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O GENERAL ABREU E LIMA: PERNAMBUCO, BRASIL, AMÉRICA LATINA

Brayan Vicente de Souza1

RESUMO
O presente artigo apresenta uma pesquisa historiográfica a
respeito da figura de Abreu e Lima. Parte do ponto de que os
símbolos captados no cotidiano não são devidamente
compreendidos. Por isso, a necessidade de pesquisas
históricas e historiográficas a respeito deles. O General Abreu
e Lima, em vida, envolveu-se nos eventos de independência,
revoluções, etc. Sabemos hoje dele apenas como um nome,
um símbolo linguístico que nada nos diz. Colocando um
contraponto a isso, está o presente escrito.
ABSTRACT
This article presents a historiographical research about the
figure of Abreu and Lima. Begins at the point that the symbols
captured in everyday life are not properly understood.
Therefore, the need for historical and historiographic research
on them. General Abreu e Lima, in life, was involved in the
events of independence, revolutions, etc. We know today of it
only as a name, a linguistic symbol that tells us nothing. Putting
a counterpoint to this, is the present written.

1
Discente do curso de licenciatura em Ciências Sociais da Universidade de Pernambuco (UPE).
Introdução
A memória é certamente um depositário de informações. Mas o que
guardamos em nossas memórias individuais? Será o conteúdo realmente
relacionado à experiência histórica de nossos antepassados? Como podemos
compreender o agora sem que tenhamos compreensão do que já passou?
Apenas a luz da investigação podemos compreender se realmente
compreendemo-nos.
*
* *
Uma multiplicidade de símbolos é-nos apresentada a cada instante.
Certamente não pode-se dar conta de todos. Os fatos e atos são heterogêneos
demais para serem todos entendidos. Além de serem múltiplos, são
plurissemânticos, um símbolo simboliza algo que lhe está por trás – chega a ser um
truísmo dizê-lo –, muitos, porém, símbolos precisam ser realmente interpretados
para que possamos compreender o que ele simboliza.
Nos dias atuais, há uma gama ainda de informações que se nos apresentam –
principalmente através da ​internet​. Poder-se-ia escrever inúmeras páginas sobre os
símbolos, mas a semiótica e a simbólica tem se dedicado a tal fazer.
Símbolos estão estampados em todos os lugares. Pode-se, então,
interpretá-los.
São inúmeros os monumentos, nomes de ruas, praças e hospitais os que
apresentam símbolos da história. Inúmeros outros fatos apresentam símbolos dos
quais grande parte das pessoas que por eles passam desconhecem.
Não são todos que simpatizam ou ​amam o futebol. Mas àqueles que estão a
par de tais competições, principalmente na América Latina, conhecem a principal
competição do continente. Enquanto outros continentes, como África e Europa,
disputa-se ligas de campeões, os principais clubes latino-americanos disputam a
Libertadores da América2.

2
Principal competição latino americana de futebol. Organizada pela Confederação Sul-Americana de
Futebol (CONMEBOL)
O termo ​libertadores tem um ​quê de Latinoamérica, não apenas porque apenas
aqui disputa-se tal competição, mas pelo que simboliza tal nome. Quem foram os
libertadores​ que dão nome à competição?
Um outro ponto pode ajudar. No ano de 2003, um fato chama a atenção. Em
Abreu e Lima, município da Região Metropolitana do Recife (RMR, PE), dois
presidentes inauguraram um monumento que muito tem a dizer a respeito dos tais
libertadores​. Em matéria do mesmo ano o portal Terra dá o seguinte destaque:

Em clima de festa, a cidade de Abreu e Lima, na Zona da Mata de


Pernambuco, comemorou nesta sexta-feira a visita de dois
presidentes da República, além de ter uma aula de história. O
presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu colega venezuelano, Hugo
Chávez, inauguraram no fim da tarde um monumento em
comemoração à libertação latino-americana.
Os líderes vieram homenagear dois conterrâneos com bustos de
bronze, respectivamente do general pernambucano José Inácio de
Abreu e Lima e do venezuelano Simón Bolívar, herói da
independência do país. Em seus discursos, Lula e Chávez frisaram a
luta que se perpetua por melhores condições de seus países, além
de mencionarem feitos dos dois homenageados.3

Colocado junto a Simón Bolívar, como um dos libertadores, “o próprio libertador


da Venezuela”, como declarou o presidente venezuelano à época.
Um outro acontecido chama a atenção à figura de Abreu e Lima, além do nome
dado ao município onde se encontra seu busto; alguns anos mais tarde o Governo
Federal anunciou a construção de uma refinaria, que recebeu, também, seu nome.

A Revolução Pernambucana e as independências

De certo modo, a Revolução de 1817 marca o início da vida política de José


Ignácio de Abreu e Lima. À época, tinha, então, 23 anos de idade, recém saído da

3
​Lula e Chávez inauguram busto de bolivarianos. ​Terra, 23 de abril de 2003. Disponível em:
<​http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/0,,OI103123-EI1194,00-Lula+e+Chavez+inauguram+busto
+de+bolivarianos.html​>. Acesso em 10 de nov. de 2018.
Academia Militar do Rio de Janeiro. Ao encontrar seu pai, teve de vê-lo ser
assassinado pela repressão aos partidários da revolução.
Há, entretanto, aspectos importantes a serem ressaltados a respeito de sua
vida. Do que precede a morte de seu pai, mais especificamente. Filho de um
ex-clérigo que se casou e teve filhos – o próprio Abreu e Lima e seu irmão – teve
possivelmente uma educação inicialmente doméstica, como afirma Pinto a partir de
seus biógrafos. Apenas aos dezoito anos segue ao Rio de Janeiro, onde estuda na
Academia Real Militar. Lá obtém a patente de capitão de artilharia.
Apenas na Bahia, encontrou com seu pai. Para nunca mais vê-lo. Em relação a
sua estadia neste estado, possivelmente esteve preso por crime cometido4.
A perda de seu pai, deixou o jovem Abreu e Lima sem interesse de
permanecer no Brasil. Partiu, então, com seu irmão, para os Estados Unidos. Seu
destino, porém, seria uma volta à América Latina. Em carta a Bolívar, escreveu
Abreu e Lima: “a sacrificarse por la independencia y libertad de Venezuela, y de
toda la America del Sur”.
Rapidamente envolveu-se com as ​guerras de independência​. Sendo elevado
por Bolívar ao posto de General, cargo no qual atuou em importantes batalhas,
como: a Batalha de Carabobo (1821), que levou a Independência da Venezuela; a
Batalha de Ayacucho (1824), que levou à Independência do Peru.
Porém, breve foram seus tempos de libertador. Após alguns anos, partidários
da revolução voltaram-se contra ele e Bolívar, Abreu e Lima foi, então, expulso da
Venezuela.
Ainda em terras venezuelanas, comemorou a Independência do Brasil. Nessa
época, manifestam-se dois pontos importantes na figura do General: um primeiro diz
respeito ao I) o ofício de historiador; e o segundo II) o ideal bolivariano presente no
pensamento de Abreu e Lima.
No período que precede seu retorno ao Brasil, foi convidado por Bolívar a
responder às críticas europeias à Grã-Colômbia, mais precisamente às de Benjamin
Constant como escreveu Melo. Em resposta, escreveu ele ​Resumen histórico de la
ultima ditadura de Símon Bolívar, comprovada con documentos,​ o qual teria sido
bastante elogiado por Bolívar.

4
“assuada, resistência e ferimentos”, afirmou Pinto (1983 , p. 80).
Na obra histórica de Abreu e Lima transparece o segundo aspecto, o sonho
bolivariano de uma América Latina unida, o qual seria buscado por ele,
posteriormente, através de outros meios.

O retorno ao Brasil (1831-1844)


De volta ao Brasil, instalou-se no Rio de Janeiro, então capital do Império
Brasileiro. Segundo Pinto ( , p. 82), teria, inclusive, atraído boas relações com D.
Pedro I, até mesmo como o Rei Luíz Felipe.
Nesse período, teria reconhecido certos aspectos de um governo monárquico
que seriam de bastante auxílio às nações recentemente libertas, fato que
possivelmente referia-se à posição do Império Brasileiro diante dos problemas
suscitados pela Independência.
Desta maneira, o retorno ao Brasil fez-lhe bem. Retornou, ao Brasil, direto à
capital onde conheceu importantes figuras do período, tendo, inclusive mantido
relações. Segundo Pinto, para Abreu e Lima,
Pedro I foi sempre, para Abreu e Lima, a figura excelsa do
governante moderado, embora inexperiente; seus erros, que os teve
e grandes, segundo confessa, nunca chegaram a fazer dele um
tirano. Durante os dez anos da gestão de Pedro I. O Brasil teria feito
mais progresso do que nos seus três séculos de civilização.

Anos depois, já sexagenário escreveu Abreu e Lima: Seu nome [D. Pedro I]
está ligado à nossa Independência… ninguém pode borrar o nome de D. Pedro da
Constituição, sob cujos auspícios entramos na comunhão do mundo civilizado"5.
Ainda distante de sua cidade natal, publicou um ​Compêndio da História
do Brasil (​ 1843), dando assim continuidade a suas obras históricas. O compêndio foi
dedicado ao, então, imperador D. Pedro II.
Por conta do compêndio, ele entraria em uma querela com Varnhagen.
Segundo este, aquele teria plagiado a Histoire du Brésil, do francês Alphonse de
Beauchamp.

5
Citado por Pinto (1983 , p. 82)
De volta ao Recife (1844-1869)
Em retorno ao Recife, rapidamente envolve-se em eventos de cunho político.
Rapidamente criou vínculos com partidários do que em poucos anos seria a
Revolução Praieira.
Ao contrário de seus tempos de ​moço.​ Desta vez, o que lhe interessa é o
debate de ideias. Não era mais um homem de ação, de combate, a idade lhe
obrigava a ser prudente.
Mas não deixou o combate de lado apenas para afastar-se de atrito com
outros. Com a idade, seu espírito polemista apareceu cada vez mais. A querela com
Varnhagem, de certo modo, apenas o convidara aos debates.
Em pouco tempo assumiu a direção do periódico ​Diário Novo​, impresso na
Rua da Praia, que deu nome à Revolução. Em pouco tempo conquistou mais
adeptos. “Estabeleci, então, algumas idéias, excitei os sentimentos populares, criei
novos interesses"6.
Foi bastante ativo no período que antecede à Revolução. Colocado por alguns
autores como seu ideólogo. Pelos feitos deste período foi preso, sendo primeiro
levado ao Forte do Brum, e posteriormente a um presídio em Fernando de Noronha.
Foi solto pouco tempo depois.
Nos seus últimos dias, o que mais chama a atenção é a publicação de um
livro. A posição de um dos ideólogos da Revolução Praieira não lhe afastou do
terreno das letras. Nada o faria.
No ano de 1844, Abreu e Lima publicou ​O Socialismo.​ Uma de suas maiores
obras, se não a maior. Nos dias atuais, o título não é capaz se sugerir o conteúdo
do livro.
Deve ser pontuado que no ano de publicação, os principais autores do
socialismo eram os utópicos franceses. ​O Socialismo ​de Abreu e Lima difere um
pouco do que escreveram. Tem a sua marca.
No início, preocupa-se em uma definição. Afinal tem um título desafiador.
Preocupou-se então em defini-lo. E eis que escreve o General:
O socialismo não he uma sciencia, nem uma doutrina, nem uma
religião, nem uma seita, nem um systema, nem um principio, nem

6
Citado por Pinto (1983 , p. 85)
uma idéa: he mais do que tudo isso, porque he um designio da
Providencia.
Em que consiste o socialismo? na tendencia do genero humano para
ornar-se um formar uma só e imensa familia. (ABREU E LIMA, 1855,
p. 7)
Neste quesito a visão de Abreu e Lima contrasta com a dos socialistas
utópicos. Enquanto alguns viam o socialismo como planejamento, bem como uma
aversão aos construtos da Revoluções Industriais e Francesa, ele o entendia como
um algo além da ciência, de uma doutrina, de uma religião, sistema ou princípio,
como fruto da providência.
Neste quesito, ele aproxima-se um pouco mais, e antecipa aspectos, do que a
versão marxista do socialismo; isso se conectarmos a Providência à Filosofia da
História, mas isso nos levaria a um outro estudo.
Distanciando-se ainda mais dos socialistas utópicos, afirma:

O que são as seitas, doutrinas ou systemas de Fourier, de


Saint-Simon, de Owen, e de seus sectarios ? aberrações do
espirito humano, excrescencias que vão desapparecendo pelo
attrito na rotação do gênero humano sobre si mesmo.
Entretanto concorrem todos para a regeneração universal, pela
regra de que Deus escreve certo por linhas tortas.

Abreu e Lima não apenas divergia no seu entendimento a respeito do que é o


socialismo, mas também criticava ferrenhamente os primeiros socialistas. Um outro
aspecto da obra é o amplo conhecimento do panorama filosófico europeu. Em
capítulos posteriores, comenta autores como Hegel, de Maistre, Descartes, Kant.
No fundo, o socialismo de Abreu e Lima é de vertente cristã. Além da
Providência, apresenta questões como ​o pecado original​, ​livre-arbítrio,​ etc. Todos
pontos presentes nas especulações filosóficas cristãs.
*
* *
Abreu e Lima morreu no ano de 1869, mais precisamente no dia 8 de março.
Não pode ser enterrado em um cemitério público, por ser protestante. Seu corpo foi
então enterrado no Cemitério dos Ingleses, local no qual permanece até os dias de
hoje.
*
* *
Esteve sempre conectado à realidade da America Latina. Ideais como a união
dos povos americanos jamais foram postos de lado. Embora tenha afastado-se do
que outrora fora a Grã-Colômbia, este ideal jamais se afastou dele.
Pode-se dizer que posteriormente à Revolução Praieira, viu-se mais distante.
Mas até em sua utopia, ​O Socialismo​, está presente. Que seria a grande família de
que fala Abreu e Lima se não a união das nações latino americanas?
A história de nosso país está repleta de figuras como Abreu e Lima. Das quais
sabemos apenas que são nomes de ruas, praças e prédios públicos. A todo
momento captamos tais símbolos. A Avenida Norte Miguel Arraes, Avenida
Agamenon Magalhães, Getúlio Vargas.
Adendo do Autor
América Latina - Uma coisa que, de certo modo, fez-me refletir bastante, foi o
uso do termo América Latina. Em carta a Bolívar, o General escreveu ​America del
Sur​. Houve certo receio de minha parte ao usar um termo contemporâneo. Porém,
não deixei-me esquecer que parti do momento atual, do presente, e não do
momento em que ele escrevera a carta.
Uma coisa que parece bastante simples, mas que, entretanto, pode causar
bastante problemas. Espero que minha justificação seja suficiente para o uso de tal
termo.
Apêndice

Bustos de Abreu e Lima e Simón Bolívar em Abreu e Lima/PE7

7
​Disponível em: <​http://www.acervovirtualabreuelima.com.br/cronologia.html​>.
Acesso em: 10 de nov. de 2018.
Referências
ABREU E LIMA, José Inácio de. O Socialismo. 1855.
ALVES FILHO, Aluizio. Abreu e Lima no campo de Marte e no mundo das letras.
DE MELO, Ricardo Abreu. Abreu e Lima: um brasileiro entre os Libertadores da
América.
PINTO, Estevão. O general Abreu e Lima. ​Ciência & Trópico​​, v. 11, n. 1, 1983.

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