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A INCONSTITUCIONALIDADE DA DELAÇÃO PREMIADA

EDIVONEIDE ALVES DA SILVA1


EDSON SACRAMENTO TINY DAS NEVES2

RESUMO

O presente trabalho analisa a eficiência e a validade do instituto da Delação Premiada. As


críticas são referentes à: validade probatória, o sujeito colaborador (delator), A confiança das
informações, autoridades competentes para realizarem acordos, momento da aplicação deste
instituto. A Lei 12.850 de 2013 regulamenta os crimes das organizações criminosas normatizou, nos
seus artigos 4.º e seguintes, as questões referentes à colaboração premiada. O objetivo do presente
artigo é analisar o instituto da delação premiada por meio de um estudo comparado, bem como
examinar sua aplicação no Brasil ante a ausência de sistematização legal do instituto podendo ser
encontrado no bojo de diversas legislações esparsas. Avaliando os seus reflexos como uma justiça
negociada no processo penal. A metodologia de pesquisa utilizada foi à bibliográfica, com a consulta
a livros, artigos científicos e jurídicos, produção jurisprudencial e legislativa. Ao final do estudo,
conclui que os reflexos da delação premiada incidem sobre o processo penal ao atingirem
diretamente a figura do delator, visto este ser o maior beneficiado em troca das informações
prestadas.

Palavras-chave: Legislação Esparsa; Regulamentação; Homologação; Benefícios; Justiça


Negociada.

ABSTRACT

The present work analyzes the efficiency and validity of the Awarded Delegation Institute. The
criticisms refer to: probative validity, the collaborating subject (whistleblower), Confidence of the
information, competent authorities to make agreements, moment of application of this institute. Law
12.850 of 2013, which regulates the crimes of criminal organizations, standardized, in its articles 4 et
seq. The issues related to award-winning collaboration. The aim of this paper is to analyze the institute
of the awarding award through a comparative study, as well as to examine its application in Brazil in
the absence of legal systematization of the institute that can be found in the context of several sparse
legislations. Assessing their reflexes as a negotiated justice in criminal proceedings. The research
methodology used was bibliographic, with the consultation of books, scientific and legal articles,
jurisprudential and legislative production. At the end of the study, it concludes that the reflexes of the
award awarded focus on the criminal process by directly reaching the figure of the whistleblower,
since this is the biggest beneficiary in exchange for the information provided.

Keywords: Sparse Legislation; Regulation; Homologation; Benefits; Negotiated Justice.

__________________
1
Graduanda em Direito da Faculdade Metropolitana de Camaçari – FAMEC.
2
Orientador: Prof. Mestre em Direito pela UFBA. Prof. de Direito Constitucional e Direito Civil da
Faculdade Metropolitana de Camaçari.
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INTRODUÇÃO

A expressão “delação” tem origem do latim delatione, significando denunciar,


revelar; acusar como autor de crime ou delito; deixar perceber; denunciar como
culpado; denunciar-se como culpado; acusar-se. (FERREIRA, 1999). O conceito
jurídico de delação premiada, na ótica de Adalberto Aranha (1999) consiste na
afirmativa feita por um indiciado, ao ser interrogado em juízo ou na polícia, na qual
além de confessar a autoria de um fato criminoso, atribui, comprovadamente, a um
terceiro a participação como seu comparsa.
O instituto da delação premiada existe no Brasil desde 1990 com a Lei
8.072/1990, dos crimes hediondos criados pelo Presidente Fernando Color
(CARDOSO, 2014). Com o passar do tempo outros diplomas também passaram a
prevê-lo dentre eles as Leis: Lei nº 9.269, de 1996, a Lei 9.034/95, Lei 8.137/90, Lei
9.613/98, a Lei nº 12.683, de 2012 entre outras.
Luiz Flávio Gomes (2005) faz uma observação muito importante e explica que
delação premiada e colaboração à justiça não são sinônimos. Assim, o agente, no
curso da investigação criminal, poderá assumir a culpa sem incriminar terceiros,
caso em que é mero colaborador, sem que se levantem, questionamentos éticos
acerca de seu ato.
Delação Premiada é um instituto previsto na legislação brasileira que serve
para incentivar um participante de ação delituosa a denunciar o esquema criminoso,
identificar outros envolvidos, é oferecida ao delator uma série de benefícios que
interferem na sanção penal. Em termos gerais, é exigido ao delator a efetiva e
decisiva influência na instrução processual, permitindo a coleta das provas que
servirão para futura repressão penal, e que o envolvido possa esclarecer/informar
todas as peculiaridades, localização da vítima, forma de atuação, do produto do
crime, identificar outros integrantes da ação criminosa, ou provas, a fim de que as
autoridades possam desarticular o esquema e punir os envolvidos (ANDRE, 2018).
O interesse por este tema surge da polemica que envolve tal instituto no que
tange a aplicabilidade e constitucionalidade do mesmo, requisitos previstos em lei
como é o caso da voluntariedade da delação premiada se o que resta ao delator é a
condição de fugir da pena, da reclusão ou até mesmo obter o perdão dela.
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A presente pesquisa apresenta grande relevância social, pois poderá


demonstrar à sociedade que este instituto é bem mais abrangente do que se vê e
ouve nos meios de comunicação, com este estudo explanarei sobre as formas
constitucionais e as condições que a lei estabelece para a delação.
Assim, a delação premiada atualmente tão discutida em nossa sociedade é
uma maneira ágil e eficaz de se chegar a uma conclusão no inquérito policial, pois
esse direito e benefícios fará com que o suposto coautor, ou até mesmo autor,
venha a relatar de maneira importante, clara e até em detalhes, o crime cometido
por ele e demais comparsas.
Nesse contexto, a pergunta norteadora é a seguinte, estaria à delação
premiada em conformidade com a Constituição Federal?

DELAÇÃO PREMIADA COMO MEIO DE PROVA.

Incorporado ao Direito brasileiro na década de noventa, o instituto de delação


premiada originou-se do intuito de propiciar o descobrimento de infrações penais,
bem como a identificação da autoria e a participação de agentes, no mais das vezes,
em situações que envolvem organizações criminosas. Por sua natureza a delação,
sustenta a ausência de semelhança com qualquer prova nominada, definindo-a
como prova anômala, uma vez que seus efeitos atingem não só o réu, como terceiro
estranho a ação penal.

A delação premiada é uma regulamentação criada pelo legislador no


ordenamento brasileiro que busca alcançar o mais próximo possível à
verdade real dos fatos no âmbito do Direito Penal. Sua principal função é
estimular corréu, através da oferta de algum benefício no processo penal, a
colaborar com informações que ajudem a solucionar crime ao qual
participou. Delação (HOUAISS, 1976).

O instrumento da Delação premiada é visto como controverso, por seus


métodos considerados pouco éticos. Isto porque, em primeiro lugar, inquestionável
que a delação constitui, de uma forma ou de outra, traição de pares, o que seria um
ato antiético, mesmo que se trate dos mais vis criminosos. O incentivo de prática
imoral para colheita probatória não poderia jamais ser prática oficial do Estado.

De acordo com Rômulo de Andrade Moreira:


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“(...) é tremendamente perigoso que o Direito Positivo de um país permita, e


mais que isso incentive os indivíduos que nele vivem à prática da traição
como meio de se obter um prêmio ou um favor jurídico. (...) Se
considerarmos que a norma jurídica de um Estado de Direito é o último
reduto de seu povo, (...) é inaceitável que este mesmo regramento jurídico
preveja a delação premiada em flagrante incitamento às transgressões de
preceitos morais intransigíveis que devem estar, em última análise,
embutidos nas regras legais exsurgidas do processo legislativo.” Continua,
ainda, afirmando que “a traição demonstra fraqueza de caráter, como
denota fraqueza o legislador que dela abre mão para proteger seus
cidadãos”.

A legislação brasileira estabelece, no rol dos direitos e garantias


fundamentais, premissas tais como: "ninguém será considerado culpado até o
trânsito em julgado de sentença penal condenatória" (art. 5.º , LVII, CF); "o preso
será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe
assegurada a assistência da família e de advogados" (art. 5.º , LXIII, CF), dentre
outras que indicam o respeito aos princípios da dignidade da pessoa humana como
valores norteadores dos textos legais.

De acordo com tais princípios e garantias individuais essenciais, há também


a previsão de “que ninguém está obrigado a produzir prova contra si mesmo
(nemo tenetur se detegere)”. Esta garantia foi ratificada diversas vezes pelo
Supremo Tribunal Federal, sendo aplicável às diversas esferas do Direito.
(NUCCI, 2010).

A ampla defesa garante ao réu as condições de que ele possa levar ao


processo tudo o que possa elucidar a verdade, garantindo também, caso ele julgue
indispensável, o direito de se omitir ou de se calar. Da forma, como descrito no
Constituição Federal e nas legislações pertinentes, onde por vez deixam clara e de
forma, taxativa esses direitos.
O direito ao silêncio é apenas a manifestação da garantia muito maior, que é
a do direito da não acusação a si próprio, sem prejuízos jurídicos, ou seja, ninguém
que se recusar a produzir prova contra si pode ser prejudicado juridicamente, como
diz o parágrafo único do art. 186.º do Código de Processo Penal: O silêncio, que não
importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa.

Maria Elizabeth Queijo ensina que “o direito ao silêncio corresponde ao


direito de não responder às indagações formuladas pela autoridade. É o
direito de calar, reconhecimento da liberdade moral do acusado”.
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A Delação premiada é um instrumento que vai à contramão deste principio


constitucional, visto que seja essencial a delação do coautor/autor sobre todo o
esquema do ilícito e a participação de cada membro da organização criminosa
investigada, inclusive do mesmo. Aqui, há uma ponderação do principio, do qual o
delator abre mão de seu direito constitucional, pelos benefícios deste instrumento do
processo penal.
A cerca deste impasse entre a norma da delação e o principio constitucional
de permanecer calado, Lênio Streck e André Karan Trindade explanam:

“Em relação à coercitividade que motiva o acusado a optar pela delação e


abrir mão de seu direito ao silêncio. Se a delação é usada para tanto, é
flagrantemente inconstitucional, por violação ao direito ao silêncio
resguardado pela constituição e pela vedação de responsabilidade objetiva.
Por isso deve ser feita uma" Verfassungskonforme Auslegung "(do alemão,
interpretação constitucional) para impedir que a delação seja utilizada como
forma de pressão e/ou violência psíquica. Do contrário, é moralismo. E
autoritarismo”.

Indispensável à necessidade da vontade espontânea daquele que colabora


com a justiça, do qual não poderá ser obrigado pelo poder público a fazê-lo, mesmo
concedendo-lhe vantagens, que poderia chegar ao perdão judicial.
A Lei, 12.850/2013 em seu art. 3.º e seguintes, elegeu a delação premiada
como meio de prova importante, ainda que neste artigo a referida lei não se
preocupou apenas em institucionalizar a delação premiada, mas também, outras
técnicas de investigação reenchendo limbos jurídicos existentes até então nas
legislações pretéritas em que os institutos supracitados eram usados, mas com uma
alta insegurança jurídica ante aos vácuos legislativos sobre os mesmos os que
causavam uma pouca aplicabilidade do instituto. Apesar da previsão legal
detalhada trazida na nova legislação (artigos 4.º a 7.º), sobreveio discussão
acerca da classificação jurídica delação premiada, vez que poderia ser entendida
como meio de prova ou meio de obtenção de prova.
Desta forma, tendo na delação um campo de atuação para obtenção de
provas circunstanciais, observar-se como e quando serão empregados os
pressupostos legais, jurídicos e sociais, para que não venha a ferir sua validade e
segurança jurídica.

Bittar e Pereira (2011):


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“A valoração das declarações um percurso lógico e argumentativo baseado


em três fases: a) em primeiro lugar, deve-se verificar a credibilidade do
declarante através de dados como sua personalidade, seu passado, sua
relação com os acusados, o motivo da sua colaboração; b) posteriormente,
analisa-se a confiabilidade intrínseca ou genérica da declaração, auferida
da sua seriedade, precisão, coerência, constância e espontaneidade; c) por
último, valora-se a existência e consistência das declarações com o
confronto das demais provas, ou seja, atesta-se a confiabilidade extrínseca
ou específica da declaração.”

Importa estabelecer que, a delação premiada é instrumento para se alcançar


fontes ou elementos de prova, sendo estes elementos externos à delação como
forma de se corroborar o material trazido pelo delator.

"A incompatibilidade da delação premiada com as exigências de um devido


processo legal substancial, enquanto sinônimo de processo justo, também
conduziria à inconstitucionalidade, afinal é o Estado valendo-se de um ardil
para demonstrar o acerto da sua pretensão condenatória. Sequer se
poderia adjetivar este subterfúgio de aético. Seria antiético mesmo. Algo do
gênero: delate seus comparsas que será recompensado, valorizando a
máxima segundo a qual os fins justificam os meios. Aliás, o atuar do delator
revela-se o mais repugnante de todos, pois, além de ter atentado contra a
ordem jurídica e, por conseguinte, contra a sociedade, considerado o crime
perpetrado, volta-se contra os próprios comparsas, protagonizando dupla
traição: primeiramente trai o pacto social que, enquanto cidadão, também
assinou; em seguida, trai os corréus, violando o pacto criminoso que
firmaram. E é justamente este o "premiado" com a menor punição!"
(SANTOS, 2016, p.69).

O entendimento é reforçado pelo artigo 4.º, parágrafo 16.º, da Lei 12.850/13,


que veda a condenação do agente baseada exclusivamente em delações
premiadas, inserindo expressa restrição ao livre convencimento motivado, ao atribuir
valor exclusivo à delação, por força de lei, se comparado com as demais provas
admitidas. Como colaboração efetiva deve ser incluída pelo menos a declaração de
culpa do delator para a obtenção dos benefícios da delação, já que ele não pode
negar os fatos que o são imputado.
As declarações do delator sempre devem ser confirmadas por elementos
externos, vedando-se a decretação de medidas cautelares ou o próprio
recebimento da peça acusatória alicerçado tão somente nas declarações do
delator.
O Supremo Tribunal Federal, ao examinar situações de admissibilidade da
ação penal, teve o entendimento de que as delações não seriam suficientes para
inaugurar o processo criminal. Sendo interessante o posicionamento, afirmando
inclusive que elementos decorrentes do próprio colaborador também seriam
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insuficientes, por exemplo, planilhas, anotações e contabilidade particular. Nas


palavras do ministro Dias Toffoli.

Dessa forma o Supremo Tribunal Federal no âmbito do Habeas Corpus


127.483/PR, definiu que se tratava de meio de obtenção de prova, conforme
importante voto proferido pelo ministro Dias Toffoli. “A colaboração
premiada como meio de obtenção de prova, destina-se à aquisição de entes
(coisas materiais, traços no sentido de vestígios ou indícios ou declarações)
dotados de capacidade probatória”, razão por que não constitui meio de
prova propriamente dito. È lícito concluir que essas declarações, por si só
não autorizam a formulação de um juízo de probabilidade de condenação
por via de consequência, não permite um juízo positivo de admissibilidade
da acusação, isto porque padecem da mesma presunção relativa de falta de
fidedignidade”.

O Superior Tribunal de Justiça entendeu pelo trancamento de ações penais


de processos criminais em que a peça acusatória estava lastreada apenas em
declarações de delatores. De acordo com o ministro Rogério Schietti “evidenciado
que a denúncia apoia-se exclusivamente em delação premiada, é o caso de trancar
o processo”.
È importante, além de correto, reforçar a concepção de que trata-se de meio
de obtenção de prova, com o claro propósito de se buscar elementos ou fontes de
prova, prévios à própria instauração da ação penal. À luz do artigo 4.º, parágrafo 16,
da Lei 12.850/13, se as declarações prestadas por delator premiado não podem
subsidiar decreto condenatório, mostra-se possível à antecipação dessa análise
para a fase do recebimento da denúncia, com a conclusão de que deve se dar a
imediata rejeição da exordial acusatória.
A Lei nº 12.850/13, que assevera: “Art. 4°, [...] §16º. Nenhuma sentença
condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente
colaborador”.
Ademais, a norma e o princípio constitucional que disciplina a exigência da
fundamentação das decisões judiciais, e, mais propriamente da fundamentação mais
específica dos decisórios judiciais do CPC/2015, na qual, esta somente estará
adequadamente fundamentada quando haurida de legalidade democraticamente
construída e resultante realmente de um debate crítico, sendo procedimental,
conforme aponta o artigo 93. º, IX da CF/1988.

Com esse cuidado que tem sido o guia da jurisprudência pátria, in verbis:
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“Não se pode reconhecer como prova plena a imputação isolada de corréus


para suporte de um 'veredictum' condenatório, porque seria instituir-se a
insegurança no julgamento criminal, com a possibilidade de erros
judiciários. (Rev. Crim. 11.910. TACrimSP, rel. Ricardo Couto, RT 410: 316).
A incriminação feita pelo corréu, amparada nos autos, não pode ser tida
como prova bastante para alicerçar sentença condenatória”. (Ver. Crim.
103.544, “TACrimSP, Rel. Octavio Roggiero)”.

Sobre esse tema, o Desembargador Adalberto José Q. T. de Camargo


Aranha, com propriedade, acentua que: “Temos para nós que a chamada do
corréu, como elemento único de prova acusatória, jamais poderia servir de base
para uma condenação, simplesmente porque violaria o princípio constitucional do
contraditório. Diz o artigo 1531.º § 6.º da Constituição Federal, que a ‘instrução
criminal será contraditória. Ora, se ao atingido pela delação não é possível
interferir no interrogatório do acusador, fazendo perguntas ou reperguntas que
poderão levar a verdade ou ao desmascaramento, onde estará sendo obedecido
o princípio do contraditório? Se as partes, o acusado e seu defensor,
obrigatoriamente devem estar presentes nos depoimentos prestados pelo
ofendido e pelas testemunhas, podendo perguntar e reperguntar, sob pena de
nulidade por violar o princípio constitucional do contraditório, como dar valor
pleno à delação, quando no interrogatório e na ouvida só o juiz ou a autoridade
policial podem perguntar? No nosso modesto entender não vale como prova
incriminatória.” (in, Da Prova no Processo Penal, ed. Saraiva p. 76).

Esse entendimento tem feito eco no âmbito do Excelso Pretório. No


julgamento do Habeas Corpus 84.517-7-SP, relatado do então ministro do
STF Sepúlveda Pertence, restou pacificado que: “II – A chamada de corréu,
ainda que formalizada em Juízo, é inadmissível para lastrear a condenação
(Precedentes: HHCC 74.368, Pleno, DJ 28.11.97; 81.172, 1.ª T, DJ
07.3.03). Insuficiência dos elementos restantes para fundamentar a
condenação”.

No seu judicioso voto, o então decano da Suprema Corte Brasileira


mencionou nesse aresto que: “(...) não se trata somente de uma fonte de prova
particularmente suspeitosa (o que, dado o princípio da livre convicção do juiz
seria insuficiente para justificar a regra cogitada), mas de um ato que, provindo
do acusado, não se pode, nem mesmo para certos efeitos, fingir que provenha
de uma testemunha. O acusado, não apenas não jura, mas pode até mentir
impunemente em sua defesa (...) e, portanto, suas declarações, quaisquer que
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sejam não se podem assimilar ao testemunho, privadas como estão das


garantias mais elementares desse meio de prova.” E mais adiante disse que: “O
conteúdo do interrogatório, que não é testemunho com respeito ao interrogado,
tampouco pode vir a sê-lo a respeito dos demais, porque seus caracteres
seguem sempre os mesmos. O que se designa como chamada de corréu não é
mais que uma confissão, que além de o ser do fato próprio, o é do fato alheio, e
conserva os caracteres e a força probatória dos indícios e não do
testemunho.” Tudo para concluir que: “Dos codenunciados do mesmo delito, por
conseguinte, um não pode testemunhar nem a favor nem contra o outro, já que
suas declarações mantém sempre o caráter de interrogatório, de tal modo que
seria nula a sentença que tomasse tais declarações como testemunhos”.

FORMALIZAÇÃO DA DELAÇÃO E REQUERIMENTO DO BENEFÍCIO.

Na legislação esparsa a natureza jurídica é variada, encontrando diversas


peculiaridades inerentes ao tipo criminal, podendo ser desde a redução da pena até
o perdão judicial e extinção da punibilidade se for primário. No vasto sistema
brasileiro temos, de forma variada as formas para se conduzir a Delação.
Podendo ser requerida pelo próprio réu, seu advogado deverá requerer a
delação através de um pedido formal, ou ela poderá ser sugerida pelo Ministério
Público ou a Polícia Federal.

Dentre as inúmeras tentativas de conceito de moralidade merece ênfase


aquele dado pelo autor Adolfo Sánches Vásquez; “conjunto de normas e
regras destinadas a regular as relações dos indivíduos de uma comunidade
social dada”.

A nova lei tem como principal objetivo regular os meios de investigações,


apesar de deixar margem para interpretação e arbitrariedades, sua conquista maior
foi à oficialização da homologação e a exigência de um advogado no momento da
propositura do beneficio. O Juiz não deverá participar das negociações para
formalização dos acordos de colaboração. A participação nessa fase deve ser feita
apenas pelo delator (colaborador), seu advogado, o delegado de polícia e o
representante do Ministério Público.
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Após o término da delação, o termo será enviado para o Juiz e, caso este
considere as informações dadas úteis e necessárias para o processo, ocorrerá a
homologação com cópia da investigação e das declarações do colaborador. Não
há prazo certo para o fim da colheita de depoimentos, uma vez que isso depende
exclusivamente da quantidade de informações que serão dadas pelo delator.
Nos acordos de delação premiada, o colaborador renuncia ao seu direito de
silêncio, como também o direito de não produzir provas contra si mesmo, uma vez
que um dos requisitos da delação premiada é atestar a culpa, e fica compromissado
a dizer a verdade. A eficiência da delação é julgada pelo Juiz, durante a sentença.
Como também o delator deve apresentar provas concretas, uma vez que apenas da
delação não é suficiente para futuras condenações.
A autoridade policial e o Ministério Público não são obrigados a propor ou
aceitar a oferta da delação quando julgarem, pela circunstância do caso, que ela não
é necessária. Devendo levar para o esclarecimento ao Colaborador (Delator): a) O
seu direito constitucional ao silêncio; b) A colaboração implicará renúncia a esse
direito e compromisso legal de dizer a verdade; c) Os benefícios previstos em lei; d)
As informações devem ser completas, verdadeiras e úteis, do contrário, não terá
direito ao benefício.
Reduzidos a termo, as declarações e o acordo serão autuados em apartado,
sob sigilo, e não devem ser apensados ao inquérito policial, nem nele mencionados.
Sempre que possível, recomenda-se que, com a ciência do colaborador, as
declarações sejam também registradas por meio audiovisual ou por gravação
magnética, a fim de garantir a fidedignidade e evitar futuras negativas de autoria das
declarações.
Deve ser observado que o acesso aos autos pelo advogado do delator, não
inclui acesso e conhecimento de diligências em andamento e deve ser sempre
precedido de autorização judicial, nos termos do artigo 7.º, § 2 , da Lei 12.850/13.
Tão logo o acordo seja proposto, os autos devem ser remetidos ao juízo para
homologação (§7º art.4º). Tendo em vista que o acordo da delação é retratável,
aconselha-se que aquilo que não configurar propriamente colaboração conste dos
depoimentos do procedimento de flagrante ou de inquérito.
O Réu de forma espontânea representado por seu advogado, ou o próprio
promotor de Justiça poderá sugerir ao acusado que colabore com as
investigações, admitindo os fatos imputados, assim como deverá trazer elementos
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suficientes para incriminação dos corréus, para que seja concedido um prêmio que
diferenciada sua pena dos corréus, vejamos o que diz o art. 13.º da lei 12.850/13:

Art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o


perdão judicial e a consequente extinção da punibilidade ao acusado que,
sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a
investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha
resultado: I – a identificação dos demais coautores ou partícipes da ação
criminosa; II – a localização da vítima com a sua integridade física
preservada III – a recuperação total ou parcial do produto do crime
Parágrafo único: a concessão do perdão judicial levará em conta a
personalidade do beneficiário e a natureza, circunstâncias, gravidade e
repercussão social do fato criminoso.

O juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a


formalização do acordo de colaboração, tendo em vista o seu dever de
imparcialidade (§ 6.º do art. 4.º). Todavia, deve obrigatoriamente ter conhecimento
da sua existência e exercer fiscalização sobre a validade, constitucionalidade e
legalidade das suas cláusulas.
Para isso, o termo do acordo, deverá sempre ser acompanhado das
declarações do delator e de uma cópia das investigações (§ 7, do art. 4.º), deve ser
remetido ao juiz para a homologação. Além de se tratar de um dever de lealdade
trazer o termo do acordo ao conhecimento do magistrado, é medida de resguardo
dos direitos dos próprios envolvidos, tendo em vista que o juiz, antes mesmo de
aferir a eficácia da colaboração (o que fará nos momentos acima indicados), pode
recusar validade e deixar de homologar a proposta, quando lhe faltarem requisitos
formais ou materiais, conforme abaixo se verá (§ 8, do art. 4.º).
É possível também que o acordo traga outras espécies de vantagens ao
delator, além daquelas previstas no “caput” do artigo 4.º da Lei 12.850/13, desde
que respeitem a Constituição, a lei, os princípios gerais de Direito e desde que não
atentem contra a moral, os bons costumes e a ordem pública.
De acordo com Guilherme Souza Nucci (2006), a delação neste dispositivo
não exige arrependimento nem espontaneidade alguma, podendo ser utilizada com
exclusividade para obtenção do prêmio, porém, os requisitos dos benefícios, são
cumulativos sendo necessário haver um inquérito com o indiciamento ou processo
contra o autor da delação, após isso é necessário também que o réu delate seus
companheiros e consiga a recuperação parcial ou total do produto do crime.
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A Lei 12.850/13, art. 4.º. O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder
o perdão judicial, [...], daquele que tenha colaborado efetiva e
voluntariamente com a investigação.

O art. 4.º parágrafo 3, uma mitigação ao principio da obrigatoriedade da ação


penal, sendo suspenso o prazo prescricional em seis meses prorrogáveis por igual
período, para que sejam cumpridas as medidas de colaboração.
Mas o Parágrafo 4.º do referido artigo prevê que o Ministério Público somente
poderá de oferecer denúncia caso que:

I - não for o líder da organização criminosa;


II - for o primeiro a prestar efetiva colaboração nos termos deste artigo.

Pacelli de Oliveira aborda que:

A previsão do Art. 4.º, II demonstra utilitarismo na medida em quem chegar


primeiro levar o prêmio: Não há como deixar de apontar o utilitarismo
rasteiro que a previsão do inciso II explicita tão abertamente: quem chegar
primeiro leva! O quê? O acordo de colaboração sem o oferecimento de
denúncia! Na verdade, essa estratégia legal se presta a legitimar para fins
de persecução penal. “Trata-se, com efeito, de manobra investigatória que
não respeita o dever de eficiência administrativa, na medida em que abre
oportunidade a toda sorte de manobras diversionistas por parte de possíveis
responsáveis por infrações criminais". (OLIVEIRA, 2013, S/N) .

O parágrafo § 10 traz outra novidade importante é que se houver retratação


as provas autoincriminadoras não poderão ser usadas em desfavor do acusado,
sendo que de acordo com o § 13, o acordo será preferencialmente feito por recursos
de gravação.
Essa nova legislação trouxe uma maior proteção, especialmente no que se
refere aos direitos do delator, entre eles o direito a não divulgação de qualquer
informação pelos meios de comunicação, estabeleceu como deve ser feito o
procedimento tanto para autoridade policial quanto e como deve ser feito o termo de
acordo.
A nova legislação também estabelece em seu art. 4.º, § 15 que: "Em todos os
atos de negociação, confirmação e execução da colaboração, o delator deverá estar
assistido por defensor", já no § 16, prevê que: "Nenhuma sentença condenatória
será proferida com fundamento apenas nas declarações do agente colaborador".
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Nesse sentido Pacelli de oliveira (OLIVEIRA, 2013, S/N) Afirma que as: “[...]
declarações ou dos depoimentos prestados pelo colaborador possa, com
efeito, convencer o magistrado acerca da responsabilidade de outros
agentes, não poderá ele se valer de tal prova para fundamentar a
condenação”.

Não obstante, a nova Lei ainda trouxe capacidade postulatória à autoridade


policial no que diz respeito à legitimidade para fazer a formalização o acordo que
deverá ser homologado pelo Juiz.
Excepcionalmente, quando o pedido de homologação, por qualquer razão,
preceder à distribuição do inquérito ou do procedimento de investigação criminal do
Ministério Público, a petição de pedido de homologação, que não deve conter
nenhum dado do delator e o seu objeto, devem ser levadas à distribuição em
caráter sigiloso, nos termos do art. 7.º, caput, da Lei 12.850/13. Nas ocasiões em
que não houver expediente forense regular, a exemplo dos recessos forenses e
finais de semana, a fim de evitar prejuízos aos termos da Lei 12.850/13, o
Magistrado que estiver funcionando como plantonista apreciará o pedido de
homologação a que se refere o § 7º, art.4.º.
A atuação do juiz ocorre em dois momentos: um inicial, qual seja, o de
homologação da proposta, e outro final, que é o de aplicação dos benefícios da lei,
previstos no “caput” do art. 4.º da Lei 12.850/13. Essa atuação final, por sua vez,
pode ocorrer em apenas três oportunidades, determinadas pelo momento em que
ocorreu a colaboração: (a) se até a sentença de mérito, ocorrerá na sentença; (b) se
acontecer entre a sentença e o julgamento pelo órgão recursal, seja qual for ele,
ocorrerá no julgamento pelo Tribunal e constará do acórdão; (c) se a colaboração
acontecer depois do trânsito em julgado da sentença ou do acórdão, pelo juízo da
execução penal.
Recomenda-se que os termos do acordo fiquem limitados às possibilidades
mencionadas no “caput” do art. 1.º da Lei 12.850/13. É recomendável que o delator
preste depoimento antes dos demais réus, a fim de permitir à defesa dos demais
que formulem esclarecimentos complementares a ele, permitindo-lhes contrapor as
revelações do colaborador.
Ainda que homologado, isso não traduz qualquer acatamento judicial das
condições do acordo, haja vista que, sem embargo das condições e vantagens
pactuadas entre o Delegado de Polícia ou o Ministério Público e o Delator, o
proveito, a extensão e a real eficácia dessas estipulações somente serão
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examinados, motivadamente, no momento processual oportuno (sentença, acórdão


ou incidente anômalo de execução penal), o que revela a natureza eminentemente
precária da chancela outorgada.
Portanto, que fique claro: a homologação do acordo não gera direito subjetivo
algum aos pactuantes – seja ao delator, seja ao delegado de polícia ou ao Ministério
Público.
O art. 4.º, § 2º da Lei de Organizações Criminosas prevê o benefício máximo
do perdão judicial. Esse “no que couber” deve ser lido no sentido de que a aplicação
do artigo 28.º do Código de Processo Penal tem lugar apenas antes do oferecimento
da denúncia, na medida em que o requerimento ou a representação pelo perdão,
antes deste momento, equivalem a pedido implícito de arquivamento.

Daí a analogia feita pela própria lei.

“Convém lembrar que o Supremo Tribunal Federal, em 1980, ao julgar o HC


57.798, firmou entendimento no sentido de que o perdão não exclui a
condenação, apenas gerando a não aplicação da pena. Dessa forma,
consolidou-se no STF o entendimento de que o perdão judicial pressupõe
condenação, não se estendendo aos efeitos secundários da sentença
condenatória. Esclarece que dos efeitos secundários da sentença que
permanecem ao beneficiado, o STF excluiu a reincidência, tendo em vista o
disposto no art. 120 do Código Penal”.

Por sua vez, importante mencionar que o Superior Tribunal de Justiça possui
entendimento diferente. Criado com o advento da Constituição Federal de 1988, tal
Tribunal passou a ser competente para o julgamento da questão.
Após diversos julgamentos em sentido contrário ao firmado pelo Supremo
Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 18, assim redigida:
“A sentença concessiva do perdão judicial é declaratória da extinção da
punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório”. Para ele, o perdão
judicial está vinculado a uma sentença declaratória da extinção da punibilidade, ou
seja, todos os efeitos penais como extrapenais estariam afastados.
Na hipótese reversa, entendendo o juiz ser o caso de perdão e não constando
ele da proposta inicial, poderá aplicá-lo adequando-a ao caso concreto, nos termos
do § 8, do art. 4.º da Lei de Organizações Criminosas, hipótese em que a decisão
desafiará recurso.
Direitos do colaborador a especificação no termo de acordo das medidas de
proteção ao delator e à sua família não é um requisito de validade do documento.
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De regra, essas medidas são aquelas elencadas no artigo 5.º da Lei: (a) ser
conduzido, em juízo, separadamente dos demais coautores e partícipes; (b)
participar da audiência sem contato visual com os outros acusados; (c) não
ter sua identidade revelada pelos meios de comunicação, nem ser
fotografado ou filmado, sem sua prévia autorização, por escrito; (d) cumprir
pena em estabelecimento penal diverso dos demais corréus ou
condenados.

Todos esses direitos são renunciáveis pelo delator e por seu defensor, o que
pode ocorrer tanto no acordo quanto em momento posterior.
Em situações extremas e de risco real e concreto, ainda podem ser
empregadas duas outras medidas: (a) as previstas na legislação específica; (b) ter o
nome, qualificação, imagem e demais informações pessoais preservados.
As medidas de proteção são aquelas previstas na Lei 9.807/99, que se
desdobram em duas espécies: - àqueles que já cumpriram e tiveram a pena extinta,
ou que houverem sido beneficiados com o perdão judicial, podem ser aplicadas as
medidas de proteção previstas no art. 7.º da Lei 9.807/99, no que couber.
Garantias processuais dos demais coautores e partícipes – o direito de
confrontar a prova acaso se pretenda utilizar as informações advindas da
colaboração para sustentar um juízo condenatório, ostentando a condição de meio
de prova, é possível submeter o agente colaborador ao contraditório em juízo ( §12
do art. 14.º da Lei de Organizações Criminosas).
Celebrado o acordo e homologado, cabe ao juiz determinar, se for o caso, o
desmembramento da ação penal em relação ao colaborador, suspendendo o seu
trâmite e a prescrição até a verificação de eficácia e extensão da colaboração, no
prazo do § 3.º do art. 4.º da Lei. Ao juiz caberá verificar se podem advir provas
necessárias ao processo a que respondem os corréus. Se houver, poderá manter a
ação penal una e suspendê-la até que se confirmem ou não os informes do
colaborador, aplicando a ele os benefícios da lei, se eficaz a colaboração.
Homologado o acordo, o juiz irá colher a confirmação das revelações no
âmbito judicial e submeter à prova ao contraditório.
Do prêmio e beneficio o principal aspecto a se levar em conta deve ser a
extensão e profundidade dos elementos revelados pelo agente. Deve haver uma
proporção entre o grau de cooperação do agente e o quantum de prêmio a receber.
A análise deve também considerar outros aspectos relevantes, como o fato de o
delator comparecer em juízo confirmando suas declarações e submetendo-se ao
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contraditório, predisposição a responder ou não aos questionamentos da defesa,


bem como auxiliar os órgãos da persecução penal a localizar elementos externos de
corroboração das revelações feitas. Haverá de se considerar também o que constou
no compromisso prévio firmado entre o órgão da acusação e o delator, pois, ainda
que o magistrado não o tenha vinculado ao conteúdo desse termo, o compromisso
serve de referência importante na conduta do delator e na definição da dimensão
do favor. O juiz deve fundamentar o percentual de redução da pena aplicada.

CONCLUSÃO

Os princípios éticos e morais que são base de uma sociedade mais justa e
humana e devem ser observadas em todas as relações interpessoais em especial
nas decisões judiciais.
Deixar de observar tais princípios com a premiação de delatores de
esquemas que lesam os cofres públicos é no mínimo desproporcional e gera uma
sensação de impunidade, pois os beneficiados passam a cumprir a pena em suas
residências e com todas as regalias, benefícios estabelecidos pela própria lei e
descritos no requerimento da Delação, benefícios maiores do que o previsto em lei,
o que causa um desequilíbrio na negociação e pode estimular cooperações falsas, a
aplicação de uma pena mais branda a quem praticou crime e se beneficiou da
delação premiada é deveras prejudicial para a credibilidade do sistema penal
brasileiro e consequentemente na credibilidade da justiça.
O Brasil está ainda aprendendo a utilizar a delação/colaboração premiada em
uma tempestade de feitos como a Operação Lava-Jato, a população exige
punibilidade rápida. E, em outro momento, esse novo instituto possa ser analisado
com maior atenção, será possível que essa é a realidade, e definitivamente, temos
que lidar com ela. Deve-se afinal extrair desse novo instituto da delação premiada o
que há de melhor, para que possa contribuir no combate à criminalidade organizada
e à corrupção, dentro do sistema brasileiro.
Não resta dúvida que a delação premiada tem produzido resultados positivos
e, deve ser preservada, mas toda a negociação deve acatar e respeitar as leis e
também a Constituição Federal. Pois, do contrário, ter-se-á, o efeito oposto do que
se espera, pois se farão acordos de toda sorte e, a opinião pública o rejeitará.
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É verdade que o aumento dos benefícios concedidos pelo Ministério Público,


em acordos de delações premiadas, nos questiona sobre a segurança jurídica das
informações prestadas pelos acusados. Principalmente quando tais benefícios não
estão previstos expressamente na lei. Seriam legítimas as delações e provas
apresentadas. Logo, considerando a vulnerabilidade do depoimento do delator, a
jurisprudência e a lei ressaltam a impossibilidade da condenação advir somente da
delação de um colaborador, cabendo ao magistrado decidir pela veracidade das
informações em consonância com outros elementos de provas. Apesar dos desafios
encontrados para a aplicação do instituto, ocorre, na atualidade, o uso frequente,
pelo Ministério Público, do acordo premial, demonstrando que essa ferramenta traz
eficácia à pretensão punitiva do Estado. Exemplo disso ocorre na Operação Lava
Jato, que, utilizando a delação premiada, conseguiu recuperar bilhões de reais para
os cofres públicos e colher material suficiente para denúncia de políticos da alta
cúpula dos poderes legislativo e executivo do país envolvidos no esquema de
corrupção na Petrobras e ademais.
Dessa forma, a importância do instituto estudado é indiscutível, tendo em
vista que a colaboração daquele que também foi autor ou partícipe do crime é
ferramenta extremamente esclarecedora do modus operandi da infração. Busca-se
com o presente artigo, apontar que a delação premiada demonstra violar o sistema
acusatório por utilizar fundamentos baseados em punitivíssimos emergenciais em
busca da Lei e ordem, justificados pela falência investigativa, pois a imensa
variedade de Leis casuísticas demonstram a falta de clareza procedimental e
outras diversas incompatibilidades que só atrapalham uma correta apreciação e
limitação desse instituto no processo penal. Os resquícios de inquisitoriedade são
claros ao eximir o trabalho da acusação em comprovar a responsabilidade penal
do acusado, e também ao possibilitar a promoção da ação penal a partir da
supervalorização de informações na qual o informante é mantido em sigilo.
Demonstrou-se também ser inquestionável o fato de que se o acusado
quisesse confessar ou contribuir para investigação, falaríamos em hipótese de
arrependimento posterior, mas nunca em delação premiada. Atualmente as
represálias conhecidas pelo "dedurismo oficializado" demonstram mais um motivo
para que a não autoincriminação seja justificada pela "Lei do Silêncio", porém,
como atualmente nosso sistema carcerário demonstra-se em um caos com graves
problemas de superlotação, saúde, violência e entre outras situações degradantes
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e desumanas que impulsionam um regime de exceção, esse prêmio demonstra


uma situação sedutora, onde talvez seja mais seguro e oportuno ao delator recusar
as garantias constitucionais, arriscando-se as represálias de todos os tipos sem a
efetiva proteção como quase que única opção para afastar a entrada no sistema
penal desumano e falido.
As diversas legislações esparsas desde 1990 demonstram haver uma
necessidade de se obter informações através de sedutora isenção de
responsabilidade penal, havendo na prática coisificação do acusado para suprir
falência investigativa. Existem muitas características do instituto analisado que
demonstram coisificar o acusado como simples objeto, rompendo também com a
dignidade da pessoa humana, pois além de tonar o acusado um simples objeto
para o sucesso da investigação, esse Instituto também se baseia em uma isenção
de responsabilidade penal indigna e ilegal.
Embora aplicada em forma de benefício, a delação deixa de ser considerada
válida e passa a ser inconstitucional, já que leis infraconstitucionais violam princípios
previstos pela Constituição e pelo Pacto de São José da Costa Rica, retirando do
investigado suas garantias e, este entra em confronto com a acusação despido de
seus direitos e, o Estado, valendo de seu poder de superioridade, se utiliza da prisão
para obter a confissão.
É inadmissível o uso de coação em face de um denunciado para que este
renuncie as suas garantias constitucionais e passe a prestar informações
necessárias a um órgão acusador, com a promessa de um prêmio ao final. Mesmo
porque, cabe à acusação o ônus de provar os fatos alegados na peça investigativa
ou acusatória.
Veja-se, portanto, que, uma vez pressionado a confessar, o delator perde
todas suas chances de defesa. Nesse sentido, vale repisar que a Constituição
Federal e o Pacto de São José da Costa Rica asseguram a todo indivíduo o direito
ao silêncio e de não produzir provas contra si mesmo, garantindo até o final do
devido processo legal a presunção de inocência do investigado. Ainda, no que diz
respeito às provas obtidas, com ofensa aos outros princípios e obtidas por meio de
coação estatal, é indiscutível a carga de ilicitude que nelas contem, não podendo
assim, serem admitidas no processo, tampouco em consonância com outras provas.
Embora a própria lei determine que a condenação não seja baseada apenas
na delação, esta mesma lei determina as informações que deverão ser prestadas
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pelo delator, ou seja, estas já serão suficientes para convencimento do julgador.


Além disso, não se pode descartar a hipótese de que negociações e confissões
precoces poderão dar ensejo a prejuízo ao investigado, que perderá todas as
chances de uma possível absolvição ao final do processo.
Assim, não se pode deixar de observar nos acordos de delação premiada
pautados no artigo 4.º, parágrafo 14 da Lei 12.850/13, que sua inconstitucionalidade
está escancarada. As garantias constitucionais não podem ser renunciadas,
principalmente em se tratando de delação premiada. Essas garantias, previstas não
apenas na Constituição, mas, também ratificadas pelos Pactos internacionais, são
consideradas armas de defesa do acusado contra as arbitrariedades do Estado.
O Estado deve buscar maneiras de combater a criminalidade, sem que
ofenda os dispositivos fundamentais previstos na Constituição e que são essenciais
a qualquer pessoa, em especial àquele que está sendo acusado.
As garantias previstas constitucionalmente devem ser observadas e
respeitadas a todo tempo, sem a necessidade de suplicar por elas sempre que delas
necessitar, posto que, asseguram juridicamente toda sociedade. Por fim, conclui-se
que a delação premiada demonstra estar contaminada de inconstitucionalidades do
início ao fim, servindo como uma maquiagem para disfarçar o que realmente
precisa ser feito.
É necessária vontade constitucionalizada, onde o Estado deva neutralizar os
efeitos da criminalidade também antes de sua ocorrência. Após isso, caso seja
necessário utilizar a delação premiada, deve haver efetiva proteção ao delator,
além de uma satisfatória investigação criminal. Fossem respeitados tais
parâmetros, tudo indica que a delação premiada demonstraria compatibilização
constitucional.
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REFERÊNCIAS

AMERICANOS, Organização dos Estados. PACTO DE SAN JOSÉ DE


COSTA RICA. San José: Organização dos Estados Americanos, 1969. Disponível
em: <http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=908>.
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destinação de bens apreendidos, colaboração premiada e responsabilidade social.
São Paulo: Saraiva 2009.
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Sanches et al. (Coord.). Limites constitucionais da investigação. São Paulo: RT,
2009. P. 147-183.
Jesus, Damásio de. Estágio atual da "delação premiada" no Direito Penal
brasileiro. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 152. Disponível em <http:// www.
boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=908>.
LUZ; André M. de A.; SOARES, David F.; COSTA, Delson E. S.; SALEMA,
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análise crítica. Virtual Jus, Belo Horizonte, v.2., n.3. p. 176-211. 2017.
MENDONÇA, Ricardo. Pela 1ª vez, corrupção é vista como maior problema
no país, diz Datafolha. Disponível em: www.folhadesaopaulo.com.br, acesso em:
10/09/2017.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: parte geral: parte
especial. 3ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 716.
PEREIRA, Frederico Valdez. Colaboração Premiada: legitimidade e
procedimento. Aspectos controvertidos do instituto da colaboração premiada de
coautor de delitos como instrumento de enfrentamento do crime organizado.
Curitiba: Juruá, 2013.
SILVA, Eduardo Araújo da. Breves considerações sobre a colaboração
processual na Lei n.º 10.409/02. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 10, N.

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