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Dramaturgia T2 T2- quinta-feira. Junho 2019

Sugestão de título: Que palavra será? Como dizer? Tudo isto... isto aqui...

Começaremos por algumas perguntas aleatórias sobre si mesmo, feita por


alguns dos alunos da turma. A última pergunta será:
Você gosta do que você é? Você trocaria de lugar comigo?
O texto seguirá com o trecho de Peixe-Borboleta:
Meu corpo é um papel em branco [pausa].
Meu corpo é um papel em branco.
Ele espera ser preenchido por letras, desenhos, rabiscos. E espera ser enviado para
algum lugar. [pausa]
Meu corpo é uma carta a ser enviada. Que espera ser enviada e que encontre o
destinatário correto. [pausa]
Meu corpo espera que esse destinatário entenda a língua e linguagem.
O texto corta para o Exercício 11.
É que as vezes as ruas são largas. São largas e escuras E ai tudo bem. Pode não
fazer sentido, mas a gente caminha de mãos dadas.
A gente pode ficar parado na esquina, mesmo com medo. Outras pessoas vão ver e
pensarão que não faz
sentido.
Trecho Breno
Ouvi a porta bater três vezes. Fui correndo atender. Abri. Era o medo. Ele vinha
desesperado batendo na minha porta. Andava muito preocupado, desesperado. Ele
nem pediu licença e já foi entrando, quando fui ver, ele já estava no meu quarto, na
sala, na cozinha, no quintal! O medo estava comigo até na rua, não entendo porque
ele estava, não compreendo o porquê dele estar ali.
Trecho Exercício 11:
Não faz o menor sentido é aquela moça sentada ali sozinha. Até pode ser que faça,
mas pra que? Para que aquela mesa lá no fundo e ela lá, sentada sozinha?
Do outro lado não tem ninguém. O bar vazio e ela lá sentada.
Um. Dois. Três. Quatro. Cinco. Seis.
Beckett:
Primeiro o corpo. Não. Primeiro o lugar. Não. Primeiro ambos. Ora um deles. Ora o
outro. Até fartar um deles e tentar o outro. Assim em diante...

Obscuramente visto. Juntos todos os três.


Onde ali todos os três como pior vistos da última vez.
Sózinho costas vergadas. Os dois descalços de passo arrastado.
Crânio e olhos fixos despalpebrados. Onde na estreita vastidão?

O quê quando desaparecidas as palavras? Qualquer coisa que ali está gravemente não
errada. Grave o não haver rosto. Grave o não haver mãos. Grave o não...Basta.

Desaparecida a cabeça no chapéu. Mais desaparecidas as costas. Casacão cortado mais


acima. Nada da bacia para baixo. Nada a não ser as costas vergadas. Tronco traseiro
sem topo e sem base. Obscuro.
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Ravik quebra a tensão com propostas de perguntas absurdas.

Pergunta Ana: Quantos anos você levou pra passar por cima disso? Pra descobrir
que sua timidez, ingenuidade, respeito eram justos?

Texto Beckett - Como dizer.


loucura –
loucura que de –
que de –
como dizer –
loucura que de –
disso –
loucura que de disso –
dado –
loucura dado isso que –
ao ver –
loucura ao ver isso –
isso –
como dizer –
disso –
de disso –
loucura que dado tudo isso –
ao ver –
loucura ao ver que –
de disso –
que de –
como dizer –
ao ver –
entrever –
crer entrever –
querer crer entrever –
loucura que ao querer crer entrever o quê –

o quê –
como dizer –
e onde –
que ao querer crer entrever o quê onde –
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onde –
como dizer –
ali –
ali lá –
longe –
ali lá longe –
mal-e-mal –
ali lá longe mal-e-mal o quê –
o quê –
como dizer –
vendo tudo isso –
todo este isso –
loucura ao ver o quê –
entrever –
crer entrever –
querer crer entrever –
ali lá longe mal-e-mal o quê –
loucura em querer crer entrever lá o quê –
o quê -

como dizer –

como dizer -

Que palavra será -

Que palavra será -

Perguntas:
Você tem fome de quê?
Você tem sede de que?

Trecho final (Clarice Lispector)

A comida dizia rude, feliz, austera: come, come e reparte. Aquilo tudo me pertencia,
aquela era a mesa de meu pai. Comi sem ternura, comi sem a paixão da piedade. E
sem me oferecer à esperança. Comi sem saudade nenhuma. E eu bem valia aquela
comida.
E não quero formar a vida porque a existência já existe. Existe como um chão onde
nós todos avançamos. Sem uma palavra de amor.
Sem uma palavra. Mas teu prazer entende o meu. Nós somos fortes e nós
comemos. Pão é amor entre estranhos.

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