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Um dia de fúria

Era outono no Rio de Janeiro. O calor havia dado trégua e o conforto estava de volta ao lar. Na
semana anterior, o mercado havia se comportado bem, dando várias entradas. A grana estava na
conta. Expectativa alta para outra boa semana e até uma ligeira euforia diante de novos gains. Foi
nesse dia que tudo aconteceu. Mas antes de contar o que aconteceu, vamos voltar um pouquinho ao
passado.
Meses atrás, houve um dia muito difícil de operar. As primeiras operações foram de loss. Mas
eu sabia que podia ser revertido, e não sair com prejuízo ao final do pregão. Com muito esforço e
trabalho, o resultado negativo foi evitado e o dinheiro perdido foi recuperado. Cansado, mas
satisfeito, pensei o quanto valeu a pena investir em tanto conhecimento sobre a bolsa e as formas de
operá-la. Agora eu sabia que não deveria temer o loss. Embora o diário de performance não pudesse
ser feito naquele dia, pelo cansaço e pela quantidade de operações realizadas, sabia que eu estava
em franca evolução nos trades. Logo seria consistente.
Nos meses que se seguiram, tive ótimos dias de gains. Mas os dias que me fizeram ter certeza
do meu conhecimento foram os dias em que comecei com loss e recuperei. Eu sabia como
recuperar. Não havia necessidade de permitir que o pregão acabasse com loss. Meu diário, mesmo
faltando algumas operações, me mostrava isso.
Mas aquele dia não era para acontecer. Como em todos os outros dias ruins, comecei com loss
nas primeiras duas operações. “Tudo bem”, pensei. “Vai ser mais um dia daqueles, difícil”,
completei. O mercado virou na primeira entrada e na segunda entrada me violinou ( termo usado
quando você é tirado e o mercado continua na mesma direção). Na terceira operação fui de mão
pesada, afinal, tinha uma boa grana para pegar de volta. Gain!. Conta zerada. Mesmo saindo rápido
da operação, afinal ela me recuperou o loss e eu não poderia deixar ela voltar, eu estava confiante
novamente. E logo veio a quarta entrada. Foi essa que deu errado. O mercado virou me bateu a
carteira. “ Filho da puta!”, disse eu em voz baixa. Sem perda de tempo, arranjei a quinta operação.
Com mão pesada novamente, larguei a carga bem abaixo daquele candle, antes que ele fugisse de
mim. “Só mais um”, pensei. Pago meu stop e saio com gain. Mas não, não deu. Aquele desgraçado
de dólar segurou na retração e voltou, fazendo o índice virar também. “Estopado! Não acredito
nisso!”, gritei. Dei uma olhada na conta e o estrago estava lá. Loss gigante e mente atordoada.
Continuei...e quebrei.
Essa história não aconteceu de verdade. Ela foi criada baseada em relatos de quem viveu o dia
de fúria na sala virtual do Projeto 10% e mostra a forma enganosa como os traders novatos encaram
o mercado. Como quem doma um cão violento na marra, no punho. É natural que, após uma
operação com loss, busquemos a recuperação financeira. Mas existem armadilhas ocultas nessas
recuperações: acostumamos a recuperar e não reconhecemos mais os limites de perdas. Há muitos
relatos de trades que tiveram perdas gigantescas (alguns faliram) no único dia que não conseguiram
recuperar.
Se você aceita uma pequena perda num dia, no outro você volta com a mente equilibrada e tem
plenas condições de continuar operando com sucesso, com confiança. Se você tem uma perda
financeira muito além dos seus limites, nos dias que se seguem sua mente fica revisitando aquele
trade fracassado, tirando seu foco. Você perde a confiança, duvida de si e do seu potencial.
Acostumar-se a perder e simplesmente aceitar a perda é parte da evolução do trader. Ao tentar
recuperar, ponha um limite de perda, respeite-o e não saia do seu trade system. Se não conseguir
raciocinar com clareza, pare. Se o limite for atingido, saia e só volte quando não pensar mais no
prejuízo. Geralmente no dia seguinte.
Na historinha acima, em nenhum momento o mercado teve culpa do seu fracasso. O mercado não
se importa com você. Ele é neutro. É soberano. A única coisa que você controla é sua atitude.
Acostume-se a absorver as perdas menores, e você vai longe.
Flávio Faccini

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