irão
habitar a dimensão da palavra.
O que podemos concluir da breve análise empreendida com as três
etapas? Que a obra de arte é a expressão escrita de uma consciência que
desfia sensações para criar novas sensações, obedecendo a lógica de um
pensamento que impõe ao poema suas ideias estéticas; que a obra de arte
24 A Transdisciplinaridade da Consciência

conserva também o bloco de sensações forjado no laboratório poético; que,


nessa conservação, existe igualmente a preservação do pensamento que
ditou a composição; que existe, por isso, uma consciência da obra de arte
que nasce na duplicação da consciência que engendrou o traçado do verso
e que há, enfim, um devir do criador que é o pensador que operou, ao longo
do processo, o traçado do verso.
Percebemos que a lógica da sensação de Fernando Pessoa ressoa com a
ideia de Deleuze e Guattari de que a arte cria blocos de sensações e que faz
conservar tais blocos na consciência da obra que é produto do trabalho do
compositor. Além disso, quando Deleuze e Guattari dizem que a arte cria
blocos de sensações mediante um combate do pensamento contra o caos,
não estão eles retomando, em outra escala, o sensacionismo de Pessoa? Tal-
vez a ideia de criação pelo combate contra o caos já estivesse prenunciada
na análise da sensação de Pessoa. Talvez a exploração da sensação de coisas
mínimas passe pelo crivo, nada elementar, de um caos entrevisto no ato de
criar. Contudo, nossa certeza consiste na evidência de que não pode haver
ato de criação sem uma consciência arrancada dos seus sulcos habituais e
plasmada na experimentação pelo trabalho de composição que oferta con-
sistência às sensações da obra. Sendo assim, o exemplo de Pessoa compro-
va nossa ideia da existência de uma consciência rara e a tese de Deleuze e
Guattari torna possível o manejo e a conservação de tal consciência na obra
de arte. Cabe agora entendermos como ocorre tal conservação.

A consciência da obra de arte


A consciência da obra de arte é o reflexo de um pensamento construído
com a linguagem das sensações. Sendo a arte um poema, diremos que a
consciência do poema é o meio que faz conservar a obra, dando a ela uma
eternidade coexistente com o material. Como dizem Deleuze e Guattari:
A arte conserva, e é a única coisa no mundo que se conser-
va. Conserva e se conserva em si, embora de fato não dure
mais que seu suporte e seus materiais... A moça guarda a pose
que tinha há cinco mil anos... O ar guarda a agitação, o sopro,
a luz que tinha tal dia do ano passado... Se a arte conserva,
não é a maneira da indústria, que acrescenta uma substân-
cia para fazer durar o composto. A coisa tornou-se, desde o
início, independente de seu “modelo”... ela não é dependente
do espectador ou do auditor atuais... Ela é independente do
A Consciência da Obra de Arte e o Devir-Outro do Criador 25

criador, pela autoposição do criado, que se conserva em si. O


que se conserva, a coisa ou a obra de arte, é um bloco de sen-
sações, isto é, um composto de perceptos e afetos. (DELEUZE;
GUATTARI, 1997, p. 213)

Ou seja, a obra faz conservar aquilo que na vida se dissipa; ela faz durar
na textura intrínseca do seu material um bloco de sensações configura-
dos em um meio por nós nomeados de consciência. Na obra, a consciência
pode ser difusa, maleável, afeita à consecução de metáforas, de conexões
pouco prováveis na vida, mas que se tecem pela composição do poema,
sendo, por isso, a consciência autônoma da obra. Queremos, com isso, dizer
que a obra é, rigorosamente, a expressão consciente de uma minuciosa aná-
lise das sensações. Sendo assim, a consciência da obra é o palco das visões
e audições que animam o poema, materializando ideias. Ela é o meio de um
pensamento páthico versificado e devidamente analisado.
A ideia de uma consciência imanente à obra de arte é evocada por De-
leuze e Fernando Pessoa em contextos diferenciados da arte. Por exem-
plo, no livro Cinema 1 – a imagem-movimento, pensando com Bergson
uma consciência de direito imanente à matéria,11 Deleuze dirá que o filme
montado e exibido na tela dá a esta o estatuto de uma consciência. Mas
como é possível tal comparação? Como pensar uma consciência de direito
imanente à matéria? Concebendo – a partir de Bergson – a matéria como
um conjunto de imagens móveis. Ao situar as imagens vistas pelos ho-
mens no plano da matéria, Bergson concebia tal plano de imanência como
portador de uma consciência difusa e virtual. Procedia contraditando a
fórmula idealista que situava a imagem na consciência humana ao reduzi-
-la à condição de representação. Em Matéria e memória, Bergson chega a
dizer que a matéria é, em si mesma, um conjunto de imagens móveis, e que
estas supõem, ao menos de direito, uma consciência difusa e virtual. Ora, a
consciência do ser humano – através da qual ele seleciona o que vê e pensa
no que vai agir – é, de fato, uma tela negra onde irão se revelar as imagens
do mundo segundo os seus interesses. Mas, nesse caso, a consciência se-
letiva do humano foi assimilada a uma tela negra, a um ecrã. A rigor, ele
reflete e enquadra as imagens do mundo, formando um mundo próprio se-

11 
Existe um capítulo intitulado “A imagem-movimento e as suas três variedades”, no qual Deleuze aborda o pri-
meiro capítulo de Matéria e memória, de Bergson, para extrair da análise uma ideia de consciência virtual imanente
ao plano da matéria e a ideia, não menos profícua, de assimilar a tela cinematográfica à consciência limpa do filme.
Para mais detalhes dessa aproximação que analisamos no texto, indicamos Cinema 1 – a imagem-movimento, capítulo
4, p. 93-114.
26 A Transdisciplinaridade da Consciência

gundo seus interesses práticos. Na realidade, a consciência humana opera


enquadramentos perceptivos, rememora fatos passados, analisa sensações
vividas, investe representações, segundo um desejo particular, e toma de-
cisões no plano efetivo das ações motoras. Ele faz da sua consciência o
palco de análises e escolhas que precedem o encadeamento dos raciocínios
que serão construídos.
É isso que autoriza Deleuze a tratar a tela de exibição do filme como
a consciência da obra? Afinal, não será sobre ela que assistiremos a uma
composição de imagens empenhadas em refratar o pensamento? Não é
nela que assistimos a uma sequência montada de pensamentos e de signos
devidamente analisados pela criação do diretor? Ora, nessa abordagem fica
patente a tese de que a tela de cinema – que recebe a luz já montada do
filme devidamente analisado – funciona como a consciência do filme, uma
vez que se torna palco para a sucessão de imagens e signos que expressa-
rão o pensamento do filme. Em suma, existe uma consciência da obra na
tela de cinema. Se ela é o resultado de uma composição estética, devemos,
igualmente, dizer que ela é o meio refletor de pensamentos transmitidos
através de blocos de movimento duração.
Já em Fernando Pessoa, a consciência da consciência (GIL, s/d, cap. 2) –
terceira etapa do laboratório poético do desassossego – é a linearidade cons-
truída do poema. Na língua das sensações que é a forma de expressão do
poema, existe a materialização do verso, do ritmo, do som e dos sentidos que
criam o mundo para uma consciência poética. Ou seja, há versificação de
uma consciência na obra que será dramatizada por um heterônimo escolhi-
do em função de uma ideia do pensamento. Sendo a obra de Fernando Pes-
soa um composto de versos escritos por heterônimos diversos, diremos que,
nessa diversidade, há consciências fluidas sortindo ideias plurais de mundos
excentricamente descentrados. Ora, nessa arte do fingimento, a consciência
da obra é o devir do criador, sendo a experimentação o processo laboratorial
que confere à escrita o estatuto de sensação analisada. Ou seja, a análise da
sensação é concomitante com o devir do criador, sendo o heterônimo o pen-
sador que dará à consciência da obra a sua assinatura. Com isso, construímos
com Pessoa a teoria de consciências poéticas tão diversas quanto as obras,
mostrando como é preciso relacioná-las a um enunciador que é inventado
pelo verso, ou melhor, pelo risco da invenção de um novo verso convocado
pela provocação de um pensamento que se constrói no ato de escrever.
E aqui construímos com Pessoa a ideia de consciências poéticas ima-
nentes às obras. Claro está que o recurso poético posto à prova não dis-
A Consciência da Obra de Arte e o Devir-Outro do Criador 27

pensa a provocação de considerar a obra de Pessoa um artifício poético,


uma arte do fingimento que se plasma pela multiplicação das consciências.
Sendo assim, os exemplos extraídos dos procedimentos analisados por
Deleuze e Fernando Pessoa fazem com que consideremos a consciência
da obra como o meio de expressão de um pensamento plasmado em um
material. Se o pensamento em questão é uma linguagem das sensações, e
se a lógica das sensações – em ambos os autores – supõe um trabalho de
composição e depuração de ideias; é sobre a consciência da obra que este
pensamento será plasmado. Com a consciência expressiva a arte conserva
um pensamento no monumento da obra.
O que temos até aqui? A ideia singela de que a obra de arte exprime o
pensamento das sensações e de que existe uma consciência na tela e no
verso como meio refratário desse pensamento. Resta saber o que ocorre
na esfera da experimentação. Afinal, na criação já exposta pelo laboratório
das sensações não adiantamos o devir do criador pela via da criação? É
aqui que buscamos a última questão que gostaríamos de analisar neste
texto, para termos, com contundência, a ocasião de opor àquilo que aqui
chamamos de consciência estética à consciência normal do bom senso e
do senso comum.

O devir-outro do criador
e a língua inventada na arte
Na consciência comum, agimos desempenhando papéis devidamente
configurados nas esferas sociais. Somos enunciadores parciais de tipos
históricos e bem delimitados. A enunciação do ato de fala pela via da
abordagem pragmática torna o homem um tipo psicossocial definido
pelo contexto territorial no qual ele fala. Por exemplo, “eu vos falo na
condição de presidente da República”; ou “falo na condição de amante, de
amigo, de patrão” etc. Em sociedade, os seres falantes habitam territórios
e se configuram como tipos que marcam o advento de uma formação ter-
ritorial. Ou seja, os tipos psicossociais são índices de territórios que mar-
cam o meio histórico de uma determinada época. Sendo assim, é justo
concordar com Deleuze e Guattari quando dizem que cada época possui
os seus tipos, se definindo pelos territórios que demarcam a distribuição
dos homens no campo social.
Na criação artística – que põe em relevo a intuição que traceja o plano
de composição –, assistimos ao advento de figuras estéticas – segundo a
28 A Transdisciplinaridade da Consciência

proposta de Deleuze e Guattari – ou de heterônimos – segundo denomi-


nação de Fernando Pessoa. Diferentemente dos tipos psicossociais que
são seres históricos e de opinião, os pensadores que constroem o verso
e a lógica das sensações das artes em geral são devires que habitam o
pensamento empenhado na construção da obra. Eles surgem da experi-
mentação criadora, sendo pensadores inventados no devir da obra. Criam
a condição do novo e testemunham pela saúde imanente ao pensamento
ao se apresentarem como os enunciadores da obra. Serão pensadores em
nós? Serão figuras inventadas na experiência do pensamento? Cremos
que sim e acreditamos que eles sejam os verdadeiros intercessores da
construção artística.
Em Deleuze e Guattari, as figuras estéticas apresentadas são os devires
imanentes à criação das artes. Sendo assim, elas devem ser situadas no
campo aberto pela experiência artística: se a arte cria blocos de sensações,
traça um plano de composição e torna possível um novo horizonte, ela
deve, igualmente, ser construída por uma figura estética que se inventa no
devir do pensamento e se exprime na língua criada das sensações. Assim,
a figura estética é o devir sensível que habita um personagem de um ro-
mance, de um filme, de uma dança ou de uma pintura.12 Mas convém de
imediato não confundir a figura estética com os personagens de uma arte.
Uma obra de arte pode conter diversos personagens que não são figuras es-
téticas. Em contrapartida, falaremos de figura estética quando estivermos
diante de um personagem que opera o pensamento do criador, funcionan-
do – na trama – como um pensador operador da obra. Acab, por exemplo,
é uma grande figura estética inventada por Melville (MELVILLE, 1972).
Com ele, assistimos o devir Baleia do capitão na disputa de vida e morte
com a monumental baleia branca Moby Dick. Por outro lado, deve ocorrer
também que a figura estética esteja sempre situada em uma experiência
limiar, empenhada em um devir sensível apto a criar condições inuma-
nas para o desenvolvimento da trama. É o que acontece, por exemplo, com
Gregor Samsa na esplêndida novela de Kafka (KAKFA, 2004): através do
devir animal – inominável inseto molecular – há toda uma linha de fuga
traçada pelo desejo de escapar das ciladas edipianas da família. Em Kafka,
o devir animal de Gregor faz dele uma figura estética encarregada de ope-
rar o pensamento libertário e o minoritário do escritor. Ou seja, as figuras

12 
As figuras estéticas fazem parte da lógica das sensações. São evocadas como explicações dos devires do criador no
capítulo em que Deleuze e Guattari tratam da criação na obra de arte. Para um melhor detalhamento de tais figuras,
indicamos a leitura de “Percepto, afecto e conceito”. In: O que é a filosofia?, p. 229-232.
A Consciência da Obra de Arte e o Devir-Outro do Criador 29

estéticas interferem diretamente no destino da obra e participam ativa-


mente do movimento do pensamento do escritor.
Já em Pessoa, os heterônimos são inventados pela exigência de um pen-
samento extremamente plural. Nele, convive a arte de criar outros nomes
para o processo imanente à experiência poética. Com a audácia de quem
faz da poesia uma travessia existencial, existe também em Pessoa a alegria
difusa de encontrar pelo verso as diversidades das enunciações que a men-
tira poética faz valorar. Assim, na construção do verso, na execução das
ideias que o verso adianta, na sensação analisada e expressa pelo poema,
há a necessidade de interrogar pelo seu enunciador. Quem é o enunciador
do verso? Quem se responsabiliza pela invenção da obra? Como nomear
o devir de uma obra sem recorrer ao enunciador que a faz caminhar? Tais
enunciadores são pensadores-poetas que recebem a justiça do outro nome,
do heterônimo pensador.13
Embora a questão que origina o texto coloque em ressonância a figu-
ra estética e os heterônimos – pois ambos funcionam como devires dos
criadores –, há, em Pessoa, a singeleza do gesto, já que nele a heteronímia
inaugura a tentativa poética de pôr um fim à coerência intrínseca da obra.
Sendo assim, a heteronímia é o exercício cabal de um pensamento do plu-
ral que ex-centra a obra pelos devires do fingimento. Isto ele diz de forma
magistral quando apresenta sua “consciência da pluralidade”:
Não sei quem sou, que alma tenho. Quando falo com sinceri-
dade não sei com que sinceridade falo. Sou variamente outro
do que um eu que não sei se existe (se é esses outros). Sinto
crenças que não tenho. Enlevam-me ânsias que repudio. A
minha perpétua atenção sobre mim perpetuamente me ponta
traições de alma a um caráter que talvez eu não tenha, nem ela
julga que eu tenho. Sinto-me múltiplo (...) Nunca me sinto tão
portuguesmente eu como quando me sinto diferente de mim
– Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Campos, Fernando
Pessoa, e quantos mais haja havidos ou por haver. (PESSOA,
1990, p. 81)

Ou seja, de Alberto Caeiro a Álvaro de Campos, deste a Ricardo Reis


– sem esquecer a reinvenção de Fernando Pessoa na célebre viagem da

13 
Heterônimos poetas são essenciais em toda a obra escrita por Fernando Pessoa. Na Obra poética completa, encon-
tramos os poemas de todos os principais heterônimos e de outros não mencionados neste estudo. Os heterônimos, na
nossa avaliação, são os devires do poeta que foram, brilhantemente, nomeados por Fernando Pessoa. Aqui, propomos
uma associação entre tais heterônimos e as figuras estéticas analisadas por Deleuze e Guattari.
30 A Transdisciplinaridade da Consciência

chuva oblíqua –, passando pelos semi-heterônimos que animam a obra,


para retomar evidentemente o guardador de livros que é Bernardo Soares;
percebemos a diversidade da obra se diferenciar, igualmente, por enuncia-
dores plurais autorizados por um pensamento consagrado ao diverso e tão
diverso na forma e no conteúdo.
Enfim, as figuras estéticas ou os heterônimos são devires inerentes à
criação artística, que podem receber uma adequada avaliação pelo estilo
construído na língua da arte. Sendo a obra de arte inseparável da inven-
ção de uma nova língua, e sendo a criação da obra a expressão de uma
linguagem da sensação, cumpre dizer que há na obra a duração de uma
linguagem intensa plasmada em uma consciência limpa e conservada pelo
artifício de um material inorgânico.

Referências
BERGSON, H. Matéria e memória. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
. O pensamento e o movente. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
DELEUZE, G. Bergsonismo. São Paulo: Editora 34, 1999.
. Diferença e repetição. São Paulo: Graal, 2006.
. Cinema 1 — a imagem-movimento. Lisboa: Assírio & Alvim, 2004.
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Kafka — por uma literatura menor. São Paulo: Autêntica, 2014.
. O que é a filosofia?. Rio de Janeiro: Editora 34, 2000.
GIL, J. Fernando Pessoa ou a metafísica das sensações. Lisboa: Relógio D’água, s/d.
KAFKA, F. A metamorfose. In: . Os contos vol. 1. Lisboa: Assírio Alvim, 2004.
MELVILLE, H. Moby Dick. São Paulo: Abril Cultural, 1972.
PESSOA, F. Obra em prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1990.
. Livro do desassossego. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
. Fernando Pessoa — Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2005.
A Science of Consciousness:
Meditation Techniques
as Scientific Probes of the Structure
of Conscious Experience
Frederick Travis*1

Introduction
A science of consciousness should study the full extent of consciousness,
which research suggests ranges from the level of consciousness (tonic
wakefulness) to the contents of consciousness (specific thoughts, feelings,
and perceptions of outer objects and experiences) (KOCH & TSUCHIYA,
2007). These two aspects of consciousness are intertwined during ordi-
nary waking experiences. Consequently, most scientists, beginning with
William James, have concluded that consciousness cannot exist without
an object (JAMES, 1890/1951; NATSOULAS, 1997). For instance, Searle, a
philosopher who studies the brain and consciousness, defined conscious-
ness as (SEARLE, 1999):
By ‘consciousness’ I simply mean those subjective states of
sentience or awareness that begin when one awakes in the
morning from a dreamless sleep and continue throughout
the day until one goes to sleep at night or falls into a coma, or
dies, or otherwise becomes, as one would say, ‘unconscious’.
(p. 40-41)

Thus, consciousness is generally considered a stream of reported expe-


riences – a “stream of consciousness” (JAMES, 1890/1951).
If consciousness is equivalent with conscious experience, then a science
of consciousness would only need to describe the neural steps of a sensation
becoming a perception – from unconscious steps of registering and process-
ing sensations into a conscious perception that could be reported.

* 
Fred Travis is a professor at Maharishi University of Management.
32 A Transdisciplinaridade da Consciência

Meditation Practices Probe Levels


of Consciousness
The level of consciousness can be disentangled from the contents of con-
sciousness through meditation practices. Meditation practices explore the
structure of conscious experience, which can be described as a “reflexive”
process involving a subject, an object and the connection between the two
(MAHARISHI MAHESH YOGI, 1969; VELMAN, 1993). Different medi-
tation styles use different procedures to explore different aspects of the
conscious experience, and so, they can be characterized by different elec-
troencephalography (EEG) patterns (TRAVIS & SHEAR, 2010).
Focused attention meditations. Meditations in this category voluntar-
ily focus attention on a chosen object (LUTZ et al., 2008), with the desired
result being that one’s awareness is filled with the object, but the subject
and the process linking subject and object are not part of the experience.
For instance, Vipassana Meditation focuses on the air moving in and out
of the nostrils or on the rising and falling of the diaphragm – leading to a
state of “absorptive concentration” (SCHWARTZ & CLARK, 2006, p. 125),
in which only the experience of the rising and falling of the abdomen is
in awareness. This is a nondual experience, in which only the object – in
this case, the rising and falling of the abdomen – exists, free of labels and
thoughts about the object, and free of self-awareness. Gamma activity is
reported during meditations in this category, an EEG frequency associated
with focused attention (CAHN, DELORME & POLICH, 2010; ISHII et al.,
2014).
Open monitoring meditations. Meditations in this category dispas-
sionately monitor the content of moment-to-moment experiences (Lutz
et al., 2008), with the desired result being that both subject and object are
simultaneously in awareness. For instance, Mindfulness Meditation trains
one how to “non-reactively monitor” or “dispassionately observe” chang-
ing experiences, such as thoughts, emotions, or the breath (GROSSMAN
et al., 2004). Theta and alpha-2 EEG waves are reported during medita-
tions in this category (LOMAS, IVTZAN & FU, 2015). The theta frequency
indexes internal attention to changing experiences. The upper end of the
alpha band or alpha-2 (10-12 Hz) indexes brain areas that are strongly in-
hibited or shut down, usually to decrease interfering with ongoing pro-
cessing (ISHII et al., 2014; KLIMESCH et al., 1997; KLIMESCH et al., 1998;
KLIMESCH et al., 1999).
A Science of Consciousness: Meditation Techniques as Scientific Probes of the Structure of Conscious Experience 33

Automatic self-transcending meditations. Meditations in this category


transcend the object of experience and the process of experiencing with
the intent of experiencing the subject – the self in its own established state
(TRAVIS & SHEAR, 2010). For instance, Transcendental Meditation teach-
es one how to transcend active mental processing and to experience the
silence at the source of thought when the mind is awake but still, called
“pure consciousness” (MAHARISHI MAHESH YOGI, 1969; TRAVIS &
PEARSON, 2000). Alpha-1 EEG waves are reported during meditations
in this category (TRAVIS & SHEAR, 2010).
The figure below shows coherence maps from two age-matched col-
lege students that contrast EEG patterns during mindfulness and Tran-
scendental Meditation. One subject had been assigned to learn mind-
fulness meditation (top row), and the other, Transcendental Meditation
(bottom row). Each one had been practicing their perspective medita-
tion for three months. The dots on the heads indicate the placement of
the electrodes, and the lines between the dots indicate coherence values
greater than 0.8. Notice in the top row that the areas of peak coherence
during mindfulness are in the theta and the alpha-2 bands. In the bottom
row, the area of peak coherence during Transcendental Meditation is in
the alpha-1 band.

Figure 1: EEG coherence maps during Mindfulness Meditation and Transcendental Meditation. Notice that in
the top row (Mindfulness Meditation), the areas of peak coherence are in the theta and the alpha-2 bands. In
the bottom row (Transcendental Meditation), the area of peak coherence is in the alpha-1 band.
34 A Transdisciplinaridade da Consciência

Exploration of Pure Consciousness


The experience of pure consciousness during Transcendental Medita-
tion practice is fundamentally different from ordinary waking experi-
ences. In ordinary waking experiences, changing thoughts and percep-
tions define the experience. Changing mental content moves through
awareness, forming a ‘‘stream of consciousness” (JAMES, 1890/1951).
In contrast, the experience of pure consciousness is ‘‘larger” than the
individual. Pure consciousness is defined as being outside the bounda-
ries of time, space and body sense, and outside of individual character-
istics, such as age, height, gender, and style of thinking. The individual
“experiences” pure consciousness by transcending active thinking lev-
els – experiencing more subtle levels of a thought and then transcend-
ing even the subtlest level of thinking (MAHARISHI MAHESH YOGI,
1969). It is then that the mind is silent and awake with nothing to ex-
perience. It is like a wave settling down into the ocean and becoming
the ocean.
Brain and transcending: core and matrix nuclei. A recent finding on
the structure of the thalamus gives a brain basis to understand the nature
of pure consciousness – wakefulness without content. Jones used two
different proteins to stain the thalamic nuclei (JONES, 1998). The protein
parvalbumin was used to stain cells that Jones called “core” nuclei. These
nuclei receive sensory input and project in highly ordered fashion to layer
IV of the sensory cortex. These cells are responsible for the content of
consciousness. A second protein, calbindin, stained cells that Jones called
“matrix” nuclei, which were seen in all thalamic nuclei. These cells receive
activation from brain stem nuclei and project to layer I of the cortex. These
cells are responsible for wakefulness or alertness.
In the process of transcending, activity in the core cells is systemat-
ically minimized, while activity in the matrix nuclei is maintained. This
is the brain substrate of the experience of “consciousness without con-
tent.” Pure consciousness could be called a state of emptiness or nothing-
ness, since there is no changing content. It could equally be called a state
of “pure” wakefulness or “pure” consciousness (MAHARISHI MAHESH
YOGI, 1969; TRAVIS & PEARSON, 2000). Pure consciousness is “pure” in
the sense that it is free from the processes and contents of knowing. It is a
state of “consciousness” in which the knower is conscious throughout the
experience, and can, afterwards, describe it.
A Science of Consciousness: Meditation Techniques as Scientific Probes of the Structure of Conscious Experience 35

Content analysis of pure consciousness experiences. Descrip-


tions of pure consciousness experiences were submitted by 52 univer-
sity students, who had been practicing the Transcendental Meditation
technique for an average of 5.4 years. Content analysis of these descrip-
tions yielded three themes that more frequently defined the experience
of pure consciousness: (1) absence of time, (2) absence of space, and (3)
absence of body sense (Travis & Pearson, 2000). Time, space, and body
sense are the framework for understanding waking experience. Specific
qualities (color, shape, size, movement etc.) form the changing content of
waking experiences. During pure consciousness experiences, both the
fundamental framework and the content of waking experience were re-
ported to be absent.
Two x two table that compares waking, sleeping, dreaming and
pure consciousness. Figure 2 presents a 2 x 2 table that compares sub-
jective and objective experiences during waking, sleeping, dreaming, and
pure consciousness. The rows present the presence/absence of sensory,
mental, or affective content, and the columns present the presence/ab-
sence of self-awareness.

S e l f - A w a r e n e ss
NO YES
T h o u g h ts

YES

Dreaming Waking
NO

Sleeping Pure Consciuousness

Figure 2. Comparison of subjective and objective experiences during waking, sleeping, dreaming, and pure
consciousness.
36 A Transdisciplinaridade da Consciência

Notice that the subject–object relationship during pure consciousness


is completely different from that during waking, sleeping, or dreaming.
In sleeping, there is no sense of self and no content; in waking, there is a
sense of self and changing content. In dreaming, vivid dream images over-
shadow one’s sense of self. That leaves the bottom right cell – sense of self
without normal content.
Some scientists might comment that the experience described in the
bottom right cell – pure consciousness or pure self-awareness – is not
possible. It is just an artifact of constructing a 2 x 2 grid. They might ask:
how can you be aware of yourself without also being aware of your body,
or your feelings, or what you are thinking? William James, in his Principles
of Psychology (James, 1890/1951) observed:
. . . it is difficult for me to detect in [mental] activity any purely
spiritual element at all. Whenever my introspection glance
succeeds in turning round quickly enough to catch one of
those manifestations of spontaneity in the act, all it can ever
feel distinctly is some bodily process, for the most part taking
place within the head. (p. 300)

This conclusion is a valid one for the waking experience, which always
includes a sense of self with changing content. However, pure consciousness
is a distinct, reported experience during Transcendental Meditation practice.
One person describes their experiences during Transcendental Medita-
tion practice in this way:
...during my TM practice, I experience deep, unbounded si-
lence, during which I am completely aware and awake, but
no thoughts are present. There is no awareness of where I am,
or the passage of time. I feel completely whole and at peace.

Maharishi Mahesh Yogi, who brought the Transcendental Meditation


technique to the West, described pure consciousness in this way (MAHA-
RISHI MAHESH YOGI, 1969):
Pure consciousness is completely out of the field of relativity;
there is no world of the senses or of objects, no trace of sensory
activity, no trace of mental activity. There is no trinity of thinker,
thinking process and thought, doer, process of doing and action;
experiencer, process of experiencing and object of experience.
The state of transcendental Unity of life, or pure consciousness,
is completely free from all trace of duality (p. 394).
A Science of Consciousness: Meditation Techniques as Scientific Probes of the Structure of Conscious Experience 37

Model Integrating Pure Consciousness


with Consciousness Experience
Pure consciousness is a level of consciousness that underlies changing
individual experiences and connects them into a stream of consciousness.
A model has been proposed, called the “Junction point model” (MAHA-
RISHI MAHESH YOGI, 1972; TRAVIS, 1994), which conceptualizes pure
consciousness as a fundamental state that underlies the activity of wak-
ing, dreaming and sleeping. According to this model, pure consciousness
can be experienced between thoughts, as during Transcendental Medita-
tion practice, and between waking and sleeping, sleeping and dreaming
or sleeping and waking. Preliminary data support this model. Alpha-1
EEG patterns observed during Transcendental Meditation practice are
also observed in the 2-3 minutes between waking, dreaming and sleep-
ing (TRAVIS, 1994).

Applied Value of the Experience


of Pure Consciousness
Any science should have an applied value. The experience of pure con-
sciousness that occurs during Transcendental Meditation practice begins
to be maintained in daily life after the meditation session. This leads to
practical benefits for daily life.
Research on the effects of bringing pure consciousness into daily
activity. A three-month-long random assignment EEG study with 50 col-
lege students reported that regular Transcendental Meditation practice led
to high alpha-1 coherence during challenging computer tasks – alpha-1 is
the frequency seen during Transcendental Meditation practice (TRAVIS
et al., 2010). The students also had significant reductions in anxiety and
depression, increases in mental vigor, and in behavioral and emotional
coping (NIDICH et al., 2009).
Transcendental Meditation practice leads to lower sympathetic tone
(DILLBECK & ORME-JOHNSON, 1987) and higher parasympathetic tone
(TRAVIS, 2001). The transformation in autonomic functioning supports
the findings of two meta-analyses that Transcendental Meditation prac-
tice significantly reduces anxiety (EPPLEY, ABRAMS & SHEAR, 1989;
ORME-JOHNSON & BARNES, 2014). The change of autonomic tone also
supports the findings that Transcendental Meditation practice leads to a
38 A Transdisciplinaridade da Consciência

reduction in post-traumatic stress in combat veterans (BARNES et al.,


2016; BARNES, RIGG & WILLIAMS, 2013; BROOKS & SCARANO, 1985)
and in civilians (RESS et al., 2013; 2014).
Pure consciousness is described as one’s fundamental nature. The
gradual integration of that experience into daily life explains the re-
ported growth in self-development, in a ten-year longitudinal study
(CHANDLER et al., 2005), and in self-actualization in a meta-analysis
(ALEXANDER, RAINFORTH & GELDERLOOS, 1991) with regular
Transcendental Meditation practice. A more stable sense of self explains
reported reductions in attention deficit hyperactive disorder (ADHD) in
children aged 10–14 with 6 months of Transcendental Meditation prac-
tice (TRAVIS, GROSSWALD & STIXRUD, 2011). A more stable sense of
self would help the children to control impulses and direct attention.
Growth of higher states of consciousness. Pure consciousness has
been defined as qualitatively different from waking, sleeping and dream-
ing. In addition, the description of sense of self is more expanded – it
is our universal nature characterized by the absence of time, space and
body sense. In the Vedic tradition, the experience of pure consciousness
is called “the fourth” or turiya chetana (MAHARISHI MAHESH YOGI,
1994).
The experience of pure consciousness during Transcendental Medita-
tion practice occurs spontaneously throughout the practice. By alternating
the experience of pure consciousness during Transcendental Meditation
practice with waking activity, the experience of pure consciousness be-
gins to be integrated with waking, dreaming, and sleeping. Now the rest
of sleep, illusory dream images, and changing waking experiences come
and go on a continuum of inner self-awareness (MAHARISHI MAHESH
YOGI, 1978). This state is called Cosmic Consciousness. Maharishi Ma-
hesh Yogi describes Cosmic Consciousness in the following way (MA-
HARISHI MAHESH YOGI, 1969):
. . . [in Cosmic Consciousness] being is permanently lived
as separate from activity. Then a man realizes that his Self
is different from the mind which is engaged with thoughts
and desires. It is now his experience that the mind, which
had been identified with desires, is mainly identified with the
Self. He experiences the desires of the mind as lying outside
himself, whereas he used to experience himself as complete-
ly involved with desires. On the surface of the mind desires
certainly continue, but deep within the mind they no longer
A Science of Consciousness: Meditation Techniques as Scientific Probes of the Structure of Conscious Experience 39

exist, for the depths of the mind are transformed into the na-
ture of the Self. All the desires which were present in the
mind have been thrown upward, as it were, they have gone
to the surface, and within the mind the finest intellect gains
an unshakeable, immovable status. (pg. 151)

Brain patterns of higher states of consciousness during sleep.


An all-night sleep EEG recording was conducted on 3 groups of 11 sub-
jects. The three groups included control subjects who did not follow any
meditation practice, control subjects with two years of Transcendental
Meditation practice but who had not experienced higher states, and the
experimental subjects who reported the permanent integration of pure
consciousness with sleeping, dreaming and waking – the state of Cosmic
Consciousness. The experimental subjects had significantly higher alpha-1
power during stage III and stage IV of sleep, in the first three sleep cy-
cles, along with the typical delta EEG of sleep (MASON et al., 1997). It is
noteworthy that the EEG of deep sleep (delta) and of the experience of
pure consciousness (alpha-1) was seen when these subjects reported inner
wakefulness, the experience of pure consciousness, throughout the night,
as they slept soundly.
Brain patterns of higher states of consciousness during waking.
The EEG was recorded during challenging computer games in 3 groups of
17 subjects. The three groups included control subjects who did not follow
any meditation practice, control subjects with seven years of Transcenden-
tal Meditation practice but who had not experienced higher states, and the
experimental subjects who reported the experience of Cosmic Conscious-
ness. Three brain-calculated measures from the EEG during the comput-
er task distinguished these three groups. The experimental subjects had
higher levels of broadband frontal EEG coherence (F3–F4), higher frontal
and central relative power, and a better match in brain preparatory re-
sponse to task demands during the simple and choice reaction-time tasks.
These brain measures were transformed to z-scores and added together to
yield a composite measure, the Brain Integration Scale (TRAVIS, TECCE,
ARENANDER & WALLACE, 2002).
Brain Integration Scale scores in successful people. We have dis-
cussed brain changes resulting from meditation practice. This was logical-
ly motivated by exploring deep experiences occurring during Transcen-
dental Meditation practice. However, the question that arises is if higher
brain integration is seen in other populations.
40 A Transdisciplinaridade da Consciência

A research program has investigated levels of brain integration in suc-


cessful people. This population was studied because successful people ex-
hibit the behaviors associated with an established inner sense of self. They
have broader awareness and are able to make clear decisions under heavy
stress.
The EEGs of 66 professional athletes were measured during challeng-
ing computer tasks to compute the Brain Integration Scale. They had par-
ticipated in World Games and Olympic Games. Thirty-three of them, called
World-Class athletes, finished in the top ten for three seasons during their
competitive career. The World-Class athletes had significantly higher
Brain Integration Scale scores. They also were low reactive in stressful
situations (HARUNG et al., 2011).
A study with a similar design measured the EEGs of 50 managers
while they performed challenging computer tasks to gauge their scores
on the Brain Integration Scale. Half the subjects were senior managers
who had been CEOs for 18 years or longer, and whose companies had
grown under their leadership. The senior managers had significantly
higher Brain Integration Scale scores than middle-level managers. The
senior managers also reported more frequent spontaneous experiences
of pure consciousness during the day, and more instances of good luck.
They said that they could trust their inner intuition. Developed intuition
is a practical benefit of greater contact with inner pure consciousness, as
suggested by higher Brain Integration Scores. The inner silence of pure
consciousness allows one to pick up inner intuitions and apply them to
guide behavior.
A final study investigated brain integration levels in professional and
amateur classical musicians. In this case, both groups had high levels of
brain integration. This could reflect the finding that musical training as a
child shapes brain and cognitive development, and leads to different brain
connections in adulthood (HYDE et al., 2009; SCHLAUG et al., 2005).

Conclusion
A science of consciousness needs to consider the full range of conscious-
ness from computation of sensory experience, when consciousness is
identified with changing objects, to consciousness in its most expanded
state – being outside the boundaries of time, space and body sense. One’s
sense of self is more than individual characteristics, personality, and style
A Science of Consciousness: Meditation Techniques as Scientific Probes of the Structure of Conscious Experience 41

of thinking. Meditation practices are systematic probes to scientifically


explore the full range of consciousness and so investigate the reality of
transcendental experiences. This is the science of consciousness that is
emerging in the 21st century.

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Consciousness
and Information
Gregory Chaitin*1

Introduction – The Chalmers Proposal


We shall be concerned with commenting on the extremely stimulating
book The Conscious Mind: In Search of a Fundamental Theory (CHALMERS,
1996). In particular, we shall consider chapter 8, “Consciousness and In-
formation: Some Speculation,” and Chapter 10, the final chapter, “The In-
terpretation of Quantum Mechanics.”
I believe that work that has been done in the two decades since Oxford
University Press published Chalmers’ book permits us to flesh out a sig-
nificantly different version of the Chalmers proposal.
What is this proposal? In a nutshell, Chalmers advocates a version of
panpsychism that identifies information with consciousness, according to
which any physical system that is able to represent and process N bits of
information contains N bits of consciousness. He also supports Wheeler’s
“It from bit” doctrine/proposal (CHALMERS, 1996, p. 302), according to
which information is the ontological substratum of the world. Further-
more, Chalmers links quantum mechanics, which marks a shift from a
materialist to an idealist fundamental theory of the physical world, with
consciousness.
We should admit from the start, as does Chalmers, that these are wild
speculations, intended to stimulate thinking on these extremely difficult
topics, but by no means the usual strict academic considerations intended
to survive scrutiny by skeptical referees!

* 
Gregory Chaitin is an Argentine-American mathematician living in Rio de Janeiro. His father was the play-
wright Norman Chaitin, whose 1962 feature film The Small Hours is preserved in the Film Library of the MoMA,
in NY, and was screened there in April 2016 with the presence of its writer/director, Norman Chaitin, who died
later that year at the age of 92. A documentary by Karol Jałochowski, in which Gregory and Virginia Chaitin
discuss creativity at their philosophical retreat on the tropical island of Paquetá, was broadcast on Polish TV
in 2015, and in 2017, their son João Bernardo Fontes Chaitin was born in Rio de Janeiro. The year of 2017 also
marked Chaitin’s 70th birthday and the 30th anniversary of the Cambridge University Press publication of his
first book, Algorithmic Information Theory, coincidentally the first volume in the Cambridge Tracts in Theoretical
Computer Science.
46 A Transdisciplinaridade da Consciência

Multiple Consciousness in Humans


Let us spell out a consequence of Chalmers’ panpsychic stance.
First of
all, combining digital philosophy (GLEICK, 2011; PAGALLO, 2005; LON-
GO & VACCARO, 2013) with Chalmers, if the universe is built out of
information, and if all information is conscious, then the entire universe
would be conscious, and might perhaps be identified with the mind of
God – an immanent, not a transcendent God. This also connects with
Leibniz’s Monadology (STRICKLAND, 2014), an idealist ontology ac-
cording to which the universe is composed of monads, individual minds
with different degrees of perception, up to a maximal monad, God, with
perfect perception.

This is analogous to Chalmers’ persuasive argument for panpsychism,
an argument by continuity. Clearly, humans and dogs are conscious and
proceeding downwards, so cells and viruses must be as well, continu-
ing down to non-living physical systems, such as thermostats and light
switches. As we proceed down this complexity scale, it is most implausi-
ble that consciousness suddenly cuts off, instead of merely diminishing in
degree.
And, I would argue, Chalmers’ continuity argument should also be
pursued in the opposite direction, attributing consciousness to families,
companies, and nations – a collective consciousness distinct from an indi-
vidual’s consciousness – as well as to computers, computer networks and
indeed the entire World Wide Web.

Furthermore, according to Chalmers’ argument, in an individual per-
son, not only the top-level thinking being is conscious, but so is the
immune system, each cell, and a person’s “unconscious” mind, which is
actually more powerful, computationally, than the conscious mind.
In
fact, I would argue that the conscious mind operates at the cellular or
neuronal level, and is serial, while the unconscious mind operates at the
molecular level – as in DNA computers – and is highly parallel (CHAI-
TIN, 2015).
(See Hadamard [HADAMARD, 1945] on the psychology of creation
in the mathematical field, and Nørretranders’ Mærk Verden [Nørretrand-
ers, 1999] on how football players react faster than their conscious minds
can. These two works suggest that the unconscious processes more bits
of information than the conscious mind does. Consciousness is a narrow
funnel. On the other hand, see Quiroga [QUIROGA, 2012] on how peo-
ple with photographic memory have immense storage capacity, e.g., von
Consciousness and Information 47

Neumann, who could reputedly recite backwards an arbitrary page of any


book he had ever read.)
(Who was driving when I fell asleep at the wheel on the Taconic
parkway?! This me must also be conscious if Chalmers panpsychism
holds. And I am often momentarily distracted while reading and return
to the text only to find that someone had continued reading without
me.)

Which Information Theory to Use?


Chalmers follows Shannon’s version of information theory (Shannon,
1949), which contemplates discrete information measured in bits, and also
a subtler continuous information, which, except for the presence of noise,
would theoretically contain, as do infinite precision real numbers, an in-
finite amount of information. We shall discuss, and dismiss, the latter kind
of information in the next section.
In a nutshell, we propose that instead of following Shannon’s version of
information theory, when thinking about identifying consciousness with
information, it is better to employ algorithmic information (CHAITIN,
1987). For processing information in physical systems is algorithmic and
corresponds to the rate of thought. E.g., computers – if they are conscious
– think very quickly, faster than the human brain.
Also, DNA is a discrete algorithmic programming language of sorts,
again closer to the way of thinking in algorithmic information theory than
to the statistical way of thinking about information in Shannon’s informa-
tion theory.
(Possibly, however, physical systems process qubits, not classical
bits. Quantum information theory teaches us to measure qubits of
information in a physical system and to regard the time-evolution of
every physical system as algorithmic information processing, i.e., as
quantum computation. Hence the title of Nielsen and Chuang’s stand-
ard treatise, Quantum Computation and Quantum Information [NIELSEN
and CHUANG, 2000].)

Dismissing Continuous Information


Chalmers remarks that due to noise, continuous physical systems can only
represent a finite amount of information.
48 A Transdisciplinaridade da Consciência

This is most fortunate because algorithmic information theory cannot


deal with real numbers, which contain an infinite amount of information.
How, then, could we measure the amount of information and, therefore,
the amount of consciousness?!
Going beyond the Chalmers’ argument, the holographic principle and
the Bekenstein bound (SMOLIN, 2000) imply that any physical system can
contain only a finite number of (classical, not quantum) bits of informa-
tion, which moreover grows only as the surface area of the system, not as
the volume of the system – implying that in some sense the physical world
is actually two-dimensional, not three-dimensional!
Roughly speaking, the reasoning behind the Bekenstein bound, which
comes from attempts to apply quantum mechanics to black holes and,
more generally, to elaborate a quantum-mechanical version of general rel-
ativity, is like this: according to quantum mechanics, to represent an in-
finite amount of information, you have to go to extremely high energies
(since particles and waves are identified and precise localization corre-
sponds to extremely small wave-lengths and, therefore, extremely high
energies [uncertainty principle]).
But well-localized, extremely high energy corresponds, following E =
mc2, to extremely high mass, which would provoke collapse to a black hole
and disappear from sight! For more on this, please see Lee Smolin, Three
Roads to Quantum Gravity (SMOLIN, 2000).
Furthermore, even in classical physics, no physical quantity has ever
been measured to 20 digits (approximately 60 bits) of accuracy, as Rolf
Landauer (LANDAUER, 1991) would always point out to me.

Consciousness and Quantum Mechanics


Quantum information theory’s successes in the past years (see VEDRAL,
2012; NIELSEN & CHUANG, 2000) strengthens Chalmers’ intuition,
linking consciousness with information theory and quantum mechanics.
Why? Because according to the current view, quantum mechanics is about
a new kind of information, so information and the quantum are in a sense
the same.
Quantum information theory is not new physics, but it is a radically
different way of perceiving quantum mechanics. In the past, quantum me-
chanics courses began with the Schrödinger equation; now, many begin
with the qubit!
Consciousness and Information 49

Current State of Digital Philosophy


For the sake of completeness, we should remark that in the two decades
since Chalmers published his panpsychism thesis (CHALMERS, 1996,
Chapter 8), which refers to “It from bit,” this doctrine has been an active
research area sometimes referred to as digital physics or digital philoso-
phy (GLEICK, 2011; PAGALLO, 2005; LONGO & VACCARO, 2013).
Some of the workers in this area were indeed inspired by John Wheeler
and his remarks on “It from bit.” But others, such as Stephen Wolfram and
Edward Fredkin, who are not cited by Chalmers, have had other sources
of inspiration.
Digital philosophy and digital physics remain active, but still highly
speculative and inconclusive. The most spectacular recent work in this
area considers gravity as an entropic force, with space-time emerging
from qubit entanglement; this theory is associated, among others, with
the name of Erik Verlinde. See, especially, his crucial 2016 paper at https://
arxiv.org/abs/1611.02269. This work has been well covered online in
Quanta Magazine at https://www.quantamagazine.org/.
One of the interesting features of the Verlinde proposal is that it pro-
vides an alternative to the mysterious dark matter.
On the other hand, Randell Mills suggests that dark matter consists of
hydrinos, a form of atomic hydrogen below the standard ground state (i.e.,
with the electron closer to the proton than is usually deemed possible). He
provides experimental evidence (Holverstott, 2016) that the high energies
in the solar corona – that is much hotter than the photosphere at the sun’s
surface – are due to hydrino formation in the corona, and he plans to use
conversion of atmospheric hydrogen into dark matter to generate energy
here on planet Earth!
So, there is no shortage of fascinating new ideas,
none at all!

Concluding Discussion – Tononi’s Φ


In the two decades since Chalmers published his panpsychism thesis that
any physical system that processes information is conscious, it has be-
come possible to put more meat on the bones of the Chalmers proposal.
Unfortunately, it is possible to argue that as a consequence, the sim-
plicity which was the principal argument in Chalmers’ favor has become
somewhat diluted. Nevertheless, it remains straight-forward, at least in
50 A Transdisciplinaridade da Consciência

comparison with what is perhaps becoming its chief contender, the in-
creasingly elaborate Tononi integrated information theory of conscious-
ness (TONONI, 2012; KOCH, 2012).
Note especially how much easier it is to measure consciousness ac-
cording to Chalmers as opposed to the extreme computational difficulties
of the Tononi Φ proposal, which requires considering all possible parti-
tions of a physical system.
In conclusion, I believe that Chalmers’ panpsychism remains vigorous
and stimulating, especially if taken in the context of digital philosophy,
which attempts to build the world out of information and computation
rather than matter and energy.

Appendix. What Are Qubits?


Should the Chalmers proposal be couched in terms of qubits rather than bits?
I.e., should consciousness be measured in classical bits or qubits?
What precisely are qubits? They are quantum mechanical superpo-
sitions of classical 0/1 bits. Consider a traditional N-bit string. Ac-
cording to quantum mechanics, to describe this N-bit string, one has
to associate a probability amplitude with each of the 2N possibilities, a
complex number (x + iy), which has a phase as well as a magnitude. The
probability associated with a probability amplitude (x + iy) is given by
(x2 + y2).
A classical bit string is a special kind of qubit string in which the 2N
possibilities each have probability amplitude √(1/2N) and, therefore, prob-
ability 1/2N.
Note that probability amplitudes are vectors, they are probabilities that
have a direction, which is why they can cancel instead of always adding,
as they do in classical probability theory. In other words, there can be de-
structive as well as constructive interference.
By the way, so-called entangled bits can occur, for instance, when 01
and 10 are possible, but not 00 and 11.
Cautionary note: If Randell Mills is correct and hydrinos actually exist
– and he has amassed considerable experimental evidence in their favor –,
then perhaps we have to take the theory that led Mills to the hydrino se-
riously. This theory is nothing less than a proposal to replace quantum
physics by a new, classical approach to microphysics. Recall that quantum
mechanics was invented to explain the stability of the Bohr model of the
Consciousness and Information 51

hydrogen atom, a miniature solar system with an electron orbiting a pro-


ton. However, Mills believes that this was actually unnecessary. He has a
stable classical model of the hydrogen atom involving something new he
calls electron orbispheres. This could conceivably pull the rug out from
under quantum mechanics.
Going from Algorithmic Information Theory (AIT) to Quantum Infor-
mation Theory (QIT): with classical bits as studied in AIT, computations
are done via Turing machines, whereas in QIT we deal with quantum cir-
cuits, which are quantum mechanical versions of traditional Boolean cir-
cuits involving and, or and not.

References
CHAITIN, Gregory. Algorithmic Information Theory. Cambridge: Cambridge University
Press, 1987.
. Conceptual complexity and algorithmic information. La Nuova Critica, v. 61-62,
pp. 9-28, 2015.
CHALMERS, David. The Conscious Mind: in Search of a Fundamental Theory. Oxford: Ox-
ford University Press: 1996.
GLEICK, James. The Information: a History, a Theory, a Flood. New York: Pantheon Books, 2011. 

HADAMARD, Jacques. The Psychology of Invention in the Mathematical Field. New Jersey:
Princeton University Press, 1945.
HOLVERSTOTT, Brett. Randell Mills and the Search for Hydrino Energy. KRP History, 2016.
KOCH, Christof. Consciousness: Confessions of a Romantic Reductionist. Cambridge, MA:
MIT Press, 2012.
LANDAUER, Rolf. Information is physical. Physics Today, p. 23-29, May 1991.
LONGO, Giuseppe; VACCARO, Andrea. Bit Bang. La nascita della filosofia digitale. Milan:
Maggioli, 2013.
NIELSEN, Michael; CHUANG, Isaac L. Quantum Computation and Quantum Information.
Cambridge: Cambridge University Press, 2000.
NØRRETRANDERS, Tor. The User Illusion: Cutting Consciousness Down to Size. New
York: Penguin, 1999.
PAGALLO, Ugo. Introduzione alla filosofia digitale. Da Leibniz a Chaitin. Turin: Giappichelli,
2005. 

QUIROGA, Rodrigo. Borges and Memory: Encounters with the Human Brain. Cambridge,
MA: MIT Press, 2012.
SHANNON, Claude; Weaver, Warren. The Mathematical Theory of Communication. Illinois:
University of Illinois Press, 1949.
SMOLIN, Lee. Three Roads to Quantum Gravity. London: Weidenfeld & Nicolson, 2000.
52 A Transdisciplinaridade da Consciência

STRICKLAND, Lloyd. Leibniz’s Monadology: a New Translation and Guide. Edinburgh: Ed-
inburgh University Press, 2014.
TONONI, Giulio. Phi: a Voyage from the Brain to the Soul. New York: Pantheon, 2012.
VEDRAL, Vlatko. Decoding Reality: The Universe as Quantum Information. Oxford: Oxford
University Press, 2012.
Introdução ao Problema da
Inteligência Artificial e da Mente:
Discussão de Textos Básicos
e a Polêmica sobre o Modelo
Quântico de Penrose
Luiz Pinguelli Rosa*1

Especulações sobre inteligência


dos computadores
Um robô ganhou cidadania na Arábia Saudita em 2017 (HANSON, 2017).
Apesar de estar longe de ter consciência, simula traços humanos.
Para Moravec (1993), um pesquisador que dirigiu o Laboratório de Ro-
bótica da Universidade Carnegie Mellon, na Pensilvânia, Estados Unidos,
o gênero humano poderá vir a perder sua posição dominante no planeta,
substituído pela vida pós-biológica.
A despeito do sabor fantástico dessa conjetura, ela se baseia em um
cenário tecnológico que extrapola a tendência atual de crescente presença
dos computadores na sociedade, desempenhando funções antes restritas
aos seres humanos. Os computadores são criações da nossa mente, mas,
se pudessem se reproduzir e se desenvolver com autonomia, poderiam
ganhar vantagem sobre nós na luta pela sobrevivência, livres dos limites
biológicos da seleção natural. Estamos estendendo o conceito de seleção
natural para incorporar a vida artificial na competição pela sobrevivência.
Seriam então os robôs nossos descendentes!
Embora isso não seja verdade à luz do estado atual da arte, poderá vir
a ser uma possibilidade do ponto de vista científico? A verdade muda his-
toricamente no campo técnico. Hoje, a capacidade dos computadores está
longe de superar a capacidade humana, exceto para tarefas muito especí-
ficas, como cálculos e manipulação de dados extenuantes. Neste capítulo
trataremos da mente humana e da inteligência artificial. Ambos os assun-

* 
Luiz Pinguelli Rosa é professor do Coppe e do HCTE, ambos da UFRJ.
54 A Transdisciplinaridade da Consciência

tos são novos na ciência e polêmicos. Será possível vir a existir vida não
biológica?
Cairns-Smith (1993) especulou que a forma de vida atual, baseada em
cadeias de átomos de carbono nas moléculas da química orgânica que
constituem as células vivas, já seria a segunda forma de vida na Terra. Teria
sido antecedida por uma primeira, muito incipiente, pré-biológica, forma-
da por cadeias de cristais de argila. Logo, os computadores poderiam vir a
ser a terceira forma de vida na Terra, sucedendo a atual. A primeira forma
de vida, nessa concepção, também teria sido baseada em moléculas da quí-
mica inorgânica, como são na sua essência os computadores, pelo menos
os atuais. Ou seja, nessa concepção:
1a forma de vida: pré-biológica, baseada em cristais de argila.
2a forma de vida: biológica, baseada em moléculas orgânicas de
carbono.
3a forma de vida: pós-biológica, baseada em computadores inteli-
gentes.
Os cristais microscópicos de argila se desenvolvem pelo processo físi-
co normal de crescimento de cristais, formando estruturas ordenadas de
átomos, as quais se rompem reproduzindo a mesma estrutura, como uma
cópia da original. Podem deslocar-se eventualmente, crescer e partir-se
de novo. Logo se reproduzem. Nesse processo, pequenos defeitos podem
ocorrer na ordenação dos átomos na estrutura cristalina, alterando suas
propriedades físicas e químicas. Surgiram variações – umas mais densas,
outras menos, ou esponjosas –, permitindo que a água penetre e traga ou-
tros minerais para se agregarem à argila. Reúnem-se os ingredientes da
evolução: reprodução, hereditariedade e mutação.
Não é claro o que o autor considera ser a competição para sobreviver, já
que também não é explícito o que seja a vida nessa regressão de conceitos
da biologia para o mundo pré-biológico. Como há formas de argila estáveis
e outras menos estáveis, a sobrevivência pode equivaler à permanência
no tempo, incluindo a reprodução. Como a definição científica de vida é
interna à biologia, a extrapolação do conceito torna-se uma questão não
científica, mas epistemológica ou da filosofia da ciência. De acordo com
Cairns-Smith, a argila serviu de molde para a agregação de grandes molé-
culas com cadeias de átomos carbono – muito mais estáveis e eficientes –,
abrindo o caminho para surgir a vida biológica que conhecemos.
Nessa linha de pensamento especulativo, ao criarmos os computadores
podemos ter decretado a substituição no longo prazo de nossa forma de
Introdução ao Problema da Inteligência Artificial e da Mente 55

vida por outra – à base de silício e outros materiais – mais apta a sobre-
viver. E, acrescentemos, as mudanças do meio ambiente podem dificultar
muito a vida biológica atual e a sobrevivência do homem sobre a Terra;
pela poluição, destacando-se o efeito estufa que aquece o planeta, pelo es-
gotamento de recursos naturais ou por uma guerra nuclear.
Essa especulação extravagante é exatamente oposta à polêmica conjetu-
ra de Penrose (1989, 1994), que veremos detalhadamente, buscando negar
a possibilidade de vida mental própria nos computadores. Ao negar essa
possibilidade, Penrose considera que há no cérebro algo a mais além da
computação para dar conta da emergência do novo e da criatividade hu-
mana. Penrose se inspira no Teorema de Gödel, que reduz o problema da
mente à microfísica e, portanto, à mecânica quântica – o que é polêmico.
O problema da inteligência nos conduz inevitavelmente ao problema da
mente humana, que requer uma explicação científica. Longe de ser trivial,
essa explicação ainda não é consensual nem sequer no âmbito da neuro-
ciência, envolvendo aspectos filosóficos polêmicos, como o dualismo car-
tesiano e o reducionismo, como veremos a seguir.

Fundamentos da filosofia da mente


Popper, em um livro com Eccles (POPPER; ECCLES, 1977), partiu de Kant
em defesa do dualismo – a separação entre o universo físico e o universo
interno de cada pessoa, o “eu”, dotado de livre escolha. Opôs-se à redução
do homem a um mecanismo biológico. Assim, colocou em questão a ex-
plicação da mente pelo funcionamento físico do cérebro. Criticou profun-
damente o materialismo, opondo ao atomismo de Leucipo e Demócrito, a
física moderna. Para Popper, o campo eletromagnético de Faraday e Max-
well estaria mais próximo do plenum contínuo de Parmênides do que do
atomismo materialista. O mesmo pode ser dito para a gravitação, seja com
a ação a distância entre as massas, segundo Newton, ou com a alteração
da estrutura do espaço-tempo pela energia/massa, segundo Einstein. A
física transcende o materialismo em senso estrito para explicar a realidade
da matéria, cuja estrutura microscópica é descrita pelas funções de onda
imateriais da mecânica quântica.
Nesta linha, Popper se colocou contra o reducionismo de explicar a
mente pelo cérebro, que discutiremos neste capítulo. Para ele, a emergência
do homem levou à criação de um mundo objetivo e real, constituído dos
produtos da mente humana. Tanto quanto a matéria, constituem o univer-
56 A Transdisciplinaridade da Consciência

so os mitos, a religião, a literatura, a arte, as teorias científicas e a tecnolo-


gia. Popper chama tudo isso de mundo 3, sendo o mundo 1 o físico, que é o
usualmente considerado: os seres vivos, a matéria inanimada, os planetas,
as estrelas e as galáxias. Entre esses dois mundos interpõe-se o mundo 2,
da mente humana, da consciência e da sensibilidade animal. Trataremos
adiante de explicar cientificamente a mente e a consciência pelo funciona-
mento do cérebro. Ou seja, a redução do mundo 2 ao 1.
Popper fez uma listagem dos sistemas biológicos com seus constituin-
tes, desde os ecossistemas em nível mais alto, passando pelas populações
animais e vegetais, pelos órgãos e pelos tecidos, pelas células, pelos orga-
nismos unicelulares e pelos vírus, chegando a moléculas, átomos e partícu-
las. Contrapôs-se então ao que chama de causalidade ascendente, segundo
a qual os níveis superiores da lista hierárquica não podem ter efeito sobre
os inferiores, mas sim o contrário – átomos determinam as moléculas, es-
tas determinam as células, e assim por diante (POPPER; ECCLES, 1977).
Obviamente isso é falso, pois a morte de um ser vivo leva à morte células
de seus órgãos. Logo, há também uma causalidade descendente – o todo
influindo na parte.
Abordando a emergência do novo, o surgimento do imprevisível na na-
tureza, Popper destacou:
1) A formação dos núcleos atômicos nas estrelas na história do
universo.
2) O começo da vida na Terra (idem).
3) A consciência animal.
4) A linguagem, a mente humana e a inteligência.
Nesse esquema, a consciência surge antes da mente associada à inte-
ligência. Popper admitiu a consciência nos animais em geral, embora em
nível menos elevado que no homem, destacado dos demais animais pela
linguagem, pela mente e pela inteligência. Associa a inteligência à lingua-
gem, e esta à estrutura do cérebro humano. Assim, “o aparecimento da
linguagem humana criou uma pressão seletiva” que alterou a estrutura do
córtex cerebral e daí se originou a consciência humana do “eu” (POPPER;
ECCLES, 1977). Portanto, viu na linguagem uma característica genética hu-
mana, embora potencializada pela cultura, como é a posição de Chomsky
ao fazer a ponte da linguagem para a inteligência.
Embora associe a mente ao cérebro, como vemos, por vezes usando uma
palavra ou outra indiferentemente, Popper deu lugar a uma interpretação
de que existe uma mente virtual, que ganha realidade como uma entidade
Introdução ao Problema da Inteligência Artificial e da Mente 57

independente do cérebro exercendo influência real sobre ele. Nessa con-


cepção, isso se daria pela influência do mundo 3 sobre o 1. Uma teoria cien-
tífica, do mundo 3, pode mudar o mundo 1, físico. Por exemplo, a bomba
nuclear, fruto de teorias físicas, pode mudar a face da Terra.
Entretanto, apesar dessa posição dualista, Popper nega que esteja espo-
sando a teoria de que existe um “olho da mente”.
O livro O eu e o seu cérebro (POPPER; ECCLES, 1977), na qual essas
ideias de Popper foram expostas, contém um texto de Eccles sobre as teo-
rias científicas da mente e do cérebro, as quais trataremos adiante.

Da máquina de Turing à polêmica


da inteligência artificial
Podemos agora colocar o problema da inteligência artificial dos com-
putadores versus a inteligência humana. O físico-matemático Penrose
escreveu dois livros polêmicos acessíveis a não especialistas, embora
trate de aspectos difíceis dessa questão: The Emperor’s New Mind (1989)
e Shadows of the Mind (1994), o primeiro traduzido para o português
(PENROSE, 1997). Ambos foram muito criticados, como discutiremos
adiante. Mais recentemente, foi publicado o artigo “Consciousness in
the Universe: Neuroscience, Quantum Space-Time Geometry and Orch
OR Theory” (PENROSE; HAMEROFF, 2011). Vamos comentá-los. Nos
livros mais recentes (PENROSE, 2004, 2010, 2016), Penrose não vol-
ta ao assunto da consciência quântica, exceto no capítulo do livro que
escreveu com Hameroff (PENROSE; HAMEROFF; KAK, 2011), mas
Hameroff mantém-se nessa linha, bem como outros autores (STAPP;
2009. DOBYNS; GLOBUS; MINSKY; GAO; KUTTNER; ROSENBLUM;
NAUENBERG; BODOVITZ; VANINI; DI CORPO; GHIRARDI; PAGE;
MITCHELL; STARETZ, 2011). Vamos, neste capítulo, focar textos fun-
damentais dos anos 1990, em especial em torno do debate sobre os dois
primeiros livros de Penrose (1989, 1994).
No primeiro, é colocada a pergunta: é possível um computador ter cons-
ciência? Penrose diz que estamos acostumados a máquinas que têm uma
performance muito melhor que a nossa em atividades físicas, e isso não
fere nosso orgulho nem nos causa humilhação, mas sim prazer em, por
exemplo, viajar a altas velocidades. Mas a capacidade de pensar é uma prer-
rogativa humana. Ou não? A questão crucial de um equipamento tecnoló-
gico ser capaz de pensar ou ter uma mente não é nova: os computadores
58 A Transdisciplinaridade da Consciência

foram chamados nos seus primeiros tempos de cérebros eletrônicos. Pen-


rose (1989) então pergunta em bateria: o que significa pensar? O que é a
mente? Ela existe? Ela depende de uma estrutura física a que é associada,
tal como o cérebro humano? Ou pode ser reproduzida em um aparato tec-
nológico, como um computador?
Em um famoso artigo do fundador da teoria da computação, Turing,
chamado “Computing Machinery and Inteligence”, publicado na revis-
ta filosófica Mind (TURING, 1950), foi proposto um teste de perguntas e
respostas a um computador e a um ser humano. A ideia era colocar um
computador e uma pessoa trancados em uma sala, sem nenhum acesso
ao cômodo, e enviar a ambos perguntas para saber, pelas respostas, qual
era o ser humano e qual era o computador. Seria fácil descobrir pedin-
do um cálculo que o computador faz muito mais rapidamente que uma
pessoa. Suponhamos, entretanto, que o computador estivesse programado
para mentir, fingindo-se de ser humano. Assim, se fosse pedido um cálculo
aritmético complicado, ele o faria lentamente, sem usar seus recursos de
calcular com grande rapidez. O problema para o computador seria respon-
der perguntas triviais sem sentido (PENROSE, 1994), como: “Soube que
um rinoceronte voou ao longo do Mississipi num balão cor-de-rosa esta
manhã. O que você acha disso?” Em princípio, pode-se aperfeiçoá-lo para
enfrentar tais perguntas programando-o e provendo-o de um banco de
dados maior. Em experimentos desse tipo, há casos de experimentadores
do lado de fora da sala acharem que quem responde dentro é o computador
ou vice-versa. Mas isso significaria que um computador pensa?
Vamos agora definir o que é computação e o que faz um computador.
Para isso, voltemos a Turing, que formulou teoricamente em 1937 um mo-
delo matemático de um computador idealizado, conhecido como máquina
de Turing. Trata-se de um dispositivo capaz de executar um algoritmo, ou
seja, proceder uma série de ações computacionais seguindo instruções pro-
gramadas e dispondo de dados para fazê-lo. Podemos dizer que os compu-
tadores atuais são a realização prática da máquina ideal de Turing, com a
diferença de que, além de cometerem erros eventuais por defeitos, têm uma
limitação na sua capacidade que a máquina de Turing idealizada não tem.
As instruções dadas ao computador devem chegar ao resultado que se
deseja em um número finito de passos. Ou seja, o algoritmo deve ser fi-
nito. Penrose (1994) faz uma correspondência entre cálculo algorítmico e
computação. Em termos computacionais, a máquina deve parar um certo
tempo finito.
Introdução ao Problema da Inteligência Artificial e da Mente 59

Poderíamos, à primeira vista, concluir que, quando o computador não


para, é porque o programa está errado e entrou em loop. Mas não é bem
assim. Há problemas que não comportam soluções algorítmicas, logo, não
podem ser resolvidos por um programa de computador. Um desses casos
é o histórico décimo problema de Hilbert. O caso em questão é achar um
algoritmo para verificar se um dado sistema de equações do tipo diofan-
tino tem solução ou não. Chamam-se diofantinos sistemas de equações
polinomiais de qualquer número de variáveis com coeficientes inteiros e
cujas soluções buscadas se restrinjam a números inteiros. Alguns casos
têm soluções, outros não, o que pode ser visto por uma meticulosa análise
em cada caso.
Por exemplo, o sistema diofantino (PENROSE, 1994)

6w + 2 x − y 3 = 0
5xy − z 2 + 6 = 0
w2 − w + 2x − y + z − 4 = 0

tem a solução w=1, x=1, y=2 e z=4 facilmente verificada substituindo-


-se esses valores das variáveis nas equações. Já não tem solução o siste-
ma também diofantino constituído pelas duas primeiras equações acima e
com a terceira substituída por outra ligeiramente diferente:

w 2 − w + 2x − y + z − 3 = 0

Por inspeção das equações, podemos responder à pergunta se há ou


não solução do sistema em cada caso. Vejamos o caso sem solução. Pela
primeira equação, y elevado ao cubo é igual à soma de dois números pares,
logo, y ao cubo é par e, portanto, y também é par. Pela segunda, z é par,
pois, sendo y par, 5y é par e 5xy também o é. Mas, pela terceira, z tem de
ser ímpar pois w (w - 1) é sempre par, 2x também e já vimos acima que y
é par. Como z tem de ser par em uma equação e ímpar na outra, o sistema
não tem solução.
Jamais se encontrou um algoritmo para determinar quais sistemas dio-
fantinos têm ou não solução. O problema não é determinar casos que têm
solução. Para isso, basta ir tentando sistematicamente todos os valores in-
teiros das variáveis até encontrar um conjunto delas que satisfaça o sis-
tema. Em muitos casos, serão encontradas soluções que o satisfarão. Isso
60 A Transdisciplinaridade da Consciência

pode ser feito por um programa de computador. O problema é garantir


que um dado sistema diofantino não seja satisfeito por nenhum conjunto
de variáveis. Testando soluções nesse caso, por tentativa, o programa não
para nunca. Apesar da simplicidade do método usado no caso visto acima,
jogando com números pares e ímpares, ele não pode se tornar exaustivo
para qualquer caso, segundo um teorema demonstrado pelo russo Matiya-
sevich (1993).
Portanto, há atividades matemáticas que não se enquadram na compu-
tação algorítmica; existem classes de problemas bem definidos sem solu-
ção algorítmica. Turing, por sua vez, mostrou que há classes de problemas
que não são computáveis. Há casos em que não se pode determinar se o
computador parará (PENROSE, 1989).
Podemos fazer uma relação desse problema com o da incompletude de
Gödel e o da inteligência artificial. No caso da aritmética, e, por conse-
quência, da matemática, Gödel mostrou que há resultados verdadeiros que
não podem ser provados no âmbito da lógica. Como afirmamos antes, isso
coloca a criatividade da inteligência humana acima de regras preestabele-
cidas por algoritmos. Tudo isso nos leva a crer que a inteligência humana
não se reduz a um conjunto de regras computacionais programável.
Cabe aqui um argumento contrário à interpretação de que o resultado
de Gödel impede a inteligência artificial genuína, associada por Penrose à
mente humana e à consciência com exclusividade. Embora não seja uma
ideia nova, esse argumento tem a ver com a crítica atual feita a Penrose pe-
los que negam ser toda a computação necessariamente algorítmica, como
Searle (SEARLE; DENNET; CHALMERS, 1997) e Casti (1994). Para Brody
(1993), o que se chama de lógica na computação pouco tem em comum com
a lógica rigorosa de que Gödel tratava. Assim, a computação tem frequen-
temente um caráter heurístico: partindo de uma adivinhação, verifica suas
consequências e, por comparação com alguma referência, busca reduzir a
discrepância melhorando a adivinhação por aproximações sucessivas. En-
quanto Gödel tratava das consequências lógicas de axiomas em um dado
universo de discurso bem definido, finito ou infinito, na computação, o
universo de discurso é arbitrariamente expandido. Entretanto, há sempre
uma lógica algorítmica por trás do método que governa as aproximações
sucessivas, segundo a visão de Penrose. Vamos voltar ao problema da rele-
vância do teorema de Gödel para a inteligência artificial quando discutir-
mos as críticas a Penrose – entre elas, as de Searle – do ponto de vista da
filosofia da mente, e as de Casti, do ponto de vista da computação.
Introdução ao Problema da Inteligência Artificial e da Mente 61

Por outro lado, a limitação de modelos computacionais para nos aju-


dar a compreender comportamentos de sistemas físicos foi discutida pelo
próprio Casti (1994), citando Wittgenstein, no contexto da ciência da com-
plexidade. Casti, que foi pesquisador do Instituto de Santa Fé, se refere à
denominada criticalidade auto-organizada. Casti (1994) considera esse um
exemplo da atualidade do problema, colocado por Wittgenstein, da dificul-
dade da relação entre a linguagem e os objetos que representam, bem como
entre um modelo e a realidade que ele modela.

A mente humana comparada aos computadores


Da leitura de Chomsky e Penrose, concluímos que a inteligência huma-
na nem é tão melhor do que a de animais inferiores, como um rato, para
aprender o percurso para sair de labirintos, nem é de longe comparável à
velocidade e à precisão de um computador em cálculos algorítmicos. Mas,
dessas leituras, concluímos também que ela é muito melhor do que a de
qualquer outro animal para aprender uma linguagem extremamente com-
plexa e pode resolver problemas matemáticos não algorítmicos e não pro-
gramáveis em um computador.
Voltemos à questão da imitação tecnológica da inteligência. Define-se
genericamente como inteligência artificial a imitação da inteligência hu-
mana em computadores. Ela se desenvolve tecnologicamente em várias
direções: na robótica, aplicada principalmente em dispositivos mecânicos
na indústria, para tarefas inteligentes que exigem versatilidade e envol-
vem grande complexidade; nos sistemas especialistas, para abranger os co-
nhecimentos de profissionais como médicos e advogados, codificados em
pacotes computacionais com bancos de dados. Em direções diferentes, a
inteligência artificial, imitando o cérebro, pode servir à pesquisa científica
e aos estudos filosóficos sobre a mente humana.
Penrose (1994) mostra que há o que chama de uma “inteligência eletrô-
nica alienígena” emergindo dos extraordinários avanços da tecnologia de
computadores. A ajuda de computadores é essencial para a inteligência hu-
mana na previsão de situações possíveis em cenários ou de consequência
de ações alternativas. Isso significa que os computadores têm potencial-
mente a capacidade de constituir uma inteligência superior à humana ou
que os robôs se tornarão equivalentes aos seres humanos? Essas pergun-
tas, em geral, recebem uma negativa categórica de intelectuais humanistas
e de muitos cientistas céticos, de um lado, e uma eufórica resposta afirma-
62 A Transdisciplinaridade da Consciência

tiva de publicitários deslumbrados e de tecnólogos otimistas e confiantes


quanto às realizações da tecnologia. Penrose nos dá uma rara oportunidade
de termos uma análise que leva em conta o problema da inteligência artifi-
cial juntamente com o problema da mente, com uma visão crítica.
Vamos então definir o que se entende por mente, consciência, entendi-
mento e inteligência:
– Mente: é difícil defini-la com precisão, sendo preferível reduzi-la
ao conceito de consciência, ao qual se associa; a mente pode ser
vista como uma propriedade do ser humano por ter uma consciên-
cia muito desenvolvida.
– Consciência: tem um aspecto passivo, que Penrose chama de aware-
ness, de sabermos quem somos e termos um sentimento de identidade
presente na nossa mente, e outro ativo, que é o sentimento de livre-
-arbítrio e a capacidade de formular planos de ação para o futuro.
– Entendimento: exige a presença da consciência, não se resume a saber
como fazer algo, mas entender por que se faz e para quê.
– Inteligência: para ser genuína, tem que envolver o entendimento no
sentido acima, logo, ela tem como precondição a consciência.
Os computadores levam a vantagem na velocidade e precisão dos tran-
sistores eletrônicos. O número de impulsos em um transistor atinge 1 bi-
lhão por segundo, enquanto em um neurônio é de 1 mil por segundo. Um
chip contém muitos milhões de transistores em uma lâmina de silício do
tamanho de uma unha do polegar.
Entretanto, há vantagens do cérebro. O número de neurônios no
cérebro é maior do que o de transistores nos computadores atuais;
o número de ligações entre eles também é maior. Existem células no
cerebelo com dezenas de milhares de sinapses, fazendo junções entre
neurônios, enquanto nos computadores esse número é de algumas uni-
dades. Por outro lado, a maioria dos transistores tem funções de me-
mória e não de computar. Há uma característica de aleatoriedade na
estrutura cerebral, enquanto a configuração de um computador é car-
tesiana e deterministicamente organizada em circuitos impressos. Se
danificarmos uma pequena parte do computador, ele não funcionará,
mas, se fizermos o mesmo no cérebro, ele irá realocar suas funções na
parte não danificada.
Essas vantagens podem ser superadas pelos avanços da tecnologia da
computação, desde arquiteturas em paralelo, já existentes, até a substitui-
ção dos circuitos por dispositivos óticos a laser ou o uso de dispositivos
Introdução ao Problema da Inteligência Artificial e da Mente 63

biológicos de computação para certas funções. Isso sem falar nos avanços
no software, como as redes neuronais e os algoritmos genéticos, imitan-
do os sistemas biológicos de adaptação e de aprendizado na computa-
ção bottom-up, em contraste com a tradicional top-down. Na computação
bottom-up, as regras de operação e o conhecimento não estão totalmente
especificados, a priori, mas, em vez disso, o sistema aprende com a expe-
riência, modificando seu conhecimento ao operar repetidas vezes sobre os
dados que recebe como input.
Chegamos aqui à pergunta crucial de Penrose (1994): poderá um com-
putador, no futuro, ter uma mente como a humana? Para respondê-la, há
quatro pontos de vista possíveis:
A) Todo o pensamento reduz-se à computação, e a consciência
pode ser produzida através da computação apropriada.
B) A consciência decorre das atividades físicas que ocorrem no cé-
rebro e somente nele e, embora elas possam ser simuladas em
computador, as simulações por si só não produzem a consciência.
C) As atividades físicas do cérebro que produzem a consciência
não podem ser simuladas.
D) A consciência nem se reduz à computação nem às atividades
físicas do cérebro e não pode ser explicada cientificamente.
Vamos, didaticamente, decompor em um quadro matricial os quatro
pontos de vista segundo as respostas de cada um deles a três perguntas
que ordenamos na tabela 1. Resulta para o ponto de vista A a resposta sim
a todas as três perguntas, e assim por diante, até o D, que nega todas, como
vemos a seguir usando uma notação booleana com 1 = sim e 0 = não: A =
(1,1,1); B = (1,1,0); C = (1,0,0); e D = (0,0,0).
Os dois extremos são contestados por Penrose. O último, D, ele o con-
sidera místico-religioso por negar a capacidade da ciência para enten-
der a mente humana. O primeiro, A, que chama de Inteligência Artificial
Forte, ele considera funcionalista e insatisfatório. Acha que, para efeitos
práticos, B se confunde com A. Por exclusão, podemos ver que sua pre-
ferência recai sobre o ponto de vista C. Mas, apesar disso, respeita como
científico o ponto de vista A, do qual se ocupou basicamente no seu pri-
meiro livro sobre o tema (PENROSE, 1989). A ele retornou em confronto
com os demais, de modo mais aprofundado no segundo livro (PENROSE,
1994) – que, em boa parte, busca responder às críticas ao primeiro livro
–, e em outros textos.
64 A Transdisciplinaridade da Consciência

Tabela 1. Pontos de Vista sobre a Inteligência Artificial

respostas
perguntas 1 = sim; 0 = não
a b c d
A consciência decorre de atividades físicas do
1 1 1 0
cérebro?
Todas as atividades do cérebro, físicas, podem
1 1 0 -
ser simuladas?
Tais simulações podem produzir consciência
1 0 0 -
em computadores?

Na interpretação extrema de A, o mundo físico operaria como um com-


putador. Portanto, também os processos biológicos e a vida operariam
como computadores. Penrose usa para definir A, B, C e D a palavra físico,
reduzindo a ela o biológico. Penrose, como físico, peca aqui por reducionis-
mo, no sentido de reduzir a biologia à física, mas deixa, assim, clara a sua
visão materialista de que a mente reflete as atividades físicas da matéria
cerebral, negando a posição D. Ao mesmo tempo que critica a redução de
tudo à computação (A). A postura A equivale a considerar o universo um
gigantesco computador. Essa visão origina-se da crescente capacidade de
simulação, em computadores, dos processos naturais estudados pela ciên-
cia. Nesse sentido, influi também a ideia de que os objetos físicos sejam,
em última análise, nada mais que padrões de informações, processadas
seja pela mente humana, seja por um computador. Voltamos ao idealismo
empirista de Berkeley?
Apesar de crítico, Penrose alinha argumentos a favor dessa ideia. Afinal,
nossos corpos estão sob um permanente fluxo da matéria que os constitui,
sendo esta continuamente substituída pela alimentação, pela respiração e
pelas excreções. Mas mesmo a matéria é extremamente descontínua, pre-
dominando o vazio entre núcleos atômicos e elétrons, consequentemente
entre átomos e entre moléculas. As próprias partículas têm suas massas
conversíveis em energia, segundo a teoria da relatividade de Einstein. Por
outro lado, elas se representam por funções de onda imateriais, segundo a
mecânica quântica, ou são meramente quanta da energia de campos que
ocupam o contínuo do espaço, segundo a teoria quântica relativística dos
campos. Por exemplo, os fótons são os quanta dos campos eletromagné-
ticos, que se propagam em ondas eletromagnéticas como a luz. Portanto,
tudo é transiente, e a própria matéria é contingente. Ficamos entre o re-
Introdução ao Problema da Inteligência Artificial e da Mente 65

torno ao energetismo de Ostwald e a convergência do misticismo com a


ciência de Capra.
Mas há uma complicação nos rótulos. Os partidários da Inteligência Ar-
tificial Forte (A) são depositários da máxima fé nas realizações da ciência e
poderiam, por isso, ser chamados de fisicalistas. Mas, observa Penrose, ao
reduzirem tudo à computação, tornam irrelevante o aparato físico, pondo
em relevo a abstração matemática e algorítmica. O hardware torna-se ir-
relevante perante o software. Para eles, não importa quem pensa, se é um
cérebro humano com seus neurônios ou um computador com seus chips.
Tornam-se, assim, idealistas platônicos. Contudo, o próprio Penrose, que
acima rotulamos de materialista, assume, de certo modo, o platonismo no
que concerne à existência de um mundo conceitual à parte. Constituído de
verdades matemáticas, o mundo platônico das formas perfeitas é distinto
do mundo físico, real, mas é indispensável para compreendê-lo. Como dis-
se Galileu, o livro da natureza está escrito em forma matemática. E, mais
que isso, Penrose considera que, além do mistério da mente, há também
um mistério no mundo revelado pela ciência. Afirma: mais que o biólogo,
ainda preso à descrição da física clássica, o físico, ao penetrar na natureza
da matéria, depara-se com um estranho mistério na sua interpretação, par-
ticularmente da mecânica quântica.
Sobre B, que chama de Inteligência Artificial Fraca, Penrose mostra que,
sob certo aspecto, é indiscernível de A. Segundo B, um computador, ain-
da que não possuindo consciência, poderia se comportar como se tivesse.
Como discernir cientificamente um caso do outro? Aqui está a sua discor-
dância com Searle, que discutiremos. Penrose defende C, que é o ponto de
vista por ele esposado, o que implica haver fenômenos físicos não simu-
láveis. Acredita que isso ocorra na fronteira entre a mecânica quântica e a
física clássica. Essa fronteira é um velho problema da mecânica quântica,
cuja interpretação oficial, feita pela chamada Escola de Copenhague, susci-
tou, inclusive, a criação de uma lógica quântica. Audaciosamente, Penrose
se coloca em confronto com as correntes dominantes na física. Sua pro-
posta exige uma nova teoria física.
Penrose (1994) afirma que o escopo da ciência não responde às questões
aqui colocadas, pois seu objetivo tem sido a pesquisa do universo material
acessível ao método científico. Entendemos que ele se refere às ciências da
natureza. Nossa existência mental fica, assim, fora desse escopo. Indaga,
portanto, se poderemos entender cientificamente o mistério da mente ou
se o fenômeno da consciência humana fica fora do alcance da ciência. Para
66 A Transdisciplinaridade da Consciência

ele, falta um ingrediente na descrição do mundo pela ciência atual, pois não
há teoria física nem biológica que explique nossa consciência nem nossa
inteligência; o que fazemos com o nosso conhecimento científico hoje é
outra coisa.
Vejamos agora por que Penrose descarta o caos determinista na tenta-
tiva de explicar a mente. Sistemas caóticos são sistemas físicos dinâmicos
ou simulações deles por modelos matemáticos que podem se comportar
de um modo imprevisível. Isso ocorre porque são extremamente sensíveis
a mínimas variações das condições iniciais e nunca temos um controle
absoluto da precisão destas. Apesar de serem governados por equações
perfeitamente deterministas e serem programáveis em computador, sua
evolução no tempo apresenta uma aparência não determinista. Isso ocorre
na previsão meteorológica e também em sistemas simples como um pên-
dulo sob a ação de um campo magnético.
Entretanto, embora imprevisíveis na sua forma, específicos comporta-
mentos dos sistemas caóticos são sempre enquadrados nos tipos de com-
portamentos plausíveis do sistema considerado. Ou seja, não podemos
prever o tempo na meteorologia, mas o resultado da computação é sempre
um dos comportamentos possíveis da atmosfera. O mesmo ocorre com
o pêndulo em interação com o campo magnético: sua trajetória varia es-
tranhamente e não podemos predizê-la em cada caso. Mas é sempre uma
das trajetórias possíveis do pêndulo, limitada a uma porção do espaço fí-
sico e com velocidades dentro de limites bem estabelecidos. Por exemplo,
a distância da massa ao ponto fixo não se altera no movimento se a massa
estiver presa por uma haste rígida. Enfim, o comportamento dos sistemas
caóticos é imprevisível dentro de limites, mas não o suficiente para dar
conta da imprevisibilidade criadora e da riqueza da mente humana.
Penrose descarta também a possibilidade de que a teoria quântica exis-
tente seja suficiente para explicar a consciência, pois é, como a mecânica
clássica, uma teoria algorítmica. Nessa última, como vimos acima, ele des-
cartou o caos determinista por poder ser programado em computador e
sua imprevisibilidade ser limitada pelas possibilidades de o sistema evoluir
no chamado espaço das fases. Quanto à hipótese de o indeterminismo da
mecânica quântica (necessário na interpretação das medidas das grandezas
físicas, embora haja uma evolução determinista do sistema governada por
uma equação) ser a explicação da consciência, inclusive do livre-arbítrio,
Penrose a refuta em duas direções. Em uma delas, refuta que a mente, to-
mada em abstrato e separada dualmente da matéria ao estilo cartesiano e
Introdução ao Problema da Inteligência Artificial e da Mente 67

à moda da interpretação de Von Neumann, possa influir nas possibilida-


des deixadas indeterminadas pela teoria quântica. O que se quer é explicar
cientificamente a mente a partir do mundo material físico, e não usá-la
para explicar este.
Na outra direção, mais importante, Penrose não concorda que a inde-
terminação da mecânica quântica se dê no nível microscópico dos consti-
tuintes da matéria. Para ele, nesse nível tudo é determinado pela equação
de Schroedinger, que dá a evolução do sistema quântico, apesar de não ser
nada intuitiva a superposição de estados, coexistindo a despeito de serem
mutuamente excludentes na física clássica e na nossa lógica comum. Isso
é misterioso, mas é determinista. O indeterminismo ocorre na interface
com o nível macroscópico, na redução dos estados quânticos superpostos
a um só deles no momento de se efetuar a medida de uma grandeza física.
Ele recusa a interpretação usual dessa redução. Aqui está um dos pontos
mais polêmicos. Somam-se o mistério da mecânica quântica e o mistério
da mente.
Em resumo, as ideias polêmicas vistas acima são:
1) A mente humana, que é associada à consciência, envolvendo o
livre-arbítrio, tem um mistério não entendido pela ciência até
hoje (segundo A, B, C e D).
2) Esse mistério deve ter uma explicação científica, partindo de que
a consciência é fruto de atividades físicas do cérebro (segundo
A, B e C).
3) Entretanto, nem todas essas atividades físicas são simuláveis em
computador (segundo C), logo, não será possível construir robôs
conscientes à semelhança humana.
4) A inteligência só existe genuinamente se houver o entendimen-
to de por que e para que se faz algo e não só de como fazer, e isso
exige a consciência.
5) L
 ogo, não será possível a inteligência artificial genuína, apesar
do impressionante avanço da computação.
6) No estágio atual da ciência, com base nas teorias físicas, os fenô-
menos naturais, tanto na física clássica como na mecânica quân-
tica, são, em princípio, descritos por equações programáveis em
computador.
7) Logo, nem a incerteza da mecânica quântica nem a imprevisi-
bilidade do caos determinista dão conta do mistério da mente,
68 A Transdisciplinaridade da Consciência

pois ambas as teorias são programáveis em computadores (o


que iria contradizer o ponto 3).
8) Entretanto, a solução do problema da fronteira entre a me-
cânica quântica e a física clássica permanece insatisfatória e
poderá exigir uma nova teoria física que não seja simulável em
computadores.
9) Essa pode ser a chave para a compreensão científica do proble-
ma da mente.
10) A ciência não está caminhando nessa direção.
Penrose se coloca em confronto não só com a neurociência, mas com as
propostas de solução do problema da mente pela via da complexidade na
fronteira entre o caos e a ordem. Confronta-se também com a abordagem
recente do problema da fronteira entre as físicas clássica e quântica através
da teoria da descoerência (ROSA; FABER, 2004).

A explicação da mente e da consciência


pela redução à física

A microfísica da mente
O aspecto mais polêmico do livro de Penrose (1994) é a explicação que ele
conjetura para a consciência a partir da mecânica quântica e da reformula-
ção dessa teoria na fronteira com a física clássica.
Como ponto de partida de sua conjetura coloca duas questões:
a) Por que a consciência só é produzida no cérebro?
b) Por que, se ela for explicada por uma nova teoria quântica não
algorítmica na interface com a física clássica, algum efeito não
se faria sentir na matéria em geral fora do cérebro?
Penrose vai buscar a resposta no fenômeno de coerência, em que mui-
tas partículas ocupam o mesmo estado quântico, como nos raios laser e
na supercondutividade. O sistema entra em um regime cooperativo entre
seus componentes e funciona como um todo. Nessa conjetura, ocorreria no
cérebro um fenômeno de coerência similar à supercondutividade. Mas a
supercondutividade só ocorre a temperaturas extremamente baixas, dife-
rentemente das condições do cérebro. Torna-se então indispensável buscar
indícios nos resultados experimentais para essas conjeturas. Baseando-se
Introdução ao Problema da Inteligência Artificial e da Mente 69

em dados de experimentos biológicos, Penrose cita que foram observados


efeitos vibracionais dentro das células, ocorrendo ressonância com micro-
-ondas eletromagnéticas.
Para Penrose, o fenômeno gerador da consciência está em um nível mi-
croscópico abaixo do neurônio. Argumenta que microrganismos unicelu-
lares têm controle de certos comportamentos sem, entretanto, possuírem
neurônios. Isso não significa ter consciência, mas apenas controle. Con-
jetura então que o controle se dê no esqueleto celular ou citoesqueleto,
constituído de microtubos, com forma cilíndrica aproximada, bastante
alongados no caso do neurônio. Há um centro de controle do citoesqueleto,
configurando um segundo centro de controle em cada célula, responsável
pelo movimento dela, enquanto o outro centro, o núcleo da célula, tem o
controle genético e de produção de proteínas.
Nos mamíferos, a organização dos microtubos segue uma regra mate-
mática, relacionada aos chamados números de Fibonacci: 0, 1, 1, 2, 3, 5, 8,
13, 21, 34, 55, 89... definidos de forma que cada um seja a soma dos dois
antecessores (13 = 5 + 8, por exemplo). Penrose indaga por que ocorrem
tais números na estrutura dos microtubos. No girassol, eles ocorrem na
flor, segundo alguns com um papel no controle do seu movimento acom-
panhando o Sol.
Cabe aqui uma analogia. Há ocorrência empírica de números obedecendo
uma certa lógica na física, em consequência das leis da natureza, como os nú-
meros mágicos (2, 8, 18, 32...), que dão sempre o número de elétrons na última
camada (de valência química) dos átomos estáveis. Nesse caso, decorrem do
conjunto de números quânticos que definem os estados possíveis dos elétrons
em um nível de energia. Em cada nível de energia em um átomo, os elétrons
podem estar em diferentes estados devido à quantidade de movimento angu-
lar do movimento orbital do elétron em torno do núcleo atômico e ao spin,
associado, em uma analogia clássica, à rotação em torno de um eixo próprio do
elétron. Essas grandezas são quantizadas assumindo um conjunto de valores
discretos. No nível de energia fundamental, só há dois estados para os elé-
trons, no nível seguinte, oito, e assim por diante. Segundo o Princípio de Ex-
clusão descoberto por Pauli, só pode existir um elétron em cada estado. Assim
explicamos os números mágicos. Denominam-se de férmions as partículas
da natureza que obedecem ao Princípio de Exclusão de Pauli, como elétrons,
prótons e nêutrons; denomina-se de bósons as que não o obedecem, como os
fótons. Os números mágicos são também usados no modelo de camadas do
núcleo atômico, constituído de prótons e nêutrons, logo, de férmions
70 A Transdisciplinaridade da Consciência

Voltando aos microtubos do citoesqueleto, são cilindros ocos cujas pa-


redes são, por sua vez, formadas por 13 cilindros finos retorcidos e justa-
postos, cinco retorcidos para a direita e oito para a esquerda. Esses cilin-
dros que formam a parede do microtubo são, por sua vez, compostos de
pequenos “tijolos”, os tubulins, que Penrose chama de dimers. Eles podem
assumir duas conformações na sua forma física, como um sistema binário.
Há estudos indicando que essa estrutura tem a capacidade de funcionar
como um processador de informações.
Os microtubos podem desempenhar o papel de autômatas celulares,
que são estruturas cujos componentes podem assumir cada um deles dois
estados (0 ou 1), conforme os estados dos componentes vizinhos, de acor-
do com uma certa regra, como num jogo. No caso do microtubo, os tubu-
lins ou dimers que o constituem são moléculas que podem estar em dois
estados de conformação (0 e 1) conforme sua polarização elétrica. O estado
de cada dimer influencia os estados de seus seis vizinhos. Isso se dá através
do que os físicos chamam de força de Van der Waals, que atua entre molé-
culas. Assim, uma mensagem pode se propagar ao longo dos microtubos
do citoesqueleto.
Surge o problema de relacionar esse mecanismo com o que se conhece
do funcionamento dos neurônios. Como se forma a rede entre neurônios
no cérebro? Os citoesqueletos de neurônios são longos e podem se alongar
e se encurtar, de modo a operar como comutadores nas sinapses e também
a transportar as moléculas neurotransmissoras, embora devamos observar
que não há resultados experimentais na biologia para confirmar ou não
esse funcionamento do citoesqueleto no neurônio.
Nesse nível microscópico, abaixo do nível neuronal, entramos na de-
licada área da fronteira entre as físicas quântica e clássica. Aqui, Penrose
coloca a mais forte de suas conjeturas polêmicas: a de uma nova teoria
física não algorítmica da redução dos estados quânticos. O fato de não ser
algorítmica impediria a imitação do cérebro em computadores.
A chave da explicação de Penrose para a mente é um fenômeno de con-
densação dos estados quânticos, que ocorreria no cérebro devido à sua
estrutura peculiar. Os estados se tornariam coerentes e, por isso, produ-
ziriam efeitos quânticos macroscópicos. Um exemplo de coerência é a su-
percondutividade, mas só ocorre a temperaturas muito baixas. Embora se
tenham descoberto supercondutividade a temperaturas menos baixas que
antes, são muito menores que a temperatura do corpo humano, sendo difí-
cil explicar como ocorre um processo semelhante no cérebro.
Introdução ao Problema da Inteligência Artificial e da Mente 71

Os microtubos poderiam funcionar como guias de onda no seu inte-


rior. Estudos experimentais mostraram essa possibilidade no citoplasma
de células ressonando com ondas eletromagnéticas de comprimento de
onda compatível com a dimensão do microtubo. No interior dos micro-
tubos haveria moléculas de água não no estado desordenado normal. Na
temperatura do organismo elas estão em agitação térmica (o gelo se cris-
taliza a zero grau Celsius), dificultando a formação de estados coerentes.
Parece, entretanto, haver indícios de existir, junto às células, água num
estado que não é exatamente o da fase líquida usual. Penrose usa isso em
favor de sua teoria.
Na falta de evidência empírica objetiva a favor de seu extravagante es-
quema da consciência, Penrose dá a volta por cima do problema ao propor
a verificação do contrário. Como funcionam os anestésicos que produzem
a perda temporária da consciência? E responde: a variedade de compostos
químicos usados dá a impressão de que a perda da consciência na anestesia
não se deve a reações químicas, mas sim a algum efeito físico. Este bem
pode ser a inundação do interior dos microtubos pelo anestésico, modifi-
cando suas propriedades físicas como guia de onda.
A essa altura, vemos que o esquema explicativo para a mente pode ser
resumido no seguinte:
– A explicação física da consciência deve ser buscada em um nível
microscópico abaixo do neurônio, já que este pode ser descrito
pela física clássica e simulado em computador, contrariando a
hipótese C.
– O citoesqueleto pode ser o nível básico para o fenômeno bus-
cado, pois microrganismos unicelulares não possuem neurônio,
mas exibem algum controle de seu comportamento, ainda que
longe da consciência.
– Nos mamíferos, os citoesqueletos têm propriedades comuns in-
teressantes, especialmente nos neurônios, onde são alongados.
Possuem microtubos ocos, cujas paredes são formadas por cilin-
dros constituídos de pequenos “tijolos” que assumem duas con-
figurações físicas alternativamente, correspondendo ao 1 e ao 0
de um sistema digital. Através da polarização elétrica, interagem
com seus vizinhos, permitindo-se associá-los a um autômata ce-
lular capaz de efetuar computação e transmitir mensagens.
– O interior dos microtubos pode funcionar como um guia de
ondas eletromagnéticas propagando-se pelo cérebro, tal como
72 A Transdisciplinaridade da Consciência

ocorre em fibras óticas. Para explicar por que a consciência só


ocorre no cérebro, embora todas as células tenham citoesque-
leto, supõe-se que ocorra nele um fenômeno de condensação
em estados coerentes superpostos, causando efeitos quânti-
cos macroscópicos, tal como na supercondutividade, que, en-
tretanto, só ocorre a temperaturas muito baixas.
Faltou apenas incluir a teoria não algorítmica. Esta existiria na frontei-
ra entre as físicas quântica e clássica pela consideração da gravitação. Ela
foi deixada fora da teoria quântica até hoje. Sua inclusão traz o problema
matemático de lidar com a topologia do espaço-tempo em estados super-
postos que ocorrem na teoria quântica. Cai-se então em um problema sem
solução algorítmica para dimensões maiores que dois. Esse tipo de pro-
blema tem a ver com o de distinguir que um pires pode se deformar em
uma bola enquanto a xícara (com asa convencional vazada para segurá-la)
pode se deformar em uma rosca (furada). Um computador não resolve tal
problema no caso geral.

A crítica à explicação microfísica da mente


Uma crítica contundente a Penrose após a publicação de Shadows of the
Mind (1994) foi feita por Searle, no New York Review of Books (SEARLE,
DENNET; CHALMERS, 1997). Sua crítica é feita do ponto de vista da filo-
sofia da ciência, mas extremamente bem informada pelos recentes esfor-
ços científicos para uma compreensão da mente e da consciência. Podemos
resumir sua crítica a Penrose em uma frase: Penrose rejeita a Inteligência
Artificial Forte porque entende que, se fosse possível imitar o cérebro em
computadores, seria possível fazer um computador consciente capaz de se
comportar de forma humana.
Searle dá a entender que Penrose, como um platônico e humanista, re-
jeita essa possibilidade e comete uma falácia para negá-la através de um
raciocínio lógico que parte de uma hipótese errada: a de que toda compu-
tação se reduz a procedimentos algorítmicos e, portanto, devem haver, na
base da explicação física da mente e da consciência, processos cerebrais
não compreendidos nas teorias científicas disponíveis. Por isso, Penrose
busca conjeturar que há um espaço aberto na fronteira entre a mecânica
quântica e a física clássica para uma teoria não algorítmica que poderia
servir para a explicação do cérebro e da consciência por ele produzida.
Searle não dá maior atenção à nuança do problema da fronteira entre
Introdução ao Problema da Inteligência Artificial e da Mente 73

as físicas quântica e clássica, referindo-se genericamente a uma possível


teoria quântica não algorítmica. Ele considera o livro de Penrose muito
difícil na parte sobre mecânica quântica, a que não dá maior importância
por julgar extravagante buscar uma teoria física ainda inexistente para
explicar a consciência.
Mais precisamente, Searle considera merecedora de comentários ape-
nas a ideia de Penrose de que a explicação da consciência deve residir
em um nível abaixo da célula, o neurônio, porque este pode ser simulado
pela física clássica e funciona como uma espécie de computador. Como
vimos, Penrose sugere que haja um papel do esqueleto celular físico que
serve de molde para a estrutura celular, biológica. Nesse esqueleto, em
nível mais microscópico que a célula neuronal, haveria a interface entre a
mecânica quântica, por si só incapaz de dar conta da consciência mesmo
com seu caráter estatístico, com a física clássica. É nessa interface que
Penrose propõe uma teoria não algorítmica e conjetura que a gravitação,
deixada de fora da teoria quântica atual, poderia ter um papel nessa inter-
face porque ela embebe todo o espaço-tempo onde ocorrem os eventos
físicos.
A crítica mais aguda de Searle nesse aspecto é que Penrose embaraça
dois mistérios, o da mente e o da mecânica quântica. Uma crítica seme-
lhante aos que embaraçam os mistérios da mecânica quântica e do mis-
ticismo, como Capra. Searle induz algo análogo sobre Penrose e diz que
ele acredita em três mundos – o da realidade material, o da mente e o das
teorias matemáticas – propostos por Popper. Ademais, Searle escreve que
as conjeturas de Penrose ficam longe de explicar como o cérebro produz a
consciência.
No fundo, a argumentação de Searle é recorrente à questão de ser ou
não necessária uma nova teoria física não algorítmica para explicar a men-
te. Ele nega essa necessidade porque não vê nenhum problema em ser pos-
sível simular o cérebro em computador. Para Penrose, se isso for possível,
então, com o aperfeiçoamento futuro dos computadores, um robô poderá
ganhar consciência e ter um comportamento humano. Searle nega que isso
venha a ocorrer, com uma ênfase tão antropocêntrica quanto a de Penrose,
só que Searle desloca o problema por acreditar que se pode simular o cére-
bro sem, com isso, criar a mente artificial (caso B). Como Penrose, ele nega
a Inteligência Artificial Forte (caso A), que supõe ser possível um compu-
tador ter consciência, mas, enquanto a posição de Penrose (caso C) descar-
ta também a Inteligência Artificial Fraca (caso B), Searle a aceita. Assim,
74 A Transdisciplinaridade da Consciência

admite a simulação do cérebro, mas nega ser possível ter um computador


com consciência.
A razão dessa discordância está na convicção de Searle de que a
consciência é produzida pelo cérebro devido a sua específica estrutura
biológica e física, não sendo possível um computador, ao simular o cé-
rebro, criar consciência, pois não possui a mesma estrutura biológica e
física do cérebro. Searle argumenta que a simulação de uma explosão
em computador não produz os efeitos de uma explosão. Usa uma ar-
gumentação em geral muito simples em comparação com a detalhada
análise de Penrose.
Há um ponto de convergência: ambos negam que o cérebro produza a
consciência por um processo capaz de ser reduzido a um algoritmo. Searle,
ao admitir que o cérebro funcione como um computador biológico e que
ele possa ser simulado em computadores tecnológicos, acredita que haja
computação não algorítmica. Penrose nega a possibilidade de simulação
do cérebro em computadores e descreve toda computação como algorítmi-
ca. Para isso, tem o cuidado de distinguir a computação de cima para baixo
(top-down), na qual se usam programas (software) que determinam todos
os procedimentos a serem seguidos pela máquina (hardware), da compu-
tação de baixo para cima (bottom-up), em que o computador é programado
para poder aprender adaptando os procedimentos. Tal é o caso das redes
neurais e dos algoritmos genéticos, dos quais trataremos em outro capítu-
lo. Mas, para Penrose, reduz-se sempre à computação algorítmica em um
caso e no outro. A diferença é apenas que, na computação de baixo para
cima, as performances passadas são armazenadas na memória e compara-
das para modificar as ações programadas, melhorando a performance fu-
tura. Defensores da inteligência artificial se opõem a Penrose dizendo que
é trivial um computador usar algoritmos de aprendizagem que possam
mudar axiomas de base para enfrentar novos problemas (HORGAN, 1996;
ANDERSON, 1994).
Não fica claro o que Searle chama de computação não algorítmica. Ele
se refere à imitação de processos naturais em computador. Para ele, nesses
casos, não é preciso ter a preocupação com o rigor lógico, com a garan-
tia de se chegar a resultados logicamente verdadeiros, com o que Penrose
se preocupa ao discutir o Teorema de Gödel. Esse tipo de argumento fora
anteriormente levantado. Entretanto, para se imitar qualquer coisa no
computador não se pode escapar à lógica, necessitando-se sempre de uma
programação passo a passo, o que implica seguir um algoritmo. Esses co-
Introdução ao Problema da Inteligência Artificial e da Mente 75

mentários não negam todas as críticas de Searle. Ele é um filósofo impor-


tante e foi autor do argumento chamado Quarto Chinês para distinguir um
robô de um ser humano.
Um grupo de discussão com estudantes de doutorado da disciplina de
Teoria do Conhecimento do HCTE e do Coppe (UFRJ) de 1998 levantou
a seguinte crítica à posição defendida por Penrose. Não seria a opção C
a única conciliação entre a explicação científica da mente e a impossibi-
lidade da reprodução artificial da consciência em computadores e robôs,
pois poderiam ocorrer, em adição às situações A, B, C e D, duas outras que
definimos como:
E1 – Demônio de Penrose.
E2 – Cérebro identificado com o corpo.
Comecemos pela primeira delas (E1): mesmo que seja possível um dia
simular, em princípio, o cérebro usando modelos baseados nas teorias
existentes, algoritmicamente programáveis em computadores, ainda assim
o volume de cálculo e de dados poderia tornar os cálculos inviáveis na
prática, como ocorre no caso do movimento caótico das moléculas de um
gás (demônio de Maxwell) e no caso do movimento de todos os constituin-
tes do Universo (demônio de Laplace). Ou seja, seria necessário um novo
demônio (de Penrose) para dar conta dessa simulação, tal qual o de Walras
para a teoria econômica neoclássica.
A atitude E2 é: já que a rede de neurônios se estende por todo o corpo,
de cada receptor ao cérebro, a consciência poderia ser fruto dessa atividade
global distribuída em todo o corpo através do sistema nervoso. Essa inte-
gração corpórea biológica pode ser fundamental para a consciência, que dis-
tingue o “eu” do resto do mundo, estabelecendo uma fronteira nítida entre
um e outro. Popper refere-se a isso de certo modo. Ou seja, o “eu” inclui o
cérebro e o corpo como parte do ambiente do cérebro, em complemento ao
ambiente externo ao corpo. Talvez a consciência do “eu” surja do confronto
entre os estímulos do mundo externo, recebidos através dos receptores, e
os estímulos que chegam ao cérebro oriundos do corpo, por exemplo, os
derivados de secreções de glândulas. Logo, se a consciência depende do
hardware do corpo animal, e não só do sistema nervoso central, não basta
imitar o cérebro em computador para produzir a consciência. Teríamos de
imitar o corpo animal, e isso se reduziria ao problema do clone biológico
da engenharia genética, e não ao robô humanoide. Moravec (1993) chama
essa atitude de identidade do cérebro com o corpo e a ela opõe a identidade
com o modelo, que de certo modo é um retorno ao dualismo.
76 A Transdisciplinaridade da Consciência

Contra E1 há o fato de que os argumentos se assemelham ao do al-


goritmo escondido implícito na mente humana, refutado por Penrose.
Ademais, pode ser vista como uma visão heurística, mas que não garante
que a barreira da capacidade computacional seja vencida pelos futuros
computadores. Contra E2 há, em princípio, a possibilidade de simular
uma realidade virtual representando o corpo para o computador ou ins-
talar sensores conectados no corpo de um robô, de modo que o compu-
tador ganhasse consciência do seu hardware. A questão, nesse caso, é se
essa “consciência” de um corpo de metal e materiais sintéticos dotado
de sensores conectados, sem órgãos vivos e sem circulação de sangue,
poderia se assemelhar à de um ser humano, ou pelo menos a de um ani-
mal superior. Provavelmente não, até que se prove o contrário. Esse é o
problema de Penrose.

A explicação da consciência pela neurociência

As diferentes abordagens
O estudo da mente, além da crítica às ideias de Penrose, comporta dois
tipos de abordagens paralelas. Uma delas é sobre a compreensão da mente,
da consciência e da inteligência humana. A outra liga-se ao desenvolvi-
mento dos computadores, às perspectivas da inteligência artificial e dos
robôs, especialmente quanto à possibilidade de adquirirem consciência.
A primeira abordagem passa pelo avanço da biologia, da psicologia e da
neurologia, além de ligar-se à filosofia da ciência e à medicina. A outra tem
mais a ver com o estado da arte e o futuro da tecnologia da computação, ao
qual voltaremos no fim deste capítulo.
A literatura científica sobre a mente se tornou profícua nos anos 1990,
independentemente da polêmica influenciada por Penrose (1989, 1994).
Além de Searle (1997) e dos trabalhos por ele citados – dos biólogos Crick
(1994) e Edelman (1992) e dos filósofos Dennet (1991) e Chalmers (1996) –
alinhamos alguns livros desse período. Dois deles foram traduzidos para o
português, escritos para divulgação científica, dos médicos neurologistas
Damásio (1994) e Sacks (1995). Utilizamos também dois livros especiali-
zados sobre a ciência da consciência, adotados na pós-graduação de Enge-
nharia de Sistemas do Coppe (UFRJ), e artigos publicados sobre pesquisas
realizadas no Coppe (VIDAL DE CARVALHO, 1999). Ambos os livros têm
Introdução ao Problema da Inteligência Artificial e da Mente 77

vários autores, um deles editado por Llinás e Patricia Churchland (1996) e


outro por Hamerof, Kaszniak e Scott (1996).
Os dois livros são muito diferentes entre si, refletindo as divergências
na abordagem do problema da mente. O primeiro (LLINÁS; CHURCH-
LAND, 1996) é restrito aos campos convencionais da neurociência, espe-
cialmente a neurobiologia e a neurologia médica. A posição dos organiza-
dores do livro é refletida no último capítulo (CHURCHLAND, 1996), que
vai da filosofia grega aos avanços recentes da neurobiologia, passando pela
epistemologia com frequentes analogias à física. A autora descarta o que
denomina de variação do reducionismo “favorecida por físicos que veem o
mistério da consciência e do livre-arbítrio requerendo uma mudança fun-
damental na ciência... na física” (CHURCHLAND, 1996). Em defesa da neu-
rociência, ela cita seu homônimo Paul Churchland (1988), para quem, em
contraste com o eletromagnetismo presente em todos os níveis da realida-
de, desde o subatômico ao macroscópico, a mente é exclusiva de grandes
sistemas físicos que evoluíram para uma organização complexa. Completa
dizendo que a consciência é um fenômeno neurobiológico porque “neces-
sitamos de um sistema nervoso para tê-la” (CHURCHLAND, 1988). Mas a
questão que estamos discutindo é exatamente se é possível simulá-lo fora
do sistema nervoso e, assim, criar a consciência em computador.
Um aspecto positivo da neurociência é dar uma visão mais integral à
questão da mente, em contraste à sua redução à microfísica. Podemos, en-
tretanto, distinguir níveis diferentes na organização:
1m — sistema nervoso central do cérebro aos receptores.
0,1m — sistemas de neurônios.
0,01m — mapas neuronais.
0,001m — redes.
0,0001m — neurônios.
0,000001m — sinapses.
1A (Angstron) — moléculas.
Penrose se restringe praticamente ao último desses níveis. Mas Llinás e
Churchland (1996) registram importantes desenvolvimentos recentes em
dados sobre o sistema nervoso; psicologia experimental; e simulações de
redes em computador.
Da introdução do segundo livro referido acima (HAMEROFF; KASZ-
NIAK; SCOTT, 1996) consta cientistas qualificados, desde a psicologia à
biologia molecular e à física matemática, revitalizaram o estudo científico
78 A Transdisciplinaridade da Consciência

da consciência, banido desde o século passado pelos behavioristas. O li-


vro inclui trabalhos sobre filosofia da mente, ciência cognitiva, medicina,
neurociência, redes neuronais, biologia subneuronal, teoria quântica e não
localidade espaçotemporal. No índice onomástico, as citações de Penrose
aparecem 31 vezes, número de longe maior do que qualquer dos demais
autores citados. Isso parece contradizer o ponto de vista de Horgan (1996)
no seu livro de divulgação científica O Fim da Ciência, motivado por uma
entrevista dele com Penrose para um artigo na Scientific American. Horgan
faz uma comparação do mood da ciência pós-moderna com a literatura,
na qual há poetas fortes que se distinguem de seus predecessores e os
transcendem, superando as formas literárias tradicionais, e há rebeldes
que invertem as categorias tradicionais e denigrem as escolas literárias do-
minantes. Embora classifique Penrose de um “cientista forte” procurando
transcender a mecânica quântica, diz que ele aborda a ciência de uma ma-
neira especulativa e pós-empírica, que Horgan batiza de “ciência irônica”.
Esta lembra a crítica literária, oferecendo pontos de vista e opiniões inte-
ressantes que provocam comentários, mas não convergem para a verdade
consensual.
Após muitos anos da publicação do primeiro livro de Penrose sobre
essa questão, ela continua despertando polêmica. Searle (1998) refere-se a
alguns aspectos tratados. Observa que o problema mais importante da bio-
logia é descobrir como os processos neurobiológicos no cérebro causam
a consciência, mas ficou fora das pesquisas até recentemente. Referindo-
-se à complicação em definir a consciência, Searle se serve do senso co-
mum: é o estado que experimentamos desde que acordamos em cada dia
até dormirmos, entrarmos em estado de coma ou morrermos. Isso inclui
estarmos cientes do que somos e do que fomos e aptos a planejar nosso
futuro. Ocorre no ser humano e certamente nos animais superiores, mas
é difícil dizer até onde vai; um inseto provavelmente não tem consciência,
mas Searle considera essa questão pouco produtiva no estado atual do co-
nhecimento.
Apesar dos novos aspectos colocados por Penrose, a questão da com-
preensão científica da mente se mantém. De um lado, a separação carte-
siana entre mente ou espírito e corpo ou matéria. Quanto à compreensão
científica da mente, Rorty (1995, 2002) tinha uma visão simples e otimista
revelada pela sua imaginação de uma civilização extraterrena cuja cultura
não incluía a noção de mente e referia-se aos sentimentos como excitação
de partes específicas do sistema nervoso. No campo da biologia, em 1990,
Introdução ao Problema da Inteligência Artificial e da Mente 79

Francis Crick – que, em 1953, havia descoberto com James Watson a estru-
tura do DNA – criou no Caltec os Seminários em Neurociências. Foi Crick
quem, segundo Horgan (1996), mudou a atitude dos cientistas, até então re-
lutantes, sem considerar a consciência como objeto da pesquisa científica.
Vamos iniciar pela abordagem médica, por ser mais intuitiva, para, a partir
dela, introduzir a abordagem da neurobiologia.

Abordagem médica da mente


Na linha da neurologia combinada com a psicologia, a par da ampla lite-
ratura especializada, ganhou a atenção do público o livro de divulgação
da ciência O erro de Descartes (DAMÁSIO, 1997). Damásio, também autor
de um dos capítulos do livro de Llinás e Churchland (1996), narra a expe-
riência médica, partindo de um caso ocorrido no século XIX, em que um
homem é atingido por uma machadada na cabeça, afetando seu cérebro,
mas, por sorte, sobrevive. O resultado foi uma profunda mudança de per-
sonalidade, de comportamento, em consequência da alteração física do seu
cérebro. A evidência é que os fenômenos mentais se ligam diretamente a
fenômenos físicos que ocorrem no cérebro.
Um dos autores discutidos no livro de Searle (1998) narra vários casos
médicos: de perda de memória de curto prazo após cirurgia no cérebro,
de não reconhecimento de uma das mãos, de perda da imagem do próprio
corpo e da localização dos membros, de insensibilidade à dor, de perda da
noção de tempo. Assim, ele relaciona a consciência à memória, afirmando
que uma depende da outra de uma forma dinâmica, sendo a consciência
devida não à percepção do presente, mas à capacidade de relatar o presente,
momento a momento, em correspondência com eventos no espaço e no
tempo. Chama a atenção para a imagem do corpo no cérebro, que cria nele
uma visão interna de todas as partes sensíveis do próprio corpo, isto é, um
sentimento de si mesmo. Dessa autorreferência deriva a consciência sadia
em uma pessoa normal. Considera a memória dinamicamente, não como
um arquivo de experiências passadas, mas como reconstrução consciente
na mente dos fatos experimentados, daí a ligação entre memória e senti-
mento de si mesmo, observado nos pacientes.
O livro Um antropólogo em Marte (SACKS, 1995), cujo nome lembra a
paródia do extraterreno de Rorty, também narra uma experiência médica
de uma pessoa que, após um acidente de automóvel, perdeu a sensibilidade
às cores, passando a ver tudo em preto e branco. Após um longo período de
80 A Transdisciplinaridade da Consciência

reação negativa e, depois, de adaptação, desenvolveu uma nova sensibilida-


de visual às nuanças da textura da cor branca, preta e acinzentada, criando
na sua mente, inclusive, um novo senso estético para um mundo sem co-
res variadas. Para discutir essa recriação do mundo visual pelo paciente, o
autor retorna a Locke, criticando a concepção sensacionista deste, de que
nossos sentidos são instrumentos de medição, registrando o mundo exter-
no para o nosso cérebro. A sensação era assim passiva e esse foi o ponto de
vista dos neurologistas do final do século passado no estudo da anatomia
do cérebro. Sacks escreve sobre aspectos do mecanismo da visão. Observa
que ela mereceu atenção de Spinoza, que escreveu sobre o arco-íris, de
Goethe e de Schopenhauer. Foi sobre as cores o último trabalho escrito
por Wittgenstein (SACKS, 1995). Na física, a cor foi objeto de importantes
estudos de Newton, Young, Helmotz e Maxwell.

Abordagem neurobiológica da percepção visual


A abordagem neurobiológica de Crick (1994) é destacada por Chalmers
no livro Toward a Science of Consciousness (HAMEROFF; KASZENIAK;
SCOTT, 1998) e também por Searle (1998). Para estudar o funcionamento
da mente, Crick analisa o fenômeno da visão. Fótons refletidos ou emitidos
de materiais atingindo a retina disparam um processo do qual resulta a
percepção dos objetos no cérebro. Nesse processo, os neurônios recebem
os sinais pelos seus dendritos, que atuam como receptores em grande nú-
mero para cada neurônio, o qual sintetiza e emite novo sinal pelo axônio
para outros neurônios. O axônio se liga aos dendritos dos outros neurô-
nios pela sinapse e a transmissão dos sinais se dá por dupla ação, química,
de fluidos neurotransmissores, e elétrica, por íons que passam pelas sinap-
ses. Como isso provoca no cérebro a percepção é a questão.
A ideia física simples de que há uma relação invariante entre compri-
mento de onda ou frequência da luz e cor, segundo Sacks não basta para
explicar a complexidade da percepção da cor. Esse processo físico seria:
1) recepção da luz na retina;
2) transmissão da informação do comprimento de onda através da
rede de neurônios para partes superiores do cérebro;
3) conversão dessa informação em cor.
Entretanto, os comprimentos de onda refletidos por um corpo vermelho
variam conforme sua iluminação, mas percebemos sempre sua cor verme-
lha. Goethe negava a simples correspondência entre cor e comprimento de
Introdução ao Problema da Inteligência Artificial e da Mente 81

onda. Ele se preocupava em saber como criamos as cores na nossa mente a


partir da sensação, atribuindo isso ao funcionamento ainda desconhecido
do cérebro. Sacks parodia a frase de Goethe “A ilusão óptica é a verdade
óptica” dizendo que “A ilusão visual é a verdade neurológica”.
Embora sua teoria tenha sido refutada como coisa de um poeta, não
científica, posteriormente Goethe foi valorizado por Helmholtz, para o
qual o cérebro tem uma maneira de descontar o efeito da variação da fonte
de luz que ilumina o objeto, fazendo “uma inferência inconsciente ou um
ato de discernimento” (SACKS, 1995). A conclusão de Sacks é que o caso
da percepção da cor mostra que criamos na mente um mundo “estável a
partir de um fluxo caótico de sensações”. Apesar de mobilizar apenas um
arsenal da física clássica, a abordagem de Sacks é muito interessante. Não
podemos compreender a percepção da cor apenas a partir da decompo-
sição da luz branca em cores ao atravessar um prisma, feita por Newton,
facilmente explicável pelo fato de que o ângulo de refração dos raios de
luz ao atravessar o prisma varia de acordo com o comprimento de onda
da luz. Para compreendermos a percepção das cores no cérebro, devemos
considerar também a composição das cores a partir de três cores primá-
rias – vermelha, verde e violeta –, demonstrada experimentalmente por
Maxwell, sem ter uma explicação simples teórica. Colocou-se a questão
de uma cor ser percebida no cérebro pela superposição de imagens de
cores distintas, provocadas por ondas de diferentes comprimentos sen-
sibilizando a retina. Para Sacks, outra coisa sensacional foi a descoberta,
em 1957, da foto instantânea polaroide – que, com duas imagens em preto
e branco e filtros vermelho e verde, produz imagens coloridas. Segundo
Sacks, isso mostrou que a cor não é um processo local e absoluto, mas
depende da comparação e da composição da luz refletida em um proces-
so integrado na mente.
Dessas considerações psicológicas, Sacks passa a discutir os experimen-
tos fisiológicos realizados desde a década de 1970, colocando eletrodos em
cérebros de macacos e descobrindo que neles há uma área estimulada pelo
comprimento de onda da luz e outra estimulada pelas cores, embora inter-
comunicadas. No caso do paciente acima referido, concluiu-se que ele podia
discriminar comprimentos de onda da luz, mas não os traduzia em cores.
A cor não é o resultado do registro de um sinal, uma luz de um dado
comprimento de onda, mas sim de uma computação cerebral que sinteti-
za vários sinais, correlacionando-os. Portanto, não é um processo passivo,
mas uma criação interior estimulada de fora, com uma intersubjetividade.
82 A Transdisciplinaridade da Consciência

O chamado problema da integração (SEARLE, 1998) na abordagem


neurobiológica da consciência aparece no contexto da percepção visual
(CRICK, 1994). O reconhecimento de uma fisionomia dentre tantas é
um processo ainda não compreendido na biologia. A integração no cé-
rebro de formas geométricas, cores e movimentos, por exemplo, exige a
atuação de diversas áreas do cérebro de modo coordenado para fundir as
muitas sensações em uma observação de um objeto, unificadamente. A
integração se dá pela ativação simultânea de um conjunto de neurônios
distribuídos no espaço, com descargas elétricas sincronizadas no tempo.
Crick identificou empiricamente no sistema visual descargas sincroni-
zadas com frequência de 40 Hertz (pulsos por segundo) na percepção de
formas, cor e movimento.
Outra abordagem se baseia na identificação de mapas no cérebro for-
mados por feixes de neurônios ligados a células receptoras, bem como
relacionando-se a outros mapas. No sistema visual, há vários mapas no
córtex visual (EDELMAN, 1992). Ocorre uma seleção do grupo neuronal,
isto é, o cérebro, a partir dos estímulos externos, intensifica seletivamente
as ligações dos grupos de neurônios solicitados pelos estímulos. Ou seja,
o aparato neuronal está disponível por completo, sendo reforçadas as li-
gações mais em um grupo e menos em outro, seletivamente. Talvez pos-
samos relacionar a isso a concepção de Chomsky da capacidade humana
para a linguagem. O último aspecto destacado de Edelman é a chamada
reentrada, devido à troca de sinais lateralmente entre mapas, voltando o
estímulo ao mesmo mapa em que já entrara.
Portanto, um simples ato, como o de ver algo, envolve muitas ativida-
des nos neurônios. Para fazer um simples movimento de pegar algo, muita
coisa acontece no cérebro. Temos consciência da decisão que tomamos,
mas não do que nos faz tomá-la. Parece uma decisão livre, mas pode ser o
resultado de processos cerebrais dos quais não somos conscientes
Para Edelman, a mente não pode ser entendida a partir apenas da física
nem através de programas de computador, mas considerando a estrutura
dos cérebros, que são muito diferentes uns dos outros, nas suas ligações
internas entre neurônios. Dependem da experiência de cada indivíduo.
Cérebros de gêmeos idênticos tornam-se completamente diferentes. Cére-
bros constituem um tipo de conjunto polimorfo, composto de elementos
diferenciados entre si. Esses conjuntos, segundo Edelman, foram consi-
derados por Wittgenstein. Edelman foi ganhador do Nobel, em 1972, por
determinar a estrutura de proteína que atua no sistema imune do corpo.
Introdução ao Problema da Inteligência Artificial e da Mente 83

Modelos computacionais e o problema


da integração na visão
Para diferenciar as atividades cerebrais no sistema nervoso, que se estende
desde os órgãos sensoriais que captam sinais externos ao corpo e desde os
órgãos internos, os neurocientistas atribuem ao cérebro níveis computa-
cionais mais elevados. O significado do termo computação na neurociência
deve ser clarificado. Cabe perguntar o que está sendo computado ou como
se dão as redes computacionais no cérebro (LLINÁS; PARÉ, 1996). Para es-
ses autores, não ocorre, no cérebro, computação no sentido dado por Von
Neumann, mas também a presença de estados funcionais que representam
aproximadamente aspectos do mundo externo.
Os estados envolvem não apenas os neurônios que disparam nem seus
sinais individualmente, mas sim grandes populações de neurônios para
uma dada tarefa. No desempenho dessa tarefa, a cada instante, uns dispa-
ram e não outros, sendo o papel dos que silenciam tão importante quanto o
dos que disparam (LLINÁS; PARÉ, 1996); tal como em uma página escrita,
o branco é essencial para sobre ele se ler os símbolos gráficos impressos
ou manuscritos. Esse sistema, a partir dos sinais dos sensores, produz ima-
gens coerentes, que podem servir para planejar o comportamento, como
pré-requisito para as ações e para a consciência. Criamos uma imagem
preditiva de um evento para reagirmos quando, por exemplo, vemos um
objeto perigoso movendo-se contra nós. No entanto, o cérebro não foi pla-
nejado e construído como um computador tecnológico, mas é fruto de uma
evolução biológica. De um lado, ele pode possuir uma organização a priori
herdada geneticamente e determinada no nascimento, tal como as habi-
lidades dos músculos ou a capacidade estrutural do esqueleto ósseo. De
outro lado, há uma plasticidade capaz de adaptar o ser ao meio, mudando
alguns parâmetros dentro de limites, inclusive no cérebro.
A pergunta de Llinás e Paré (1996) é se o cérebro constitui um sistema
computacional com arquitetura aberta ou fechada. No primeiro caso, se-
ria uma máquina de aprender partindo de uma tábula rasa. A dificuldade
dessa hipótese é explicar as semelhanças das funções cerebrais de indiví-
duos diferentes com experiências diferenciadas. Na hipótese de o cérebro
ter uma arquitetura fechada, ele produz estados internos que podem ser
modificados por experiências sensoriais, mas construindo imagens in-
ternas próprias do mundo externo, embora com uma intersubjetividade
comum dada pela estrutura física resultante da evolução comum de cada
84 A Transdisciplinaridade da Consciência

espécie. Nessa perspectiva, a cognição como um estado funcional é uma


propriedade a priori, e não aprendida, embora seu conteúdo particular seja
aprendido. Assim é para a capacidade cerebral de ouvir sons, ver as cores
e, segundo Chomsky, de adquirir uma linguagem, tal como é para os pássa-
ros a capacidade de voar por terem asas e um corpo adequado. Nós temos
a capacidade de cognição e da linguagem desenvolvidas porque temos um
cérebro adequado.
Sob outro ângulo, o cérebro executa computação algorítmica também,
pois, afinal, fazemos cálculos aritméticos e inventamos os métodos da ma-
temática, replicados nos computadores com maior eficiência e alta velo-
cidade. Os programas de computadores foram criação do cérebro, como
também o desenho e a construção do hardware. Penrose nunca negou que
o cérebro humano executa computação algorítmica. São completamente
injustificadas as críticas a ele nesse sentido, como a de Pinker (1997). O que
Penrose nega é que tudo no cérebro passa a ser reduzido a computações
algorítmicas.
Os modelos computacionais têm servido de ferramenta no estudo do
cérebro, de um ponto de vista neurobiológico. Um exemplo que julgamos
ilustrativo é a simulação da conjugação do processo de integração (binding)
com a atenção na percepção visual, desenvolvida no Coppe – Engenharia
de Sistema pelo grupo do professor Vidal de Carvalho. A integração é o
processo que leva ao reconhecimento da imagem como um todo, integran-
do toda a sua diversidade – formas, cores, posição, geometria, cinemáti-
ca. A atenção é o processo recíproco, de selecionar um aspecto particular,
concentrando-se nele por alguma razão ou motivação. A ideia mais tradi-
cional é que a integração seja produzida por uma convergência de sinais
dos neurônios ligados pelos axônios em camadas sucessivas de formato
piramidal, de modo que, ao fim, uma célula-mãe sintetizaria todas as in-
formações e os resultados, processados em uma hierarquia de baixo para
cima. Um problema é que, se houver uma célula-mãe dedicada à síntese em
cada possibilidade de combinações, uma análise combinatória nos leva a
concluir que o número delas superaria de longe o de neurônios no cérebro.
Outra solução proposta é associar a integração à oscilação de cadeias de
neurônios acopladas sincronicamente em paralelo. Como já vimos, foram
observadas oscilações de 40 Hz de frequência no córtex de animais sub-
metidos a estímulos. Essas duas soluções competem entre si, ambas com
méritos e problemas, sem ter havido ainda um desempate experimental.
Os autores propuseram então um modelo, combinando-as.
Introdução ao Problema da Inteligência Artificial e da Mente 85

Estudos experimentais identificam áreas do cérebro especializadas


em um tipo de informação sensorial, como o córtex visual, o auditivo
etc. As células, por sua vez, são basicamente ou excitatórias ou inibitó-
rias, com formatos e ligações de axônios diferentes, estando as pirami-
dais entre as primeiras. Às ações dos neurônios se associam correntes
elétricas, de íons de sódio, que variam rapidamente com a voltagem e
as correntes de íons de potássio retardadas. O mecanismo é complica-
do, sendo identificadas outras correntes elétricas, uma de íons de sódio
mais persistente no tempo e uma corrente de íons de cálcio. Baseados em
dados empíricos e resultados de análises fenomenológicas, os autores
constroem um modelo em que quatro áreas intermediárias da hierarquia
piramidal acima descrita são consideradas V1, V2, V3 e V4 até um ápice,
IT. As informações do campo visual são mais detalhadas nos neurônios
da área V1 e vão sendo passadas para um campo cada vez mais global
nos níveis hierárquicos sucessivos V2, V3 e V4. Nesse último, há uma
interligação forte entre os neurônios da mesma área, fazendo, no modelo,
o papel da atenção. Supondo dois estímulos visuais paralelos, a atenção
se produz pela inibição da sequência originada de um deles, para o qual
o animal não estaria atento. Assim, seria inibida a transmissão do sinal
dessa sequência de V4 para o ápice da pirâmide designado por IT por estar
no córtex, chamado intertemporal.
O modelo utiliza equações da teoria dos circuitos elétricos, que relacio-
nam a corrente à variação da voltagem no tempo e ao parâmetro capacitân-
cia do circuito. As correntes fluem de V1 para V2, V3, V4 até IT. Os parâme-
tros são obtidos de dados experimentais com aproximações, buscando-se
ajustá-los para dar a máxima realidade física ao modelo. A simulação feita
mostra a potencialidade e, ao mesmo tempo, os limites do uso de modelos
computacionais do cérebro.
No primeiro capítulo do livro a que nos referimos (HAMEROFFI; TAL-
LI, 1996), Chalmers observa que não há um único problema da consciên-
cia, pois esse termo envolve muitos problemas diferentes. Considera mais
fáceis aqueles relacionados à cognição, abordáveis em termos computa-
cionais. Inclui entre eles: a habilidade de reagir a estímulos, a integração
da informação pelo sistema cognitivo, a capacidade de reportar estados
mentais, a habilidade de acessar estados mentais, focar a atenção, o con-
trole deliberado do comportamento, a diferença entre estar acordado e
dormindo. O termo fácil é relativo, a solução desses problemas poderá de-
morar um século. Os problemas difíceis são os que escapam aos métodos
86 A Transdisciplinaridade da Consciência

computacionais, os que permanecem mesmo quando o funcionamento do


cérebro possa ser explicado através de mecanismos, destacando, entre eles,
o problema da experiência. Tomando o caso da teoria de Crick: as oscila-
ções sincronizadas de neurônios fazem a ligação entre diferentes partes
do cérebro ou grupos de neurônios, de modo a fazer uma integração que
permita processar informações sobre cor, forma e movimento para criar
uma percepção unitária do que se vê. Mas, para Chalmers, fica em aberto
por que as oscilações causam a experiência.

A filosofia da mente e o dualismo cartesiano


Searle (1997) alinha quatro problemas no estudo da mente:
1) Dualismo: na origem da ciência moderna, o dualismo cartesiano,
ao separar a mente do corpo, ajudou a afastar os atritos da Igreja
com a ciência, mas, no século XX, se tornou um obstáculo a ser
removido. Searle dá como exemplo Eccles, cuja teoria veremos
no capítulo seguinte, dizendo que ele acredita que Deus coloca a
alma no feto durante a gestação.
2) A interpretação da causalidade: para alguns, o processo neuro-
biológico é o evento causador e a consciência é outro evento que
ocorre como efeito. Searle critica essa separação, que acaba por
recompor o dualismo entre corpo e mente ao separar os eventos
no cérebro dos eventos na mente. Vale observar que isso tem a
ver com a concepção de causa associada a eventos sucessivos,
tais que, sempre ao ocorrer um, o outro se segue. Essa causalida-
de foi criticada por Hume (cap. IV). Mas, quando uma bola está
sobre um sofá, a superfície deste se deforma, pois a bola sofre a
força da gravidade e pressiona a superfície do sofá. Observamos
uma simultaneidade entre causa e efeito. Kant havia notado isso
(cap. V). Searle observa que a consciência é uma propriedade
do cérebro decorrente dos processos cerebrais. Ela não é outra
coisa ou outro evento, ela ocorre no cérebro.
3) A relação entre subjetivo e objetivo: não há ainda como expli-
car a maneira pela qual fatos objetivos no cérebro geram nos-
so mundo mental subjetivo. Isso tem a ver com a questão das
“qualia”, uma espécie de “quanta” da mente subjetiva usada em
algumas abordagens filosóficas.
Introdução ao Problema da Inteligência Artificial e da Mente 87

4) A simulação ou a identificação da mente com a atividade de


um computador ou vice-versa: esse é o problema de Penro-
se. Para Searle, ele não existe, pois a mente jamais poderia
ser reduzida a atividades de um computador. Seu argumen-
to do Quarto Chinês pode ser reduzido ao seguinte: se uma
pessoa está num recinto com um dicionário de tradução, de
uma língua que ele desconhece para outra que também des-
conhece, ela pode executar a tarefa de traduzir estabelecendo
correspondência entre símbolos e regras sem entender nada
das duas línguas. Dada a palavra X de uma delas, ele procura
e a corresponde com a palavra Y da outra, sem saber o que
significam. É isso que o computador faz usando um banco
de dados. Ele não entende o que faz. A conclusão de Searle
se baseia no fato de que os programas de computador são
apenas sintáticos (lidam com símbolos e regras), enquanto a
mente tem uma capacidade semântica (atribui valores e sig-
nificado aos símbolos).
Dennett, outro filósofo, autor de Consciousness Explained (1991), polemi-
za com Searle. Ele é partidário da Inteligência Artificial Forte, negada por
Penrose e Searle, e faz uma analogia do cérebro com um computador de
processamento paralelo, identificando-o com as redes neuronais na com-
putação. Mas também usam-se redes neuronais em computadores sem
processamento paralelo. Um dos pontos da polêmica é o uso por Dennett
da ideia de “meme”, uma paródia do gene da biologia extrapolado para a
evolução cultural. Searle argumenta que, enquanto a evolução biológica
se dá pelas “forças naturais brutas”, a evolução das ideias, das teorias, da
cultura se dá por um “processo consciente e direcionado a objetivos”. É
correto o argumento de Searle.
Para Dennet, a teoria computacional da mente foi fortalecida pela crí-
tica de Penrose, pois, ao atacá-la, entrou em conflito com a neurociência,
com a biologia e com a física (PINKER, 1997).
Chalmers, por seu livro, The Conscious Mind (1996), também é discuti-
do por Searle, especialmente pela tentativa de conciliar o funcionalismo
com o que Searle chama de “dualismo de propriedade”. O funcionalismo
adotado na teoria da mente, por sua vez, é, segundo Searle, uma con-
ciliação entre fisicalismo e behaviorismo. O fisicalismo é uma vertente
do materialismo, que considera que os estados da mente são a mesma
coisa que os estados do cérebro, enquanto a outra vertente, behavioris-
88 A Transdisciplinaridade da Consciência

ta, identifica os estados da mente como os padrões de comportamento.


A dificuldade apontada por Searle é que os padrões de comportamento
parecem ser causados pelos estados da mente. O materialismo, por sua
vez, se opõe ao idealismo, todos os dois enquadrados no monismo, que
se opõe ao dualismo. Searle divide esse em dualismo de substância, para
o qual a mente é uma substância e a matéria é outra, e o dualismo de
propriedade, em que mental e material são duas propriedades da mesma
substância, que seria o ser humano. Essa complicada ramificação está no
esquema ligado na Figura 2.
O idealismo reduz a matéria à mente em oposição ao materialismo. Fal-
tou definir o funcionalismo: para este, a mente deve ser compreendida pe-
las relações causais ou funcionais pelo que faz e não pelo que a constitui.
Assim, um dado estado mental se define por suas relações causais com
o resto do mundo, independentemente da base física desse estado ser as
descargas elétricas em neurônios ou os movimentos de um fluido. A partir
daí, é fácil se chegar à Inteligência Artificial Forte. Entretanto, para Chal-
mers, a cognição pode ser explicada pelo funcionalismo, mas a consciência
exige algo a mais.
Como um ponto recorrente, em seu livro (HAMEROFFI et al, 1996),
Chalmers coloca a possibilidade de explanação não reducionista da
consciência. Dá como exemplo a física, na qual nem sempre o mais
complexo é explicado em termos do mais simples. Popper observou o
mesmo. Frequentemente, a física reduz o mais simples ao mais comple-
xo, como Maxwell no eletromagnetismo fez ao introduzir campos e on-
das eletromagnéticas, conceitos mais complexos que o de força elétrica.
A força newtoniana, por sua vez, foi considerada metafísica e supérflua
por D’Alembert, que preferia tratar com acelerações e vínculos. New-
ton dispensou o conceito de energia originado da força viva de Leibniz.
Não poderia então a teoria da mente e da consciência colocar a expe-
riência como algo fundamental e irredutível? Mas, na física, mesmo
não se observando os quarks, que, segundo a teoria atual, constituem
as partículas chamadas de hádrons, como o próton e o nêutron, seus
efeitos indiretos previstos pela teoria são medidos experimentalmente.
O problema é como estabelecer previsões testáveis entre a experiên-
cia no nível da consciência e os processos físicos no sistema biológico
cerebral. Caso contrário, não teremos a falseabilidade da teoria. Para
Popper, ela não seria, então, científica.
Introdução ao Problema da Inteligência Artificial e da Mente 89

Monismo Dualismo

↓ ↓ ↓ ↓
Idealismo Materialismo Substância Propriedade

↓ ↓
Behaviorismo Fisicalismo

↓ ↓
funcionalismo

Figura 1 – Filosofia da Mente

As previsões tecnológicas
sobre inteligência artificial
As abordagens que vimos mostram outro lado da questão além das ousa-
das conjeturas de Penrose. Mas é no terreno da inteligência artificial que a
polêmica se acirra, sobre, na prática da tecnologia, um computador ou um
robô virem a possuir consciência. O debate é exaltado e as prospectivas
são, no mínimo, estranhas.
Poderíamos aqui conjeturar que, empiricamente, poderão ser verifica-
das uma das situações:
1) um computador jamais poderá adquirir consciência.
2) se isso for possível, poderá ocorrer na prática uma das três
hipóteses:
a) o nível mental estará muito abaixo do humano, a despei-
to da alta eficiência na computação algorítmica do robô;
b) terá um nível mental à semelhança do humano;
c) seu nível mental será superior.
90 A Transdisciplinaridade da Consciência

Analisemos as possibilidades de ocorrer empiricamente a inteligência


artificial genuína negada teoricamente por Penrose (1989, 1994):
– Caso 2a: Teríamos computadores e robôs conscientes rápidos em cál-
culos e rotinas algorítmicas, mas pouco inteligentes em outros aspec-
tos típicos da mente humana, tais como criar coisas novas ou ter um
comportamento psicológico humanizado. Seriam como cães com alta
capacidade de cálculo ou de resolver certos problemas específicos.
Neste caso, os robôs seriam subordinados aos seres humanos, como
escravos ou animais domesticados. O problema seria o direito civil
deles, hipótese, aliás, aventada por Penrose (1994).
– Caso 2b: Teríamos reais competidores do homem, de igual para igual.
No espírito da ideologia neoliberal, deveria haver a competição entre
robôs e seres humanos na base do custo-benefício e retorno do capi-
tal na atividade econômica.
– Caso 2c: Seríamos certamente vencidos e superados por uma inteli-
gência superior de seres que, podendo se reproduzir por conta própria,
tomariam nosso lugar na Terra. Poderíamos, no limite, ser eliminados
pela seleção natural, extrapolada para o mundo não vivo no sentido
da vida tradicional que conhecemos, ou melhor, para o mundo com
vida artificial inteligente. Ou seríamos domesticados e submetidos tal
como fazemos com os animais. Seria pior que o 1984, de Orwell.
Mas esse cenário catastrófico, propositalmente provocativo, pode ser
um exagero da imaginação criativa da nossa mente. Brody (1993) é, ao con-
trário, otimista. Admite que temos em mente a imagem das máquinas ti-
rando empregos de trabalhadores, que ficam sem meios de subsistência
para suas famílias, como ocorre com o processo de automação hoje. Po-
rém, acredita que nada obriga que essa situação aconteça. Dependerá dos
homens que construirão os robôs e os educarão tal como as crianças e os
jovens. Assim, os robôs poderiam adquirir uma ética humana.
Aqui é inevitável politizarmos a questão. Interesses individualistas no
capitalismo ou ideologias autoritárias têm feito grupos dominantes nas
sociedades manejar, através de educação e treinamento, a mente de geren-
tes, capatazes, tecnocratas, policiais ou militares, conforme o caso, para
controlar e dominar desde empregados nas empresas ou grupos sociais
até populações inteiras. São treinados para isso e assumem a ideologia do
dominador. Nada impede de ocorrer o mesmo com robôs conscientes hu-
manoides. Eles poderiam ser preparados contra seres humanos ou grupos
sociais. Seria um Robocop dos filmes norte-americanos às avessas. Embo-
Introdução ao Problema da Inteligência Artificial e da Mente 91

ra a literatura de ficção científica vulgar seja, na maioria das vezes, um des-


propósito, houve casos notáveis em que foi mais preditiva das realizações
tecnológicas do que a futurologia pseudocientífica. Foi o caso de Francis
Bacon (Nova Atlântida) e de Julio Verne. Huxley, em Admirável Mundo Novo,
imaginou estoques de sêmens geneticamente selecionados e usados de
acordo com um planejamento, de modo que os bebês seriam gestados para
serem, a priori, cientistas, técnicos, burocratas, operários. Seria mais fácil
fazer isso com chips dedicados em robôs humanoides. Tais especulações
não científicas sobre as consequências da ciência têm a ver com a ética e a
política científica e tecnológica.
Casti (1994), que já citamos, critica a posição de Penrose contra a Inte-
ligência Artificial Forte por ter servido de alento a “inimigos dos compu-
tadores”. Casti eloquentemente os chama de “computerphobes” e de “ti-
pos anti-inteligência artificial”. Narra experimentos recentes com o Teste
de Turing, para uma pessoa distinguir um computador de outras pessoas
comunicando-se com eles sem saber qual interlocutor é o computador.
Alguns resultados foram surpreendentes: muitas vezes o computador é
confundido com as pessoas. Os defensores da Inteligência Artificial Forte
tomam isso como uma evidência empírica contra a idealização de Sear-
le do Quarto Chinês. Seus argumentos são análogos aos de Searle e de
Brody, que já vimos, contestando o argumento central de Penrose de que
a mente não pode ser simulada em um computador devido ao Teorema
de Gödel. Alinha-o, no entanto, como o mais influente argumento contra
a Inteligência Artificial Forte. Levantado por John Lucas, tem sido rebati-
do de várias maneiras pelos adeptos da inteligência artificial. Uma delas:
a demonstração de Gödel parte de certas hipóteses, como, por exemplo, a
de que o sistema formal seja consistente, mas a mente humana não, pois
o comportamento humano está longe de ser consistente. Logo, o teorema
de Gödel não se aplica à mente, mas a sistemas formais. Entretanto, deve-
mos aqui observar que, afinal, os sistemas formais, a lógica, a matemática,
os algoritmos, os programas, os computadores, tudo é produto da mente
humana. O teorema de Gödel diz apenas que há resultados da matemática
que a mente humana obtém e que não podem ser obtidos por um sistema
formalizado, baseado na lógica, por um algoritmo. Só e basta.
Mais interessante é a citação de uma afirmação de Gödel: “perma-
nece possível (após seu teorema) que possa existir e que seja empirica-
mente descoberta uma máquina que tenha de fato intuição matemática
equivalente ao cérebro humano, mas não poderá ser provado que ela
92 A Transdisciplinaridade da Consciência

assim seja nem que os teoremas por ela obtidos sejam sempre corre-
tos...” (CASTI, 1994). Casti vê nessa afirmação de Gödel a possibilidade
de se chegar evolutivamente a um computador que simule o cérebro,
não desenhado racionalmente para isso. Toma partido então da corren-
te pró-inteligência artificial bottom-up ou conexionista (computadores
aprendem com redes neuronais, por exemplo) em confronto com os
pró-top-down ou simbolistas. Contra estes últimos, cita a argumentação
de que não se pode programar um computador para dirigir um carro,
como faz o ser humano. Mas acredita que talvez se possa ensiná-lo
usando redes neuronais.
Há algumas características do cérebro sobre as quais nos referimos que
o diferencia dos computadores, dificultando simulá-lo:
• Processadores: os neurônios, em número de bilhões, funcio-
nam cada um como um simples processador do tipo chave
on-off.
• Paralelismo maciço: cada neurônio liga-se a um grande número
de neurônios, em contraste com o reduzido número de ligações
em um computador paralelo.
• Não programado: em contraste com os computadores que se-
guem instruções rígidas dadas a priori mesmo na computação
bottom-up.
• Adaptável: possui uma plasticidade que muda fisicamente sua
estrutura pelo ajuste das sinapses, enquanto o hardware de um
computador é fixo.
A favor da possibilidade de se chegar um dia a simular o cérebro, Casti
cita o programa que simula a evolução natural de Darwin, de forma a, com
algumas regras (de tipo do autômata celular, mais sofisticado), fazer emer-
gir no computador uma diversidade complexa imprevisível. Afirma, então,
que a competição pela vida não se restringe a seres baseados em moléculas
com cadeias de átomos de carbono, lembrando as especulações de Moravec
(1993) vistas na introdução. Os postulados para haver vida artificial, segun-
do os estudos do Instituto de Santa Fé, são:
1) Uma máquina de Turing pode simular qualquer processo
físico.
2) A vida é um processo físico.
3) Há um critério pelo qual posso distinguir sistemas vivos e não
vivos.
Introdução ao Problema da Inteligência Artificial e da Mente 93

4) U
 m organismo vivo artificial deve perceber uma realidade R’
que, para ele, é tão real quanto é real para nós (humanos) a reali-
dade R que nós percebemos.
5) As realidades R e R’ possuem o mesmo status filosoficamente.
6) Podemos aprender sobre R estudando diferentes R’s.
Críticas fortes têm sido formuladas a algumas das ousadas teorizações
desenvolvidas no Instituto de Santa Fé (Hogan, 1997), como a extrapolação
do conceito de vida.
Mas o especialista em robótica que citamos no início, Moravec (1993),
no livro MindChidren: The Future of Robot and Human Inteligence, traduzido
em espanhol com o título El Hombre Mecánico, escreve: “Tenho absoluta
segurança de que os robôs com inteligência humana serão algo corrente
dentro de 50 anos.” Com base em Moravec (1993), construímos a tabe-
la 2, que tem a ver com a esquematização de Popper que mostramos na
introdução. Devemos examinar criticamente essa visão de Moravec. Para
ele, “nossos genes biológicos, e os corpos de carne e osso por eles criados,
terão um papel cada vez menos importante...” mas “nossas mentes, de onde
nasceu a cultura” poderão não se perder. Pois “a revolução pode liberar
(do corpo) a mente humana com a mesma eficácia que liberou (da mente)
a cultura humana... somos híbridos incômodos entre a biologia e a cul-
tura” e muitas de nossas características biológicas “ficaram atrasadas com
respeito às criações da nossa mente”. Podemos dizer que Moravec espera
que os mundos 1, 2 e 3 enumerados por Popper se tornem independentes
entre si. Lembra o histórico Manifesto Comunista de Marx transposto aos
robôs ao postular “o pensamento humano liberado da escravidão do corpo
mortal” em um mundo “pós-biológico dominado por máquinas pensantes”.
Especulando sobre o futuro desses nossos descendentes, considera que,
no universo em expansão, a temperatura decrescerá continuamente, mas
a energia para enviar um sinal decrescerá com a temperatura, permitindo
elaborar mais pensamento com menor energia, rumo à imortalidade, como
o físico Freeman Dyson (1988) imaginara.
Predomina entre os especialistas em inteligência artificial e robótica
uma crença de que darão consciência aos computadores. Professam, nesse
caso, um pragmatismo empírico. Afirmam que a prática demonstrará se
isso é ou não possível. Mas há um equívoco em negar qualquer tentati-
va teórica de provar a priori que as máquinas jamais poderão chegar a ter
consciência. A argumentação baseia-se em ser impossível provar que algo
não venha a existir jamais, pois sempre poderá haver um contraexemplo
94 A Transdisciplinaridade da Consciência

e existir no futuro (Kaku, 1999). Esse argumento nega qualquer lugar à


teoria, que é a base da ciência. Logo, é anticientífico. Relaciona-se ao velho
problema de Hume.
Sem teoria não existe ciência, e a falseabilidade das teorias é, para Pop-
per, inerente à ciência. O que a ciência faz é excluir possibilidades, proibin-
do teoricamente tudo que for incompatível com as leis naturais, até que se
prove o contrário.

Tabela 2 – Da Emergência da Inteligência Humana à Artificial

Tempo (anos) Antecedentes e/ou Consequentes

animais evolução genética → capacidade de aprender →


100 milhões
origem da consciência (mundo 2 de Popper)

primatas → liberação das mãos, oposição do polegar ao


10 milhões
dedo e ferramentas potencializam o corpo no meio ambiente

homem → aparecimento da linguagem e desenvolvimento


1 milhão
da inteligência (mente), na evolução genética

culturas → evolução cultural devido à inteligência criativa se


100 mil
soma à evolução genética (mundo 3 de Popper)

civilizações → revolução agrícola com geração de excedente


10 mil
viabiliza as civilizações e a revolução cultural

imprensa → permite armazenar e transmitir mais informações


1 mil
nos livros e viabiliza a revolução científica

máquinas → revolução industrial potencializa o homem com


200
máquinas usando várias formas de energia

calculadoras mecânicas → duplicaram a capacidade


100 da mente humana em cálculos aritméticos extenuantes
(algoritmos)

computadores eletrônicos → multiplicam sua capacidade em


50
tarefas programáveis e manejo de informações

Inteligência Artificial Forte → simulará o cérebro e dará


- / + 50 consciência e mente aos computadores, viabilizando robôs
humanoides?
Introdução ao Problema da Inteligência Artificial e da Mente 95

Um bom exemplo é a Segunda Lei da Termodinâmica: ela proíbe a exis-


tência de uma máquina térmica que não rejeite calor para o ambiente, bem
como a transferência de calor espontânea do frio para o quente. Como con-
sequência, o teorema de Carnot estabelece limites de eficiência para a con-
versão de calor em trabalho nas máquinas térmicas. Embora alguém possa
buscar experimentalmente fazer uma máquina com eficiência maior que a
de Carnot ou ainda buscar o moto-perpétuo, isso é teoricamente impossível
e tem se revelado impossível também na prática, tanto quanto, ao colocar
gelo na água quente, esfriar o gelo e esquentar a água. Nada impede, entre-
tanto, que, sob condições ainda não concretizadas na prática experimental,
algo estranho venha a ser descoberto, falseando essas previsões teóricas. Na
emissão de radiação térmica de um corpo negro, a termodinâmica clássica
foi falseada quanto à variação contínua da energia, substituída pela discreti-
zação introduzida por Planck, dando origem à mecânica quântica com seus
estranhos resultados ou mistérios, em confronto com os mistérios da mente.
Chomsky classifica tudo que ignoramos e tentamos compreender em
duas categorias: problemas e mistérios (PINKER, 1997). No primeiro caso,
pelo menos, achamos que sabemos por onde começar para termos um co-
nhecimento crescente. Mas no segundo, não. De acordo com Pinker, no
estudo da mente, os mistérios começam a virar problemas. Penrose reduz
o mistério da mente aos mistérios da física quântica.
Além de Penrose, outros físicos com experiência em áreas avançadas,
como a física das partículas e a teoria quântica dos campos ou a teoria da
relatividade, têm se interessado pelo problema do cérebro. Um deles, Vi-
rassoros, físico argentino que foi diretor do Centro Internacional de Física
Teórica, em Trieste, na Itália, acreditava que o cérebro não é uma máquina
de Turing e não se reduz à computação (KAKU, 1997). Nesse aspecto, con-
corda com Penrose.

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Consciência no “Conceito” de Vortex
Nelson Job*

Tomo o maior cuidado de não entendê-lo.


Sendo impossível entendê-lo,
sei que se eu o entender é porque estou errando.
Clarice Lispector

A Consciência é um tema por demais abordado tanto no âmbito das teorias


da mente nas filosofias ocidental como oriental, na psicologia etc. No en-
tanto, pouco se desenvolveu de fato acerca desse assunto nos últimos sécu-
los. Vamos mostrar, de maneira geral, o problema de como a Consciência é
abordada para desenvolver uma definição que consideramos mais precisa a
partir do nosso conceito de vortex. Neste artigo, o problema da Consciência
nos remeterá a uma crítica da noção de “dualismo”, que, por sua vez, nos re-
meterá ao nosso conceito de vortex enquanto solução para esse problema,
para finalmente aplicá-lo no conceito de Consciência.
O problema do conceito de Consciência é inerente à forma de pensar no
Ocidente. Desdobrando a precisão da frase: de forma geral, apenas o “Oci-
dente” separa o mundo entre Ocidente e Oriente. O pensamento orien-
tal tende a ser mais contínuo e menos dualista (CHENG, 2008). E o que
é “pensar”? Esse Ocidente inventado separa o pensar do viver, o que é um
desdobramento do problema anterior. Esse “pensar” separado é “pensado”
através de “formas”; em outras palavras, existem tipologias do/no pensa-
mento. Por exemplo: pensar matematicamente é uma “forma” de pensar,
já pensar poeticamente é outra. Tais abordagens são extremamente sepa-
ratistas – a saber: espacial e cultural (ex: Ocidente e Oriente), taxonômica
(formas de pensar) e dualista (pensar e viver).
Os problemas acima elencados podem, de forma genérica, ser localiza-
dos na história do pensamento, que vamos resumir em seguida:
1

* 
Nelson Job é atrator dos transaberes, autor do livro A ontologia onírica (2013), doutor pela UFRJ e psicólogo.
100 A Transdisciplinaridade da Consciência

• O pensamento ocidental é deturpado por uma História patriar-


calista alucinando o fato de que a Grécia criou a filosofia cerca
de 600 a.C., sendo que a China e o Egito – para citar apenas
dois países proeminentes – já desenvolviam um saber filosófi-
co muitos séculos antes. (NUNES CARREIRA, 1994)
• A taxonomia – a obsessão em organizar as entidades do mundo
em rótulos reducionistas – começou a se tornar uma espécie de
vício no “Ocidente” através da filosofia aristotélica a partir de
cerca de 400 a.C. (BERGSON, 2005b)
• A separação entre pensar e viver é difícil de ser localizada com
precisão na História; no entanto, podemos vislumbrar um pla-
tô na filosofia platônica, com os conceitos de Mundo das Ideias
(intangível, eterno e imutável) e Simulacro (sensível e imperma-
nente), cerca de 400 a.C. (BERGSON, 2005b). Essa separação
continuou se sofisticando, tendo como apogeu a filosofia car-
tesiana (século XVII), colocando mente e corpo enquanto Na-
turezas diferentes, e, na kantiana (século XIX), montando uma
ontologia em que, grosso modo, a mente é incapaz de possuir
acesso à realidade. Com todos esses dualismos e separações, o
homem foi gradualmente criando uma ilusão de que era desta-
cado do cosmos.
Os saberes percorreram o mundo imbricando-se uns nos outros. Assim
como é impreciso dizer que há um povo “puro”, dado as migrações e misci-
genações milenares dos povos, é também impreciso afirmar a existência de
uma “cultura” pura, posto que, do ponto de vista ontológico, ela é imanente à
Natureza, e, do ponto de vista histórico, os saberes já se misturavam a partir
das trocas comerciais entre as civilizações (MCEVILLEY, 2002). Por isso,
Ocidente e Oriente aparecem aqui de forma problematizada. A ética que ha-
bitamos produz desdobramentos mais alegres que tais nomenclaturas sepa-
ratistas. O cosmos-vortex que desenvolveremos neste artigo produz conceitos
mais selvagens que evitam demarcações, muito menos as definitivas.
Apreendendo esse problema, vamos nos inteirar de outra abordagem,
que dispense o dualismo, o separatismo e a taxonomia.
Em um âmbito pré-civilizacional e até mesmo pré-imagético, uma
pergunta foi sendo feita: “Quem sou eu?” Essa pergunta voltada para o
exterior, ou seja, “olhando para fora”, gerou toda a complicação que elen-
camos anteriormente, pois esse “eu” foi sendo separado do cosmos. A
Emergências no Inominável: os Aspectos Imanentes à Consciência no “Conceito” de Vortex 101

pergunta respondida voltada para o interior, “olhando para dentro”, ge-


rou uma série de sabedorias, que podemos perceber, no dito “Ocidente”,
no estoicismo e no que se seguiu dele; e, no dito “Oriente”, em filosofias
indianas, como o hinduísmo e o budismo (YOSHIRI, 2006), na China,
no taoísmo (JULLIEN, 2000), no Egito (NUNES CARREIRA, 1994) etc.
Nomeamos aqui de sabedoria, pois seria diferente de um pensar ou conhe-
cimento, no sentido de que os últimos desconectam a vida da experiên-
cia, e a sabedoria, com outra operação, apreende cosmos e ser humano
enquanto um contínuo. É preciso acrescentar que no dito Oriente tam-
bém existem filosofias dualistas, que separam deus/universo do homem,
como as tradições devocionais, mas, no fim de um processo, até mesmo
elas tendem a unificar sua “ontologia”.
Em relação à questão de “olhar” para dentro ou fora, cabe uma adver-
tência: na conceituação que faremos acerca do vortex, evitaremos qual-
quer predominância de determinado sentido. O vortex se manifesta e é
percebido das mais diferentes formas. Estamos aqui de acordo com o que
David Howes (2009) critica em seus senses studies: a cultura europeia tende
a se pautar por demais pela visão. O que ele propõe como “sexto sentido”
seria o sentido “estendido” ou, mais amplamente, o sentido sem órgão. O
deslizamento metonímico e ontológico nos remete ao Corpo sem Órgãos
(CsO), como definem Deleuze e Guattari (1996): um corpo sem organismo,
ou seja, sem a determinação de um saber médico ou biopoder, que engessa
aprioristicamente as possibilidades sensórias do corpo. Estamos falando
do corpo do xamã, do dançarino, do médium, do surfista, do iogue, das par-
tículas elementares em estados quânticos, dos agenciamentos abelha-flor
etc. Nesse sentido, o vortex cria o CsO. Tanto o sexto sentido de Howes
como o CsO de Deleuze e Guattari ressoam com o que, ao longo deste
texto, apreendemos enquanto intuição.
Essas duas formas genéricas de responder à pergunta “Quem sou eu?”,
tanto no âmbito exterior como no interior, geraram seus respectivos pro-
cessos civilizatórios, com todas as suas respectivas formações de imagens,
sejam elas amplas como podem: visuais, linguísticas, auditivas, cinestési-
cas etc. Hoje em dia, o processo civilizatório “ocidental” possui uma vora-
cidade imensa, ainda que haja resistências.
Em termos muito genéricos, se formos resumir como essas sabedo-
rias “orientais” conceituam a Consciência, podemos fazê-lo da seguin-
te forma: a Consciência é preeexistente e gerou o cosmos. O cosmos é
Consciência em seu aspecto mais denso. Cabe ao ser humano sair de sua
102 A Transdisciplinaridade da Consciência

ignorância e adquirir a sabedoria, a entender: ele é inerente ao cosmos e,


em um sentido mais profundo, à Consciência. O que nomeamos como
“mente” (ou “consciência” com “c” minúsculo) seria apenas o aspecto re-
flexivo do ser humano. Essa consciência é a instância em que se criam
narrativas acerca das emoções, onde surgem os conceitos “sobre” algo. A
tragédia humana seria colocar a mente como “senhora”, o exercício seria
torná-la “serva” (da Consciência). Em outras palavras: viver a vida tendo a
mente como seu “filtro” torna a pessoa um “sujeito” separado do cosmos,
mediado pela mente. De outra forma, se a mente é “colocada ao lado”,
apenas como uma função específica, como, por exemplo, ser usada para
escutar o nome da pessoa e fazê-la responder, atravessar a rua sem risco
etc., estaríamos mais próximos do que chamamos aqui de sabedoria. Para
a apreensão de nossa Natureza cósmica, é necessário nos instalarmos di-
retamente na Consciência, sem o intermédio da mente. Uma concepção
“ocidental” do funcionamento da mente em intensa ressonância com essa
que acabamos de referir, a “oriental”, seria a obra de Baruch Spinoza, no
século XVII (OM; JOB, 2017).
Isso posto, o que seria o melhor de dois mundos? Como os desdobramentos
“ocidentais” (filosofia, ciência, arte etc.) se amalgamariam à filosofia “orien-
tal” para compor uma forma unificada – ainda que eivada de multiplicidade
– e, por fim, como isso poderia nos ajudar rumo a uma apreensão ampla e
precisa do que é a Consciência?
É nesse veio que emerge o que cunhamos como vortex (JOB, 2013).
O vortex é pré-imagético e pré-linguistíco, no sentido em que Deleuze
e Guattari (1992) afirmam ser pré-filosófico o plano de imanência. O que
conceituamos acerca dele já é um desdobramento, ou seja, o conceito de
vortex é um trampolim imanente ao vortex “em si”. O vortex é dina-
mismo. Nesse ponto, há uma diferença em relação a muitas das sabedorias
“orientais” (bem como muitas filosofias “ocidentais”) quando estas postu-
lam um imutável que gera todos os mutáveis. A partir do vortex, quando
se entende algo como “imutável”, apreende-se como um vortex quase ima-
terial, muito pouco denso, muitíssimo lento, ou seja, o vortex desconhece,
a princípio, a imutabilidade. Se separarmos a ontologia entre imutável e
mutável, cairemos em um dualismo. Por exemplo, no Yogasutra (GUIMINI,
2017), considerado o mais antigo tratado de ioga da Índia, a mente é enten-
dida como vortex. Por outro lado, apreendemos aqui que a mente é apenas
um aspecto do vortex (em geral, é verdade, quando a sabedoria é ausente, a
mente tende a um comportamento excessivamente turbilhonar), sendo que
Emergências no Inominável: os Aspectos Imanentes à Consciência no “Conceito” de Vortex 103

o processo desejado é apreender o vortex sem qualquer limite, em uma


escala muito ampla.
Todas as atribuições de imutabilidade são oriundas da confusão entre
“lentidão” – ou melhor, infinitas gradações de velocidade – e imutabilidade. O
vortex pode ser muitíssimo lento dependendo da referência, o que é dife-
rente de ser imóvel e imutável.
O que apreendemos ao adquirirmos sensibilidade ao vortex são infinitas
gradações de intensidades, de densidade, de velocidade ou o que quer que seja.
O vortex impede até mesmo uma ontologia “pura”. Se separarmos ontologia
de epistemologia, temos, mais uma vez, um dualismo. O vortex evoca uma
epistemontologia, deixando de fazer sentido o “ser” enquanto separado do co-
nhecimento. Evocamos aqui o conceito de devir (a mudança, sobretudo no
sentido de Bergson [2006]), ainda que instável, para afirmar, para além do
“conhecimento”, a sabedoria enquanto intuição, pois nela está imanente o de-
vir, que, por sua vez, substitui o “ser”, já que este evocaria desnecessariamen-
te uma essência e um imutável. Em outras palavras: ao invés do lugar-co-
mum pré-socrático “ser é pensar”, com o vortex, evocamos um devir-intuição.
Apreendemos aqui o vortex em devir enquanto instabilidade “epistemonto-
lógica”, no sentido de que é uma mudança que muda até no próprio ato de mudar.
Dessa forma, até mesmo o vortex pode deixar de ser vortex.
O vortex é uma relação de relações, ou seja, todo termo de relação já é
em si uma relação, e assim por diante (WHITEHEAD, 1978). O vortex é uma
auto-organização1 de forças em torno de um atrator descentrado e móvel.
Algum centro pode se instalar, mas é provisório: o vortex como nós apreen-
demos tende a ser excêntrico. É formado por vortexes e forma vortexes, ou
seja, possui autossimilaridade, no sentido de uma fractalidade2 (GLEICK,
1989), ainda que instável, sem se reduzir a uma equação ou a qualquer tipo
de representação. A relação entre vortexes é, também, vortex, no sentido de
que um vortex se estende a outro: inexiste um limite definido entre um vor-
tex e outro. Os vortexes são contínuos entre si: no melhor sentido das linhas
de Tim Ingold (2015), os vortexes se estendem ao longo deles, formando uma
malha contínua, imanente, que é, também, vortex.

1 
Como auto-organização, o apreendemos enquanto uma organização que prescinde de qualquer agente externo, cuja
organização emerge das relações de seus próprios componentes.
2 
Os fractais, oriundos da Teoria do Caos na segunda metade do século XX, foram descobertos por Benoit Mandel-
brot ao identificar padrões de ruídos nas informações transmitidas entre ligações telefônicas. Ao passar esses padrões
para um gráfico, construiu-se imagens autossimilares, no sentido de que pequenas figuras eram semelhantes à figura
completa formada. Os fractais são identificados na Natureza, como nas samambaias, nas encostas das praias e nos
cristais de neve.
104 A Transdisciplinaridade da Consciência

Acerca da instabilidade do vortex, é preciso apreender o devir enquanto


vortex. Diferente da história do “pensamento ocidental”, que limita o devir
a uma imanência, pode-se gerar uma mudança muito radical no devir, que,
a partir dele, emerja um inominável bastante intenso, fazendo-se impul-
sionar para além da imanência, sem que recaia nas transcendências tradi-
cionais da filosofia e vá para além dele mesmo, além da Natureza. Quando
evocamos uma instabilidade no vortex, estamos apreendendo que ele pos-
sui, em sua potência, um além-vortex, ou seja, pode deixar de devir vortex.
Toda a nossa conceituação percorre esse processo, mas tem como limite,
ainda que deslocável – pois todo processo faz emergir novas intuições –,
esse além-vortex, que é além-Natureza, no bojo do próprio vortex, ou seja,
ele é epistemontologicamente instável.
Como os saberes se relacionam com o vortex? É preciso apreender que
o vortex é um conceito a partir de um pré-conceitual, pré-filosófico, como
mencionado anteriormente. O conceito de vortex já é uma certa domesti-
cação linguística, cognitiva etc. de algo com certos limites de apreensão
pelos sentidos e pelos saberes, salvo a intuição. No entanto, os saberes pos-
suem vislumbres do vortex. A saber:
• A filosofia explica3 o vortex a partir de conceitos. Ela elege linhas
de força do vortex e, a partir delas, tece conceitos.
• A ciência explora o vortex. Ela mede, computa e modela aspectos
do vortex.
• A arte emoldura o vortex. Ela contextualiza aspectos do vortex e
o torna visível. O movimento artístico europeu chamado Vor-
texismo do início do século XX – inspirado, entre outros, pela
filosofia de Bergson e pela anarquia de Max Stirner –, chegava
bem próximo ao nosso conceito de vortex, menos nas obras e
mais em seus manifestos (LEWIS, 2006; POUND, 2017), ain-
da que esteja limitando seu vortex à disciplina “arte”. Porém,
o vortex seria mais intensamente explícito posteriormente,
na obra de Van Gogh. Muitas de suas pinturas evidenciam o
vortex a partir de imagens que, em geral, na tentativa falha
de representar, estão domesticadas. Um anoitecer, até mes-
mo uma cadeira, que numa percepção domesticada parecem
ser inanimados, com Van Gogh, sua extensão artística mostra

3 
No tocante à relação do vortex com a filosofia, a ciência e a arte, estamos nos inspirando nas caoides de Deleuze e
Guattari (1992).
Emergências no Inominável: os Aspectos Imanentes à Consciência no “Conceito” de Vortex 105

toda a exuberância e a vitalidade do vortex. Outra ressonância


com nosso vortex seria a leitura epicicloidal de Borges e Müller
(2017), que, a partir desse conceito do protomodernista Arari-
pe Júnior, evidenciam um movimento concêntrico e excêntri-
co, promovendo um intercâmbio espiralado temporal e espa-
cial entre margem e centro, presentes, segundo os autores, na
obra cinematográfica de Godard, na pintura de Francis Picabia
etc. Também estamos muito próximos do vortex da historia-
dora e crítica de arte alemã Doris von Drathen (2004), que usa
o silêncio no centro do vortex para propor outra compreensão
da arte, substituindo a estética pela ética, ou seja, estabelecendo a
arte enquanto evento metafísico, gerando o que ela nomeia como
Iconologia Ética. Particularmente quando a autora evidencia as
ressonâncias propostas pela obra da artista iraniana Shirazeh
Houshiary, que se inspira na poesia de Rumi, realizando uma
“filosofia visual”, como também nas obras de Anish Kapoor.
Nós enfatizaríamos duas obras do artista indiano: Ascension,
de 2003, e Descension, de 2014 (KAPOOR, 2017). Nesses dois
artistas contemporâneos, emerge de forma mais explícita a pe-
culiaridade da arte ao evidenciar o vortex. O problema tanto da
leitura epicicloidal como do vortex conceituado por Drathen é
uma inevitabilidade do centro do vortex, que, no caso do vor-
tex que apreendemos aqui, seu centro é apenas circunstancial.
• A espiritualidade modula o vortex: tanto na meditação como em
estados vibracionais (TRIVELATTO, 2015) do parapsiquismo,
na conjuração etc. A bruxaria medieval conjurava na Nature-
za (CLARK, 2006) enquanto vortex, mas precisou que Spinoza
(2008) inserisse a Ética na apreensão da Natureza, ainda que
ele instalasse ali um imutável. Seria necessário Bergson (2006),
dois séculos depois, para deixar a Natureza livre de qualquer
imutável. No âmbito cósmico do vortex, a espiritualidade se ma-
nifesta sobretudo na obra de J. J. Hurtak (2012). Em todos esses
processos, há níveis variados de intensidades nessa modulação
do vortex.
• A ética potencializa o vortex, no sentido de Spinoza (2008), em
que alegria é bom encontro, aumento de potência, liberdade,
beatitude e, por outro lado, a tristeza é mau encontro, dimi-
nuição de potência, servidão. A otimização desse aumento de
106 A Transdisciplinaridade da Consciência

potência envolve liberdade e amor. O amor que emerge ao


longo de um ou mais vortexes envolve certo aumento de po-
tência, no entanto, o amor que é a soma do “todo” (em aberto,
posto o dinamismo e o devir que impedem um todo estático)
dos vortexes é o amor em sua plenitude, potência máxima
(aberta), e isso ressoa com o que nas sabedorias é chamado
de Consciência.
Alguns conceitos principais de disciplinas-chave do conhecimento res-
valam no vortex. No entanto, como verificaremos a seguir, são meramente
funcionais.
• Os conceitos de força e energia são conceitos vazios (JAMMER,
2011), axiomas de onde a física parte para desenvolver suas fun-
ções. Em nenhum momento a física explica ontologicamente o
que é força, mas, a despeito disso, desenvolve várias teorias a
partir do conceito apenas funcional de força.
• O conceito de vida, mesmo em suas acepções mais vanguardis-
tas (MATURANA, 2000), ainda possui conceito funcional, re-
lacionando o vivente com os processos de autopoiesis ou auto-
-organização. Qualquer vortex é vivo, posto que é dinâmico, no
entanto, relações de mais e mais vortexes os deixam mais com-
plexos, podendo intensificar seu dinamismo. Nesse sentido, uma
pedra é viva, pois é dinâmica e se relaciona com o ambiente; por
exemplo, ela esquenta se exposta ao sol. No nível de partículas
elementares, a Mecânica Quântica evidencia quão turbilhonar
é a constituição da pedra ou quaisquer corpos. Os organismos
das plantas, animais e humanos, a Terra enquanto Gaia (LOVE-
LOCK, 1991), possuem níveis crescentes de complexidade que
se estendem ao cosmos.
• O conceito de deus na teologia. Apenas parte-se de um axio-
ma de deus para gerar dogmas, regras morais cujas articula-
ções com determinada cultura geram uma determinada re-
ligião. Mas um conceito de deus em si permanece enquanto
indefinido.
• O conceito de mente na psicologia. O assim chamado “estudo
da mente” recorta o “objeto mente” de sua imanência, trans-
formando-o em algo separado de um suposto “sujeito”, como
se existisse uma mente “solta” vagando por aí. A psicologia
Emergências no Inominável: os Aspectos Imanentes à Consciência no “Conceito” de Vortex 107

constitui-se de modelos psíquicos diferentes baseados nas


experiências sobretudo pessoais de cada autor, partindo do
axioma da “mente”, que é, quando muito, explicado de forma
insuficiente, seja ele oriundo do cognitivismo, da psicanálise
etc. Em nosso conceito de vortex, a mente é imanente aos
corpos: todo vortex possui atividade mental, e, assim como
no conceito de vida citado no item anterior, em graus va-
riados de complexidade. Leibniz (1983), filósofo alemão do
século XVII, dizia que toda mônada, que é um espelho vivo e
perpétuo do universo, possui enteléquia, ou seja, uma proto-
-mente. Com a Monadologia, Leibniz criava um sistema de
pampsiquismo, ou seja, o mental como imanente ao cosmos.
Estamos próximos a isso, porém, diferenciamos o vortex da
mônada, pois o interior da mônada não possui contato direto
com o exterior. Mesmo nas versões posteriores com “janelas”
(TARDE, 2003) e com “dois andares” que combinam os ante-
riores (DELEUZE, 2000), a mônada carece de permeabilidade,
ou seja, possui contato direto; mas, para além da “janela”, ela
é impermeável ao exterior e indestrutível. O vortex possui
níveis de permeabilidade. Meu corpo, por exemplo, passa
pelo ar, mas (até então) é impedido de avançar pela parede. A
água passa por ele, mas parte dela o penetra. E assim seguem
os níveis de permeabilidade, chegando a valores ínfimos, em
qualquer dimensão do vortex, sendo que vortexes diferentes
possuem diferentes níveis de permeabilidade, cujas compo-
sições geram níveis irregulares de permeabilidade. Se a mô-
nada, apesar de estar em devir, é indestrutível, o vortex, por
sua vez, é instável. De todo modo, tanto a mônada na filosofia
como os fractais na ciência são ressonâncias das relações au-
tossimilares do vortex, relacionando cada um ao seu modo, o
micro e o macrocosmos.
Propomos, assim, que energia, força, vida, deus e mente, oriundos de
suas próprias disciplinas, tangenciam mas deixam de apreender o vortex,
que é pré-disciplinar ou “indisciplinar”, como diria Tim Ingold (2015a). A
partir do vortex, deixa de ter sentido apostar em disciplinas, pois o vortex
constitui transaberes, no sentido de que todo saber é relacional e vital, está
na vida e nunca é sobre a vida. Deixamos então de falar de “transdisciplina-
ridades”, pois as disciplinas e seus atravessamentos perderam o interesse
108 A Transdisciplinaridade da Consciência

ao negligenciarem o vortex. Mesmo na mecânica dos fluidos, de onde o


conceito ainda frágil ganhou evidência, apenas ocorre um vislumbre de
um ínfimo aspecto da epistemontologia do vortex.
A partir de agora, os fazedores se tornam, antes de mais nada, vor-
texeadores. Perdem relevância uma filosofia, uma física, uma biolo-
gia “puras”, no sentido de que todas evocam indiretamente o vortex;
apreendendo-o diretamente, nos tornamos vortexadores. Claro que um
vortexeador com inclinações para evidenciar as relações ao longo das
cores, por exemplo, passa por algo ressoante com o que se chamava
“arte”, um vortexeador com inclinações clínicas passa por algo que res-
soa com a “medicina”, ou seja: existem afinidades, mas é preciso, de
saída, levar o vortex em conta.
Agora estamos aptos a tratar, de fato, do problema da Consciência.
Comecemos com o termo “Consciência”. Ora, ele implica em outro,
“inconsciência” ou, mais canonicamente, “inconsciente”. À luz do vortex,
esse dualismo deixa de fazer sentido. O dualismo consciência/incons-
ciente faz parte da já conturbada psicologia que, como vimos, nasce dua-
lista. O que ocorre é que há um contínuo gradual de consciência, ou seja,
a Consciência vai se evidenciando à medida que estamos, de fato, apreen-
dendo com mais intensidade a totalidade aberta. Posto o dinamismo e o
devir, o todo ou a totalidade absolutos e estáticos se tornam uma impre-
cisão. Falemos, como já apreendemos neste texto, em totalidade aberta.
A totalidade aberta é a Consciência. A totalidade aberta é o cosmos. A
totalidade aberta é a soma de todos os vortexes: vortexes = Consciência
= totalidade aberta, a menos que a instabilidade extremamente selva-
gem emerja.
Mas ainda é preciso deixar claro que o cosmos coexiste com o plano de
imanência, como já escrevemos aqui. O plano de imanência seria uma es-
pécie de “zero positivo” (posto que o zero “absoluto” remeteria a uma trans-
cendência), um “quase nada” que se diferencia do nada no sentido do Tao,
que é um vazio pleno (CHENG, 2008). Nesse plano de imanência, ressoa
o vortex “em si”, pré-conceitual, cujo conceito de vortex é um trampolim
para ele. No entanto, diferente do plano de imanência e do Tao, o vortex é
epistemontologicamente instável.
Sendo assim, desconsideramos o termo “inconsciente”. A Consciência
possui níveis, que vão da Consciência cósmica, passando pelas consciên-
cias em vários níveis infinitos no microcosmos e se estendendo ao macro-
cosmos. O que se entende por “inconsciente” é um nível menos complexo
Emergências no Inominável: os Aspectos Imanentes à Consciência no “Conceito” de Vortex 109

de consciência, sendo que, como vimos, no nível de totalidade aberta, cha-


mamos de Consciência.
Os aspectos ontológicos da Consciência desdobraram-se muito pouco
desde o século XVII. Dado o dualismo cartesiano, Spinoza resolve bem a
questão colocando corpo e mente enquanto imanentes: atributos extensão
e pensamento. No final do século XX, a filosofia da mente teve um boom,
com o surgimento de teorias e modelos com diversas abordagens: da cons-
ciência enquanto emergência (SEARLE, 1997), passando pela consciência
quântica (PENROSE; HAMEROFF, 1996) e chegando até mesmo à negação
da consciência (DENNET, 1998). Foi posta a questão de que, a despeito da
pergunta “O que é a consciência?”, o grande questionamento seria “O que é
a experiência da consciência?” (CHALMERS, 1996).
O grande passo para uma ontologia da consciência já havia sido dado e
deixado de lado por todos os autores mencionados no parágrafo anterior:
a filosofia de Henri Bergson (1999), na virada do século XIX para o XX. O
filósofo francês afirmava, grosso modo, que tudo são imagens, a memória
se guarda no tempo, diferenciando-se do senso comum que afirma que a
memória “se localiza no cérebro”. O cérebro é um agregado especial de
imagens que edita outras imagens, como um sistema de busca, por exem-
plo, o Google, quando este executa a busca de informação na internet. A
memória é uma imagem tênue, e as experiências no sensório-motor são
imagens compactadas, agregadas, sendo que “sujeito” e “objeto”, que nunca
são separados, formam um campo relacional. Uma filosofia da imanência é,
necessariamente, uma ontologia da mente, unívoca ao corpo e, ao mesmo
tempo, uma descrição da experiência da consciência, posto que, na ima-
nência, relaciona-se direto com o que é, ainda que podendo ser parcial, com
níveis de adequação chegando até a uma totalidade aberta. Deixa de ser
uma filosofia especulativa para atingir, de fato, o âmago do real, ainda que
este esteja em devir, seja devir.
Bergson relaciona tempo/consciência com o conceito de virtual e o
campo do sensório-motor, no presente da ação, com o conceito de atual. A
passagem entre ambos é o intensivo. Se o próprio Bergson considera esse
modelo como um “dualismo atenuado”, cabe a nós criarmos uma concei-
tuação para além de qualquer dualismo. Nesse sentido, o vortex é puramente
intensivo. No vortex, obtemos uma conceituação – para além do meramente
ontológico, mas, como já foi afirmado antes – epistemontológica.
O bergsonismo possui várias nuances; no âmbito deste artigo, nos li-
mitaremos a afirmar, a partir dele, que: a Consciência é imanente à matéria,
110 A Transdisciplinaridade da Consciência

ainda que possua gradações infinitas. É possível acessar o todo em aberto


do virtual, ainda que seja uma tarefa árdua que envolva, entre outros esfor-
ços, enfatizar a alegria em detrimento do prazer (BERGSON, 2005).4
O debate dos aspectos quânticos da mente é profícuo, e o modelo de
Penrose e Hameroff (1996), apesar de especulativo, se mostra muito pro-
missor.5 No entanto, o ganho ontológico é pouco intenso. Podemos relacio-
nar a função de onda com o virtual e a partícula com o atual. Mas o intensivo
seria o “colapso de onda”, justamente onde, na Mecânica Quântica, reside
ainda o mistério. É precisamente aí que o vortex se evidencia. A comple-
mentaridade onda/partícula é apenas um vocabulário dual (BUNGE, 2000)
para um processo imanente. O vortex abriga esses aspectos quânticos, sen-
do-lhes anterior, no sentido de que a MQ é um aspecto da física. O vortex,
como dissemos, é pré-disciplinar, e o mistério do “colapso de onda” na MQ
é mais um tangenciamento da ciência em relação ao vortex, este possuindo
uma plasticidade que abriga tanto o comportamento de “onda” como o de
“partícula”, ambos inevitavelmente imanentes.
A ambição atual de verificar a Consciência no âmbito científico, capita-
neada pela neurociência, dado o vortex, se mostra infrutífera. A Natureza
instável ou o vortex são processuais. Nesse sentido, o método científico,
que em seu bojo exige uma Natureza “domesticada” em que o experimento
possa ser repetido, já se mostra falho. E mais: a Consciência prescinde do
dualismo de “sujeito” e “objeto”: verificar a Consciência é um processo de
autoinquirição (RAMANA, 2012), ou seja, verificável a partir de si, e, em um
segundo momento, é possível percebê-la enquanto imanente ao cosmos.
Uma ciência que leva em conta o vortex vai adquirir, cada vez mais, res-
sonância com, por exemplo, uma cosmologia que desloca processualmente
seu eixo da física para a biologia e outros saberes, cujo universo é solidário
(posto que é imanente), com variações no tempo e no espaço das “leis” da
física (posto o devir) (NOVELLO, 2017).
Depois de Bergson, essa epistemontologia da Consciência ganhou re-
centemente um avanço de fato, ainda que sutil, com a obra do antropólogo
Tim Ingold (2015a e 2015b) no tocante à sua questão da percepção. Para ele –
inspirado, entre outros, em Gregory Bateson –, onde geralmente se afirma
que é a “mente” que realiza a percepção, Ingold propõe que é o organismo

4 
Para ampliar a apreensão da filosofia bergsoniana, veja artigo de Auterives Maciel neste livro.
5 
Para uma descrição crítica do modelo de consciência quântica de Penrose e Hameroff, veja artigo de Luiz Pinguelli
Rosa neste livro.
Emergências no Inominável: os Aspectos Imanentes à Consciência no “Conceito” de Vortex 111

inteiro, que percebe que, por sua vez, é coextensivo ao campo perceptivo.
Citemos o final de dois textos do autor em que, para ele:
o crânio é vazado, e que é a mente que vaza através dele! (...)
Quero sugerir que não é apenas a mente que vaza, mas as
coisas de modo geral. E elas o fazem ao longo dos caminhos
que seguimos à medida que traçamos os fluxos de materiais
do ambiente sem objeto. (INGOLD, 2005b)

Perceber o ambiente não é reconstituir as coisas a serem en-


contradas nele, ou discernir suas formas e disposições conge-
ladas, mas juntar-se a elas nos fluxos e movimentos materiais
que contribuem para a sua – e nossa – contínua formação.
(INGOLD, 2005a, p. 143)

Ingold propõe as relações ao longo das linhas como sua epistemontologia,6


baseado nas discussões de Deleuze e Guattari em seguir as linhas, a partir
de debates sobre as pinturas de Paul Klee. As linhas rompem com o racio-
cínio discreto (relativos ao ponto) de causa e efeito, remetendo a uma episte-
montologia contínua, processual. As relações ao longo das linhas são, para
Ingold, emaranhados. Esses emaranhados ressoam com o nosso vortex.
Para uma apreensão da Consciência, é necessário um mergulho em
transaberes. O vortex é pré-disciplinar, no entanto, sua apreensão concei-
tual passa pela relação ao longo dos saberes. Isso quer dizer que a psicologia,
a teologia, a ciência e a filosofia, cada um isolado em seu platô, são inefica-
zes. É nos processos, nas relações ao longo deles, que essa apreensão vai
emergir. Quando utilizamos o termo “apreensão”, estamos desconsideran-
do o termo “entendimento”, que é meramente cognitivo e tende a recair em
dualismos; pois, como falamos antes, esses processos que consideramos
aqui se dão no corpo/mente como um todo (mais uma vez) em aberto. O
vortex é um conceito para adquirir intimidade cósmica com o mistério. De
forma alguma nega o mistério como certa ciência tenta fazer, tampouco
faz pura apologia a ele, como em algumas religiões. O mistério é um limite
deslocável com o vortex. Processando nesse limite, necessariamente, é onde
se evidencia a vorticidade cósmica, ou seja, a Consciência.

6 
O termo “epistemontologia” é ausente na obra de Ingold, no entanto, o autor também evidencia a imanência entre
ontologia e epistemologia.
112 A Transdisciplinaridade da Consciência

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Consciência:
Consonâncias e Dissonâncias
entre Filosofia e Ciência
Rogerio Mandelli*

Introdução
As reflexões e o estudo da consciência1 e seus processos decorrentes talvez
remontem à Antiguidade. Seus domínios são vastos e a grande dificuldade
em abordá-la a partir de uma perspectiva científica ainda parece intrans-
ponível. Atualmente, os agentes qualificadores de experiências conscien-
tes, vivenciáveis em níveis subjetivos, não guardam correlatos claros com
os processos de natureza biofísica, fisiológica, molecular, orgânico-sistê-
mica, bem como com sistemas de qualificação e quantificação utilizados
atualmente pelo método científico.
Este trabalho procura traçar, resumidamente, algumas considerações
sobre as dificuldades em reduzir o fenômeno da experiência consciente
a leis puramente mecanicistas, bem como suscitar questões transversais
acerca de como o complexo mente-consciência2 é capaz de recriar o mundo
a partir dos mecanismos da percepção e gerar novas possibilidades, cujos
objetivos primordiais são transformar e organizar a realidade apreendida
retratada nas experiências mais comuns do cotidiano. Questiona também
sobre qual é o estatuto da consciência em relação à realidade que nos cerca:
é apenas um efeito dos infindáveis processos neurais que ocorrem a cada
instante no cérebro ou seu lugar na Natureza tem um papel muito mais
fundamental do que imaginamos?

Professor do departamento de Engenharia da Universidade Veiga de Almeida (UVA) e doutorando pelo programa
* 

HCTE, UFRJ. E-mail: rogerio.mandelli@uva.com.br.


1 
“Qualquer coisa sobre as quais estejamos cientes num determinado momento faz parte de nossa consciência, tornan-
do a experiência consciente, de uma só vez, o aspecto mais familiar e mais misterioso de nossas vidas”. – The Stanford
Encyclopedia of Philosophy online. A definição de consciência apresentada aqui é temporária e será reelaborada ao longo
do trabalho.
2 
Termo cunhado pelo autor para designar a relação profunda entre os dois conceitos, que muitas vezes se confun-
dem em boa parte da literatura. Ao longo do texto, será apresentada uma proposta para diferenciá-los e posicioná-los
de acordo com o delineamento da pesquisa.
116 A Transdisciplinaridade da Consciência

Apesar de todo o desenvolvimento e efetivação da capacidade humana


na Ciência, por meio de seus formalismos, e da Tecnologia, a partir de seus
artefatos cada vez mais complexos, a realidade observada não é apreendi-
da de forma direta e passiva; é abstraída e ativamente interpretada a cada
instante pelas estruturas presentes no cérebro. Assim, pode-se argumentar
que a consciência cria, a todo instante, o mundo e seus objetos. Desde as
mais básicas percepções processadas em nosso sistema nervoso, passan-
do pelos movimentos do corpo, chegando às elaborações mais abstratas
da capacidade humana, estamos, a cada instante, alterando profundamente
nossas relações com o ambiente a nossa volta.

Mente e consciência
Sem dúvida, um dos principais marcos da modernidade no estudo de uma
abordagem sistemática na relação entre mente e corpo tem sua fundação
com René Descartes (1596–1650), o qual levantou questões fundamentais
ainda extremamente atuais na contemporaneidade, destacando-se aqui o
termo dualismo cartesiano, cunhado devido à nítida distinção que faz entre
o físico e o mental. Sua proposição central cogito ergo sum (DESCARTES,
1983) é considerada a origem do dualismo.
De forma bastante clara, a Ciência estabelecida não aceita o dualismo,
pois boa parte dos cientistas acredita que a experiência consciente, de algu-
ma forma, emerge das propriedades físicas do cérebro. No entanto, muitos
não negam que exista uma clara distinção entre a mente e matéria, sendo
extremamente tortuosas as conjecturas sobre como a primeira pode emer-
gir da segunda.
A árdua tarefa de compreender essencialmente as questões relacio-
nadas ao complexo mente-consciência é um projeto igualmente amplo e
bastante diversificado. O satisfatório entendimento demanda uma multi-
plicidade de explicações que passam naturalmente pelos três eixos abaixo
(GULICK, 2014), dos quais o presente artigo pretende transitar apenas pe-
los dois primeiros:
1) Questão descritiva: o que é consciência? Quais são suas princi-
pais características? E por quais meios ela pode ser melhor des-
coberta, descrita e modelada?
2) Questão explicativa: como a consciência existe? É um aspecto
primitivo da realidade ou surge por processos físico-químicos
não conscientes?
Consciência: Consonâncias e Dissonâncias entre Filosofia e Ciência 117

3) Questão funcional: por que a consciência existe? Qual a sua


função? Ela faz diferença para o funcionamento dos sistemas
nos quais está presente?
Talvez nenhum aspecto seja mais familiar ou mais desconcertante do
que a consciência e a nossa experiência consciente de nós mesmos e do
mundo. O problema da consciência é indiscutivelmente a questão central
na nossa relação com a realidade, tanto no que diz respeito aos estados
internos como aos externos.
Apesar da falta de uma teoria unificada da consciência, há um aparente
consenso generalizado de que uma consideração adequada do tema exige
uma compreensão clara de seus diversos aspectos, bem como o lugar que
ocupa na natureza (GULICK, 2014).
A partir de teorias filosóficas, pode-se desenvolver conceitos gerais so-
bre o conjunto mente-consciência e, assim, endereçar potenciais aborda-
gens ontológicas sobre ele (ver “Diferença conceitual proposta entre mente
e consciência”). Parece, inegavelmente, que há diferenças fundamentais en-
tre o que chamamos de mundo interior, cuja região fronteiriça é delimitada
pela nossa pele, e o mundo exterior, ou seja, tudo o que está além dessa
fronteira. O mundo exterior fornece estímulos que levam a uma espécie
de processo linear, cujo resultado é um ajuste mais ou menos harmonioso
entre a percepção consciente e o que existe “lá fora”, por exemplo no cam-
po visual de um indivíduo. Mas o mundo interior também inclui, entre
outras, dimensões mentais e emocionais sustentadas por dinâmicas alta-
mente não lineares.
Dado o contexto, o filósofo Alfredo Pereira Júnior (PEREIRA JR; RIC-
KE, 2009) apresenta o que classifica, oportunamente, de aspectos comuns
do núcleo referencial do conjunto mente-consciência no contexto da prá-
tica científica, que abrange os registros da atividade cerebral de sujeitos
(humanos ou outros mamíferos), a maioria usando eletroencefalografia3 ou
fMRI;4 e aponta que todos os tipos de estados e/ou processos conscientes
(sensação/percepção; afeto/emoção; decisão/ação voluntária e imagina-
ção, entre outros) apresentam conteúdos em potencial. O conteúdo cons-
ciente de sensações, estados afetivos e emoções pode ser concebido como
sendo composto de padrões.

3 
Eletroencefalografia (EEG): método de monitoramento eletrofisiológico não invasivo utilizado para registrar a
atividade elétrica do cérebro.
4 
A fMRI (functional Magnetic Ressonance Imaging) é uma técnica de imagem por ressonância magnética funcional
capaz de detectar variações no fluxo sanguíneo em resposta à atividade neural estabelecida.
118 A Transdisciplinaridade da Consciência

Mesmo diante das dificuldades em descrever esses padrões de forma deta-


lhada, suas variações são facilmente distinguíveis ao longo do cotidiano, como
dor, prazer, sede, medo, raiva, felicidade etc. Dessa forma, o conteúdo é apreen-
dido por tais padrões percebidos e então inseridos em quadros egocêntricos
espaço-temporais a partir dos quais emerge a experiência consciente.
Portanto, assume-se que o complexo mente-consciência seja normal-
mente detentor de conteúdo.5 Na prática neurocientífica, relatos em pri-
meira pessoa transmitem informações sobre o conteúdo experienciado
para a perspectiva de terceira pessoa dos observadores científicos. A ativi-
dade cerebral é registrada e medida para identificar correlatos neurais das
experiências relatadas pelos sujeitos em estudo.
Neste contexto, pode-se propor outros dois significados distintos e com-
plementares, já bem difundidos na Filosofia Ocidental, onde a mente cons-
ciente assume as seguintes perspectivas:
• Consciência de acesso: no contexto científico atual, mente-
-consciência refere-se ao conteúdo potencialmente reportável
experienciado pelos sujeitos viventes, que, segundo Pereira
(PEREIRA JR; RICKE, 2009), é o núcleo referencial identifi-
cado do termo consciência. Assim, pode-se afirmar que um
indivíduo está consciente de algo quando se pode relatar ou
descrevê-lo, ou raciocinar/pensar sobre isso, ou ainda usá-lo
para orientar a forma de ação ou comportamento. O termo
“acesso” aqui significa disponível para uso em pensamento
e ação;
• Consciência fenomenal: o sujeito está consciente de alguma
coisa quando ela está presente de alguma forma em sua expe-
riência. A sensação de uma dor ou uma experiência visual da
cor vermelha são dois exemplos filosóficos padrão de uma ex-
periência consciente. Como se costuma dizer, existe “algo que
é como” para que você possa ver a cor ou sentir dor (NAGEL,
1974).
Em suma, o conceito pode significar experiência subjetiva ou cons-
ciência no sentido do acesso cognitivo. Uma das razões para os filóso-
fos fazerem tal distinção é salientar que a explicação da consciência no
sentido do acesso cognitivo não explica necessariamente a consciência
no sentido da experiência subjetiva. Como o filósofo David Chalmers

5 
Uma exceção pode ser considerada, a princípio, em condições de sono profundo.
Consciência: Consonâncias e Dissonâncias entre Filosofia e Ciência 119

indica: mesmo quando explicamos o desempenho de todas as funções


cognitivas e comportamentais nas proximidades da experiência – dis-
criminação perceptual, categorização, acesso interno, relatório verbal –,
ainda pode permanecer uma pergunta sem resposta: por que a realização
dessas funções é acompanhada pela experiência? Portanto, apenas uma
explicação simples das funções deixa esta questão em aberto (THOMP-
SON, 2015).
Outra razão para fazer a distinção entre a consciência fenomenal
e a consciência de acesso é permitir a possibilidade de o sujeito estar
subliminarmente ou implicitamente consciente de algo sem ser capaz
de relatar e descrever sua experiência, pelo menos não totalmente ou
explicitamente. Em outras palavras, pode-se estar ciente fenomenal-
mente de algo ao mesmo tempo sem acesso cognitivo completo para
a experiência. Por exemplo; quando o indivíduo vê uma imagem numa
tela, mas esta passou tão rápido que ela não foi capaz de formar o tipo
de memória necessária para um relatório verbal do que foi experiencia-
do. Esta é uma maneira pela qual a consciência fenomenal pode superar
as capacidades cognitivas ou recursos que o ser tem para acessar a sua
própria experiência.

Características globais da consciência


Apresentadas algumas distinções iniciais, a seguir são apresentadas al-
gumas das principais características globais da experiência consciente
(SEARLE, 1997):
1) Subjetividade: todos os estados conscientes só existem se ex-
perimentados por um agente.
2) Unidade: a experiência consciente tem caráter unificado. Re-
sultado da conexão de todos os diversos estímulos sensoriais,
formando um todo coerente.
3) Intencionalidade: capacidade que proporciona acesso a um
mundo diferente de nossos próprios estados conscientes.
4) H
 umor: estados conscientes diferentes são regulados por humo-
res diferentes. Searle (2000, p. 77) chama o humor de “o sabor das
experiências”.
5) Estrutura: todos os estados conscientes são sempre estados es-
truturados e coerentes.
120 A Transdisciplinaridade da Consciência

6) Atenção: a consciência possui graus variados de atenção, sur-


gindo, assim, uma distinção em seu campo, entre o centro e a
periferia. Atenção sempre deslocada conforme nossa vontade.
7) Condições fronteiriças: estados conscientes vêm com um sen-
tido de nosso próprio posicionamento no espaço e no tempo,
mesmo que o posicionamento em si não seja um objeto inten-
cional de nossa consciência.
8) Graus de familiaridade: experiências conscientes nos atingem
com graus vários de familiaridade; ela explica o fato de nossas
experiências sempre terem uma continuidade, que vai da mais
familiar à mais estranha.
9) Transbordamento: explica o fato de nossas experiências cons-
cientes sempre fazerem referência a coisas que estão além delas,
pois nunca temos uma experiência isolada.
10) Graus de aderência: o último aspecto da natureza da cons-
ciência pela perspectiva de Searle. Todos os estados conscien-
tes transitam sempre entre um amplo espectro de estados de
prazer e insatisfação.
Os aspectos globais da consciência acima descritos procuram indicar
todas as características possíveis relativas à experiência consciente, estru-
turando boa parte das variáveis e processos dinâmicos envolvidos no fe-
nômeno da experiência consciente ou consciência fenomenal. Na sequên-
cia, a pesquisa procura estabelecer os principais problemas envolvidos no
estudo do fenômeno da consciência.

Os problemas no estudo da consciência


A inquietante questão sobre a natureza do fenômeno da consciência pa-
rece não estar acoplada ao que denominamos mundo natural ou, mais es-
pecificamente, ao mundo físico. O ser humano lida a cada instante com
fatos, objetos e relações objetivas mediados pela mente, a partir da qual se
estabelecem os portões subjetivos da experiência consciente, funcionando
como a primordial e essencial mediadora e, por meio dela, o mundo inte-
rior emerge e o mundo exterior é apreendido.

Os problemas “fáceis”
Como já indicado, a palavra consciência é utilizada de muitas maneiras
diferentes. Muitas vezes está diretamente ligada ao espectro cognitivo-
Consciência: Consonâncias e Dissonâncias entre Filosofia e Ciência 121

-comportamental, por exemplo, quando se refere à capacidade de discrimi-


nação de estímulos, processamento de informação e comunicação, moni-
toramento de estados internos, controle e expressão comportamental. Sob
esta ótica, pode-se enquadrar tais características ao que Chalmers (1996)
denomina “problemas fáceis” de consciência. São propriedades importan-
tes e ainda há muitos desenvolvimentos e pesquisas para a compreensão
de cada um deles. O autor utiliza a seguinte metáfora para posicioná-los de
forma mais adequada no amplo campo de estudo: os problemas fáceis têm
o caráter de quebra-cabeças em vez de mistérios. Assim, são totalmente
passíveis de serem compreendidos e explicados pela Ciência a partir de
bases neurobiológicas ou computacionais.
Abaixo, o autor discrimina alguns exemplos dos por ele nomeados pro-
blemas “fáceis” da consciência:
• Discriminar, categorizar e reagir a estímulos ambientais.
• Integração de informações por um sistema cognitivo.
• Descrição de estados mentais.
• Capacidade de o sistema acessar seus próprios estados internos.
• Foco de atenção.

O problema “difícil”
Também conhecido como o problema da experiência consciente, que abran-
ge um amplo espectro de estados que incluem, entre outros, a experiência
perceptiva e motora, a tátil, as sensações corporais, as imagens mentais, as
emoções, os pensamentos etc. Esta perspectiva é baseada no importante ar-
tigo “What is it like to be a bat?” (NAGEL, 1974), que demonstra que há “algo
que é como” ver uma rosa vermelha à luz do sol, sentir uma dor renal aguda,
contemplar um pássaro voando, sentir um profundo pesar, ouvir o barulho
das ondas, lembrar-se de um episódio da infância. Cada um desses estados
tem um caráter fenomenal, com propriedades fenomenais (ou qualia) que
caracterizam o que é como ser/estar naquele estado (MANDELLI, 2012).
Intuitivamente, não há qualquer dúvida de que a experiência conscien-
te está enraizada nos processos físico-químicos que se transformam no
cérebro. Infere-se que tais processos dão origem à experiência ou esta-
dos conscientes. Mas perguntas fundamentais permanecem sem repostas:
como e por que estes processos originam ou permitem a consciência? Por
que estes processos não ocorrem “no escuro”, sem quaisquer estados cons-
cientes? De fato, estes são o mistério central da consciência.
122 A Transdisciplinaridade da Consciência

O problema difícil permanece ainda insolúvel, pois a tarefa aqui não é


apenas explicar e compreender as funções comportamentais e cognitivas,
mas discernir sobre como a pergunta fundamental pode ser complementa-
da: por que o desempenho destas funções é acompanhado de experiência?
Desta forma, o problema difícil parece apresentar uma diferente natureza,
requerendo assim um tipo diferente de solução.
A seguir, Chalmers (1996) elabora o chamado problema “difícil” da
consciência:
• Humor, criatividade, intuição estão totalmente fora do escopo
anterior.
• Tem um caráter subjetivo e que parece confundir e frustrar
qualquer tentativa de resolvê-lo.
• Caracterizado como o problema da experiência consciente ou
qualia.
A solução para o problema difícil envolveria a relação entre processos
físico-químicos e o complexo mente-consciência, explicando, com base
em princípios naturais, como e por que estes processos estão associados
com estados de experiência. A explicação reducionista da consciência bus-
ca uma resposta com base em princípios físicos que não fazem qualquer
apelo à consciência. Já a solução não redutora será aquela na qual a cons-
ciência (ou os princípios que a envolvem) seja admitida como parte funda-
mental da explicação (CHALMERS, 2003).
Decorrente do problema difícil, se estabelece também o chamado
binding problem, ou o problema de ligação, que implica em como a uni-
dade da experiência consciente é sustentada pelas atividades distribuí-
das a partir do sistema nervoso central. Chalmers (1996) indica que esta
é uma questão metafísica, no sentido de que a unidade da experiência
pode ser uma ideia fora da ciência física, e que novas bases metafísicas
ou ontológicas sejam necessárias. Assim, “unidade”, nesse sentido, não
tem significado físico, mas tem um significado crucial na experiência
subjetiva.

A lacuna epistemológica
Diante dos paradigmas da ciência estabelecida, é natural se esperar uma
solução materialista para o problema difícil e uma explicação redutiva da
consciência, mas esta parece resistir a tais desenvolvimentos materialis-
tas de uma maneira diferente de outros fenômenos. Esta resistência pode
Consciência: Consonâncias e Dissonâncias entre Filosofia e Ciência 123

ser encapsulada em três argumentos contra materialismo (CHALMERS,


1996), resumidos a seguir:

Argumento explanatório
O mais simples dos três argumentos apresentados baseia-se na diferença
entre os problemas fáceis e o problema difícil, como já explicada anterior-
mente. Os problemas fáceis dizem respeito à explicação das estruturas e fun-
ções cognitivas e comportamentais, mas o problema difícil não, onde estas
não são suficientes para explicar a consciência. Assim sendo, a compreensão
destas estruturas e funções não são capazes de explicar a consciência.
1) Explicações materialistas compreendem as estruturas e funções.
2) Explicar tais estruturas e funções não é suficiente para explicar
a consciência.
3) Materialismo não pode explicar a consciência.

Argumento da conceptibilidade
De acordo com este argumento (CHALMERS, 2003), seria concebível lo-
gicamente um sistema que fosse fisicamente idêntico a um ser consciente,
mas que carecesse dos estados conscientes deste ser. Tal sistema poderia
ser o que o autor chama de zumbi: um sistema fisicamente idêntico a um
ser consciente, mas que careceria completamente de experiência conscien-
te. Não há parâmetros disponíveis que se possa inferir sobre o que é ser
um zumbi, assim, provavelmente não parecem ser naturalmente possíveis,
pois provavelmente não podem existir neste mundo com as leis que os
regem. Pode-se colocar o argumento de forma mais simplificada:
1) É concebível que haja zumbis.
2) Se é concebível que haja zumbis, é possível que haja metafisica-
mente zumbis.
3) Se for metafisicamente possível que haja zumbis, então a cons-
ciência é não física.
4) A consciência é não física.

Argumento do conhecimento
Concebido por Frank Jackson em seu artigo de 1992, intitulado Epipheno-
menal qualia (JACKSON, 1982), o argumento do conhecimento6 sustenta

6 
O argumento imaginado pelo autor é: “uma neurocientista chamada Mary é forçada a investigar o mundo de
124 A Transdisciplinaridade da Consciência

que há fatos sobre a consciência que não são dedutíveis a partir de eventos
físicos. A questão crucial para o argumento de Jackson é: O que acontece
quando Mary sai da sala em preto e branco pela primeira vez? Se Mary
realmente apreende algo novo ao experimentar como é a sensação de olhar
uma rosa vermelha ou o céu azul, então seu conhecimento anterior, ba-
seado em fatos físicos apenas, era incompleto. Jackson conclui: “Se toda a
informação acerca de fatos físicos não é suficiente para conhecermos fatos
sobre a consciência, então o materialismo é falso”(JACKSON, 1982).
Chalmers (2003) defende que o argumento de Jackson pode ser estrutu-
rado de forma mais genérica:
1) Existem verdades sobre a consciência que não são dedutíveis a
partir dos eventos físicos.
2) Se há verdades sobre a consciência que não são dedutíveis a
partir dos eventos físicos, então o materialismo é falso.
3) O materialismo é falso.

Chalmers procura consolidar os três argumentos apresentados, que são


estreitamente ligados entre si. Todos estabelecem uma lacuna epistemo-
lógica entre os domínios físicos e fenomenais e negam relação epistêmica
entre tais domínios, ou seja, as relações envolvem o que se pode saber, con-
ceber ou explicar. Cada um dos três argumentos nega de forma particular
um certo tipo de vinculação epistêmica dos fatos físicos (F) às experiências
fenomenais (M):
a) Explicação de (M) nos termos de (F) – argumento explanatório.
b) Concepção de (M) sobre concepção reflexiva de (F) – argumento
de conceptibilidade.
c) Dedução de (M) a partir de (F) – argumento do conhecimento.
Talvez o tipo mais básico de vinculação epistêmica seja a modalidade
a priori ou a chamada implicação. Nesta noção, F implica M quando F⊃M,
onde a condicional material é a priori; isto é, quando um evento F é condi-
ção necessária para a existência de M. Todos os três argumentos descritos
anteriormente contrapõem a vinculação a priori de M por F.

dentro de um quarto preto e branco, aparelhado com um monitor de televisão também preto e branco, sem jamais
ter tido acesso ao mundo externo repleto de cores. Mary é especialista em neurofisiologia da visão e adquire toda a
informação física que se pode obter sobre as cores e sobre todos os processos cerebrais envolvidos na identificação
de cada uma delas – por exemplo, sobre como os diversos comprimentos de onda provenientes do céu estimulam a
retina e como estes afetam o sistema nervoso central até a verbalização da frase ‘o céu é azul’”.
Consciência: Consonâncias e Dissonâncias entre Filosofia e Ciência 125

Assim:
a) Conhecendo-se (F) não se pode deduzir (M) como o argumento
do conhecimento sugere.
b) Concebendo-se racionalmente (F) sem a existência de (M), de
acordo com o argumento de conceptibilidade, então parece que
(F) não implica (M).
c) Argumento explicativo pode ser visto como uma alegação de
que uma implicação de (F) a (M) exigiria uma análise funcional
da consciência, que não é um conceito funcional.
Depois de estabelecerem uma lacuna epistemológica, os argumentos
avançam na possibilidade da existência de uma lacuna ontológica, da or-
dem da natureza das coisas do mundo.

Perspectivas ontológicas:
a consciência e o seu lugar na natureza
Naturalmente, ao longo do tempo, o problema da consciência foi susci-
tado por inúmeros autores que buscaram encontrar um lugar adequa-
do para a experiência consciente dentro da ordem natural do mundo
como o concebemos, sob a ótica da civilização ocidental. Assim, a fim
de prover um panorama geral sobre as diferentes perspectivas ontoló-
gicas sobre esta antiga questão, a influente obra The Mind and Its Place
in Nature (BROAD, 1925), do epistemólogo inglês Charlie Dunbar Broad
(1887–1971), torna-se pilar fundamental do artigo homônimo de David
Chalmers (2003). No artigo de 1925, Broad posiciona a problemática de
forma bastante aguda, questionando o lugar ocupado pela consciência
em relação ao mundo físico.
No artigo de Chalmers (2003), dados os avanços da compreensão da
problemática na contemporaneidade, o autor propõe um modelo de estudo
ontológico em uma estrutura dividida em seis classes distintas, por ele
nomeadas de Tipo-A, sucessivamente até a letra F (Tipo-F).
As três primeiras classificações (A, B e C) envolvem abordagens
amplamente redutivas, posicionando a consciência como um processo
oriundo do mundo material que não requer desenvolvimento para além
das fronteiras do mundo físico. As três classificações subsequentes (D,
E e F) esboçam visões não redutíveis, demandando, dessa forma, uma
expansão dos limites ontológicos para além da realidade física.
126 A Transdisciplinaridade da Consciência

Diante dos paradigmas da ciência estabelecida, é natural se esperar uma


solução materialista para o problema difícil já descrito e uma explicação re-
dutiva da consciência, assim como foram desenvolvidos modelos e explica-
ções redutivistas para muitos outros fenômenos em domínios distintos do
conhecimento humano. Porém, a consciência parece resistir a tais desenvol-
vimentos materialistas de uma maneira diferente de outros fenômenos.
A seguir, estão sintetizadas cada uma das seis perspectivas ontológicas
para a consciência baseadas no trabalho de Broad (CHALMERS, 2003):
1) Reducionismo tipo-A:7 nega a existência de uma lacuna episte-
mológica relevante em relação à consciência.
2) Reducionismo tipo-B:8 admite a existência de uma lacuna episte-
mológica, mas nega a possibilidade de uma lacuna ontológica.
3) Reducionismo tipo-C:9 admite a existência de uma relevante
lacuna epistêmica, mas afirma que esta será solucionada a partir
dos avanços da Ciência e da Tecnologia.
4) Dualismo tipo-D:10 pode-se negar o fechamento causal da mi-
crofísica, sustentando que existem lacunas causais na dinâmica
dos processos microfísicos que são preenchidas por um papel
causal das propriedades fenomenais distintas.
5) Dualismo tipo-E:11 pode-se aceitar o fechamento causal da micro-
física e assumir que as propriedades fenomenais não desempenham
papel causal no que diz respeito à rede física dos eventos.
6) Monismo tipo-F:12 pode-se aceitar que a rede microfísica é cau-
salmente fechada, mas que as propriedades fenomenais sejam a ela
integradas, e estas desempenham um papel causal em virtude de se
constituírem como parte da natureza intrínseca da realidade.

7 
Alguns dos autores que defendem a posição ontológica tipo-A: (DENNETT, 1991), (SOSA; DRETSKE, 1997), (HAR-
MAN, 1990), (LEWIS, 1990), (REY, 1995) e (RYLE, 2009).
8 
Alguns dos autores que defendem a posição ontológica tipo-B: (BLOCK; STALNAKER, 1999), (HILL, 1997),
(LEVINE, 1983), (LOAR, 1990), (LYCAN, 1996), (PAPINEAU, 1993) e (TYE, 1995)
9 
Alguns dos autores que defendem a posição ontológica tipo-C: (GULICK, 1993) e (MCGINN, 1989), este último
enquadrado por Chalmers na posição tipo-F.
Alguns dos autores que defendem a posição ontológica tipo-D: (ARMSTRONG; FOSTER, 1993), (POPPER; EC-
10 

CLES, 1977), (SELLARS, 1981), (STAPP, 1993) e (SWINBURNE, 1997).


11 
Alguns dos autores que defendem a posição ontológica tipo-E: (CAMPBELL, 1970), (HUXLEY; MARCH, 1874),
(JACKSON, 1982) e (ROBINSON, 1988).
12 
Alguns dos autores que defendem a posição ontológica tipo-F: (KENNARD; RUSSELL, 1928), (FEIGL, 1958), (MAX-
WELL, 1979), (LOCKWOOD, 1989), (CHALMERS, 1996), (GRIFFIN, 1998), (STRAWSON, 2000) e (STOLJAR, 2001).
Consciência: Consonâncias e Dissonâncias entre Filosofia e Ciência 127

Posicionamento da pesquisa
Obviamente, nem todas a abordagens existentes hoje foram relacionadas
anteriormente. Diante das conjecturas expostas até aqui, há indícios rele-
vantes para que não corroboremos com as três perspectivas materialistas
apresentadas (tipos A, B e C), apesar de serem posturas naturalistas de
vanguarda e que devem sofrer novas atualizações e melhorias a partir de
novas proposições e resultados nos âmbitos de seus objetos de estudo.
A pesquisa defende uma posição não reducionista e reconhece a la-
cuna epistemológica existente entre os campos dos eventos físicos e
experiências fenomenais, baseada nos argumentos antirreducionistas
descritos anteriormente. Como exposto, as posições tipo D, E e F não
apresentam falhas robustas e relevantes em relação às suas correspon-
dentes hipóteses.
Naturalmente, cada uma das visões não reducionistas demandam ain-
da muitas pesquisas e desenvolvimentos posteriores dentro do escopo da
Ciência atual. A pesquisa assume como sua posição norteadora a pers-
pectiva dualista não ortodoxa, uma vertente conhecida como dualismo
de propriedade, que propõe que a realidade seja constituída por apenas
uma única substância, mas que dela decorrem duas propriedades distin-
tas, uma propriedade fenomenal e outra propriedade física, sendo ambas
irredutíveis entre si. A versão compatível com tal proposta é o chamado
emergentismo, onde as propriedades fenomenais são, ontologicamente,
propriedades resultantes dos sistemas físicos. Portanto, uma versão in-
vertida desta perspectiva também pode ser razoável, onde as proprieda-
des físicas sejam decorrentes das propriedades fenomenais, ideia a partir
da qual boa parte do pensamento oriental se estabelece.

Diferença conceitual proposta


entre mente e consciência

Mente
Qual é a natureza da mente? Como é relacionada à consciência? E, aci-
ma de tudo, quem somos? Qual é a nossa identidade por trás do fluxo
interminável de pensamentos, a cada instante? Essas são as perguntas
essenciais feitas há milênios por nossos ancestrais, talvez ainda anterio-
res ao chamado período pré-socrático, berço da Filosofia Ocidental, mas
128 A Transdisciplinaridade da Consciência

que hoje ainda ecoa fortemente em todos os âmbitos em nosso tempo,


seja de forma direta ou indireta, na esfera pública, por meio da Ciência
e da Filosofia, seja na privada, na torrente caudalosa de nossas próprias
experiências.
No âmbito do pensamento ocidental, a consciência é estabelecida apenas
como um dos vários aspectos ou propriedades do conceito “guarda-chuva”
denominado mente. Contudo, o problema da consciência é, indiscutivel-
mente, a questão central na teorização atual sobre a mente. Na Ciência con-
temporânea, a mente é definida como um conjunto de inúmeras faculdades
cognitivas, nele incluído a própria consciência, a percepção, o pensamento, o
julgamento e a memória, entre outras.
A proposta da pesquisa é tentar ampliar nosso olhar sobre o tema
além das tácitas fronteiras normativas vigentes em Filosofia e Ciência, e
irmos até alguns antigos sistemas de pensamento como o Yoga,13 no qual a
mente (chitta, em sânscrito) é classificada de maneira diferente e de forma
mais ampla, sendo a entidade chave de todos os aspectos da consciência
condicionada. Sob o conceito de chitta estão incluídas as nossas funções
cognitivas, além da parte instintiva da mente e o ego (aqui considerado
como o núcleo da personalidade do indivíduo). Neste contexto, a mente
é chamada de “instrumento interno” ou antahkarana, em sânscrito, rela-
cionada ao corpo, que é o instrumento externo. Nesse sistema, a mente é
considerada como um sexto sentido, pois é o ente sintetizador de todos
os outros que esquadrinham tudo o que conhecemos como realidade,
desde a visão, que nos apresenta o brilho de constelações incrivelmente
distantes, algumas provavelmente já extintas, passando pela audição, pelo
olfato, pelo tato, pelo paladar; e se juntam às imagens emocionais mais
profundas, que nascem das interações físico-químicas em nosso sistema
orgânico e se transformam em ricos estados mentais, da dor ao prazer, e
nos provêm o senso de nós mesmos, como núcleo de todas as experiên-
cias, o sentimento do “eu”.
Aqui a mente é o veículo de expressão da consciência, mas não é
a própria consciência. A mente e o corpo são instrumentos interno e
externo, respectivamente, e a mente é a interface entre o mundo e a
consciência.

13 
Yoga Sūtras de Patañjali: composto por 196 sutras (aforismos) compilados por volta de 400 a.C. pelo pretenso sábio
conhecido como Patañjali. O Yoga Sūtras foi o texto indiano antigo mais traduzido na era medieval.
Consciência: Consonâncias e Dissonâncias entre Filosofia e Ciência 129

Consciência
A presente pesquisa procura agora trazer ao centro da discussão a defini-
ção de consciência originada por escrituras antigas da civilização, nomea-
damente os Vedas14 da cultura indiana, bem como o budismo, uma de suas
dissidências.
Nessas tradições, bem como na proposta desta pesquisa, a consciência
se apresenta em uma estrutura quádrupla: vigília, sonho, sono profundo
e pura consciência. Pelas limitações de extensão e amplitude do presente
artigo, tais dimensões não serão abordadas. Em tempos mais longínquos
daqueles em que os grandes filósofos clássicos começavam a erguer os
primeiros pilares da Filosofia Ocidental, o autor Thompson (2015) cita uma
passagem das Upanishads,15 na qual é relatada um famoso diálogo (ROE-
BUCK, 2003) durante o qual o conceito de consciência é explanado de
forma dialética.16 Assim, de acordo com as tradições da cultura indiana,
a consciência17 é aquilo que é luminoso e tem a capacidade de conhecer.
Luminoso, então, significa ter o poder de revelar, como a luz. Sem o sol,
o nosso mundo seria velado na escuridão e, assim, sem consciência, nada
poderia aparecer. A consciência é, fundamentalmente, aquilo que revela ou
torna manifesto, porque é a pré-condição essencial para a aparência das
coisas, recriadas dentro do nosso sistema corpo e mente.
Sem consciência, o mundo não pode aparecer para a percepção, o pas-
sado não pode aparecer na memória, e o futuro não pode ser estabelecido
sob as condições de esperança ou expectativa. É ela a testemunha de todas
as imagens e conteúdos que se estabelecem na mente. Em termos simples,
sem a consciência não há nenhuma observação, e, sem observação, não
existem dados, sem consciência nada pode existir (THOMPSON, 2015). Até
aqui, consciência significa ser o sujeito da experiência em todas as suas
formas, seja através da vigília, do sonho e do sono profundo; neste último,
há a suspensão da mente e a ausência de objetos.

14 
A palavra sânscrita Veda é proveniente da raiz “vid” e significa “conhecimento, sabedoria”. Deriva da raiz proto-
-indo-européia u̯eid que significa “ver” ou “saber”. Os Vedas são compostos por quatro grandes textos: Rigveda, Yajur-
veda, Samaveda e Atharvaveda.
15 
Coleção de textos em sânscrito. São considerados pelos hindus como repositórios das verdades reveladas (sruti)
sobre a natureza da realidade última (brahman) e que descrevem o caráter e a forma da emancipação humana (moksha).
Discutem principalmente meditação e filosofia, tendo surgido como comentários sobre os Vedas, sua finalidade e
essência, sendo, portanto, conhecidos como Vedānta (o fim dos Vedas).
16 
O diálogo entre Yājñavalkya e o rei Janaka ocorre no Bṛhadāraṇyaka Upaniṣad (The Great Forest Teaching).
17 
Também chamada de consciência fenomenal pelos comentadores recentes do pensamento hindu.
130 A Transdisciplinaridade da Consciência

Consciência pura
A partir da perspectiva da Filosofia e Ciência ocidentais, a ideia da cons-
ciência pura,18 aqui considerada como o aspecto mais profundo da cons-
ciência fenomenal, normalmente, não é acessada por vias cognitivas. O
estado de consciência pura pode ser alcançado por indivíduos com mentes
treinadas em técnicas específicas para este fim, entre as quais a meditação
é uma das alternativas (ver “Dimensões metafísicas da consciência?”).
Outra grande diferença entre as visões ocidentais e as das tradições
consideradas nesta pesquisa é que, do ponto de vista da Ciência Cognitiva
padrão, a experiência sensorial de vigília é a base para toda a consciência.
Já nas visões tradicionais do Oriente, consciência grosseira ou sensorial
depende diretamente da consciência sutil.
Chamado simplesmente de “o quarto” (turiya), este modo de consciência
é não dual (FORT, 1990). Diferentemente dos estados da vigília, do sonho
e do sono profundo, a consciência pura não é propriamente um estado no
sentido de uma condição transitória e discreta. Ao contrário, é considerada
a fonte constante, subjacente a esses estados transitórios, bem como um
estágio avançado de realização meditativa por várias tradições. Como fon-
te subjacente para a vigília, o sonho e o sono profundo, “o quarto” é pura
consciência, definida pela sua qualidade de luminosidade. Considerada por
muitas tradições como o mais alto grau de autorrealização humana, que
pode ser alcançada de forma espontânea ou através de técnicas destinadas
a este fim, como já descrito anteriormente. Na consciência pura, pode-se
testemunhar os outros estados impermanentes, mas sem se identificar er-
roneamente com eles, bem como com o próprio “eu”. Tal possibilidade será
discutida no item seguinte do presente capítulo.

Dimensões metafísicas da consciência?


Como declarado anteriormente, o presente artigo procura discutir, além
das dificuldades inerentes em abordagens redutíveis da consciência, qual é
o seu lugar dentro do estatuto da realidade. Anteriormente foi apresentado
o chamado quarto estado da consciência, a consciência pura, que não se
trata propriamente de um estado no sentido de uma condição transitória,
mas sim um avançado estágio de autorrealização humana, de acordo com
antigos textos da cultura oriental. Segundo muitos autores, ele é alcançado

18 
A consciência pura (turiya) também é conhecida como consciência sutil.
Consciência: Consonâncias e Dissonâncias entre Filosofia e Ciência 131

através das vias do misticismo que, segundo estes, envolve mais do que
“experiência mística” (estados místicos ou visionários), sendo o objetivo
final da transformação humana (GELLMAN, 2004).
No contexto atual, o termo “misticismo” é amplamente utilizado de for-
ma pejorativa para denotar o pensamento descuidado ou supersticioso. As
experiências místicas podem ser induzidas deliberadamente por drogas,
meditação, oração ou outras práticas espirituais, mas também podem ser
respostas espontâneas ao arrebatamento causado pela beleza da natureza,
da música, do parto, do orgasmo, por eventos com risco de vida, de dor
intensa e de doença (HORGAN, 2003).
Alguns pesquisadores também afirmam que as experiências místicas não
são tão comuns como se pode supor, entre eles, destaca-se o neurologista ame-
ricano James Austin. O estado que ele chama de absorção - conhecido como
samadhi pelos hindus e como satori pelos budistas – é bastante raro. Durante
esta condição, o mundo externo e o próprio “eu” parecem se dissolver em uma
unidade sem forma. Ainda mais raro do que a absorção, de acordo com Austin,
é o nirvana budista, a realização, a libertação, o despertar, o pleno discernimen-
to, nos quais esporádicos brilhos de percepção cedem lugar a uma mudança de
visão de mundo a longo prazo, ou seja, o conhecimento profundo da realidade
subjacente a todos os fenômenos impermanentes (AUSTIN, 1998).
Mesmo sendo uma condição aparentemente bastante incomum, a autor-
realização é perseguida por muitas pessoas ao longo dos séculos. Chamada
também de iluminação, segundo Horgan (2003), ela é o telos das grandes
religiões orientais, como o hinduísmo e o budismo. Para o erudito Huston
Smith (SMITH, 1991), o sentido do chamado conhecimento absoluto é a
condição sine qua non19 para as experiências místicas, onde o componente
noético as transforma em algo mais que sensações transitórias. Segundo
Smith, a visão mística não é um sentimento propriamente dito, mas é um
conhecimento (HORGAN, 2003).
No clássico “The Varieties of Religious Experience”,20 William James ofe-
rece uma definição do termo que ainda hoje é amplamente difundida. Em
sua visão, o cenário abrangido pelo misticismo incorpora experiências que
englobam as características seguintes:

19 
Expressão de origem latina que indica que uma condição ou elemento seja indispensável e essencial.
20 
A obra ainda exerce uma poderosa influência sobre as discussões da experiência religiosa e do misticismo. Apesar
de criticada por enfatizar demais as dimensões subjetivas da espiritualidade e negligenciar os aspectos sociais, ela se
sustenta até os dias atuais porque James articulou eloquentemente o que é ser enquadrado “no limite entre crença e
descrença” (HORGAN, 2003).
132 A Transdisciplinaridade da Consciência

• É inefável – difícil ou impossível de ser transmitida em lingua-


gem comum.
• É noética – significa que parece revelar uma verdade profunda.
• É transitória – raramente dura mais de uma hora.
• É um estado passivo – o sujeito se sente preso por uma força
muito maior do que ele mesmo.
Há ainda outras duas características que o autor não incluiu na lista
acima, mas que também estão presentes em tais experiências: sentimentos
de felicidade e de união com todas as coisas.
No início da década de 1990, os pesquisadores Eugene D’Aquili (Uni-
versidade da Pensilvânia, EUA) e Andrew Newberg impulsionaram o cam-
po de pesquisa conhecido como Neuroteologia,21 que resultou numa maior
credibilidade dos estudos no campo das experiências místicas. Segundo
eles, há indicações de que exista um elemento comum a todas as experiên-
cias espirituais, que é o sentido de unidade mais profundo do que aquele
transmitido pela consciência ordinária do cotidiano. Ainda segundo os
mesmos autores, a natureza dessas experiências vai ao encontro das bases
propostas pelo Pensamento Oriental.

Bases neurobiológicas das experiências místicas


Pesquisas contemporâneas sugerem que as experiências místicas sejam fe-
nômenos distintos e estruturados. Em experiências desta natureza, tempo
e espaço são percebidos de maneira não convencional ou até considerados
inexistentes, e os processos normais relacionados ao fluxo de pensamento
racional cedem lugar a formas de compreensão mais intuitivas da realida-
de. As pessoas frequentemente relatam, também, sensações que classifi-
cam como ligadas à presença do sagrado, afirmando terem experimentado
o significado mais essencial das coisas, vivenciando um estado descrito
como “uma iluminação interior que resulta na máxima liberdade” (NEW-
BERG; D’AQUILI; RAUSE, 2002).
Como qualquer experiência, esses estados são tornados possíveis pelas
bases e funções neurológicas presentes no cérebro, mais especificamente
são resultados do esvanecimento do sentido de si do sujeito e uma absor-
ção do “eu” em uma dimensão maior de percepção gerada quando a área de

21 
Termo utilizado pela primeira vez através da obra A ilha, do escritor britânico Aldous Huxley. Atualmente, é uma
área da Neurociência Cognitiva que aborda os estudos da experiência religiosa e da espiritualidade.
Consciência: Consonâncias e Dissonâncias entre Filosofia e Ciência 133

orientação do cérebro é forçada a operar com reduzidas entradas neurais,


ou até mesmo na ausência delas.
Certos comportamentos rítmicos encontrados em rituais religiosos22
podem colocar em movimento o mecanismo da deaferentação23 e, com esse
processo, levar a momentos de unidade espiritual transcendente. A mesma
cadeia de eventos pode ser posta em movimento menos formalmente por
padrões de comportamento que não têm intenção espiritual, mas são, no
entanto, rituais.
Sob determinadas circunstâncias, em situações de relaxamento, como
em um ambiente preparado com elementos adequados como luz, formas,
sons, aromas, texturas, os níveis quiescentes aumentam e a sensação de
serenidade pode se aprofundar em algo mais intenso, uma vez que a ativa-
ção prolongada da resposta calmante faz com que a área de orientação se
bloqueie de forma mais efetiva. Este bloqueio mais extenso resultaria em
um estado unitário mais forte, proporcionando ao sujeito uma sensação de
estar sendo absorvido pela música.
Os autores dividiram todos os métodos para alcançar as chamadas ex-
periências unitivas em duas categorias distintas:
a) Top-down: métodos descendentes, que incluem meditação e
oração, alcançam a transcendência através do relaxamento,
focalizando e acalmando os estados da mente.
b) Bottom-up: técnicas ascendentes que incluem dança, hiper-
ventilação, cânticos, exercícios vigorosos e que promovem
a excitação. Cada método age em um componente diferente
do sistema nervoso autônomo do corpo, que regula pulsação,
pressão arterial, respiração, metabolismo e outras funções
fisiológicas.

22 
Sob uma ótica neurobiológica, rituais apresentam duas características principais: 1- geram descargas emocionais
em diferentes graus de intensidade, que representam sentimentos subjetivos de tranquilidade, êxtase e admiração;
2- resultam em estados unitários que, em um contexto religioso, são muitas vezes experimentados como algum grau
de transcendência espiritual. As experiências unitárias produzidas por atos rituais são quase sempre acompanha-
das por fortes estados emocionais, que são, eles mesmos, resultantes de comportamentos rítmicos (GELLHORN;
KIELY, 1972). Os comportamentos motores repetitivos, como dançar ou cantar em cerimônias, podem ter efeitos
significativos sobre os sistemas límbicos e autônomos, ambos envolvidos na criação de emoção e humor. Um estudo
mostrou que os estímulos auditivos e visuais repetitivos – dança ritualizada, canto ou cânticos, por exemplo - podem
impulsionar ritmos corticais para produzir sentimentos inefáveis e intensamente prazerosos (D’AQUILI; NEWBERG,
1993). Outro trabalho demonstrou que comportamentos rítmicos ativam simultaneamente vários sentidos. Em com-
binação com outras atividades contribuintes, que muitas vezes fazem parte do ritual de jejum, hiperventilação e ina-
lação de incenso ou outras fragrâncias, essa estimulação multissensorial pode afetar a fisiologia do corpo de maneiras
que podem levar a estados mentais alterados.
23 
Perda da entrada sensorial de uma porção do corpo, geralmente causada pela interrupção das fibras sensoriais periféricas.
134 A Transdisciplinaridade da Consciência

Em ambos os casos, certos comportamentos rítmicos podem levar a


estados unitários, fazendo com que a área de orientação seja bloquea-
da do fluxo neural, isto é, a intensidade experenciada de cada um deles
está conectada ao nível de bloqueio das entradas neurais. Parece existir
um amplo espectro relacionado ao grau de intensidade desses estados
cada vez mais unitários, chamado por alguns pesquisadores de continuum
unitário (NEWBERG; D’AQUILI; RAUSE, 2002). O arco proporcionado
por este continuum liga os chamados momentos transcendentes menores,
que boa parte das pessoas experimenta ao longo da vida cotidiana,24 às
experiências mais profundas dos místicos e mostra que, em termos neu-
rológicos, ambos são diferentes, essencialmente, apenas em seus graus
de manifestação.
Ao longo deste continuum há um ponto bastante familiar a todas as
pessoas, chamado estado de mente basal, no qual o ser humano vive imer-
so na maior parte de suas atividades diárias (comer, trabalhar, dormir, inte-
ragir, divertir-se etc.). Apesar de cada ser humano ter a sensação, normal-
mente, de estar conscientemente conectado ao mundo que o cerca (família,
bairro, nação etc.), tudo é experimentado como se estivesse separado do
próprio sujeito. Conforme se avança pelo continuum, a separação percebida
torna-se cada vez menos nítida, desde estados de absorção unitária suave
até estados unitários mais profundos.
Em diferentes tradições, técnicas meditativas também assumem di-
ferentes formas e funções (WALLACE, 2007). Em qualquer uma delas,
o propósito desses métodos é quase sempre o mesmo: silenciar a mente
consciente e libertar a consciência da mente contra a limitação do ego. Em
termos gerais, técnicas de meditação se enquadram em duas categorias:
passivas (minimizar o fluxo de pensamentos) e ativas (direcionar a mente
para um objeto) (NEWBERG, 2010).

Técnicas passivas
São praticadas sob várias formas por ordens budistas, a partir do ato de von-
tade do meditante em acalmar todos os seus pensamentos, emoções e percep-
ções que emergem de forma descontrolada na mente. A intenção consciente

24 
Estimativas da frequência de experiências místicas variam muito; primeiro, por seus métodos serem passíveis
de ampla discussão e, segundo, pelo amplo horizonte de variabilidade das definições. De acordo com uma pesquisa
realizada na década de 1970, descobriu-se que 33% dos adultos americanos tiveram pelo menos uma experiência em
que sentiram “uma poderosa força espiritual que parecia levá-los para fora de si mesmos”. Outra pesquisa, realizada
na Inglaterra, determinou que uma porcentagem semelhante de pessoas tenha sido “consciente ou influenciada por
uma presença de poder” (HORGAN, 2003).
Consciência: Consonâncias e Dissonâncias entre Filosofia e Ciência 135

é instanciada pela área de associação25 de atenção direita do cérebro, base das


ações voluntárias, e busca coibir as entradas sensoriais e cognitivas do cená-
rio experencial.26 Neste processo, a área de associação de atenção, através do
tálamo, atua sobre o hipocampo, provocando a atenuação do fluxo de entrada
neural, chegando até mesmo ao seu bloqueio. Essa dinâmica gera o fenômeno
já mencionado da deaferentação, que acaba por influenciar também várias ou-
tras estruturas cerebrais, entre elas, a área de associação de orientação.27
Conforme o estado meditativo se aprofunda, a referida área de atenção
busca manter a mente livre de pensamentos e, juntamente com o hipocam-
po, reduz aos poucos o fluxo neural. Com o aumento do bloqueio neural, im-
pulsos neurais com energia crescente partem da área de orientação deferida
e seguem, passando pelo sistema límbico, até o hipotálamo, onde há elevada
atividade cerebral responsável pelas funções básicas do sistema nervoso au-
tônomo, entre elas, a capacidade de regular as funções ligadas às sensações
calmantes e excitantes experimentadas pelo sujeito (JEVNING; WALLACE;
BEIDEBACH, 1992).
Os impulsos neurais que chegam até o hipotálamo desencadeiam rele-
vantes sensações quiescentes que retornam pelo sistema límbico e chegam
ao ponto de partida, onde são registrados e retransmitidos, estabelecendo
um circuito reverberante que promove níveis quiescentes mais profundos
a cada novo ciclo, resultando na drástica redução do fluxo de entrada sen-
sorial para a área de orientação.
Intuitivamente, eventos como esse provocariam a diminuição corres-
pondente na função de excitatória. No entanto, sob certas condições, pode
ocorrer o fenômeno conhecido como “transbordamento” no qual a atividade
máxima do sistema quiescente desencadeia uma resposta instantânea de ex-
citação máxima. Com o aumento de atividade de ambos os sistemas, a mente
é atingida simultaneamente por respostas antagônicas, elevando ainda mais
a atividade neural do hipotálamo, através do sistema límbico, retornando à
área de associação de atenção, forçada a operar em condições máximas. Em
resposta, o efeito deaferente, no qual a área de atenção está direcionada para

25 
Responsável pela integração de informações correntes com outras informações preexistentes de natureza emo-
cional e cognitiva.
26 
Estudos baseados em EEG (registros eletroencefalográficos) demonstraram aumento da atividade elétrica sobre os
lobos frontais durante vários tipos de meditação.
27 
Embora a deaferentação seja conhecida por ocorrer diversas circunstâncias, não foi completamente provado que
ocorre durante as práticas de meditação. No entanto, dois estudos conduzidos por Newberg e sua equipe (meditado-
res budistas tibetanos e imageamento cerebral sobre a meditação de relaxamento da ioga) demonstraram aumentos
relativos nos lobos frontais e diminuição relativa nos lobos parietais posteriores.
136 A Transdisciplinaridade da Consciência

a área de orientação, torna-se sobrecarregado, proporcionando a completa


deaferentação da mesma.
Tal evento desencadeia um sensível efeito nas áreas de orientação
direita e esquerda. A primeira, encarregada de criar a matriz neuroló-
gica experimentada pelo sujeito como espaço físico, não recebe a in-
formação necessária para estabelecer o contexto espacial no qual o “eu”
está imerso. De acordo com pesquisas (NEWBERG; D’AQUILI; RAUSE,
2002), sendo sua única opção, em situações de ausência de entrada sen-
sorial, é gerado um senso subjetivo de espaço absoluto, que pode ser
interpretado pela mente como uma sensação de espaço infinito e eterno
ou, de forma complementar, a sensação de vazio atemporal e ausência
de espaço.
A área de orientação esquerda, relacionada com a geração do sentido
subjetivo do “eu”, torna-se indisponível para manipular o mapa corporal
e seus limites, tornando a percepção mental do “eu” ilimitada, ou seja, a
ausência de “eu” é suprimida. De acordo com o estado de deaferentação
total da área de orientação acima descrito, isso pode ser consistente com
descrições místicas da chamada união espiritual – com a ausência de ob-
jetos ou seres, do sentido do espaço e passagem do tempo e dos limites
entre o “eu” e mundo. A mente, então, é iluminada pela consciência, esta-
belecida sem ego, situada no estado de consciência pura e indiferenciada,
além da dualidade sujeito-objeto, o ser unitário absoluto, o último estado
unitário.

Técnicas ativas
Diferentemente das técnicas passivas, a abordagem ativa não objetiva si-
lenciar os pensamentos, mas concentrar-se intensamente em algum pen-
samento ou objeto. Ao se direcionar o foco da atenção para uma imagem,
o processo se inicia de forma similar à abordagem passiva, com a área de
associação de atenção traduzindo, em termos neurológicos, a intenção
consciente do meditante. Como tal intenção é dirigida sobre o objeto ou
pensamento específico, a área atencional facilita o fluxo neural ao invés de
inibi-lo, como na forma passiva. Assim, no modelo proposto por Newberg,
o incremento do fluxo neural faz com que a área de orientação direita, em
conjunto com a área de associação visual, mantenha o foco no objeto (real
ou imaginado) na mente. A manutenção do foco em direção ao objeto faz
com que as descargas da área de atenção direita sigam através do sistema
límbico e cheguem até o hipotálamo, promovendo a excitação dessa estru-
Consciência: Consonâncias e Dissonâncias entre Filosofia e Ciência 137

tura e resultando em um estado correspondente levemente agradável ao


sujeito. Conforme a contemplação (foco no objeto) torna-se mais intensa,
o fluxo das descargas neurais aumenta, possibilitando que a função de ex-
citação do hipotálamo atinja níveis máximos. Alcançado o ponto de satu-
ração, há também a ocorrência do fenômeno de “transbordamento”, que
resulta na ativação imediata da função quiescente do hipotálamo (NEW-
BERG; D’AQUILI; RAUSE, 2002).
O processo de ativação concomitante de ambas as funções de excitação
e quiescente promove uma estimulação máxima, retornando através das
estruturas límbicas que atingem ambos os lados da área de associação de
atenção. Em consequência disso, a atividade na área de atenção é conduzi-
da a níveis máximos, ampliando de forma sensível a capacidade da mente
do meditante em se concentrar no objeto de contemplação, gerando reper-
cussões relevantes nas áreas de orientação.
Na área de orientação esquerda, Newberg (2002) observou o mesmo
resultado identificado na abordagem passiva, ou seja, a restrição do fluxo
neural desempenhada pelo hipocampo que gera a deaferentação, condu-
zindo a uma diminuição do sentido do “eu”. Já na área oposta, a conse-
quência parece ser bastante diferente. No foco contemplativo, a área de
associação de atenção leva a área de orientação direita a elevar o grau de
concentração em relação ao objeto. Assim, como a área de atenção alcança
limiares superiores, esta não bloqueia o fluxo de informações para a área
de orientação direita, como acontece com a área esquerda; ao contrário, a
área de associação de atenção conduz o lado direito a elevar ainda mais o
nível de concentração sobre o objeto contemplado.
Neste cenário, com o objetivo de aumentar o foco da mente sobre a
imagem, a área de atenção também começa a privar a área de orientação
direita de toda a entrada neural que não seja proveniente do objeto con-
templado. Isto é, a área de orientação direita, conforme concentra esforços
para estabelecer o cenário espacial onde o sujeito da experiência está imer-
so, acaba por não mais receber sinais correspondentes, mas apenas infor-
mações relacionadas à área de atenção (NEWBERG; D’AQUILI; RAUSE,
2002). Consequentemente, a fim de criar uma representação a partir do ob-
jeto, e com a ausência das informações relacionadas ao seu contexto espa-
cial, a mente aumenta ainda mais o grau de concentração sobre a imagem
até que ela seja apreendida com toda a profundidade e amplitude possíveis.
De acordo com o avanço desse processo na área de orientação direita,
a deaferentação da área de orientação esquerda também segue seu fluxo,
138 A Transdisciplinaridade da Consciência

fazendo com que os limites percebidos do “eu” tornem-se cada vez mais
difusos, possibilitando, assim, que a mente possa experimentar o chamado
sentimento de absorção mística do “eu” individual, que, em estados mais
profundos ao longo do espectro do continnum, pode levar ao chamado es-
tado unitário absoluto ou consciência pura, mas de rara ocorrência (NEW-
BERG; D’AQUILI; RAUSE, 2002).

Conclusão
De acordo com o conteúdo exposto ao longo deste capítulo, as questões
fundamentais relacionadas ao complexo mente-consciência e seus desdo-
bramentos em algumas áreas do conhecimento humano ainda parecem
distantes de qualquer teoria consistente. Diante das ideias e argumentos
apresentados, não parece ser possível reduzir tal complexo a conceitos e
dinâmicas puramente mecanicistas, a partir dos quais seja possível estabe-
lecer correlações causais coerentes entre os eventos físicos e as experiên-
cias fenomenais, bem como realizar previsões de comportamento sistêmi-
co do sujeito da experiência.
Obviamente, frente às possibilidades aqui apresentadas, não significa
que o mainstream da Ciência esteja aberto à possibilidade de uma realida-
de além do escopo objetivo abrangido por seus métodos. A autoridade da
Ciência, afinal, está enraizada no pressuposto de que a realidade material
é a origem e fim de todas as coisas no universo. Contudo, com as ideias
aqui apresentadas, pode-se conjecturar que o tema em questão esteja além
dos domínios circunscritos pelo método científico, e discutir seus limites
atuais relacionados ao lugar que a consciência ocupa na natureza parece
ser uma sensata postura frente aos desafios aqui delineados.
Também parece ser bastante razoável e obviamente especulativa a pro-
posta de que a consciência possa ser uma das entidades fundantes da natu-
reza, pois, a partir dela, o mundo é criado para o sujeito da experiência e, na
ausência desta, nada pode-se afirmar sobre a existência do que nomeamos
realidade. Além dos argumentos apresentados, um fator de destaque nessa
direção está relacionado com o chamado conceito de “consciência pura”
(abordado anteriormente em “Consciência”), que pode ser um dos indícios
que permitem corroborar com a proposta acima apresentada.
No item acima referenciado, apesar das diferentes perspectivas das es-
colas de pensamento e distintas correntes religiosas, sob uma abordagem
neurológica e filosófica, parece não haver versões divergentes do estado
Consciência: Consonâncias e Dissonâncias entre Filosofia e Ciência 139

unitário absoluto promovido potencialmente pela “consciência pura”. Ele


pode ser retratado a partir de contextos culturais e interpretações pessoais
que são inevitavelmente distorcidos pela subjetividade pós-facto, pois, nes-
se estado, as observações subjetivas estão ausentes, pois a percepção de um
“eu” subjetivo parece ser suspensa; observador e observação são fundidos
em uma só unidade.
Até aqui, pode-se inferir que, apesar do maciço avanço das técnicas ex-
perimentais da Ciência, especialmente aquelas que se utilizam do “esta-
do da arte” em equipamentos de imageamento cerebral, ainda há poucas
evidências de que estejamos próximos de responder de forma satisfatória
questões como a apresentada acima. Também parecem ainda distantes as
respostas sobre como resolver os correlatos neurais da consciência e, prin-
cipalmente, como a vastidão de possibilidades e complexidade dela decor-
rentes, chamado de “problema difícil”, possa emergir naturalmente a partir
dos incontáveis processos eletroquímicos produzidos no cérebro a cada
instante de nossa existência, como propõem os defensores ferrenhos do
materialismo e suas vertentes.
Por enquanto, de acordo com o exposto pelo erudito Huston Smith, a
compreensão sobre a natureza da consciência e da existência pode ser al-
cançada através de diferentes caminhos. Esses distintos caminhos pare-
cem conduzir ao mesmo destino: o chamado conhecimento absoluto, tão
bem explorado pelas antigas tradições por eles pesquisadas. Talvez este
seja um dos poucos meios para o homem encontrar as repostas que busca
há milênios e, finalmente, descobrir o que ele de fato é e qual o seu lugar ao
longo da jornada, isto é, tornar-se verdadeiramente humano.

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Um Lampejo na Escuridão:
uma Proposta Prática para
se Avivar o Observador
Valeria Portugal*

Ao olhar para dentro, o que se vê? É interessante notar que, para olhar para
dentro de si, o indivíduo precisa utilizar outra ferramenta além do sistema
físico da visão. Que ferramenta seria esta então? A Ciência Védica de Ma-
harishi Mahesh Yogi propõe o uso adequado do pensamento, tornando-o
cada vez mais refinado, até que se transcenda a própria atividade da men-
te e se atinja um estado denominado de consciência transcendental, ou
Consciência Pura, que seria a própria essência do Ser. Daí o motivo pelo
qual é fundamental diferenciar Consciência em seu sentido mais amplo de
experiência consciente, estado em que o indivíduo está consciente do am-
biente à sua volta, mas não necessariamente consciente de seu próprio eu
interno, aquele aspecto seu que é o observador e o agente da própria expe-
riência. Consciência, no sentido estendido, engloba todas as possibilidades
de estados de consciência: o estado de Consciência Pura, ou consciência
transcendental, em que existe somente a experiência do próprio Ser, sem
objeto de observação; os estados inconscientes, sonho e sono; e os estados
de experiência consciente da vigília.
Para John Searle, filósofo da mente, a definição de consciência se reduz
ao estado de experiência consciente da vigília, ao descrevê-la como sendo
o estado entre o acordar e o dormir, fruto de processos biológicos, para a
existência do qual o cérebro é um sistema necessário e suficiente. Que o
cérebro e todo o sistema nervoso sejam necessários para se ter uma expe-
riência consciente parece ser aceitável, mas não é suficiente para garantir
a existência da Consciência, que inclui a Consciência Pura, estado que não
necessita do cérebro para existir.
Utiliza-se aqui, então, a mente e a dinâmica cerebral para o entendimen-
to
1 dos processos de se olhar para fora e ver o mundo através dos estímulos
sensoriais e olhar para dentro e ver o próprio observador que sofre tais

* 
Diretora de Pesquisa do Instituto David Lynch – Brasil e colaboradora do Laboratórios de MultiAplicações Expe-
rimentais (Lamae)/UFRJ.
144 A Transdisciplinaridade da Consciência

experiências. E, através da prática recorrente de se experimentar o obser-


vador, torná-lo avivado mesmo quando se experimenta o mundo de fora.
Através de investigação científica, torna-se possível verificar que o cé-
rebro possui dois modos excludentes de funcionamento: um denominado
modo referente ao objeto e o outro, autorreferente. No modo referente ao
objeto, em que o observador fica totalmente eclipsado por causa da expe-
riência do objeto, o que se verifica é a maior atividade do córtex posterior,
onde estão localizados os córtices sensoriais e o córtex motor, e a preva-
lência das frequências gama e beta, relacionadas à função cognitiva de con-
centração e ao processamento de informações recebidas através dos apa-
relhos sensoriais, respectivamente. O tálamo está funcionando no modo
tonic, sendo que os núcleos matriciais que reenviam os estímulos senso-
riais para os córtices primários estão mais atuantes. E o circuito predomi-
nante é o frontoparietal, cujo funcionamento bottom-up (ascendente) leva
os estímulos dos córtices sensoriais para o córtex pré-frontal, que organi-
za as funções executivas. Este modo de funcionamento cerebral permite
que o indivíduo se relacione com o mundo externo e tenha as experiências
conscientes durante a vigília, mesmo que, para tê-las, o cérebro processe
uma enorme quantidade de informações inconscientes.
No modo de funcionamento autorreferente, em que a experiência do ob-
servador interno está avivada, mas não a percepção do mundo externo, há
maior atividade do córtex pré-frontal, coerência de ondas alfa 1 (8-10 Hz)
entre os córtices pré-frontais direito e esquerdo, funcionamento talâmico
no modo burst, com maior ativação dos núcleos centrais que reenviam os
estímulos vindos da medula para o córtex, e maior ativação do DMN (De-
fault Mode Network), circuito correlacionado aos estados em que o sujeito
não se encontra envolvido em nenhuma atividade cognitiva. O DMN pode
ser entendido como o modo de funcionamento intrínseco do cérebro, e,
toda vez que ele se encontra mais ativado, pode significar o momento em
que o sujeito se encontra em maior conexão com seu próprio Ser. Quando
o DMN está menos ativado, o indivíduo encontra-se absorvido em alguma
função cognitiva que exige atenção externa a ele.
Essa constatação parece indicar que os estados de consciência podem
ser psicofisiológicos, ou seja, possuem tanto um caráter de experiência
psicológica relacionada à presença ou não de autopercepção e à existência
ou não de pensamentos quanto um aspecto fisiológico correspondente ao
estado mental. A importância desse entendimento se deve ao fato de que
as alterações mentais correspondem a alterações físicas e vice-versa, mas,
Um Lampejo na Escuridão: uma Proposta Prática para se Avivar o Observador 145

apesar de ambos sustentarem um determinado estado de consciência, não


necessariamente o estado fisiológico gera um estado de consciência. As
correlações entre ciência moderna e ciência védica têm mostrado que ain-
da existe uma lacuna no entendimento do processo de manifestação do
mundo físico e mental.
O que se busca é sair dessa dualidade. Seria possível o sistema neurofi-
siológico humano suportar a experiência da totalidade? Poderia o cérebro
funcionar nos dois modos ao mesmo tempo? Continuar a viver o dia a dia
faz parte do desenvolvimento do pleno potencial do ser humano, ou seja,
ter a experiência da consciência relativa, que faz referência ao tempo, es-
paço e sensações corporais. Mas também existe a possibilidade para o ser
humano de viver a consciência absoluta, em que a mente e a percepção são
ilimitadas.
Tem sido verificado que, embora o cérebro funcione ou num modo
ou no outro de forma excludente, a prática recorrente da experiência da
consciência transcendental, a consciência absoluta, que coloca o cérebro
no modo de funcionamento autorreferente, aliada às atividades diárias de
forma alternada, permite a integração cerebral, proporcionando ao indiví-
duo experimentar os dois estados ao mesmo tempo. Ou seja, ocorre uma
estabilização do estado de transcendência, em que o observador está aviva-
do, mesmo quando o indivíduo está se relacionando com o mundo externo.
O estado de transcendência, aquele em que se transcende a própria
atividade mental, tem sido descrito pela literatura védica e pelos estudos
científicos como sendo um estado de autopercepção plena e de ausência
de pensamentos. Trata-se de um estado silencioso da mente, o estado mais
fundamental de consciência, no qual os indivíduos que o experimentam
relatam a percepção de atemporalidade, adimensionalidade e ausência de
sensações corporais. Fonte de onde brota o pensamento e a criatividade,
para onde o sujeito sempre pode retornar.
A inferência de que todo pensamento surge dali pode ser feita pela cor-
relação encontrada entre o funcionamento cerebral no estado de transcen-
dência e o funcionamento no momento da origem do insight. Para poder
ser considerado um objeto de estudo científico, insight passa a ser defini-
do como a solução súbita de um problema, acompanhada de uma intensa
carga emocional, a exemplo do “eureca” de Arquimedes ao descobrir a lei
do empuxo. A solução de um problema por insight se diferencia da solu-
ção analítica porque o insight não acontece passo a passo e não pode ser
retomado da mesma forma como surgiu originalmente. As investigações
146 A Transdisciplinaridade da Consciência

neurocientíficas privilegiam o instante em que o insight passa a ser uma


experiência consciente a partir da qual pode-se tomar uma ação para efeti-
vamente solucionar o problema. Para tal situação é possível descrever um
modelo cognitivo e um modelo neurofisiológico que expliquem a manifes-
tação do fenômeno. No entanto, como o cérebro leva alguns milissegundos
para processar de forma inconsciente os estímulos até que a informação
se torne uma experiência consciente, a origem efetiva do insight aconte-
ce antes do momento de sua manifestação. Ao se investigar os marcado-
res fisiológicos no momento da origem do insight, constata-se que são os
mesmos relacionados ao estado de consciência transcendental. Ou seja, o
insight ocorre quando o indivíduo está em estado de transcendência, que
se trata de um estado diferenciado de vigília, sonho e sono, cada um deles
possuindo seus marcadores psicofisiológicos específicos.
É importante ressaltar que o estado de consciência transcendental não
consiste em um estado alterado de consciência, possível de ser alcançado
através de drogas alucinógenas ou por estados disfuncionais do sistema
nervoso, nem consiste de algo ilusório projetado no mundo das ideias. A
transcendência tem sido considerada tanto pelas tradições orientais quan-
to pela ciência moderna como um estado natural de consciência, e, além
disso, trata-se do estado fundamental de consciência que permite a mani-
festação dos demais estados de consciência. O estado de silêncio infinito
que permeia tudo que é olhado pelo sujeito. Trata-se de uma presença que
não é separada do ser, não é uma fisiologia externa ao silêncio que está
avivado dentro de cada um. Os impulsos criativos que surgem dali não
são uma força externa ao sujeito, eles moram no mais profundo silêncio
da consciência transcendental, que não está apenas dentro, mas em tudo
que existe. Ao se abrir o acesso à consciência transcendental, abre-se o
conhecimento da consciência ao ser individual. O olhar autorreferente só
acontece na consciência pura, não através da visão dos olhos, e sim através
da visão do ser que existe em si mesmo.
O intelecto insaciável busca a resposta da questão de como seria pos-
sível experimentar o absoluto se o indivíduo está sujeito à experiência da
realidade através da mente e dos sentidos. Considerando a existência de
dois tipos de realidade, a relativa e a absoluta, sendo que a relativa pode
ser contemplada pela vigília, sonho e sono, e a absoluta, pela transcendên-
cia, para experimentar essa realidade absoluta, o ser humano possui um
recurso físico, seu sistema nervoso, que precisa funcionar de maneira ade-
quada para refletir tal experiência. De acordo com o Conhecimento Védico
Um Lampejo na Escuridão: uma Proposta Prática para se Avivar o Observador 147

de Maharishi Mahesh Yogi, a Consciência é primária, ou seja, consiste na


substância fundamental criadora dos níveis de subjetividade e objetividade
humanos e universais. Isso tem sido demonstrado cientificamente através
da correlação do funcionamento cerebral com a experiência desse estado
fundamental da Consciência, chamado de Consciência Transcendental, ca-
racterizada pela coerência de ondas cerebrais alfa 1 e suspensão do ritmo
respiratório, juntamente com a experiência psicológica de autopercepção e
ausência de pensamentos. Sendo assim, embora a realidade absoluta não
seja dependente do cérebro humano, para a experiência de cada nível de
realidade, o cérebro precisa estar funcionando de determinada maneira.
A experiência da realidade ocorre através da interação do campo de cons-
ciência pura com a atividade do sistema nervoso humano.
Considerados os modos de funcionamento autorreferente (AR) e refe-
rente ao objeto (RO) tratados acima, deve haver uma anticorrelação espon-
tânea entre os circuitos de atenção externa e interna. O melhor desem-
penho deve acontecer quando os circuitos de atenção externa estiverem
operando em seus valores máximos, e a maior conexão com o ser deve
ocorrer quando os circuitos de autopercepção estiverem mais ativados,
particularmente o DMN (Default Mode Network). A vida se trata de uma
combinação dos modos autorreferente e referente ao objeto, que é alcança-
da por meio do funcionamento do cérebro.
Conforme a mente parte de um estado mais excitado de atividade,
quando se encontra em um nível mais grosseiro de pensamento e vai se
aquietando para atingir a transcendência, os pensamentos se tornam mais
refinados. Quando se atinge a transcendência, a mente se encontra em si-
lêncio e se conecta com a fonte de onde surgem os pensamentos. O cérebro
processa todos os estágios do pensamento, desde sua origem até sua mani-
festação no nível mais grosseiro, independentemente de os estágios serem
conscientes ou não. Enquanto o indivíduo não possui a fisiologia cerebral
capaz de comportar o funcionamento integrado do cérebro, os níveis mais
próximos da fonte são processados de forma inconsciente, pois o indiví-
duo se encontra desconectado da fonte. Daí a necessidade do uso de uma
ferramenta que possibilite o indivíduo experimentar o estado fundamental
da Consciência, a transcendência, de forma sistemática. Essa ferramenta
consiste na técnica da Meditação Transcendental, que provê ao indivíduo
um veículo para que a mente transcenda a própria atividade. Nesse estado
de realidade absoluta, é a própria Consciência autorreferente que permite
a experiência.
148 A Transdisciplinaridade da Consciência

Quando a atenção está voltada para fora e a consciência não está assen-
tada na consciência transcendental, o estado fundamental da Consciência,
ela não é pura, não é completa. Identifica-se com os objetos e não se refere
a si própria. Somente no nível transcendental a consciência é autorreferen-
te. Ela sussurra para si mesma e se torna criadora. Sem pular para o nível
de espaço e tempo, a consciência funciona em sua própria estrutura pura e
permite a experiência do absoluto.
Conforme o cérebro vai adquirindo a habilidade de integrar os proces-
sos referentes ao objeto e os autorreferentes por meio da prática da trans-
cendência, o nível consciente de percepção passa a se sobrepor sobre os
outros estágios de processamento, o pré-consciente, o subliminar e o in-
consciente (ou desconectado), colocando o indivíduo em acesso direto com
a fonte dos pensamentos, de onde também surge o insight.
Com uma fisiologia que suporte manter os dois estados de consciência
ao mesmo tempo, o indivíduo desfruta do estado de silêncio de onde ema-
na todo o poder criativo da vida e do mundo material dinâmico de forma
mais ordenada e plena, e é possível considerar que ele tenha atingido a
realização plena, rumo a níveis ainda superiores de consciência.
Para que a consciência transcendental, ou Consciência Pura, possa ser en-
tendida como um nível basal de consciência, seria preciso analisar sua estru-
tura. Parte-se então do princípio de que o que há de primordial é Consciência,
que possui dois atributos básicos: existência e inteligência. Trata-se tanto de
um campo de existência pura, a fonte autossuficiente de tudo que existe, quan-
to um campo de inteligência pura, a fonte de ordem da natureza. O atributo da
existência está relacionado ao aspecto silencioso do campo unificado, mas não
inerte. O aspecto inteligente se relaciona ao dinamismo. Sendo um campo de
existência e de inteligência, ele está desperto para sua própria natureza, ou seja,
possui a propriedade de consciência autorreferente. A propriedade de autorre-
ferência é responsável pela criatividade da inteligência pura.
O termo Consciência Pura denota o campo unificado de consciência si-
lencioso e imutável na base de todas as diversas fases ativas de consciência
que se experimenta normalmente. Ao se ater aos níveis mental e compor-
tamental, a psicologia moderna exclui o nível fundamental da consciência
e não consegue desvendar o funcionamento dos processos inconscientes e
de sua origem. Enquanto os fenômenos mentais, como pensamentos, per-
cepções e sentimentos, e os comportamentais possam ser considerados
eventos, postula-se que a Consciência Pura possa ser a base de onde eles
surgem.
Um Lampejo na Escuridão: uma Proposta Prática para se Avivar o Observador 149

Considera-se ser uma unidade, pois, na Consciência Pura, o observador


está consciente de si mesmo como o observado e também como o processo
de observação. Daí referir-se à Consciência Pura como o estado autorrefe-
rente de consciência, porque nele o conhecedor (ou observador) é o objeto
exclusivo de seu conhecimento. Quando a consciência adquire percepção
de outros objetos não é mais Consciência Pura, e sim referente ao objeto.
O estado autorreferente da consciência pode ser descrito como puro
porque se trata de um estado não qualificado. Qualquer evento mental se
torna um qualificador da consciência, tornando-se um estado específico.
Quando o sujeito vê um objeto, a consciência assume a qualidade desse ob-
jeto, identificando-se com o objeto da percepção. Por outro lado, o estado
autorreferente da consciência pura não possui características específicas,
sendo experimentado como eterno e infinito – atemporal e adimensional.
No estado ordinário de vigília, o estado de unidade se perde e o experi-
mentador se percebe separado dos objetos e do processo de conhecimento.
A realidade da Consciência não é apenas um (Consciência Pura), nem
apenas três (observador, observação, observado), mas ambos juntos. A
Consciência tem uma estrutura três em um, ela é tanto unidade quanto
multiplicidade, se estendendo do absoluto ao relativo.
A psicologia védica de Maharishi adiciona um componente importante
ao conhecimento científico da subjetividade porque ela provê uma tecno-
logia, a Meditação Transcendental, através da qual qualquer um pode ex-
perimentar a Consciência Pura. Essa tecnologia permite que os correlatos
fisiológicos da Consciência Pura e seus efeitos nos processos cognitivos
e comportamentais sejam estudados de forma objetiva. A ciência védica
inclui os achados da ciência moderna, e é por isso que se pode utilizar o
conhecimento científico para obter marcos fisiológicos dos diferentes ní-
veis de consciência, incluindo o nível transcendental.
A abordagem da ciência moderna é objetiva, usando medições empí-
ricas para testar ideias teóricas. A abordagem filosófica é essencialmente
descritiva. A abordagem védica é tanto objetiva quanto subjetiva, trazendo
o entendimento intelectual e a experiência prática. A abordagem subjeti-
va da ciência védica usa sistematicamente o sistema nervoso humano e a
consciência como instrumentos por meio dos quais conclusões sobre o
funcionamento da natureza podem ser sistematicamente verificadas por
cognição direta, ou seja, através da experiência vivenciada e não pelo en-
tendimento intelectual. A investigação objetiva descreve o processo de
manifestação da natureza a partir dos níveis sutis da criação. Ou seja, todo
150 A Transdisciplinaridade da Consciência

o processo descrito pelo Veda e pela literatura védica de manifestação do


mundo físico e mental a partir do campo unificado de Consciência Pura
pode ser experimentado diretamente pelo sujeito através da prática da Me-
ditação Transcendental.
No nível do campo unificado, a Consciência Pura é um campo autossu-
ficiente e autorreferente de subjetividade pura e de existência pura. Mas,
para funcionar dentro dos limites de espaço e tempo, a Consciência Pura,
cria um veículo fisiológico através do qual a consciência se expressa. O
sistema nervoso reflete a consciência em graus variados. Todas as formas
de vida são uma manifestação limitada do potencial total da Consciência
Pura, expressando os níveis de subjetividade em um grau limitado. O di-
ferencial do sistema nervoso humano é que, quando plenamente desenvol-
vido, pode experimentar as inúmeras possibilidades inerentes no dinamis-
mo da Consciência Pura.
Portanto, o campo de Consciência Pura, além de originar as estruturas
materiais por meio do sistema nervoso humano, permite que ele próprio seja
experimentado em seu valor pleno. Ou seja, é uma estrada de mão dupla. Em
um sentido, a Consciência Pura, através de suas qualidades de dinamismo
e silêncio, cria todos os níveis de subjetividade até dar origem aos objetos
manifestos e, em sentido contrário, através do sistema nervoso humano,
possibilita experimentar e investigar o estado fundamental da consciência.

Referências
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WALLACE, R. K. The Neurophysiology of Enlightenment. Fairfield: Maharishi University of
Management Press, 1986.
Este livro é resultado do Encontro Internacional Trans-
disciplinar da Consciência, que contou com a participa-
ção de vários pensadores de diversas áreas do conheci-
mento com o objetivo de conversar acerca da consciência.
O encontro, por sua vez, é fruto do grupo de pesquisa de
Teorias da Consciência. Nosso orientador/supervisor é
o professor Luiz Pinguelli Rosa, e o grupo pertence ao
curso de pós-graduação em História das Ciências, das
Técnicas e Epistemologia na Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ).

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