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ASPECTOS INCONSTITUCIONAIS DA MPV 905/20191

A medida provisória nº 905 de 2019 foi editada pelo executivo federal em resposta à
crise econômica que acometeu o país, implicando numa série de mudanças no direito
trabalhista, em seus aspectos processual e material. Trata-se de uma tentativa de agilizar e
baratear os custos com pagamento de encargos trabalhistas, com objetivo de incentivar o
crescimento de investimentos produtivos. O saldo final deste processo foi a racionalização de
certos deveres do empregador, tais como a facilitação de registros na Carteira de Trabalho do
empregado; bem como a supressão de certos direitos individuais, que acarretou em manifesta
inconstitucionalidade de alguns de seus dispositivos.
Dentre os dispositivos inconstitucionais encontrados, podemos delimitar quatro
grandes áreas de violação: existência de vício formal em sua promulgação, violação às
garantias constitucionais do trabalhador, violação às normas constitucionais de incentivo e
promoção à economia e o estabelecimento de normas que apresentam redação frontalmente
contrária ao texto constitucional ou à interpretação do Supremo Tribunal Federal.
Em primeiro lugar, a inconstitucionalidade da medida provisória consiste no vício
formal de propositura. Ora, certo é que a legislação implicou na relativização de diversos
direitos e deveres previstos constitucionalmente, a exigir que fosse proposta através de uma
Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Vantagens da propositura de PEC teriam sido a
existência de trâmite processual mais lento, com possibilidade de debate social acerca das
medidas propostas, com a necessária rediscussão da matéria junto da Câmara dos Vereadores
e do Senado Federal. Não seria, portanto, mero formalismo, mas o indispensável respeito ao
devido processo constitucional, o qual passa as propostas de emenda constitucional sob o
crivo de quorum diferenciado e profundo debate.
Ademais, como extraímos da notória análise do MMo. juiz de Direito Germano
Silveira de Siqueira, a MP 905 não foi motivada por situação de urgência apta a justificar sua
propositura, considerando que o cenário de desemprego no país já não é mais novidade
(Processo nº 0000236-53.2019.5.07.0005).

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Daiani S Severino, matrícula nº 16202330, email: daianiseverino@gmail.com.
Em segundo lugar, podemos identificar vício de inconstitucionalidade nos diversos
dispositivos que acarretaram em supressão de direitos trabalhistas. É o caso da relativização
de direitos previdenciários, a redução brutal do valor do FGTS (de 2 para 4%), a ampliação de
hipóteses em que o trabalho aos domingos está autorizado, além do afastamento de regras de
segurança individual. Por relativizar estas regras intimamente ligadas ao texto constitucional
(o direito à previdência está expressamente previsto no art. 212, § 5º, por exemplo), a
legislação deveria ser proposta mediante PEC, sendo que mesmo nesse caso sua adequação à
Constituição seria duvidosa. Afinal, a CFRB proíbe a alteração de alguns de seus dispositivos,
mesmo mediante PEC, como é o caso de medidas “tendentes a abolir direitos individuais”
(art. 60, § 4º, IV).
Além disso, percebe-se que a MP 905 busca reduzir os encargos do empregador
também através da isenção de impostos que tenham por finalidade o estímulo à economia e à
educação. Exemplo disso é a isenção dos encargos destinados ao salário educação, previsto in
litteris pela CFRB em seu art. 212 § 5º, e a isenção de encargos destinados ao apoio a
microempresas, microempreendedores e microcrédito, cuja promoção é dever do estado,
previsto no art. 70, inciso IX da CFRB. Tal diagnóstico não só aponta a inconstitucionalidade
da referida MP, como também revela a contradição de tentarmos promover a melhoria
econômica abandonando o pequeno empresário.
Por fim, percebemos que certos dispositivos da MP são literalmente contrários ao
texto constitucional. Trazemos à tona, a título de exemplo, a previsão de que será facultado ao
empregador a contratação de seguro acidentário em nome do trabalhador, conforme o acordo
firmado entre as partes. Ora, certo é que indenizar perdas sofridas pelo trabalhador por
ocasião do labor é obrigação do empregador, inclusive independentemente de culpa, conforme
previsto constitucionalmente no art. 7º, inc. XXVIII da CFRB, e não mera faculdade que
possa ser afastada conforme acordos individuais entre empregado e empregador que, aliás,
apresentam poder manifestamente desigual, colocando em dúvida a própria validade do
acordo.

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