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HISTORINHA DE FRONTEIRA.

Se a fronteira é uma linha que separa dois lados, a qual dos lados pertence a linha?
“Ora, aos dois”, me dirão alguns. Mas onde eu sei onde começa a minha metade e a do
outro? Em que lugar dela deixo de ser nativo, para ser estrangeiro? Que lugar me
pertence?
Lá perto da minha casa tem uma serra com árvores, bichos e pedras cavadas.
Dizem que do outro lado dela já começa outro estado, não sei bem, nunca fui investigar.
Mas o que sei é que toda tarde, lá pras horas, escuto o cantar de um pássaro que habita no
lado de lá. O canto dele vem diretamente pra minha casa, belo, peregrino e sonoro, e de
forma nenhuma, estrangeiro. Ele é o pássaro que alegra minhas tardes.
Zé Inácio, conhecido meu de mais de 40 anos, diz que já caçou muito pro lado de
lá. Hoje em dia ele prefere pegar mel silvestre nas locas onde ficam as abelhas. Esses dias
me trouxe um litro de mel de italiana. Eu perguntei pra ele:
- Esse mel é de que estado, Zé?
Ele só olhou pra minha cara e respondeu:
- Deixa de ser besta, rapaz! Esse mel é daqui mesmo.
Fiquei com aquilo na cabeça. Matutando a noite toda. “Esse mel é daqui mesmo”.
Então eu resolvi ir na serra pra descobrir onde fica essa fronteira que o povo tanto fala.
Quando andei coisa de meia légua, amarrei o cavalo em frente da casa de Ciço de Lurdes
e subi a serra. Ele tinha me dito que, seguindo reto, depois de umas pedras, tinha uns pés
de pinha e um de caju. O outro estado começava lá depois desse pé de caju.
Fui até lá e sabe o que eu encontrei? Uma senhora com um bocado de menino
comendo pinha, caju e guardando as castanhas. Era Lúcia, minha amiga de infância,
mulher do finado Sebastião, aqueles eram os netos. Perguntei dos filhos dela:
- Casaram tudo! Tão morando aqui perto. De tarde deixam os filhos mais eu pra
pegar fruta. É bom né? – Apontou pra umas casinhas perto de uma estrada – Olha lá a
casa do mais velho.
- Eita Lúcia, que mora tudo em outro estado! – Respondi
- Se é outro estado não sei, Tonho, mas que mora ali, ele mora e você vai tomar
café mais nós.
Para resumir tudo, fomos lá. Tomamos café, conversamos pela tarde toda, rimos
das nossas histórias de criança, depois chegou Pedro de Amélia, outro do tempo da gente
e assim nos divertimos. Quando deu 6 horas tive que voltar pra casa. Antes de ir Lúcia
me disse:
- Aparece mais vezes, Tonho!
Ao que Chico retrucou:
- Domingo vai ter uma buchada lá em casa, vai lá.
Sai de lá com a seguinte sensação. Se existe uma tal de fronteira, ela deve existir
pros outros, porque pra nós, aqui é aqui mesmo. Sem linha, nem estado nem nada.

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