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O PLANETA DO SOL
MORIBUNDO
Autor
KURT MAHR
Tradução
RICHARD PAUL NETO
Digitalização
VITÓRIO
Revisão
ARLINDO_SAN
Perry Rhodan e seus companheiros partiram em busca do segredo
da imortalidade e pousaram em Gol, o décimo quarto planeta do sistema
Vega. Lá, sem dúvida, teriam sido vitimados pelos seres luminosos,
devoradores de energias, se o desconhecido não os houvesse
arremessado para o espaço por meio do transmissor de objetiva.
Apesar de terem sido salvos de uma situação de perigo extremo, os
ocupantes da Stardust-III sentem-se deprimidos, pois a nave se encontra
numa região completamente desconhecida do Universo.
Onde ficará o mundo em que, segundo as informações do
desconhecido, se encontram as coordenadas que permitirão a
teleportação espaço-temporal que os conduzirá de volta ao seu mundo?
Será o Planeta do Sol Moribundo?...
= = = = = = = = = = Personagens Principais: = = = = = = = = = =
***
— Então — disse Rhodan com um suspiro. — Não temos a menor idéia do lugar em
que nos encontramos. E, se não acontecer um milagre ou coisa que o valha, nunca
saberemos.
Procurou observar o efeito de suas palavras. Solicitara a presença dos dois arcônidas
na sala de comando, e ainda a de Reginald Bell, dos majores Nyssen e Deringhouse;
também pediu o comparecimento de Tako Kakuta, um japonês que representava o Exército
de Mutantes.
Crest mergulhou no desânimo; não fez o menor esforço para disfarçar a decepção de
que se sentia possuído. Thora, uma arcônida esbelta de cabelos brancos, devia sentir a
mesma coisa; mas sabia que idéia o homem faz de um ser que desanima antes da hora. Por
isso deu uma expressão enérgica ao seu rosto e enfrentou o olhar de Rhodan.
Os outros homens ali presentes pareciam feitos exclusivamente de curiosidade.
— E agora? — perguntou Bell. — Vamos ficar parados por aqui, esperando pelo
milagre?
Rhodan, muito sério, fez que sim.
— Poderia ter a gentileza de nos dizer que milagre é esse? — gritou Thora.
Sua voz parecia irritada e nervosa.
— Espero poder lhes dizer dentro de algumas horas — respondeu Rhodan. — Vou
dar uma olhada por aí. Pegarei um caça espacial.
— Acha que com um caça vai vencer a distância de alguns anos-luz que nos separa
da estrela mais próxima? — disse Thora com um riso irônico.
Rhodan sacudiu a cabeça.
— Não. Só me afastarei algumas unidades astronômicas.
— Para quê?
— Este setor do espaço é o pedaço mais estranho do Universo que Crest e,
evidentemente, também eu, jamais vimos — explicou Rhodan em tom professoral. — A
mais próxima das cinqüenta e seis estrelas que vemos se encontra a cinco anos-luz do
ponto em que atualmente nos encontramos, a mais distante a cento e oitenta anos-luz.
Além desse limite ainda se encontra, a uma distância considerável, uma concentração de
matéria quase imperceptível. Talvez se trate de uma galáxia. A densidade estelar nesta
região é menor do que seria de esperar no interior de uma galáxia, porém maior que a que
costuma ocorrer fora dela. Os espectros das cinqüenta e seis estrelas que temos diante de
nós provocariam risos em qualquer analista espectral. Por tudo que conseguimos saber até
hoje, espectros dessa espécie não deviam existir. Logo nos acode uma suspeita, a de que a
estrutura do espaço em que nos encontramos não é aquela à qual estamos acostumados.
Como até mesmo os instrumentos de maior precisão não constataram nada de anormal,
pretendo dar uma olhada do lado de fora da nave.
Deringhouse levantou-se de um salto.
— Essa tarefa não caberia a mim?
Rhodan repeliu-o com um gesto.
— Esqueça-se! — respondeu em tom sério. — Se minhas suposições forem
corretas...
Preferiu não completar a frase. A passos lentos, todo pensativo, foi em direção ao
intercomunicador e mandou que um dos pequenos caças rápidos fosse preparado para a
decolagem e colocado na comporta norte da Stardust-III.
***
***
***
***
Rhodan reconheceu a escrita. Já a vira duas vezes: da primeira vez no Palácio
Vermelho, juntamente com Thora, e de outra vez no cilindro metálico de que se apoderara
durante a viagem pelo tempo.
O cérebro positrônico decifrara ambas as mensagens. Possuía os dados básicos, e por
isso também devia ser capaz de interpretar os rabiscos de Tanaka.
Rhodan mandou elaborar uma programação ótica do registro e introduziu-a na
máquina. Esta não teve muita pressa. Dali a uma hora forneceu a tradução numa fita de
plástico:
***
O planeta era um mundo monótono, bem visível e muito frio. Rhodan contornou-o
duas vezes com a nave. Com isso adquiriu o conhecimento de todos os detalhes
interessantes sobre a configuração de sua superfície, a temperatura ali reinante, a
velocidade da rotação e, principalmente, ficou sabendo que naquele mundo não havia
qualquer ser inteligente, ao menos na superfície.
Sentiu-se decepcionado. Esperava que esse planeta lhe desse mais alguma indicação
sobre a posição galáctica do mundo da vida eterna. Quem lhe daria tal indicação, se ali não
existia nenhum ser inteligente?
O planeta recebeu o nome de Vagabundo, porque se movia sozinho e sem destino
num imenso espaço sem estrelas.
Era tão semelhante a Marte que até parecia que o Criador se guiara por um molde.
Não havia oceanos. A temperatura média na superfície era de cerca de oito graus
negativos. Nenhuma montanha tinha mais que algumas centenas de “metros de altura e ao
menos três quartas partes da superfície eram formadas por desertos vermelhos de oxido de
ferro.
Rhodan escolheu um desses desertos como local de pouso da Stardust-III. Lembrou-
se de que o cérebro positrônico previra que não haveria outras surpresas de ordem técnica;
por isso os mutantes que se encontravam a bordo foram mantidos em estado permanente
de alerta.
Mas não aconteceu nada. A Stardust-III pousou sem problemas e sem obstáculos. O
chão era firme e a força da gravitação não ultrapassava 0,53 g.
Começaram as conjecturas sobre quais seriam as próximas intenções do imortal.
***
— Tu, que queres enfrentar o perigo, mostraste paciência e não foges à sedução...
— disse Rhodan em tom pensativo, recitando o texto da mensagem que Tanaka Seiko
registrara num estado hipnótico. — Até parece que o imortal considera a paciência uma
das virtudes que quer encontrar em seu sucessor, não é mesmo?
Era uma pergunta um tanto retórica.
— Pode ser — respondeu Bell. — De qualquer maneira desta vez não teríamos
escapado tão bem se tivéssemos reagido àquela ilusão maluca. E não lhe levo isso a mal.
Crest concordou.
— Nunca canso de perguntar — disse — se não nos envolvemos numa coisa que é
difícil demais para nós. O que nos adiantará a vida eterna, se antes...
Fez um gesto de dúvida e não terminou a frase. Rhodan não respondeu. Pretendia
falar em outra coisa quando o intercomunicador deu sinal.
O rosto do tenente Tanner surgiu na tela. Parecia assustado e perplexo.
— Desculpe — disse Tanner apressadamente — quero pedir um conselho.
— Pois não!
Subitamente a perspectiva do quadro modificou-se. O rosto do tenente Tanner
desapareceu. Em seu lugar surgiu o interior de um dos pequenos depósitos auxiliares do
convés F, situado junto ao pólo norte do corpo esférico da nave.
— Viu? — perguntou Tanner.
Rhodan viu. Naquele depósito haviam sido guardados alguns aparelhos portáteis de
telecomunicação do tipo usado pelos destacamentos de choque, que costumavam sair da
nave em missões de reconhecimento. Os aparelhos não eram maiores que um rádio
transistorizado. Estavam cuidadosamente guardados num tipo de prateleira.
Apenas um deles saíra do lugar e flutuava no centro da sala, a cerca de um metro
acima do solo.
O quadro chegava a ser doloroso de tão insensato que era. Até Rhodan passou a mão
pelo rosto e voltou a olhar uma segunda vez antes de acreditar no que estava vendo.
— Tem alguma explicação para isso? — perguntou a voz exaltada de Tanner, depois
que Rhodan levara algum tempo sem dar sinal de sua presença.
— Não — respondeu Rhodan em tom áspero. — Espere! Já subo até aí!
No interior da Stardust-III os geradores produziram uma gravitação artificial, que se
regulava pelo peso normal reinante em Árcon e, portanto, também na Terra. Rhodan
praguejou contra os geradores e tudo mais que o impedia de avançar mais rapidamente
pelas fitas transportadoras dos corredores.
Tanner, perplexo, estava de pé junto ao aparelho amassado que se encontrava no
chão, bem no centro do depósito.
— Caiu?
Tanner fez que sim.
— Sim. De repente ouvi um barulho, e ali estava o aparelho no chão.
Os olhos de Tanner estavam arregalados de susto.
— Isso poderia ser obra de um dos mutantes — murmurou Rhodan. — Mas não
acredito.
Meia hora depois teve certeza. A bordo da Stardust-III havia três mutantes que
possuíam o dom da telecinésia: Anne Sloane, Betty Toufry, e o japonês Yokida. Betty e
Anne passaram as últimas horas lendo, e Yokida examinara os registros de bordo da nave,
que estavam ao alcance de qualquer um, procurando catálogos astronômicos que pudesse
decifrar com seus reduzidos conhecimentos da escrita arcônida. Yokida era astrônomo.
Nenhum deles permitira-se uma brincadeira, exibindo ao tenente Tanner um
telecomunicador de bolso voador.
Rhodan lembrou-se de que Tanner fora ao convés F numa inspeção de rotina. Poderia
perfeitamente ter entrado no depósito auxiliar alguns minutos antes ou depois; nesse caso
não teria percebido o incidente, ou o mesmo teria causado uma impressão muito menor.
A constatação desse fato não o deixou mais tranqüilo. Levava à conclusão de que
possivelmente fatos idênticos poderiam estar ocorrendo em outros pontos da nave, e que os
mesmos só seriam percebidos se por acaso alguém abrisse os olhos no lugar e tempo
exatos.
Rhodan ordenou imediatamente uma inspeção geral da nave, que foi realizada
principalmente por robôs, já que nestes a capacidade de perceber imediatamente qualquer
anomalia, por menor que fosse, era mais acentuada que nos homens.
O resultado foi o seguinte:
Havia duas prateleiras derrubadas nos depósitos de acessórios para instrumentos
medidores situados no convés E, quinze luminárias acesas em vários compartimentos e
uma grande instalação de refrigeração, que com uma eficiência espantosa produzia muitos
metros cúbicos de gás carbônico congelado, de que ninguém precisava.
Este último exemplo mostrou a Rhodan que esses incidentes — à primeira vista
apenas estranhos, talvez até ridículos — poderiam resvalar para um terreno perigoso.
Fosse quem fosse que mexia nas instalações da nave, poderia perfeitamente levar a
Stardust-III a uma decolagem catapultada, ou sobrecarregar os geradores a ponto de
provocar sua queima.
Rhodan tomou as medidas que o caso requeria. O exemplo do telecomunicador de
bolso parecia demonstrar que o estranho inimigo possuía o dom da telecinésia, ou então
dispunha de faculdades hipnóticas que lhe permitiam tornar-se invisível. Rhodan ligou o
dispositivo automático de prontidão da Stardust-III e mandou que toda a tripulação
comparecesse à sala dos oficiais.
Após isso, fez o mutante Fellmer Lloyd percorrer a nave vazia.
Lloyd possuía uma capacidade estranha: sabia identificar as radiações de cérebros
estranhos. A primeira impressão era de que Lloyd era um telepata, tal qual John Marshall,
que sabia decifrar os pensamentos de outras pessoas. Mas a capacidade de Lloyd era de
natureza mais exata e analítica. Sabia desenhar de memória aquilo que “via”. Eram
modelos de ondas cerebrais que, segundo Lloyd, haviam sido irradiados pelo cérebro por
ele observado. Só esse modelo lhe permitia uma conclusão sobre a natureza dos
pensamentos. Conhecia o código que servia à decifração da amostra, sem saber como.
Rhodan batizara-o de localizador, porque sabia constatar a presença de um cérebro
estranho a uma distância muito maior que um telepata. De forma que o localizador foi
percorrendo a nave muito devagar, sempre atento às suas percepções.
A Stardust-III era uma nave imensa. Estava dividida em seis conveses sobrepostos, e
quatro deles subdividiam-se em convés inferior, médio e superior. Havia mais de dois mil
corredores, sem contar os estreitos corredores laterais, e uma multidão de salas grandes,
médias e pequenas. Alguém que quisesse olhar todas as salas teria de trabalhar durante
dois meses, à razão de oito horas por dia.
Fellmer Lloyd, porém, confiou em sua capacidade de reconhecer a emissão de ondas
cerebrais a uma distância considerável.
Por isso a inspeção não demorou mais de duas horas. Informou a Rhodan que não
encontrara nada de anormal a bordo, e Rhodan concluiu que realmente nada de anormal se
encontrava a bordo.
***
***
Na manhã do dia seguinte realizaram uma ligeira conferência sobre a rota a seguir. O
tenente Tanner era de opinião que, embora o rastro fosse muito estranho, deviam seguir em
sua direção.
Deringhouse, porém, objetou que alguém, sabendo que seria perseguido, nunca
deixaria um rastro que fornecesse uma indicação aos perseguidores.
Rhodan, por seu lado, não chegara a afirmar que o ser desconhecido, mesmo que
soubesse lidar com explosivos, era dotado de um senso lógico igual ao do homem. Por isso
não desistiu do seu plano primitivo.
Pretendia instalar um acampamento fixo mais ou menos no centro da área coberta
pelas colinas. Ali ficariam de olhos e ouvidos abertos e, ajudados pela faculdade singular
de Fellmer Lloyd, sairiam à procura do ser desconhecido. Em sua opinião, o ataque
noturno constituía prova de que os desconhecidos se abrigavam naquelas colinas.
Havia um ponto em que todos estavam de acordo: o ser desconhecido que praticara o
atentado pertencia a uma raça que, segundo esperavam, lhes forneceria novas indicações
sobre o mundo misterioso da vida eterna.
A Stardust-III informou que a bordo tudo estava tranqüilo e em perfeita ordem. Não
precisavam de Fellmer Lloyd.
Num vôo tranqüilo de várias horas venceram a distância que os separava do local do
novo acampamento, que Rhodan escolhera no mapa. Ele não estava mais disposto a
assumir qualquer risco. Imprimiu a potência máxima aos motores dos câmbios e manteve
os veículos numa altura de cem metros.
Sem o menor incidente, o grupo chegou a um vale suave e comprido, situado entre
duas cadeias de colinas, cujo cume mais elevado se erguia a menos de oitenta metros sobre
o fundo do vale.
O acampamento foi levantado com uma barraca a menos: Rhodan teve que dispensar
o privilégio da barraca individual. Enquanto isso, Rhodan ficou refletindo sobre os
motivos que poderiam levar os seres daquele mundo a desenvolver suas atividades
exclusivamente de noite. Durante o vôo não chegaram a avistar nenhum rato-castor, nem
qualquer dos seres que realizaram o atentado no meio da noite.
Mesmo de dia as condições de vida no planeta Vagabundo eram bastante
desfavoráveis. De noite a temperatura baixava para menos trinta graus. Qual seria o
motivo?
***
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Dali a uma hora trouxeram Fellmer Lloyd. O sol já se pusera, e procuravam-no com
os holofotes manuais.
Lloyd chegara ao máximo de esgotamento. Rhodan mandou colocá-lo num dos
veículos, desistindo por enquanto de interrogá-lo ou fazer-lhe um sermão.
Tiraram do veículo de Lloyd tudo que poderia ser aproveitado. Feito isso, logo se
puseram no caminho de volta. Pouco depois chegavam ao acampamento. O tenente Tanner
pareceu respirar aliviado quando viu os dois câmbios pousarem.
Lloyd foi devidamente abrigado e provido de tudo que precisava. Rhodan transmitiu
um relato minucioso à Stardust-III. Reginald Bell respondeu o seguinte:
— Teria sido preferível que Lloyd tivesse deixado sua tolice para outro dia. Bem que
precisaria dele. Aqui a bordo tudo está numa confusão tremenda.
Relatou uma série de incidentes. Alguém abrira a escotilha externa de uma das
comportas de ar enquanto a escotilha interna estava aberta, muito embora isso não devesse
acontecer face ao dispositivo eletrônico de segurança. Em conseqüência disso a Stardust-
III perdeu alguns milhares de metros cúbicos de ar respirável dos depósitos que ficavam
junto à comporta. Felizmente ninguém se encontrava naquela área da nave, e as escotilhas
de segurança, que funcionavam automaticamente, evitaram que o incidente assumisse
proporções catastróficas.
Em virtude do acidente, Bell ordenara que mesmo no interior da nave todos
andassem constantemente com os trajes espaciais completamente fechados.
— Mandarei Lloyd para aí assim que o tenha interrogado — prometeu Rhodan. —
Mas acredito que por aqui atingiremos nosso objetivo antes que ele consiga alguma coisa
com uma busca por toda a nave.
Como pela meia-noite Fellmer Lloyd ainda não estivesse em condições de ser
interrogado, Rhodan tentou dormir algumas horas. Passara por vinte e cinco horas
enervantes. Embora a medicina arcônida conhecesse alguns medicamentos que
espantavam o sono sem efeitos colaterais danosos, preferia recorrer a um sadio repouso.
Era bem verdade que os pensamentos que lhe enchiam a mente retardaram o sono.
Ocupava uma barraca juntamente com Tanner e Deringhouse. Os dois oficiais dormiam
tranqüilamente e, ao que parecia, despreocupados.
Em compensação a mente de Rhodan ocupou-se mais intensamente com os
acontecimentos das últimas horas. Quanto mais refletia, mais se convencia de que a
posição da Stardust-III naquele mundo se tornara praticamente insustentável.
De início o inimigo desconhecido experimentara suas capacidades telecinéticas em
objetos bem simples, tais como chaves de apenas duas posições ou coisas leves e soltas.
Posteriormente passou a realizar ações dirigidas: o câmbio de Rhodan fora atingido
por uma pedra, o condutor de outro veículo quase foi morto.
E agora, no terceiro estágio dessa luta estranha, o adversário passara a especializar-se
em objetos mais complicados. Rhodan procurou imaginar a dificuldade que um telecineta
devia experimentar para trabalhar com os complicados comandos eletrônicos da comporta
de ar, e isso de tal maneira que a escotilha interna e a externa ficassem abertas ao mesmo
tempo. Não conseguiu formar uma idéia clara dessas dificuldades, pois não era telecineta.
Seria fácil adivinhar a evolução futura dos acontecimentos. Quando o inimigo tivesse
aprendido a exercer uma influência telecinética sobre o armamento da Stardust-III, a
batalha estaria praticamente perdida.
Só havia duas alternativas: a retirada ou um ataque fulminante. O inimigo teria de ser
reduzido à impotência com tamanha rapidez que não tivesse tempo para causar maiores
estragos.
Mas havia um problema: o inimigo não devia ser destruído quando conseguissem pôr
as mãos nele. Possuía conhecimentos úteis que levaram a Stardust até ali. Se o inimigo
fosse destruído, tais conhecimentos provavelmente estariam perdidos.
Rhodan lembrou-se de outros detalhes. Por exemplo, a esfera reluzente e a bomba
que mandara sua barraca pelos ares. Por que o inimigo lançava mão de tais meios, se era
um telecineta tão capaz?
Como deveria ser interpretado o comportamento daquela esfera? O campo de
turbulência que fizera o câmbio girar representaria uma advertência ou um ataque? Se não
fosse nenhuma das duas coisas, o que seria?
Será que o...
Uma luz verde acendeu-se junto à escotilha da comporta. Rhodan acionou o contato
que se encontrava junto à sua mesa. A escotilha deslizou para o lado. Um dos homens de
Tanner entrou. Abriu o capacete e atirou-o na nuca.
— Lloyd recuperou a consciência — disse o homem com a voz baixa.
Rhodan levantou-se.
— Está bem. Já vou. Movimentando-se com um máximo de silêncio, a fim de não
despertar os dois homens que dormiam, fechou seu traje espacial, colocou o capacete e
saiu em companhia do ordenança. Lloyd fora colocado numa barraca-depósito, que
Rhodan levara naquela expedição por não saber quantos prisioneiros conseguiria capturar;
ou então, quantos seriam os feridos que precisariam de isolamento.
Montaram uma cama confortável para Lloyd. Quando Rhodan entrou, este se
encontrava de pé na barraca.
— Como vai? — perguntou Rhodan.
— Obrigado — respondeu Lloyd. — Já estou bem.
Rhodan sentou na beira da cama de campanha.
— Que idéia idiota foi essa?
Lloyd deu de ombros.
— Tive a impressão de que conseguiria muito mais se fosse deixado a sós. Por isso
peguei o carro e saí por aí.
— Por pouco não vai muito mais longe do que desejava — ironizou Rhodan.
Lloyd virou-se ligeiramente e ficou andando pela barraca.
— É verdade. Mas tudo acabou bem.
— Escute, Lloyd! — disse Rhodan em tom sério. — Quero que uma coisa fique clara
de uma vez por todas. Ei, o que é isso? Está ouvindo?
Lloyd continuara na sua perambulação. Estava parado na outra extremidade da
barraca, de costas para Rhodan. A lâmpada que se encontrava na proximidade deste mal o
iluminava.
Só se via a parte de trás da cabeça.
Rhodan espantou-se. Alguma coisa lhe chamou a atenção.
Mas de repente não teve tempo para pensar em mais nada. No mesmo instante em
que Rhodan levantou-se com um salto vigoroso e abrigou-se atrás da mesa, Fellmer Lloyd
virou-se abruptamente. Segurava um radiador de impulsos térmicos; o raio finíssimo
atingiu exatamente o lugar em que um décimo de segundo antes Rhodan estivera sentado.
A mesa atrás da qual Rhodan procurara abrigo foi atirada para a frente. Rhodan saiu
logo atrás; não corria o menor risco. O raio luminoso projetado pela sua arma atingiu
Lloyd bem no peito. Este conseguiu erguer o braço, mas não chegou mais a apertar o
gatilho. Caiu ruidosamente ao solo.
Rhodan esperou algum tempo antes de sair de detrás da mesa.
Passando por cima do cadáver, saiu da barraca e chamou os guardas.
Um dos homens de Tanner fazia o papel de médico. Antes de ligar-se a Rhodan
pertencera a uma equipe sanitária; entendia alguma coisa, desde que não se tratasse de
assuntos muito complicados.
— Examine-o! — ordenou Rhodan.
Àquela hora todo o acampamento estava de pé. Os homens não falavam muito.
Estavam gelados de susto, porque um dos companheiros se atrevera a tirar contra o chefe.
Rhodan e Deringhouse permaneceram ao lado do enfermeiro, enquanto este
examinava o cadáver.
— Você lhe aplicou uma injeção, não aplicou? — perguntou Rhodan.
— Uma só? — respondeu o enfermeiro. — Estava tão acabado que antes da quinta
injeção nem sabia como se chamava.
Despiu o cadáver de Lloyd e colocou-o sobre uma mesa comprida e estreita.
— Corte-o em pedaços! — ordenou Rhodan.
O enfermeiro sobressaltou-se.
— O quê? Não sei fazer isso.
— Faça o que mando!
O enfermeiro engoliu em seco.
— Sim senhor.
Deringhouse fitou Rhodan de lado.
— Espera encontrar algo de extraordinário?
Rhodan fez que sim.
— Já viu Lloyd por trás? — perguntou.
Deringhouse não sabia o que fazer com a pergunta.
— Não — respondeu em tom hesitante.
— É uma pena. Na parte de trás da cabeça, Lloyd tinha uma pequena calva, do
tamanho de uma moeda de meio dólar. Isso era bastante estranho, porque no resto da
cabeça ostentava uma cabeleira bastante espessa.
Deringhouse estreitou os olhos.
— E daí?
Rhodan apontou para o cadáver.
— Este Lloyd não tem nenhuma calva. Toda a cabeça está coberta de cabelos.
O enfermeiro começou a trabalhar. Rhodan nunca vira um rosto mais pálido.
— O que houve? — perguntou.
— Não há sangue — disse o enfermeiro com a garganta apertada. — Nem uma única
gota.
Rhodan pôs-se de pé e levantou a perna amputada. O corte já não parecia de uma
perna. Um círculo de cerca de cinco centímetros de espessura, feito de um plástico que
imitava a pele humana, envolvia um osso que brilhava na luz da lâmpada.
— É metal! — disse Deringhouse com um gemido.
Rhodan confirmou com um aceno de cabeça.
— Essa fera não passa de um robô.
4
Face às últimas ocorrências, ninguém mais duvidava de que algo de muito grave
devia ter acontecido ao verdadeiro Fellmer Lloyd, que a essa hora já devia estar morto.
Alguém o aprisionara e o utilizara para fazer um robô que com ele se parecesse o
suficiente para não ser desmascarado antes de matar o chefe dos intrusos.
Mas, contrariando todos os prognósticos, no dia seguinte, pouco depois do nascer do
sol, Fellmer Lloyd desceu cambaleando uma das colinas situadas ao norte. Estava tão fraco
das pernas que se deixou cair assim que percebeu que alguns dos homens haviam notado
sua presença.
Ormsby, o enfermeiro que na noite anterior tivera aquele azar com o Lloyd
robotizado, voltou a ter o que fazer. Acontece que desta vez o Lloyd que via diante de si
tinha uma pequena calva na parte traseira da cabeça e, ao examinar seus ossos com uma
sonda finíssima, extraiu cálcio verdadeiro.
Rhodan aguardou febrilmente até que pudesse interrogar Lloyd. Os apelos de
Reginald Bell, vindos da Stardust-III, tornavam-se cada vez mais insistentes. O inimigo
pusera a funcionar um dos radiadores de impulsos de calibre mais leve, queimando um
sulco de mais de cem metros de comprimento na areia antes que alguém percebesse o que
estava acontecendo e desligasse o aparelho.
Provavelmente Lloyd dispunha da chave do mistério. Rhodan decidiu suspender
imediatamente as buscas e abandonar o planeta Vagabundo ao menos por algum tempo,
exceto se Lloyd pudesse fornecer alguma indicação.
Ormsby lançou mão de todos os recursos de que dispunha. Pouco antes do meio-dia
Lloyd estava em condições de ser interrogado. Rhodan foi formulando perguntas até que o
mutante quase sucumbiu de cansaço. O que descobriu foi o seguinte:
A direção do cambio em que Lloyd viajava falhou de repente e o veículo caiu. Por
algum tempo Lloyd ficou inconsciente. A primeira coisa que viu ao despertar foi o cadáver
do rato-castor junto ao veículo; logo a seguir viu uma esfera reluzente que flutuava pouco
acima do cadáver.
Desceu e procurou se comunicar com os ocupantes da esfera. Mas de repente esta
disparou para o alto, como se tivesse sido puxada por um fio invisível, e logo a seguir,
numa violência incrível, foi atirada de encontro à encosta da colina. Lloyd notou que ficou
achatada.
Depois teve a impressão de que devia afastar-se do palco dos acontecimentos até que
chegasse socorro. Armado unicamente com o radiador de impulsos, sentia-se indefeso
diante do inimigo. Foi se arrastando entre as colinas; mas não havia andado muito longe
quando alguma coisa que não vira chegar atingiu-o na cabeça e deixou-o inconsciente.
Ao despertar, viu-se no interior de uma espécie de pavilhão de fábrica. Era bem
grande, mas o teto era incrivelmente baixo. Viu uma porção de máquinas completamente
desconhecidas e aproximadamente uma dezena de seres de pequena estatura que as
manipulavam. Depois de alguns minutos percebeu que esses seres deviam ser mecanizados
— eram robôs. Não tinham a menor semelhança com um ser humano. Não dispunham de
cabeça, mas em compensação ostentavam um círculo de braços e duas pernas que
terminavam em pilões metálicos bem polidos.
Ele mesmo estava deitado numa espécie de maca e não podia se mover, embora não
estivesse amarrado. Concluiu que deviam ter intoxicado seus nervos. Haviam retirado seu
capacete espacial; todavia, conseguia respirar perfeitamente o ar daquele pavilhão, muito
embora em sua opinião, cheirasse mal.
Depois de uns trinta minutos alguns robôs carregaram-no para uma saleta contígua ao
pavilhão. Sentaram-no numa cadeira. Pensou que se tratasse de um detector de mentiras,
até que levou outra pancada e voltou a desmaiar.
Quando voltou a despertar, viu-se em outra sala. Não havia ninguém por perto; seu
capacete espacial estava jogado no chão. Colocou-o na cabeça e tentou abrir a porta da
sala. Conseguiu. A porta dava para o pavilhão de fábrica que já havia visto. Os robôs não
estavam mais por lá. Deu uma busca pelo pavilhão e encontrou uma saída. Atrás dela havia
um elevador que conduzia para cima. Subindo pelo mesmo, descobriu que por todo esse
tempo estivera em baixo da superfície do planeta.
O poço do elevador terminava no flanco de uma colina. Como ninguém o impedisse,
Lloyd pôs-se a andar. Tentou entrar em contato com o acampamento através do seu
transmissor de capacete, mas viu que o haviam destruído. Sem dúvida acreditavam que
dessa forma conseguiriam segurá-lo.
Apesar de tudo resolveu arriscar. Depois de marchar a esmo durante algumas horas
da noite acabou chegando ao acampamento, esgotado, faminto e com sede. Era bem mais
provável que tivesse passado por outro lado.
Sim, era bem possível que conseguisse localizar o pavilhão de fábrica. E tivera
oportunidade de estudar modelos de vibrações cerebrais.
Eis a surpresa:
— Já estudei inúmeros modelos — disse Lloyd. — Inclusive de gente completamente
diferente de mim. Mas nunca vi coisa parecida com o que encontrei por aqui. Existem duas
classes fundamentais de vibrações. A primeira revela uma disposição brincalhona
fantástica, quase ridícula. Já a segunda exprime um ódio tão profundo que dá dor de
cabeça. Ódio contra o intruso, ódio contra tudo que não é daqui. Em minha opinião os
seres que irradiam simultaneamente as duas classes de vibrações só podem ser aleijados
espirituais. A tendência de brincar e o ódio profundo são tão incompatíveis como...
Procurou duas concepções de seu arsenal mental que fossem tão incompatíveis como
aquilo, mas não se lembrou de nada.
— Chegou a ver um desses seres em que se reúnem essas espécies de impulsos? —
perguntou Rhodan.
Lloyd sacudiu a cabeça.
— Não. Só vi esses pequenos robôs.
— Ódio e tendência brincalhona, as duas sempre surgem ao mesmo tempo?
— Não. Quando estava deitado no pavilhão, só percebi o ódio. Quando tentei me
afastar do câmbio, percebi o ódio e a tendência brincalhona ao mesmo tempo.
Com isso Rhodan já sabia qual era a próxima coisa a fazer. Pediu a Bell que
mandasse mais cinco câmbios tripulados com quarenta homens bem armados. Assim que
chegassem esses reforços, pediria a Fellmer Lloyd que procurasse localizar o pavilhão em
que estivera preso. Depois resolveriam sobre o que deviam fazer.
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Rhodan não foi sozinho. Os japoneses Tako Kakuta e Tama Yokida acompanharam-
no. Eram mutantes. Rhodan ainda não sabia de que lhe poderiam servir as faculdades de
Kakuta, o teleportador; de outro lado, porém, sabia perfeitamente que precisaria do
telecineta Yokida.
A sala de comando da Stardust-III ficava no convés D. A diferença de altitude entre
este e o convés E era de perto de cento e cinqüenta metros. O elevador antigravitacional
ficava a cerca de trezentos metros da entrada do arsenal.
O largo corredor havia sido evacuado. Bell já mandara abrir a escotilha do arsenal;
qualquer um via de longe o ovo metálico reluzente que permanecia no ar, aparentemente
imóvel, a cerca de três metros do solo e bem perto da escotilha.
— Comece, Yokida! — disse Rhodan em tom áspero. — Leve a bomba a um dos
suportes e segure-a.
Yokida atravessou a escotilha, de olhos fixos na bomba. Sabia perfeitamente de que
tipo era a arma com que estava lidando; não poderia se aproximar demais do detonador.
Ficou parado. Rhodan olhou-o; percebeu que os tendões do pescoço tornavam-se
cada vez mais salientes. Subitamente Yokida cambaleou e deu um passo para a frente; se
Tako Kakuta não se colocasse de seu lado com um salto e o apoiasse, teria tombado.
— Não... não consigo! — gemeu Yokida. — Está segurando demais.
Rhodan cerrou os punhos.
— Está segurando? Quem está segurando?
Empurrou o japonês para o lado.
— Tako! Preste atenção!
Tako sabia o que devia fazer. Rhodan jogou todo o peso do corpo contra a bomba
que de forma tão estranha parecia flutuar no ar. O japonês estendeu os braços embaixo
dela. Se o telecineta desconhecido de repente deixasse de exercer sua influência sobre a
bomba, teria que segurar o pesado artefato, pois do contrário este cairia no chão, acionando
o detonador.
Mas os esforços de Rhodan revelaram-se inúteis. Quem estava brincando com a
bomba segurava-a tão bem que Rhodan não conseguiu movê-la um milímetro.
— Temos que desmontá-la! — gemeu Rhodan. — Tako, traga as ferramentas.
Tako desapareceu.
Poucos instantes depois a bomba começou a mover-se. Ansioso Rhodan seguiu a
bomba quando a mesma deslocou-se lentamente em direção à escotilha e saiu para o
corredor. Dirigiu-se para o lado direito, onde ficava a comporta centro-norte.
Rhodan interpôs-se no seu caminho e mais uma vez procurou segurá-la. O resultado
foi o mesmo, como se procurasse deter um tanque em pleno movimento. A bomba
empurrou-o para o lado.
Continuou seguindo pelo corredor. Não havia dúvida: queria ser levada comporta
afora.
— Sala de comando!
— Pronto!
— Abrir escotilha interna da comporta centro-norte.
— Sim senhor.
A imensa escotilha de carga se abriu. A bomba foi flutuando em direção a ela.
Tako Kakuta reapareceu. Carregava uma caixa de ferramentas. Rhodan fez-lhe um
sinal para que se mantivesse afastado.
— Não precisamos mais disso. Fechem os trajes espaciais.
Mantiveram-se logo atrás da bomba.
— Yokida!
— Sim senhor!
— Preste atenção à bomba. É bem possível que de repente o desconhecido se canse
da brincadeira e solte-a. Se isso acontecer, você terá que segurá-la.
Yokida confirmou com um aceno de cabeça.
Passaram pela escotilha. A bomba seguia a menos de um metro à sua frente.
— Sala de comando! Feche a escotilha interna e abra a externa. Rápido!
A ordem foi executada.
— Desligar os campos protetores.
— Campos protetores desligados.
Os dispositivos trabalharam a plena força. Antes que a bomba tivesse atravessado a
ampla comporta, a pressão interna havia sido adaptada à pressão externa. A escotilha
externa abriu-se. Não havia a menor dúvida de que o desconhecido pretendia levar a
bomba para fora.
— A bomba está saindo da nave — informou Rhodan apressadamente. —
Voltaremos a ativar os campos protetores com o raio mínimo assim que a bomba tenha
ultrapassado a distância correspondente. Avise Tanner de que deve retornar com seus
homens o mais rápido possível, deixando para trás as barracas e os instrumentos. Se a
bomba explodir nesta área coberta de oxido de ferro, dentro de meia hora o planeta
Vagabundo será transformado numa imensa tocha atômica.
A bomba saiu da escotilha. O raio mais reduzido do campo protetor terminava a
cinqüenta metros da parede externa da nave. Se a bomba chegasse até lá sem explodir, ao
menos a nave estaria salva.
— Cuidado!
Subitamente, quando ninguém mais contava com essa possibilidade, aconteceu! Por
uma fração de segundo a bomba interrompeu sua lenta caminhada, efetuou um giro de
cento e oitenta graus sobre seu eixo menor e foi caindo em direção ao solo.
— Yokida!
O japonês segurou-se na borda da escotilha, numa posição muito arriscada, com o
corpo inclinado para fora. Tako Kakuta mantinha-se de pé atrás dele, com os braços
estendidos, pronto para segurar Yokida se este escorregasse.
Rhodan deitou de bruços e avançou até a borda da escotilha. Viu que a bomba,
obedecendo à reduzida força gravitacional, descia junto à parede da nave.
O convés E ficava bem na parte superior da Stardust-III. Se não acontecesse um
milagre, a bomba atingiria a nave aproximadamente na linha equatorial. O detonador
agüentaria? Era desta resposta que dependia a existência da nave e a vida de seus
tripulantes.
Uma impassibilidade férrea apossou-se de Rhodan. Procurou avaliar a distância que a
bomba ainda poderia percorrer na sua queda.
Eram uns cinqüenta metros, talvez sessenta.
Yokida soltou um gemido abafado. Rhodan esteve a ponto de voltar-se para ele; mas
nesse instante a queda da bomba foi se tornando mais lenta.
Ainda faltavam vinte metros!
Uns cinco metros antes do impacto, o movimento da bomba cessou. Por um instante
ficou parada, trêmula, e depois...
...depois voltou a subir. Primeiro lentamente, depois com maior rapidez e segurança,
até que começou a aproximar-se da escotilha numa velocidade considerável.
— Yokida! — gritou Rhodan. — Temos que pegá-la!
Colocaram-se em posição. De tanto esforço Yokida fechou os olhos; procurou dirigir
a bomba pelo tato. Ela aproximou-se cambaleante, dois metros acima do solo da comporta.
— Um metro pra baixo! — ordenou Rhodan.
Yokida obedeceu. A bomba baixou e foi se aproximando.
— Já!
Agarraram a bomba ao mesmo tempo. Por um instante a mesma era tão leve que
parecia de papelão. Mas subitamente todo o peso da mesma descansou sobre os braços dos
homens, fazendo porejar o suor em suas testas.
Ouviu-se um baque surdo; era Yokida que caíra ao chão, desmaiado. Reunindo as
últimas forças que lhe restavam, empurrara-se na borda da escotilha, caindo para o lado de
dentro.
Carregaram a bomba para o arsenal.
Gemendo, com as mãos entrelaçadas embaixo da bomba, foram caminhando pelo
amplo corredor, entraram no arsenal e dirigiram-se à armação de onde havia sido retirada a
bomba.
Um último esforço, e...
— Cuidado!
...lá estava a bomba no seu lugar.
Com os dedos doloridos Rhodan trancou o fecho que mantinha a bomba presa ao
suporte.
Num movimento abrupto tirou o capacete. Expelia o ar aos chiados por entre os
dentes. Sua mão tremia enquanto limpava o suor que lhe penetrava nos olhos.
Tako olhou-o. Subitamente Rhodan sorriu.
— É isso! — disse, dando uma palmadinha no ombro do japonês.
***
Um comando especial de cem homens trabalhou durante três horas para firmar toda a
munição armazenada nos arsenais de tal forma que não seria nada fácil para o
desconhecido realizar outra experiência desse tipo.
Durante essas três horas Rhodan travou uma discussão acalorada com Crest e Thora,
os dois arcônidas que se encontravam a bordo. Ambos eram de opinião que com a última
ocorrência fora ultrapassado o limite do suportável, e o melhor que tinham a fazer era
abandonar o planeta Vagabundo o quanto antes.
Rhodan não concordou. Já concebera um novo plano. Não conseguiu convencer
Crest e Thora de que seria tolice desistir logo agora; mas conseguiu explicar que o
comandante era ele e, se necessário, teria de dar suas instruções sem sua concordância.
Depois de algum tempo Crest disse:
— Pois bem. Você é o comandante, e jamais alguém haverá de dizer de um arcônida
que não sabe guardar a disciplina. Ficaremos calados; mas é bom que fique sabendo que
não concordamos.
— Acabarão concordando quando nossa missão estiver concluída — disse Rhodan
em tom conciliador.
Thora não disse nada. Mas em seus olhos chamejava uma raiva como Rhodan nunca
vira igual.
Rhodan transmitiu suas instruções. Participaria da nova expedição. Encareceu aos
seus oficiais:
— Não temos um instante a perder. Quanto antes nos pusermos a caminho, maiores
serão nossas possibilidades de sobrevivência.
No meio tempo o tenente Tanner havia chegado com seu grupo. Deixara as barracas e
os instrumentos para trás, conforme lhe fora ordenado.
Ao anoitecer a expedição estava pronta para partir. Estava composta de dez câmbios;
sete deles estavam carregados com instrumentos e armas de toda espécie. Rhodan
fornecera dados precisos sobre a expedição apenas a Crest e Thora; a mais ninguém.
Quando Reginald Bell perguntou para que serviriam sete veículos carregados de armas e
aparelhos complicados, Rhodan respondeu:
— Vamos deixar esses estranhos brincarem um pouco; mas num lugar em que isso
não seja tão perigoso para nós.
5
Ninguém melhor que Rhodan para saber que a probabilidade de êxito não era
superior a sessenta por cento. A informação lhe fora fornecida pelo cérebro positrônico.
Apesar disso decidiu realizar a expedição; isso porque julgava preferível fazer algo
que tivesse uma possibilidade apenas regular de êxito a permanecer inativo, além de que
esperava que sua iniciativa afastaria o perigo da Stardust-III, que em sua opinião era
extremamente preciosa.
Perto do acampamento em que o tenente Tanner permanecera até o último instante
foram montados os instrumentos. Rhodan fizera questão de levar principalmente armas e
aparelhos cuja manipulação era extremamente complicada.
Todos concordavam que o desconhecido agia tal qual uma criança. Avançava
titubeante dos brinquedos mais fáceis para os mais difíceis. No estágio em que se
encontrava não se sentiria estimulado a levantar simplesmente alguns telecomunicadores
ou outros instrumentos jogados na areia.
Rhodan continuava convicto de que o abrigo do desconhecido ficava na área das
colinas, e que só brincava com os objetos existentes a bordo da Stardust-III por não
encontrar nada que ficasse mais perto.
A conjectura de Rhodan era a seguinte: coloquem alguma coisa bem debaixo do nariz
dele, e o desconhecido se manterá longe da Stardust-III. Brincará com aquilo que estiver
mais à mão; e, se tivermos sorte, conseguiremos agarrá-lo enquanto estiver brincando.
O acampamento foi ampliado, para abrigar todos os membros da expedição. Entre o
acampamento e o local em que estavam montados os instrumentos havia uma colina de
tamanho regular. Dessa forma nada aconteceria aos homens que se encontrassem no
acampamento, ou que ficassem de sentinela junto ao topo da colina, se o desconhecido
resolvesse brincar com as armas que se encontravam do outro lado.
Rhodan explicou aos homens como seria o inimigo.
— Por enquanto devemos admitir — disse — que, tal qual os arcônidas fizeram e os
homens farão, os robôs foram construídos segundo sua imagem. Portanto, devemos esperar
um ser sem cabeça, com um tronco elíptico, duas pernas sem pés e um círculo com doze
braços. Tudo isso não deve ser maior que cinqüenta centímetros. Assim que localizarem
uma coisa dessas, procurem capturá-la, quer seja um robô ou um ser orgânico. De qualquer
maneira não será possível distinguir à primeira vista. Prestem atenção às esferas
reluzentes! Estão equipadas com armas diabólicas, e não sabem interpretar um aceno
amistoso.
Puseram-se a esperar.
Aconteceram algumas coisas esquisitas, sem que conseguissem avistar o inimigo.
Um canhão de impulsos de calibre médio começou a disparar de repente, girando
loucamente. Abriu sulcos de vários metros de profundidade nas colinas mais próximas,
antes que voltasse à calma.
Os técnicos da Stardust-III informaram que os arranhões existentes no
telecomunicador de bolso, furtado da barraca de Rhodan antes que a mesma voasse pelos
ares, tinham sido produzidos por uma mão de robô.
Era um dado interessante; até então Rhodan acreditava que a bomba havia sido
colocada por um ser orgânico, que também furtara o telecomunicador. A descoberta dos
técnicos provava que também aquele atentado fora praticado por um robô.
Além disso, os técnicos realizaram uma análise C-14, a fim de determinar a idade dos
robôs. Constataram que sua idade era de pelo menos oito C-14 tempos médios, ou seja,
pelo menos quarenta e cinco mil anos.
Era um dado surpreendente. Os robôs eram mais velhos que a própria cultura
arcônida.
Rhodan começou a suspeitar de alguma coisa. Mas guardou a suspeita para si
mesmo, pois ainda não dispunha de qualquer prova de que a mesma era verdadeira.
A suspeita não produziu qualquer modificação nos seus planos. Para a busca do
mundo da conservação celular pouco importava de que espécie eram os seres que
forneceriam a próxima indicação.
***
Numa noite daquelas Fellmer Lloyd, de repente, saiu gritando de sua barraca e
despertou todo o acampamento.
— Estão chegando! — gritou. — Sinto que vão atacar!
Rhodan foi o primeiro a chegar perto dele. Não duvidava de que aquilo que Lloyd
sentia correspondia à realidade; apesar disso deu-lhe um soco nas costas para que
recuperasse o controle antes que todo mundo ficasse histérico.
— Proceda como um homem sensato! — gritou Rhodan. — O que houve?
— É o ódio! — fungou Lloyd. — Um ódio terrível. Acordei com isso e minha cabeça
está zumbindo tanto que mal consigo ouvi-lo.
Rhodan correu para o alto da colina. Pelo que informava Lloyd, o inimigo vinha do
norte.
As duas sentinelas postadas no topo da colina ainda não haviam percebido nada.
Rhodan mandou que outros o seguissem e se colocassem atrás das peças de artilharia
montadas ao abrigo da colina.
Por mais estranho que fosse, Fellmer Lloyd não percebeu nada do instinto brincalhão
um tanto infantil que reconhecera como segunda característica da raça desconhecida.
— É só ódio! — resmungou em tom abafado.
Rhodan transmitiu suas instruções.
— Só começaremos a atirar quando pudermos assumir a responsabilidade pelas
conseqüências. Usem os projetores mentais e procurem neutralizar sua vontade.
Era bem verdade que não acreditava que os projetores mentais dessem resultado. Não
é possível hipnotizar um robô.
Passaram-se alguns minutos. Fellmer Lloyd parecia sofrer cada vez mais com o ódio
dos desconhecidos. Deitado perto de Rhodan, comprimia o capacete contra o solo e gemia.
Subitamente apareceram.
Com um salto elegante transpuseram o topo da colina mais próxima e entraram na
depressão em que Rhodan mandara montar os instrumentos.
Eram cinco esferas. Mesmo na escuridão reluziam, espalhando uma luz difusa. Ao
que parecia, conheciam perfeitamente o objetivo; não se detiveram no fundo da depressão,
mas foram subindo em linha reta em direção ao topo da colina.
Os projetores mentais começaram a funcionar, sem o menor resultado. A distância foi
diminuindo; todo mundo sabia o que iria acontecer se as esferas atingissem o topo da
colina.
— Fogo! — murmurou Rhodan.
Naquele instante ninguém sabia que efeito as armas da Stardust-III produziriam nas
esferas. Tinham alguma esperança de que conseguiriam ao menos manter o inimigo à
distância.
Ninguém esperava o que estava por vir.
O campo descristalizante do desintegrador postado no flanco esquerdo da colina
atingiu a primeira esfera. No mesmo instante a mesma se iluminou no ribombar de uma
explosão. Quando os homens conseguiram enxergar de novo, a esfera havia desaparecido e
as demais, desorientadas, iam descendo junto à encosta da colina.
Os homens de Rhodan deram vasão à sua fúria. Este quis fazê-los parar, pois tinha
esperança de capturar intacta ao menos uma das esferas. Mas antes que pudesse fazê-lo, os
canhões dispararam salva após salva, desintegrando as esferas numa série de explosões
fulgurantes.
A batalha da colina durara menos de dez minutos. As cinco esferas reluzentes haviam
sido destruídas e Fellmer Lloyd respirou aliviado, porque viu-se livre da tremenda carga de
ódio.
— Quando notou que o ódio diminuía? — perguntou Rhodan. — Foi com a
destruição de alguma das esferas em particular?
Lloyd sacudiu a cabeça.
— Não é o que o senhor está pensando. Acreditava que a maior parte das esferas
estava ocupada somente por robôs e que o desconhecido em pessoa estava apenas em uma
delas, não é mesmo? Não foi isso. Com a destruição de cada uma das esferas o ódio ia
diminuindo, e quando a última foi atingida, cessou por completo.
Isso deu o que pensar a Rhodan. A tese de que toda aquela civilização consistia num
exército de robôs e mais um ou dois seres orgânicos sobreviventes começou a vacilar.
Perguntou-se se ainda valeria a pena esperar. O inimigo fora vencido e
provavelmente não se arriscaria mais a atacar a colina. Se fosse assim, como fariam para
agarrá-lo?
Estava convencido de que tudo permaneceria em silêncio por ali. Chamou de idiota
uma sentinela que, na manhã do dia seguinte, lhe disse que um dos oscilógrafos instalados
do outro lado da colina começara a funcionar, desenhando amostras coloridas na tela.
Mas, quando Fellmer Lloyd despertou do sono prolongado com que procurara
recuperar-se das canseiras da noite anterior, registrou imediatamente as vibrações de um
cérebro estranho que, segundo dizia, era extremamente brincalhão.
***
Rhodan dirigiu-se à sentinela que chamara de idiota e pediu desculpas. Depois disso,
subiu a colina e permaneceu ao lado das duas sentinelas até que pôde notar com seus
próprios olhos três incidentes novos: um radiador de nêutrons começou a disparar, uma
calculadora pôs-se a trabalhar e um refrigerador começou a despejar ar liquefeito.
Embora ficasse satisfeito ao notar que o desconhecido continuava a entregar-se ao
seu instinto brincalhão, descarregando-o sobre os instrumentos montados nas
proximidades, sentia-se bastante confuso.
Não era apenas porque subitamente Lloyd alegava que a vontade de brincar estava
livre de qualquer tipo de ódio, enquanto antes afirmava que o ódio e o instinto brincalhão
andavam estreitamente ligados, mas também porque o comportamento do inimigo era
inexplicável, a não ser que se quisesse admitir que fosse esquizofrênico.
Não pôde prosseguir nos seus pensamentos. A voz de uma das sentinelas soou no
receptor de seu capacete. Parecia bastante exaltado:
— Há um movimento entre as duas colinas. Quer vir até aqui para dar uma olhada?
Pela segunda vez naquela manhã Rhodan subiu a colina e agachou-se atrás do topo.
Ficara admirado com o movimento que a sentinela não conseguira identificar a uma
distância de trinta metros, mas agora ele mesmo estava vendo.
Alguma coisa se mexia embaixo da areia. Parecia uma toupeira que procurava uma
saída.
Dali a dez minutos subitamente surgiu um buraquinho no solo. Uma coisa pontuda,
marrom, apareceu por um segundo e voltou a desaparecer. A areia voltou a se mover,
circulando em torno do buraquinho como a água em torno do ralo de uma pia.
Dentro de algum tempo o diâmetro do buraco quintuplicou. Mais uma vez a coisa
marrom e pontuda voltou a aparecer; arriscou-se mais um pedaço para fora, mas ao que
parecia ainda achava a abertura muito pequena. O trabalho subterrâneo prosseguiu.
Quando a impaciência dos observadores alcançou o máximo, o buraco atingiu um tamanho
que permitiu a saída do ser marrom de focinho pontudo.
Era um rato-castor, e seu comportamento era bem estranho.
Saltou de um instrumento para outro e deu mostras de sua curiosidade, farejando um
por um.
Ao que parecia, um pequeno aparelho de refrigeração — o mesmo que entrara em
atividade uma hora antes — foi o que mais lhe despertou a curiosidade. O rato-castor
sentou sobre as patas traseiras junto à máquina, esticou as patas dianteiras pouco
desenvolvidas e apalpou o revestimento de plástico com movimentos um tanto
desajeitados.
Erguido sobre as patas traseiras, o animal media quase um metro. O refrigerador só
tinha metade dessa altura, e seu formato era o de um cubo.
O rato-castor deu alguns saltos para trás, virou-se e pareceu encarar o aparelho.
Depois aconteceu uma coisa muito estranha: a máquina ergueu-se do seu suporte e
flutuou no ar. O rato-castor permanecia sentado, imóvel, contemplando-a. O aparelho
deitou-se de lado e deslocou-se em direção ao rato-castor. Quando chegou a meio metro de
distância, o animal afastou-se para o lado. O aparelho continuou a deslocar-se, parou sobre
o buraco cavado pelo rato-castor e acabou desaparecendo no mesmo.
O animal virou-se e olhou. Permaneceu imóvel por mais alguns instantes; finalmente
saltitou em direção ao buraco e desapareceu no interior do mesmo.
Poucos segundos depois a cena voltara ao mesmo aspecto que apresentava há alguns
dias — com exceção do buraco, que antes não estivera lá, e do aparelho de refrigeração,
que desaparecera.
Rhodan levantou-se. Sua cabeça zunia; perguntou de si para si se devia acreditar no
que acabara de ver.
Ouviu uma das sentinelas soltar o ar com um forte chiado. Deitados de lado, os
homens olhavam-no. Queriam uma explicação.
— Venham comigo! — ordenou Rhodan com a voz áspera. — Levem mantimentos
pessoais para cinco dias. Também peguem uma arma manual. Vamos entrar nesse buraco
para ver onde foi parar aquele refrigerador.
***
***
Meia hora depois que Rhodan e seus companheiros haviam desaparecido no interior
do buraco, o tenente Tanner recebeu uma mensagem da Stardust-III. O próprio Bell falava
do outro lado e, pela expressão do rosto, estava algo mais que simplesmente nervoso.
— O chefe já saiu — disse Tanner.
— Nesse caso transfira a ligação para ele.
Tanner sacudiu os ombros.
— Mas o chefe deu ordens para nos abstermos de quaisquer comunicações pelo
rádio. Qualquer contato só poderá partir dele.
Bell bateu com o punho cerrado na mesa em que estava colocado o receptor. A
imagem deu um ligeiro salto.
— Pois grave o que vou dizer — ordenou. — E depois transmita de qualquer
maneira. Rhodan não pode deixar de saber disso.
— Pode falar.
Comprimiu um botão para ligar o gravador automático.
— Os técnicos desmontaram e examinaram os robôs. Trata-se de seres mecânicos,
mas seu cérebro é uma estrutura orgânica de duração ilimitada. Portanto, no que diz
respeito à atividade mental, os robôs podem ser equiparados aos seres orgânicos. Apesar
disso dispõem de um mecanismo de memória extremamente complicado. Até agora só
conseguimos decifrar duas informações. Primeiro: o robô recebeu instruções de atacar
imediatamente e, se possível, destruir qualquer ser estranho que penetre neste mundo.
Segundo: neste mundo só existem vinte robôs desse tipo. A última lembrança de seres
organicamente estruturados data de mais de quarenta mil anos do planeta Vagabundo, isto
é, cerca de trinta e cinco mil anos do tempo terreno.
Num tom menos oficioso, Bell acrescentou:
— Tenente, espero que não deixe de reconhecer a importância desta informação.
Tanner apressou-se em asseverar que não poderia deixar de reconhecer isso. A
comunicação foi interrompida e Tanner esforçou-se para estabelecer contato com o grupo
de Perry Rhodan.
Depois de algum tempo, conseguiu. Ouviu exatamente aquilo que esperava:
— Quem é o idiota que está chamando? Dei ordens expressas para evitar toda e
qualquer comunicação pelo rádio.
Tanner pediu desculpas, alegando a ordem recebida de Bell.
— Está bem — contemporizou Rhodan. — Conte; mas seja breve.
Tanner repetiu o que ouvira poucos minutos antes.
— Diga a Bell — respondeu Rhodan — que, para mim, isto não é novidade.
Com estas palavras a palestra chegou ao fim. Tanner estava perplexo quando voltou a
chamar a Stardust-III.
***
“O rato-castor deve ter trabalhado vários dias para abrir esta passagem”, pensou
Rhodan. Pelo seu cálculo, nas últimas quatro horas haviam se afastado outros tantos
quilômetros do buraco por onde entraram. Mas, mesmo com o máximo de sua intensidade,
o holofote ainda não atingia o fim da galeria.
Através de algumas amostras, colhidas por meio da comporta de provas de seu
capacete, Rhodan constatara que a qualidade do ar permanecia inalterada. Dali se concluía
que ambas as extremidades da galeria deviam ter ligação com a superfície.
Rhodan ainda procurou verificar, com seu isqueiro de gás, se havia qualquer
correnteza de ar. A chama minúscula, que a quantidade reduzida de oxigênio contida
naquela atmosfera mal conseguia nutrir, não revelara nenhuma movimentação.
Dali se poderia concluir que entre a saída da galeria e o lugar em que se encontravam
haveria um grande reservatório de ar, que impedia a formação de correnteza. Talvez fosse
uma caverna.
Isso o deixou satisfeito, pois tinha uma idéia bastante clara daquilo que o esperava
mais adiante.
Mas havia outra coisa que o deixou muito menos satisfeito. Penetrara na galeria com
menos de trinta pessoas. Sem dúvida não era qualquer um que poderia rastejar por horas a
fio numa galeria que era tão baixa que a única coisa a fazer era deitar de barriga e
empurrar o corpo com os cotovelos.
O efeito era de esperar: claustrofobia. Os homens começaram a ficar nervosos.
Embora Rhodan lhes tivesse ordenado que mantivessem silêncio absoluto, algumas
palavras ásperas foram proferidas. Rhodan procurou acalmar seus homens, com palavras
tranqüilizantes ou grosseiras, conforme exigisse a situação.
Mas o nervosismo continuava a crescer. A marcha subterrânea não devia demorar
demais.
Acontece que durou mais três horas. Rhodan calculou que lá fora o sol já se devia ter
posto. A distância entre o lugar em que se encontravam e a entrada da galeria devia ser de
cerca de oito ou nove quilômetros, visto que nas últimas horas seu deslocamento fora bem
mais rápido que no início.
Já se tornara quase impossível controlar os homens. Muito embora a volta
representasse um caminho muito mais longo — além do que teriam de rastejar para trás, já
que era impossível virar o corpo naquela galeria estreita — cada vez mais freqüentes se
tornaram os pedidos de desistir da expedição subterrânea.
Rhodan respondia o seguinte:
— Calma! Estamos quase chegando.
Detestava frases desse tipo, mas com elas conseguia ao menos alguns minutos de
tranqüilidade.
De repente viram uma luminosidade, mais adiante, no interior da galeria.
De início Rhodan acreditou que se tratasse de uma ilusão produzida por seus olhos
extremamente cansados. Fechou-os, ficou parado por um instante e voltou a abri-los.
O reflexo continuava no mesmo lugar.
Voltou a ligar o holofote e procurou descobrir o que havia por ali.
A luz do holofote não revelou nada.
Fosse o que fosse, ainda estava fora do alcance da luz do holofote.
— Vamos embora, rapazes! — disse. — Falta pouco.
Deslocaram-se com maior rapidez do que tinham feito até então.
A galeria não dispunha de qualquer escoramento, constatou Rhodan. Fora cavada na
areia. Era um trabalho bem feito, mas as paredes não estavam revestidas.
Dali a quarenta e cinco minutos a galeria alargou-se um pouco. Rhodan continuou
deitado e desligou o holofote.
A misteriosa luminosidade estava bem à sua frente, a uns cinqüenta metros de
distância, mas não conseguiu descobrir a fonte de que provinha.
— Cuidado! — disse.
Lentamente, causando o menor ruído possível, os homens continuaram a avançar.
Dali a mais dez metros a galeria tornou-se tão ampla que os homens podiam ficar de
joelhos.
Subitamente a galeria terminou.
De ambos os lados as paredes abriram-se praticamente em ângulo reto, e à frente
havia um recinto em forma de caverna, em cujo centro, bem acima do solo, estava
pendurada uma placa que emitia uma forte luminosidade.
Rhodan fez a luz de seu holofote passar pelo recinto. Estava completamente vazio,
com exceção da placa e do pequeno refrigerador, que se encontrava perto do fim da
galeria.
Rhodan saiu e levantou-se. Com alguns saltos colocou-se bem embaixo da placa
luminosa e examinou-a.
— Fotografar! — gritou subitamente. — Rápido!
O homem com a câmara arcônida não tinha a menor idéia sobre o motivo pelo qual
tivera de carregar o aparelho. Levou alguns segundos para perceber que as palavras de
Rhodan eram dirigidas a ele. Por isso teve de ouvir algumas palavras duras do chefe.
— Aqui, perto de mim! — ordenou Rhodan. — Ângulo bem aberto. Vamos logo! O
que está esperando?
O fotógrafo apertou um botão e empurrou a pequena objetiva de ângulo aberto para
dentro da câmara. Dirigiu esta para cima e começou a tirar suas fotografias.
Só então viu que tipo de placa tinha diante de si. Ficou tão surpreso que, por pouco,
não se esqueceu de manipular a máquina.
Aquele objeto que, visto de lado, parecia uma placa, era um modelo da Via Láctea. À
primeira vista não se poderia dizer com segurança se era nossa Via Láctea ou outra
galáxia; mas não se compreenderia que o imortal tivesse usado os recursos inacreditáveis
de que dispunha para projetar o modelo de qualquer galáxia estranha nessa toca de ratos-
castores.
O homem com a câmara foi repetindo as fotografias até que, de repente, a projeção
cessou num chuvisco de chispas. Por um ou dois segundos a caverna subterrânea ficou
profusamente iluminada.
Depois disso a escuridão foi tão profunda que os olhos ofuscados pela luz não
enxergaram mais nada.
Alguém ligou um holofote manual.
— Apague isso! — ordenou Rhodan.
A luz apagou-se. No início ficaram sem saber por que Rhodan dera essa ordem; mas
com o tempo — conforme a maior ou menor acuidade de suas vistas — perceberam.
A caverna tinha várias saídas. Por algumas delas entrou uma luz fraca e difusa, quase
imperceptível. Era a luz projetada pelas estrelas do céu do planeta Vagabundo.
Rhodan dirigiu-se a uma das saídas. Era de formato idêntico ao da galeria pela qual
haviam entrado. Suas paredes brilhavam à luz das estrelas. Estavam revestidas com uma
cobertura reluzente.
A galeria levava para cima numa subida bastante íngreme; se inclinasse a cabeça para
trás o mais que isso fosse possível com o capacete, Rhodan distinguia os pontos luminosos
formados pelas estrelas.
— Acendam a luz! — ordenou.
Mais de uma dezena de holofotes acenderam-se de vez.
Sua luz potente cobriu o chão da caverna e as paredes revestidas com uma espécie de
barro. O formato do recinto era bastante irregular. Ao norte parecia querer assumir a forma
de um retângulo, mas ao sul terminava num semicírculo. Ao todo devia ter uns trezentos
metros quadrados.
Junto às paredes viam-se, a intervalos regulares, montões de plantas secas. Rhodan
examinou-os. Eram plantas da única espécie que até então haviam encontrado no planeta
Vagabundo. Eram idênticas àquelas com que os ratos-castores, que viram na primeira
noite, saciaram a fome.
Os ratos-castores!
— Onde estará o sujeito que roubou nosso refrigerador? — perguntou Deringhouse.
Rhodan, que estava junto dele, apontou para as saídas:
— Está lá fora, matando a fome junto com os outros.
— Que outros?
— Não está vendo que aqui há vinte e quatro leitos de palha; isto é, se quisermos
chamar isto de palha.
— Leitos? — repetiu Deringhouse hesitante. — Quer dizer que esses animais têm
camas?
— Se para você isto são camas, sim.
De resto não havia nada de extraordinário. Se os ratos-castores tinham uma despensa,
como é de se esperar de qualquer roedor, esta devia ficar atrás de uma das galerias que
saíam da caverna nas mais variadas direções. Rhodan preferiu não realizar outras buscas.
Saíram por uma das galerias de luz. As paredes eram tão lisas que não poderiam
rastejar para cima. Mas bastava dar um forte salto para que, face à reduzida gravitação,
atingissem a borda superior.
A galeria de saída fora escolhida conscientemente por Rhodan. No ponto em que
desembocava na areia do deserto havia inúmeros rastros, que seguiam na direção norte.
Seguiram-nos cautelosamente. Os rastros contornaram uma colina e terminaram num
vale, mais largo e comprido do que costumam ser os vales daquela região. Havia uma
vegetação rala, que à luz das estrelas se destacava nitidamente sobre a areia branca.
Mais ao norte viu-se uma massa escura e compacta, cujos flancos se mantinham num
movimento ininterrupto.
Aproximaram-se mais um pouco. Adaptaram os filtros de luz infravermelha às
lâminas de seus visores e reconheceram o rebanho de ratos-castores, que pastava
tranqüilamente.
Contaram vinte e quatro animais.
— Pois bem! — disse Rhodan depois de algum tempo. — Voltemos para casa.
Todavia, aquela noite ainda lhe reservava uma surpresa. Enquanto marchavam para o
sul, para chamar os câmbios num lugar em que não perturbassem os ratos-castores em sua
ocupação pacífica, Rhodan examinou as colinas à sua volta.
Eram todas iguais — nem muito altas, nem muito grandes. Pareciam ter sido
levantadas artificialmente, e lembrou-se de que já tivera essa impressão, quando, em
companhia de Deringhouse, encontrara a primeira esfera reluzente.
Era a área dos ratos-castores. Acima da caverna de onde haviam acabado de sair
havia uma colina desse tipo; provavelmente haveria uma caverna embaixo de cada uma
das outras colinas.
***
Dali a poucas horas estavam de volta, a bordo da Stardust-III. O tenente Tanner foi
encarregado de levantar o acampamento e levar as barracas e os instrumentos até a nave.
As fotografias tiradas no interior da caverna dos ratos-castores foram reveladas; mas
Rhodan ainda não as mostrara a ninguém.
— Antes de examinarmos as fotografias devemos esclarecer algumas coisas —
principiou.
Seus ouvintes — os mesmos que tivera no início da expedição, quando a Stardust-III
ainda se encontrava parada num espaço bizarro com umas ridículas cinqüenta e seis
estrelas — procuraram ler as palavras em seus lábios.
— Viemos até aqui para encontrar mais uma indicação sobre o caminho que devemos
tomar para achar o mundo cuja civilização conhece o segredo biológico da conservação
das células, e portanto da vida eterna. Batizamos a missão com o nome Pedra dos Sábios.
Estávamos convencidos de que no planeta Vagabundo devia existir uma raça inteligente,
que possuísse tal indicação. Estávamos preparados para conquistar a confiança dessa raça,
ou para arrancar-lhe o segredo à força.
“Pois bem. Estávamos aqui há poucos dias quando percebemos que um telecineta
invisível se divertia à nossa custa, comprimindo botões, levantando objetos e fazendo
outras bobagens desse tipo. Organizamos uma expedição e logo nos deparamos com uma
estranha esfera reluzente, que acreditávamos ser outro produto daquela raça desconhecida,
que horas antes nos dera mostras de suas intenções hostis, quando fez voar pelos ares
minha barraca.
“Colocamo-nos na pista que havíamos localizado e prosseguimos por ela. Nos
primeiros dias ninguém se lembrou de que o cérebro positrônico da Stardust-III havia
previsto o fim das provas exclusivamente técnicas. Num instante preparamo-nos para
enfrentar um inimigo que possuísse uma porção de coisas que não conhecêssemos, e de
nos apossarmos de seu segredo apesar da superioridade técnica de que era dotado. Mas,
por estranho que pudesse parecer, tudo correu sem o menor problema. Ocupamos o
pavilhão de fábrica sem que sofrêssemos qualquer perda digna de nota, é bem verdade que
fomos ajudados pelo acaso, e não tivemos que fazer maiores esforços para repelir outro
ataque do inimigo. Ficamos um pouco desconfiados...”
— Você ficou! — disse Bell em tom áspero. — Nós não.
— Está bem; então fui eu — disse Rhodan com um sorriso. — De repente
percebemos que o inimigo não possuía nenhuma superioridade técnica, embora conhecesse
campos gravitacionais rotativos. Lembramo-nos das observações feitas por Lloyd: toda vez
que este captava um modelo de vibrações cerebrais, seu conteúdo era formado por um ódio
cego e destruidor ou por um instinto brincalhão verdadeiramente infantil. Não haveria mais
necessidade de quebrar a cabeça: estávamos na pista errada, pois no planeta Vagabundo há
duas raças inteligentes.
As cabeças dos ouvintes, até então inclinadas numa atenção muda, foram atiradas
para cima. Os olhos exprimiam uma perplexidade total, as bocas abriram-se em protesto,
mas não conseguiram emitir um som.
— Duas... — disse a voz rouca de Deringhouse depois de algum tempo.
Rhodan fez que sim.
— Qual é a segunda? — perguntou Bell.
— São os ratos-castores.
— Não é possível! — exclamou Deringhouse. — Lloyd observou-os na noite em que
montamos o acampamento naquelas colinas e não percebeu nada.
Rhodan confirmou com um aceno de cabeça.
— Essa regra seletiva, como é chamada pelo cérebro positrônico, consistia de duas
partes. Em primeiro lugar, tínhamos de descobrir que no planeta Vagabundo existem duas
raças inteligentes, e depois precisávamos saber qual delas dispunha da indicação que
estávamos procurando. A raça dos ratos-castores é de um tipo que nossa experiência, ou
melhor, a experiência arcônida, encontra pela primeira vez. Não há dúvida de que a
inteligência desses animais é de natureza intermitente.
— O que vem a ser isso?
A pergunta foi formulada abruptamente e em tom áspero, sem um mínimo de
respeito. Partiu de Bell.
— Uma inteligência intermitente é um tipo de inteligência que faz com que o ser que
a possui às vezes seja inteligente, às vezes não seja. Falei claro?
— Não. Isso significa que de segunda a quarta-feira os ratos-castores são inteligentes,
e de quinta a domingo são estúpidos?
— Mais ou menos — murmurou Rhodan. — Apenas o intervalo é diferente. É
diurno-noturno. Os ratos-castores perdem sua inteligência, que de qualquer maneira não é
muito grande, quando começa a escurecer, e voltam a recuperá-la ao nascer do sol. Uma
vez que esse efeito existe, é perfeitamente compreensível que o mesmo se processe
segundo os dados naturais existentes neste mundo. Em poucas palavras, ele se orienta pela
luz e pela escuridão. Se não fosse assim, os ratos-castores teriam ficado numa confusão
terrível quando o terremoto alterou a posição do eixo do planeta Vagabundo.
Seguiu-se uma discussão apaixonada.
Por estranho que parecesse, Crest e Thora, os dois arcônidas, mantiveram-se num
silêncio total. Rhodan sorriu para eles. Crest retribuiu o sorriso, mas Thora limitou-se a
erguer as sobrancelhas.
“São os herdeiros de um saber que teve de reconhecer que está longe de ser total”,
pensou Rhodan. “Quando será que essas criaturas teimosas que habitam o planeta Terra
reconhecerão que nada é impossível pelo simples fato de eles ainda não o haverem visto?”
Interrompeu a discussão e formulou esse argumento. Não concordaram com o mesmo
— ele o viu pela expressão de seus rostos — mas aceitaram sua sugestão:
— Provarei a exatidão de minha teoria. A Stardust-III permanecerá no planeta
Vagabundo por mais alguns dias. Teremos oportunidade de observar os ratos-castores.
Passou a outro assunto.
— Apesar de tudo, talvez na nossa inconsciência, encontramos no planeta
Vagabundo os restos de uma cultura antiga. Não tenho medo de confessar que, por
algumas horas, cheguei a acreditar que o planeta Vagabundo era o mundo da vida eterna, e
que os robôs nada mais eram senão os espíritos servis do imortal, que nos vem arrastando
na sua esteira. Bem; não era isso. O imortal deve ser bem mais antigo que a cultura do
planeta Vagabundo. Os robôs foram desmontados. Sabem de muita coisa que nós não
sabemos; em compensação, outras coisas que nos parecem corriqueiras são ignoradas por
eles. Há dezenas de milhares de anos guiam-se pela última ordem que lhes foi ministrada:
atacar e destruir qualquer invasor.
“Seu cérebro tem uma estrutura orgânica, provavelmente porque seus construtores
viram nisso a maneira mais simples de construir um robô. Repousa num tipo de tanque
cheio de um líquido nutritivo, que pode manter o cérebro vivo pelo menos por cem mil
anos terrenos.
“Acontece que a energia mecânica dos robôs era fornecida por geradores. Um deles
foi avariado por ocasião do grande terremoto, e o resultado foram quinze robôs
aparentemente mortos. Deve haver outro gerador que abastecia os cinco robôs restantes.
Estes nos atacaram e foram destruídos.
“Temos possibilidade de revitalizar os quinze robôs aparentemente mortos e
programá-los de tal maneira que não nos considerem mais como inimigos. É o que
faremos.”
Sorriu.
— Quem está em nossa situação não pode se dar ao luxo de dispensar qualquer novo
saber que possa adquirir, por mais insignificante que seja. Acredito que poderemos
aprender muita coisa com a velha cultura do planeta Vagabundo.
Pegou o maço de fotografias que se encontrava sobre a mesa.
— O mais interessante desses robôs — disse, como se estivesse pensando em voz
alta — é que os mesmos armazenaram sem o menor preconceito todo o saber de que
dispunham seus chefes desaparecidos. Para um robô que recebeu ordens para atacar
qualquer invasor, uma granada de mão é uma arma tão eficaz como um campo rotativo. De
início andamos quebrando a cabeça sobre isto. Parece que nos últimos dias aprendemos
uma boa lição de lógica de robôs. Ataque com qualquer coisa que tenha à mão, desde que
seja uma arma.
Aproximou as fotografias dos olhos.
— Basta que lhes mostre uma destas fotografias. Nela existe tudo que esperávamos
encontrar no planeta Vagabundo.
Pegou a fotografia de cima e colocou-a no projetor. Quando ligou o aparelho, a luz
do teto apagou-se automaticamente.
Viram, em projeção tridimensional, um setor do modelo de Via Láctea que haviam
encontrado na caverna dos ratos-castores. No centro do quadro via-se um ponto luminoso
insignificante, da qual saía uma faixa bem mais clara que se estendia a uma estrela situada
no quadrante superior direito.
— Quero explicar o seguinte — soou a voz áspera de Rhodan em meio ao silêncio.
— No início não se via o ponto situado no centro do quadro. Quando olhei a fotografia
pela primeira vez, a faixa luminosa terminava no nada. Tivemos de lançar mão de todos os
recursos da técnica de revelação arcônida para que o pontinho se tornasse visível.
Constatamos que as estrelas que aparecem neste modelo foram projetadas de acordo com
sua verdadeira luminosidade. Portanto, temos uma indicação exata da intensidade
luminosa da estrela em que termina esta faixa brilhante. O resultado é um tanto
surpreendente: essa estrela não tem luminosidade própria; a luz que irradia é apenas o
reflexo de sóis vizinhos. Trata-se de um planeta sem sol.
— É o mundo da vida eterna? — perguntou Crest.
— Acreditamos que sim — respondeu Rhodan. — Se não fosse assim, o quadro não
teria o menor sentido.
— E que estrela é essa que fica na outra extremidade do arco luminoso? — perguntou
Bell.
— Vega.
Alguém respirou pesadamente.
— Quer dizer que já conhecemos nossa posição galáctica?
— Isso mesmo. Encontramo-nos a dois mil e quatrocentos anos-luz de Vega e do Sol.
Não disseram mais nada. Admiraram o quadro daquela projeção misteriosa que
haviam encontrado e fotografado no interior da caverna dos ratos-castores. Embora não
quisessem admiti-lo, sentiram-se tomados de veneração pela técnica estranha e legendária
da raça desconhecida que habitava o mundo da vida eterna.
Agora já se sabia que esse mundo vagava pelo espaço galático, solitário e sem sol.
***
***
***
Dois enigmas ficaram sem solução: por que o telecomunicador de Rhodan falhara
subitamente no primeiro vôo de reconhecimento, durante o qual pretendia explorar o
espaço com cinqüenta e seis estrelas, e por que, embora não enxergasse diretamente o sol
do planeta Vagabundo, conseguira ver sua luz refletida pela Stardust-III.
O imortal teria uma explicação para isso.
Conheciam sua posição, pela primeira vez nessa busca difícil e demorada, em que
esperavam encontrar o mundo da luz eterna.
***
***
O planeta Vagabundo, que gira em torno de um sol moribundo,
ofereceu perigos muito maiores do que poderia se esperar de um
mundo que parecia tão inofensivo. Como tantas vezes, também aqui as
aparências enganaram. Mas agora, com o modelo da Via Láctea,
encontrariam o caminho de volta para o sistema Vega. Será mesmo?
Se dentro em breve Rhodan se depara com Os Rebeldes de
Tuglan, isso é devido exclusivamente a Gucky, um clandestino que
viaja a bordo da Stardust-III.