Você está na página 1de 12

PNEUMONIA ADQUIRIDA NO HOSPITAL -

VISÃO CRÍTICA

Rogério Rufino
José Gustavo Pugliese
Kennedy Kirk
Thiago P. Bartholo
Thiago T. Mafort

RESUMO

As pneumonias adquiridas no hos- das por deficiência nutricional, idade, do-


pital (PAH) são processos inflamatórios enças e tratamentos prévios não podem ser
infecciosos que ocorrem em decorrência esquecidas ou desvalorizadas na aborda-
do ambiente hospitalar com elevada mor- gem médica1,2.
bidade e mortalidade. Em geral, entre 0,4 Em 2004, o corpo de pesquisado-
a 1,1% dos pacientes internados desenvol- res e médicos da Sociedade Americana do
vem PAH, sendo esta a segunda causa de Tórax se reuniu e publicou em 2005 as li-
infecção em pacientes hospitalizados, mas nhas gerais para as pneumonias adquiridas
a primeira causa infecciosa em unidades no hospital (PAH), associadas à ventilação
fechadas. Apesar da baixa incidência, há mecânica (PAV) e relacionadas aos pa-
elevada mortalidade, de 20 a 50%, espe- cientes institucionalizados. Assim, como
cialmente quando associada a outras do- é regra comum nas sociedades mundiais
enças e a agentes microbianos multirresis- seguirem os conceitos americanos, parti-
tentes. Neste artigo, os autores revisam os cularmente nos ditames editoriais das re-
principais conceitos e discutem especiais vistas médicas internacionais, houve uma
dificuldades relacionadas à PAH. aceitação desses conceitos. A PAH é de-
finida quando apresenta critérios de diag-
PALAVRAS-CHAVE: Pneumonia hospi- nóstico após 48 horas de hospitalização,
talar; Multirresistência. e a PAV, após 48-72 horas de ventilação
artificial. A pneumonia de pacientes ins-
titucionalizados (healthcare pneumonia)
possui critérios mais diversificados, como:
INTRODUÇÃO após duas hospitalizações no intervalo de
90 dias por qualquer motivo associada a
A utilização de termos como ‘no- tratamento domiciliar ou em instituições
socomial’, ‘adquirida no hospital’ ou ‘hos- com cuidadores de saúde; nos que utilizam
pitalar’ são designações que possuem a sua antibióticos, quimioterápicos e tratamento
utilidade na orientação à equipe de saúde de feridas cutâneas há menos de 30 dias;
da provável microbiota do doente, o que ou em pacientes sob hemodiálise2.
direciona a equipe médica em rotas de Três pontos de relevância devem
diagnóstico e tratamento. É evidente que ser discutidos quanto da definição de PAH.
outros dados de relevância, como a imuni- O primeiro versa sobre o que é conside-
dade nata e inata, suprimidas ou deprimi- rado infecção nosocomial no Brasil, que é

30 Revista Hospital Universitário Pedro Ernesto, UERJ


aquela ocorrida após 72 horas de hospita- PATOGENIA
lização ou associada a procedimentos ci-
rúrgicos independente do período de tem- A aspiração de bactérias da oro-
po de hospitalização. O segundo, quanto faringe é a via mais comum de infecção
a “confusão” estabelecida pelo Consenso na PAH. Outras formas menos frequentes
de PAH de uma subclassificação, preco- são a hematogênica (infecções à distância,
ce (menos de 4 dias) e tardia (mais de 4 translocação bacteriana intestinal, coloni-
dias). A primeira relaciona-se com o me- zação de cateteres), inoculação direta (ne-
lhor prognóstico (microbiota mais seme- bulização, aspiração) e por contiguidade
lhante da comunidade) e a segunda, com (empiema, abscessos subfrênicos). Dados
micro-organismos com perfil de resistên- sugerem que 45% dos indivíduos saudá-
cia maior. E o último ponto refere-se às veis broncoaspiram durante o sono e que
pneumonias diagnosticadas logo após a este processo é mais frequente em pacien-
intubação, ou seja, com menos de 48 horas tes com alteração do nível de consciência,
da internação. Será realmente uma PAH como deglutição anormal e motilidade gas-
ou pneumonia comunitária grave? Logo, o trointestinal diminuída2,3. O desenvolvi-
mais importante é uma forte orientação de mento de PAH necessita da entrada de um
conduta médica, que fundamente no racio- grande número de micro-organismos nas
cínio clínico as suas propostas diagnósti- vias aéreas inferiores ou um número me-
cas e terapêuticas. nor de organismos com maior virulência
Nos EUA, a infecção do trato res- capaz de sobrepujar as defesas pulmona-
piratório inferior (traqueíte, traqueobron- res do hospedeiro. As defesas pulmonares
quite, bronquite, pneumonia) é respon- constituem um sistema complexo que in-
sável por 13 a 18% de todas as infecções clui fatores mecânicos, bioquímicos e ce-
nosocomiais e é a principal causa de morte lulares. A interação dos micro-organismos
por infecção hospitalar. A maioria absoluta e destas defesas determinará a existência
dos casos de PAH ocorre fora das Unida- de colonização, infecção local ou dissemi-
des de Tratamento Intensivo (UTI), mas nada3,4,5.
as taxas relativas de PAH são maiores nos No paciente em ventilação mecâ-
pacientes na UTI, particularmente nos que nica, o trauma local e a inflamação ocasio-
estão em ventiladores mecânicos. Na UTI, nados pelo tubo e a broncoaspiração das
os pacientes que estão com pneumonia, secreções da orofaringe para a traqueia
independente da ventilação mecânica, pos- abaixo do cuff do TOT facilitam a coloni-
suem uma taxa de mortalidade 2 a 10 vezes zação da árvore traqueobrônquica e poste-
maior do que os que não têm pneumonia1,2. riores processos pneumônicos. Além disto,
a própria permanência de tubos (orotraque-
al ou traqueal) se correlaciona com maior
ETIOLOGIA chance de pneumonia. Isto é, incidência de
3% por dia nos primeiros 5 dias, 2% por
As bactérias são as causas mais dia nos próximos 10 dias e 1% após o 15º
comuns de PAH. Como já foi exposto, esta dia. Ou seja, o paciente intubado por 80
pode ser subclassificada como precoce dias apresentará, pelo menos, uma pneu-
(<4dias) e tardio (>4dias) (Quad. 1). Em monia4-6.
30 a 50% dos pacientes com PAH bacteria-
na, a etiologia é polimicrobiana, mas as ta-
xas podem variar de acordo com o método
diagnóstico empregado2.

Ano 9, Julho a Dezembro de 2010 31


Quadro 1. Etiologia das PAHs.

PATÓGENOS INÍCIO DA PNEUMONIA FREQUÊNCIA (%)


Streptococcus pneumoniae Precoce 10-20%
Haemophilus influenzae Precoce 5-15%
Bactérias anaeróbicas Precoce 10-30%
Staphylococcus aureus Precoce / Tardio 20-30%
Bacilos gram-negativos # Tardio 30-60%
Legionella pneumophila Tardio 0-15%
Vírus Tardio < 1%
(influeza A e B, sincicial
respiratório, CMV)
Fungos Tardio < 1%
(Aspergillus e Pneumocysti
jirovecci)
Mycobacterium Tardio < 1%
tuberculosis
# Klebsiella pneumoniae, Acinetobacter sp., Pseudomonas aeruginosa, Enterobacter sp.,
Serratia marcenscens, Escherichia coli.

DIAGNÓSTICO

A avaliação inicial dos pacientes cessos inflamatórios infecciosos pulmo-


com suspeita de PAH envolve a confirma- nares, pode ser em decorrência de outras
ção de um processo inflamatório parenqui- causas, como infecções vinculadas ao ca-
matoso pulmonar vinculados a um micro- teter venoso profundo e infecção urinária
organismo. É necessário quadro clínico (cateter vesical de demora) ou de quadros
(tosse com ou sem expectoração, dispneia, intestinais pelo uso prévio de antibióticos
febre, dor pleurítica, alteração do status (colite por Clostridium difficile, por exem-
mental, exame físico compatível com con- plo)2. Além disso, processos tromboembó-
solidação pulmonar), achados radiográfi- licos pulmonares e o uso de determinados
cos (condensação ou infiltrado pulmonar) medicamentos também podem elevar a
e alterações laboratoriais (leucocitose ou temperatura. Outro elemento importantís-
leucopenia com desvio para esquerda e simo para o diagnóstico, como a radiologia
proteínas de fase aguda elevadas)2,7. Em de tórax, pode não ser de grande auxílio,
algumas situações, há dificuldade de con- pois há vários diagnósticos diferenciais
seguir com clareza esta tríade, especial- que podem mimetizar infiltrados pulmo-
mente nos pacientes gravemente enfermos nares pneumônicos, como atelectasia,
e intubados. embolia pulmonar, insuficiência cardíaca,
A febre, que é um parâmetro clíni- pneumonite química (broncoaspiração) e
co importante para caracterização de pro- derrame pleural(2,8). Doenças ou traumas

32 Revista Hospital Universitário Pedro Ernesto, UERJ


distantes do pulmão também podem pro- Broncoscopia
vocar injúria pulmonar ou a síndrome de
angústia respiratória aguda. A utilização de O escovado brônquico com cateter
métodos tomográficos computadorizados protegido (PSB) e o lavado broncoalveo-
auxilia, principalmente, na determinação lar (LBA) são aceitos como os métodos
de derrames pleurais livres ou septados, mais precisos para diagnosticar a PAH e
atelectasia, abscessos e infiltrados intersti- PAV na ausência de um exame direto do
ciais. Há somente uma causa possível de tecido. Embora métodos broncoscópicos
pneumonia com radiografia de tórax sem geralmente sejam seguros para a obten-
infiltrado pulmonar acinar ou intersticial, ção de secreção das vias aéreas inferiores,
quando relacionada à leucopenia grave. até mesmo em pacientes com as formas
Por causa dessas dificuldades em mais graves de insuficiência respiratória,
estabelecer os diagnósticos na PAH e na o custo do exame, aliado à necessidade de
ausência de um método padrão “áureo”, broncoscopistas treinados, acaba por li-
o Centro para Controle de Doenças e Pre- mitar a sua aplicação. Além disso, alguns
venção (CDC) em conjunto com a Rede estudos falharam em comprovar que o em-
Nacional de Segurança de Cuidados da prego desta ferramenta diagnóstica altere
Saúde Americana (NHSN) desenvolveram o prognóstico dos pacientes com VAP2,3,13.
critérios para o diagnóstico de PAH (Quad. Por exemplo, em 132 pacientes com VAP
2). Apesar desta tentativa de auxiliar os submetidos à broncoscopia, não foi obser-
médicos no diagnóstico precoce de PAH, vada redução significativa da mortalidade,
estudos em autópsia têm questionado a mesmo quando este exame identificou o
confiabilidade deste escore. Outro sistema patógeno responsável (que aconteceu em,
de pontuação desenvolvido foi o Escore aproximadamente, 50 por cento dos pa-
de Infecção Pulmonar Clínico (CPIS), no cientes)2,14. O emprego adequado dos an-
qual valores superiores a 6 definem o diag- tibióticos empíricos parece ser um fator
nóstico de PAH (Quad. 3). Porém, apesar mais importante para esta redução. Em
de muito sensível, falta especificidade, o outro estudo, 51 pacientes com suspeita
que induz ao uso em demasia de antibióti- de VAP foram submetidos a procedimen-
cos2,9,10;11. tos diagnósticos invasivos (PSB e LBA)
ou não invasivos (aspirado quantitativo
traqueal). A taxa de mortalidade foi de
11 em 24 (46%) para os pacientes que re-
MÉTODOS DIAGNÓSTICOS ceberam métodos invasivos, contra 7 em
27 (26%) para aqueles que não receberam
métodos invasivos (não houve significân-
Aspirado traqueal cia estatística)2,15. Não foi encontrada di-
ferença na mortalidade entre estes grupos
com VAP mesmo quando foram isolados
Não é um exame específico, pois a patógenos de alto risco (Pseudomonas ae-
colonização bacteriana da árvore traqueo- ruginosa e Acinetobacter sp.). O resultado
brônquica é comum nos pacientes graves, da broncoscopia teve como consequência
especialmente em pacientes sob ventilação frequentes alterações nos esquemas antibi-
mecânica. Três técnicas foram desenvolvi- óticos dos pacientes, contudo, sem afetar
das para aumentar a especificidade, como a mortalidade. Por outro lado, um estudo
a coloração com hidróxido de potássio (de- francês descreveu 413 pacientes com sus-
tecta fibras de elastina), cultura quantitati- peita clínica de VAP, que foram distribu-
va e anticorpo recobrindo as bactérias12. ídos em dois grupos. No primeiro, todo

Ano 9, Julho a Dezembro de 2010 33


Quadro 2. Critério para PAH pelo CDC.
Radiologia

Dois ou mais achados radiográficos (pacientes sem doença cardíaca


ou respiratória prévia, basta 1 achado radiográfico):
Novo ou progressivo e persistente infiltrado;
Consolidação;
Cavitação
Sinais/Sintomas/Laboratório

No mínimo, 1 achado:
Febre > 38oC, com nenhuma outra causa conhecida;
Leucopenia (< 4.000 mL) ou leucocitose (> 12.000 mL);
Adultos acima de 70 anos, alteração do status mental sem outra causa
conhecida
Dados adicionais

No mínimo, dois:
Aparecimento de secreção purulenta pulmonar, alteração de suas
características, aumento da quantidade e maior frequência de aspiração;
Início de tosse, agudização da tosse, dispneia ou taquicardia;
Ruídos pulmonares (estertores, roncos ou sibilos);
Diminuição da troca gasosa (PaO2/FiO2 ≤ 240), aumento do suple-
mento de oxigênio ou aumento da demanda ventilatória

o tratamento foi baseado em estratégias emprego previamente à introdução destas


clínicas e resultados de culturas não quan- drogas. Como as técnicas broncoscópicas,
titativas de aspirado traqueal. No segundo estes métodos empregam resultados quan-
grupo, a abordagem diagnóstica foi inva- titativos para melhorar sua precisão2.
siva, baseada na interpretação de culturas
quantitativas obtidas por PSB ou BAL.
Os pacientes do grupo invasivo apresenta- Métodos não broncoscópicos para co-
ram mortalidade significativamente menor leta de secreções
no décimo quarto dia (16% x 24%). Esta
vantagem persistiu até o vigésimo oitavo Várias técnicas não broncoscó-
dia e também foi associada a menor con- picas, como cateteres protegidos, mini-
sumo de antibióticos2,16,17. Vários estudos lavado broncoalveolar (mini-LBA) e dis-
demonstram dificuldades técnicas e valor positivos utilizados para obter escovados,
limitado do exame broncoscópico quando podem ser empregadas para coleta de se-
o paciente está sob terapia antibiótica. Isto creção de vias aéreas inferiores, obtendo
acabou estimulando o desenvolvimento de culturas quantitativas2,3. Todas foram ex-
técnicas não broncoscópicas, que podem tensivamente analisadas como alternativa
ser mais facilmente obtidas, agilizando seu para diagnóstico dos casos suspeitos de

34 Revista Hospital Universitário Pedro Ernesto, UERJ


Quadro 3. Escore para o diagnóstico de PAH pelo CPIS.

PONTOS
0 1 2
Temperatura ( C)o
36,1-38,4 38,5-39,0 > 39,0

Leucócitos (mm3) 4.000-11.000 <4.000 ou <4.000 ou >11.000


> 11.000 (com mais de 500
bastões)
Secreção < 14 > 14 > 14 (com secreção
(0-4+ / dia) purulenta)
PaO2/FIO2 > 240 < 240, sem SARA*

Radiografia Sem infiltrado Infiltrado difuso Infiltrado localizado


Microbiologia Sem crescimento Crescimento Crescimento bacte-
bacteriano riano que coincide
com a coloração do
Gram

*síndrome da angústia respiratória aguda

VAP. Estes métodos de coleta requerem a para direcionar a coleta de material. A co-
introdução do dispositivo pelas vias aére- leta de secreção por cateter brônquico pro-
as superiores até que uma resistência seja tegido (BBS) ou mini-LBA foi comparada
encontrada. Então, é realizada aspiração com duas técnicas broncoscópicas (PSB e
ou mini-LBA. Um estudou estimou sen- LBA), empregando-se como padrão o exa-
sibilidade e especificidade das amostras me histológico de material obtido de bióp-
bacterianas quantitativas obtidas por estas sia pulmonar postmortem.
técnicas de 100% e 82%, respectivamente.
Estes resultados são comparáveis aos pro- Os valores limítrofes para a posi-
cedimentos broncoscópicos, pois a PSB tividade foram 1.000 ufc/ml para culturas
apresentou, respectivamente, os seguintes obtidas pelo PSB e mini-LBA e 10.000 ufc/
valores: 65% e 94%. Em outro estudo, com ml para culturas obtidas com BBS e LBA.
mini-LBA nas vias aéreas inferiores, foi O BBS foi a técnica mais precisa (sensibi-
demonstrada sensibilidade de 70% e espe- lidade 83%; ROC de 0,94), seguida em or-
cificidade de 69%, quando comparado ao dem decrescente pelo BAL (sensibilidade
exame histológico postmortem associado 58%; ROC 0,83), mini-LBA (sensibilida-
à análise bacteriológica de tecido pulmo- de 67%; ROC 0,80) e PSB (sensibilidade
nar(2,18). Outro estudo também confir- 42%; ROC 0,73)2. O Quadro 4 traz os pon-
mou os resultados favoráveis destes mé- tos de corte dos diferentes métodos utiliza-
todos não invasivos, quando comparados dos para o diagnóstico de PAH.
com técnicas que utilizam broncoscópios
Ano 9, Julho a Dezembro de 2010 35
Quadro 4. Métodos para o diagnóstico das PAHs.

Exames Pontos de corte


Hemocultura >10 ufc/mL
Exame de escarro 106 ufc/mL
Aspirado traqueal 105-6 ufc/mL
Broncoscopia com lavado 104 ufc/mL
broncoalveolar
Broncoscopia com escova- 103 ufc/mL
do protegido
Biópsia pulmonar > 10 ufc/mL

ESQUEMA TERAPÊUTICO Primeiro grupo: paciente não tem nenhum


destes potenciais indicadores de multir-
A decisão médica de iniciar o an- resistência, tempo de internação curto (<
tibiótico não deve ser postergada. Avaliar 5 dias) e sem doença estrutural parenqui-
se o paciente preenche os critérios de diag- matosa pulmonar (bronquiectasia, fibrose,
nóstico de pneumonia, utilizando ou não os etc);
critérios do CDC ou da CPIS, e começar o
mais brevemente o uso de antibióticos tra- Segundo grupo: tempo de internação cur-
duz em resultados concretos de diminuição to (< 5 dias) e com doença estrutural pa-
de morbidade e mortalidade19,20. renquimatosa pulmonar (bronquiectasia,
A Comissão de Controle de Infec- fibrose, etc);
ção Hospitalar (CCIH) deve, por disposi-
tivos normativos, disponibilizar um painel Terceiro grupo: paciente não tem nenhum
de frequência de bactérias no hospital e destes potenciais indicadores de multir-
o perfil de sensibilidade e resistência aos resistência, mas tem tempo de internação
antibióticos. Este mapa bacteriológico di- prolongado (> 4 dias);
minuirá os riscos de terapia antimicrobia-
na inadequada ou ineficiente. Mas, de uma Quarto grupo: paciente com potenciais
forma geral, na escolha do antibiótico, o indicadores de multirresistência, indepen-
médico deve avaliar se o paciente tem ris- dente do tempo de internação.
co para bactérias multirresistentes como
hospitalização há menos de 90 dias, pe-
ríodo de hospitalização maior que 5 dias, No primeiro grupo, prevalecem
assistência médica prévia tipo homecare, as bactérias da comunidade. Assim, os
uso de antibióticos prévios, método dialíti- betalactâmicos, fluorquinolonas (exceto a
co há menos de 30 dias, uso de imunossu- ciprofloxacina, que não tem adequado es-
pressores e doenças preexistentes2. pectro para Streptococcos pneumoniae),
Desta forma, podemos identificar cefalosporina de terceira geração e car-
quatro grupos no tratamento das PAHs: bapenêmicos não antipseudomonas (er-

36 Revista Hospital Universitário Pedro Ernesto, UERJ


tapenem) são boas escolhas. No segundo CONCLUSÃO
grupo, há um aumento na prevalência da
Pseudomonas aeruginosa, devendo o mé- Os consensos, diretrizes e rotas
dico utilizar antibióticos antipseudomo- diagnósticas e terapêuticas amplamente
nas (betalactâmicos e inibidor de betalac- discutidas no mundo propiciaram visões
tamase, carbapenêmicos, cefalosporinas sobre um tema relevante e que atinge, nos
antipseudomonas, associados aos ami- EUA, 4,5 pessoas em 100 internações.
noglicosídios ou fluorquinolonas antip- Evitar o aumento das pneumonias noso-
seudomonas). No terceiro grupo, além da comiais é um desafio constante às insti-
cobertura para Pseudomonas, associa-se tuições hospitalares. A capacidade de se
antibiótico para Staphylococos aureus (li- reduzir a frequência depende da adequa-
nesolida, vancomicina ou teicoplamina). da integração dos setores de vigilância do
A Legionella pneumophyla não é uma perfil bacteriano da instituição (comissão
bactéria frequente no Brasil. Mas, quando de infecção hospitalar e setor de microbio-
o paciente é transplantado, DPOC ou usa logia) com os médicos e enfermeiros que
cronicamente corticosteroides, deve-se necessitam das informações de resistência
adicionar um terceiro antibiótico, do grupo bacteriana e da disponibilidade de medica-
dos macrolídeos ou, se preferir, utilizar as mentos adequados. Sem essa conexão, o
fluorquinolonas antipseudomonas associa- retardo e a escolha imprópria dos antibi-
das a um aminoglicosídeo, pelo seu espec- óticos, a falta ou a insuficiente prevenção
tro ampliado7,21-29. da propagação de agentes multirresistentes
O tempo de uso de antibiótico nas acentua o risco de morbidades. É evidente
PAH não é definido de forma rígida. Com que as pneumonias nosocomiais sempre
os atuais exames procalcitonina e o PCR t existirão, porém o controle rígido do uso
que permitem aferir e acompanhar a res- de antibióticos e o melhor treinamento na
posta inflamatória, há maior confiabilidade identificação do diagnóstico precoce per-
no acompanhamento laboratorial e o tem- mitirá maiores possibilidades terapêuticas
po de uso têm progressivamente diminu- e chances reais de recuperação33.
ído30,31. Em geral, ele não é superior a 14
dias, podendo em alguns trabalhos, ser me-
nor que 5 a 8 dias. Caso os exames bioquí-
micos indiquem a persistência do processo
inflamatório e haja manutenção da síndro-
me clínica, deve-se reavaliar a manutenção
do esquema terapêutico e, caso necessário,
novos exames: culturas (hemoculturas,
urinocultura, cultura do aspirado traqueal,
cultura e retirada de cateter intravenoso
profundo), tomografia computadorizada
de tórax e seios da face (empiema, absces-
sos, necrose pulmonar, sinusite aguda) e
ecocardiograma transtorácico/transesofá-
gico (vegetações)2,3,32. (Quad. 5)

Ano 9, Julho a Dezembro de 2010 37


Quadro 5. Antibióticos para os agentes multirresistentes.

Patógenos resistentes aos Terapia Recomendada


antibióticos
Enterobactérias produtoras de Meropenem, imipenem, doripenem
betalactamase com espectro
estendido

Enterobactérias produtoras de Colistina, tigeciclina


carbapenemase
Pseudomonas aeruginosa resis- Colistina
tentes aos carbapenêmicos Opções: combinação com antibióticos
não tradicionais (rifampicina,
minociclina, doxiciclina ou azitromicina)

Acinetobacter baumanni resis- Colisitina, ampicilina+sulbactam,


tentes aos carbapenêmicos tigeciclina,
Opções: nebulização com colistimetase
ou aminoglicosídeo, combinação com
antibióticos não tradicionais (rifampici-
na, minociclina, doxiciclina ou
azitromicina)
Staphylococcos aureus produ- Vancomicina, linesolida, daptomicina,
tor de meticilina tigeciclina.
Opções: sulfametozaxol+trimetropina,
clindamicina

REFERÊNCIAS

1.Masterton RG, Galloway A, French G, Stre- Guideline for the Management of Adults


et M, Armstrong J, Brown E, Cleverley J, with Hospital-acquired, Ventilator-associa
Dilworth P, Fry C, Gascoigne AD, Knox ted, and Healthcare-associated Pneumo
A, Nathwani D, Spencer R, Wilcox M. Gui- nia. Am J Respir Crit Care Med 2005; 171
delines for the management of hospital-ac (4):388-416.
quired pneumonia in the UK: report of the 3.Kieninger A, Lipsett P. Hospital-acquired
working party on hospital-acquired pneu pneumonia: pathophysiology, diagnosis, and
monia of the British Society for Antimicro treatment. Surg Clin N Am 2009; 89(2):439-
bial Chemotherapy. J Antimicrob Chemo 61.
ther  2008; 62(1):5-34. 4.Amaral SM, Cortês AQ, Pires FR. Pneu-
2.Niederman MS, Craven DE, Bonten MJ, A- monia nosocomial: importância da microbio-
merican Thoracic Society and Infectious ta oral. J Bras Pneumol 2009; 35(11):1116-24.
Diseases Society of America (ATS/IDSA): 5.Cook DJ, Walter SD, Cook RJ, Griffith LE,

38 Revista Hospital Universitário Pedro Ernesto, UERJ


Guyatt GH, Leasa D, Jaeschke RJ, Brun- 16.Chastre J, Luyt CE, Trouillet JL, Combes A.
Buisson C. Incidence of and risk factors for New diagnostic and prognostic markers of
ventilator-associated pneumonia in criticallyill ventilator-associated pneumonia. Curr Opin
patients.  Ann Intern Med 1998; 129(6):433-40. Crit Care 2006; 12(5):446-51.
6.Safdar N, Crnich CJ, Maki DG. The patho- 17.Chastre J, Wolff M, Fagon JY, Chevret S,
genesis of ventilator-associated pneumonia: its Thomas F, Wermert D, Clementi E, Gonzalez
relevance to developing effective strategies for J, Jusserand D, Asfar P, Perrin D, Fieux F, Au-
prevention.  Respir Care 2005; 50(6):725-39. bas S. Comparison of 8 vs 15 days of antibi-
7.Peeg AY, Hooper DC. Hospital-acqui- otic therapy for ventilator-associated pneu
red infections due to Gram-negative bac- monia in adults: a randomized trial JAMA
teria. N Engl J Med 2010; 362(19);1804-13. 2003; 290(7):2588-98.
8.Song JH.  Treatment recommenda- 18.Nseir S, Favory R, Jozefowicz E, Decamps F,
tions of hospital-acquired pneumonia Dewavrin F, Brunin G, Di Pompeo C, Ma-
in Asian countries: first consensus re- thieu D, Durocher A. Antimicrobial treatment
port by the Asian HAP Working Group. Am for ventilator-associated tracheobronchitis: a
J Infect Control  2008;  36(4):S83-S92. randomized controlled multicenter study. Crit
9.Tablan OC, Anderson LJ, Besser R, Tablan Care 2008; 12(3):R62.
OC, Anderson LJ, Besser R, Bridges C, Ha- 19.Zack JE, Garrison T, Trovillion E, Clinksca
jjeh R. Guidelines for preventing health le DRTT, Coopersmith CM, Fraser VJ, Kollef
care–associated pneumonia, 2003: recom- MH.Effect of an education program aimed at
mendations of CDC and the Healthcare In- reducing the occurrence of ventilator-associ-
fection Control Practices Advisory Commit- ated pneumonia. Crit Care Med 2002; 30
tee MMWR Recomm Rep  2004; 53(RR- 2002; 30(11):2407-12.
3):1-36. 20.Garcia JCP, Filho OFF, Grion CMC, Carrilho
10.Bonten  MJ,  Weinstein  RA.  Infection CMDM. Impacto da implantação de um guia
control in intensive care units and pre- terapêutico para o tratamento de pneumonia
vention of ventilator-associated pneumo- nosocomial adquirida na unidade de terapia
nia.  Semin Respir Infect  2000; 15(4):327-35. intensiva em hospital universitário. J Bras
11.Kollef MH, Shorr A, Tabak YP, Gupta V, Pneumol 2007; 33(2):175-84.
Liu LZ, Johannes RS. Epidemiology and 21.Trouillet JL, Chastre J, Vuagnat A, Joly-
outcomes of health-care-associated pneu- Guillou ML, Combaux D, Dombret MC, Gi-
monia: results from a large US database of bert C. Ventilator-associated pneumonia cau-
culture-positive pneumonia. Chest 2005; sed by potentially drug-resistant bacteria.  Am
128(6): 3854-62. J Respir Crit Care Med  1998; 157(2):531-9.
12.Silva RM. O escarro no diagnóstico etioló- 22.Tverdek FP, Crank CW, SegretiJ. Antibiotic
gico de afecções pulmonares em pacientes therapy of methicilin-resistant Staphylococ
com HIV/AIDS. Arq Catarinense Med cus aureus in critical care. Cri Care Clin 2008;
2005; 34(1):26-9. 24:249-60.
13.Carvalho EM, Massarollo PCB, Levin AS, 23.Volles DF, Branan TN. Antibiotics in intensi-
Irsen MRM, Pereira WL, Abdala E, Rossi ve care units: focus on agents for resistant pa-
F, Mies S.Comparative study of etiological thogens. Emerg Med Clin N Am 2008; 26:813-
diagnosis of nosocomial pneumonia. Braz 34.
J Infect Dis 2008; 12 (1):67-74. 24.Ioannidou E, Siempos II, Falagas ME. Ad-
14.Chastre J, Fagon JY. Ventilator-associated ministration antimicrobials via the respira-
pneumonia.  Am J Respir Crit Care Med tory tract for the treatment of the patients
2002; 165(7):867-903. with nosocomial pneumonia: a meta-analy
15.Fagon JY, Chastre J, Domart Y, Trouillet sis. J Antimicrobial Chemotherapy 2007;
JL, Gibert C. Mortality due to ventilator- 60(6):1216-26.
associated pneumonia or colonization with 25.Jacoby GA, Munoz-Price LS.  The new beta-
Pseudomonas or Acinetobacter species: as- lactamases.  N Engl J Med  2005; 352(4):380-
sessment by quantitative culture of samples 91.
obtained by a protected specimen brush. 26.Lodise TP, Lomaestro BM, Drusano GL. Ap-
Clin Infect Dis 1996; 23(3):538-42. plication of antimicrobial pharmacodynamic

Ano 9, Julho a Dezembro de 2010 39


concepts into clinical practice: focus on ABSTRACT
beta-lactam antibiotics: insights from the
Society of Infectious Diseases Pharma- Acquired-hospital pneumonia is
cists. Pharmacotherapy 2006; 26(9):1320- an infections process that occurs due to
32.
hospital environment with high morbidi-
27.Niederman MS. The importance of de-
escalating antimicrobial therapy in patients
ty and mortality. It is estimated that 0,4
with ventilator-associated pneumonia. Se- to 1,1% of hospitalized patients will have
min Respir Crit Care Med  2006; 27(4):45- PAH which is the second cause of infection
50. among these patients, and the leading cau-
28.Popovich KJ, Weinstein RA, Hota B. Are se of infections in the ICU setting. There is
community-associated methicillin-resis- a high mortality, 20-50%, especially when
tant Staphylococcus aureus (MRSA) strains associated with underlying diseases and
replacing traditional nosocomial MRSA multiresistant microorganisms. In this ar-
strains? Clin Infect Dis 2008; 46(6):787-94. ticle, the authors review the main concepts
29.Alvarez-Lerma F, Alvarez B, Luque P,
and discuss special difficulties in PAH.
Ruiz F, Dominguez-Roldan JM, Quintana
E, Sanz-Rodriguez C. Empiric broad-spec-
trum antibiotic therapy of nosocomial KEYWORDS: Nosocomial pneumonia;
pneumonia in the intensive care unit: a Multiresistant.
prospective observational study. Crit Care
2006; 10(3):R78.
30.Ramirez P, Garcia MA, Ferrer M, Aznar J,
Valencia M, Sahuquillo JM, Menéndez R,
Asenjo MA, Torres A. Sequential measure
ments of procalcitonin levels in diagnosing
ventilator-associated pneumonia. Eur Res-
pir 2008; 31(2):356-62.
31.Christ-Crain M, Jaccard-Stolz D, Bingis
ser R, Gencay MM, Huber PR, Tamm M,
Müller B. Effect of procalcitonin-guided
treatment on antibiotic use and outcome in
lower respiratory tract infections: cluster-
randomised, single-blinded intervention
trial. Lancet 2004; 363(9409):600-7.
32.Sader HS, Fritsche TR, Jones RN: Accu-
racy of three automated systems (Micro-
Scan WalkAway, VITEK, and VITEK 2)
for susceptibility testing of Pseudomonas
aeruginosa against five broad-spectrum
beta-lactam agents. J Clin Microbiol. 2006;
 44(3):1101-4.
33.Kollef MH. Prevention of hospital-associ-
ated pneumonia and ventilator-associated
pneumonia. Crit Care Med 2004; 32(6):
1396-405.

40 Revista Hospital Universitário Pedro Ernesto, UERJ


TITULAÇÃO DOS AUTORES

Agnaldo José Lopes José Gustavo Pugliese


Professor Adjunto da Disciplina de Pneumologia e Residente de Pneumologia e Tisiologia da FCM/
Tisiologia da FCM/UERJ. UERJ.
Médico do CTI da Casa de Saúde São José.
Alessandra Aires da Costa
Doutoranda do Curso de Pós-Graduação da FCM/ José Manoel Jansen
UERJ. Professor Titular da Disciplina de Pneumologia e
Tisiologia da FCM/UERJ.
Anamelia Costa Faria Membro da Academia Nacional de Medicina.
Médica do Serviço de Pneumologia do HUPE.
Professora Substituta da Disciplina de Pneumologia Kennedy Kirk
e Tisiologia da FCM/UERJ. Professor Assistente da Disciplina de Pneumologia e
Tisiologia da FCM/UERJ.
Arnaldo José Noronha
Professor Auxiliar da Disciplina de Pneumologia e Paulo Chauvet
Tisiologia da FCM/UERJ. Médico do Serviço de Pneumologia e Tisiologia
do HUPE.
Cláudia Henrique da Costa
Professora Adjunta da Disciplina de Pneumolo- Rafael Barcelos Capone
gia e Tisiologia da FCM/UERJ. Acadêmico de Medicina da Universidade Gama Fi-
Mestre em Pneumologia pela UFF. lho. Interno do HU Gaffrée e Guinle/ UNIRIO.
Doutora em Pneumologia pela
UFRJ e National Heart and Lung Institute Rogério Rufino
Professor Adjunto da Disciplina de Pneumologia e
Denis Muniz Ferraz Tisiologia da FCM/UERJ.
Professor Assistente da Disciplina de Pneumologia e Mestre em Pneumologia pela UFF.
Tisiologia da FCM/UERJ. Doutor em Pneumologia pela UFRJ.
Responsável pelo Setor de Broncoscopia do HUPE. Pós-doutor em Pneumologia pelo National
Chefe do Serviço de Pneumologia do Hospital de Heart and Lung Institute.
Ipanema – Ministério da Saúde.
Teresinha Yoshiko Maeda
Domenico Capone Professora Assistente da Disciplina de Pneumologia
Professor Adjunto da Disciplina de Pneumologia e e Tisiologia da FCM/UERJ.
Tisiologia da FCM/UERJ.
Radiologista do HU Clementino Fraga Terezinha da Cunha Vargas
Filho/UFRJ. Médica do Ambulatório de Tuberculose do HUPE/
Mestre em Medicina pela UFRJ. UERJ.
Doutor em Medicina pela UFRJ.
Thiago Prudente Bartholo
Fabiana R. Ferraz Residente de Pneumologia e Tisiologia da FCM/
Professora Substituta da Disciplina de Otorrinola- UERJ.
ringologia da FCM/UERJ.
Médica Otorrinolaringologista do Hospital Federal Thiago Thomaz Mafort
do Andaraí. Residente de Pneumologia e Tisiologia da FCM/
UERJ.

Helio Ribeiro de Siqueira Walter Costa


Professor Visitante da Disciplina de Pneumologia e Médico do Serviço de Pneumologia do HUPE.
Tisiologia da FCM/UERJ. Professor Substituto da Disciplina de Pneumologia e
Doutor em Pneumologia pela UERJ. Tisiologia da FCM/UERJ.

Ano 9, Julho a Dezembro de 2010 9

Você também pode gostar