Você está na página 1de 64

“Minha alucinação é suportar o dia-a-dia, e o meu delírio é a

experiência com coisas reais.”


Belchior
Dedico essas poesias ao poeta, cantor, camarada, Belchior.

Carlos Galdino
São Paulo – 2017
Copyright Carlos Galdino
Livro Poemas: Enquanto Ouço Belchior e Outros Poemas de
Amor
Apresentação do Livro, Diagramação, Revisão e Capa: Paôla
Carmen
Biografia de Fernando Pessoa: Laudecir Silva
Literatura Brasileira / Poemas
Edição: feira livre
APRESENTAÇÃO – BELCHIORANDO

É certo que a maioria do povo brasileiro de alguma forma


tenha sido influenciada pelas músicas do compositor e
cantor Belchior, seja na sua própria voz e interpretação ou
na de tantos outros cantores do cenário da música popular
brasileira.

De maneira muito especial, Belchior chegou ao meu


coração com a música “Na hora do almoço”, em que o
poeta descreve, com o brilhantismo e a grandeza dos
grandes escritores, uma cena cotidiana: uma sala, mesa,
pratos, e nestes, comida e tristeza. Aí “a gente se olha, se
toca e se cala e se desentende no instante em que fala”,
arremata, sintetizando a realidade complexa e desafiante
das experiências do convívio familiar. É bem verdade que
o tempo passou e, ainda que essa prática não tenha sido
uma regra generalizada e válida para todas as famílias, nas
condições de vida da sociedade contemporânea, tem sido
cada vez mais comum a ausência do encontro familiar, ao
redor da mesa, na hora do almoço. Talvez “cada um guarde
mais o seu segredo, sua mão fechada...” e os encontros
com as pessoas, os familiares, estejam sendo substituídos
pela relação com aparelhos eletrônicos, novas formas de
comunicação e interação. Mesmo quando há o encontro,
os aparelhos parecem ser mais importantes que o olhar, o
toque, a fala.

A música “Na hora do almoço” parece um tanto triste,


melancólica. Há quem diga que essas sejam
características que permeiam boa parte das músicas de
Belchior. Concordo, sem que isso seja um incômodo!
Afinal, esses aspectos, em boa medida, solidificam a
condição humana. A meu ver, Belchior é como um escultor
que parte da matéria bruta e aos poucos vai lapidando-a
até encontrar a forma desejável: a arte, na grandeza
objetiva e simbólica que essa palavra carrega. Não é sem
razão que suas obras atravessam gerações sendo
continuamente vivas, pulsantes, e permaneça falando de
forma tão significativa ao coração das pessoas.

Eu vi isso acontecer bem mais de uma vez. Em 1997, meu


amigo Paulo, do Vale do Ribeira, e todos que conosco
conviviam, estudantes de Filosofia na época, fomos
contagiados pelas canções de Belchior. Estas embalavam
muitos dos nossos encontros, confraternizações,
celebrações. Creio que “Pequeno mapa do tempo” tenha
sido a isca através da qual aquele meu amigo em particular
tenha sido fisgado, de corpo e alma.
Outra lembrança agradabilíssima impregnada em minha
memória se dá quando conheci outros amigos, os irmãos
Paulo e Saulo. Amavam Belchior! Ouvi-lo era parte de um
ritual poético, profano e religioso. Às tardes, em casa,
normalmente, era comum encontrá-los ouvindo Belchior
enquanto tomavam algumas cervejas e beliscavam alguns
petiscos. “Isso é que é música Laudecir..., não são essas
porcarias que a gente ouve por aí”, dizia Saulo com prazer
e seguro na certeza de suas palavras, como se estivesse
profetizando alguma revelação. Meu amigo Gilson e meus
irmãos Claudemir e Claudinei, também foram testemunhas
dessas palavras e que, em nossas bocas, tornaram-se
espécie de oração. Um mantra que repetimos sempre que
ouvimos alguma música com Belchior. Reatualizamos o
ritual e a profecia de nosso amigo Saulo: “Isso é que é
música...”

Nos saraus do Coletivo Cultural Pegando o Gancho,


Belchior sempre teve espaço reservado. Daí o fato de que,
após a sua morte, fizemos um sarau para homenageá-lo.
Neste dia, minha amiga Marli Pereira, sempre a
surpreender com sua sensibilidade, nos presenteou,
emocionada, com essa pérola poética, com a qual finalizo
este texto: “Que Deus seja brasileiro e que ande do seu
lado; mas que você não siga nenhum mandamento, pois o
que transforma o velho no novo é nunca fazer nada que o
mestre mandar; sempre desobedecer, nunca reverenciar.
Quanto a nós, que estamos reverenciando suas palavras
navalhas, prometemos rejuvenescer e nos despir do
passado que é uma roupa que não nos veste mais. Amar e
mudar as coisas nos interessa mais. Nosso delírio será
com experiências com coisas reais. Viver a Divina Comédia
Humana onde nada é eterno.

Ano que vem, Belchior, você poderá afirmar: Ano passado


eu morri, mas esse ano eu não morro! (Sempre é dia de
ironia, no meu coração).”

Laudecir Silva - Julho/2017

Professor e mestre em Filosofia


pela PUC SP.
BIOGRAFIA – Belchior

Antônio Carlos Belchior, mais conhecido simplesmente


como Belchior (Sobral, 26 de outubro de 1946 – Santa
Cruz do Sul, 30 de abril de 2017), filho de Dolores Gomes
Fontenelle Fernandes e Otávio Belchior Fernandes, foi
um cantor e compositor brasileiro. Um dos membros do
chamado Pessoal do Ceará, que inclui Fagner, Ednardo,
Rodger, e outros, Belchior foi um dos primeiros cantores
de MPB do nordeste brasileiro a fazer sucesso nacional,
em meados da década de 1970.

Durante sua infância, no Ceará, foi cantador de feira e


poeta repentista. Estudou música coral e piano com Acácio
Halley. Seu pai tocava flauta e saxofone e sua mãe cantava
no coral da igreja. Tinha tios poetas e boêmios. Ainda
criança, recebeu influência dos cantores do rádio Ângela
Maria, Cauby Peixoto e Nora Ney. Foi programador
de rádio em Sobral. Em 1962, mudou-se para Fortaleza,
onde estudou Filosofia e Humanidades. Começou a
estudar Medicina, mas abandonou o curso no quarto ano,
em 1971, para dedicar-se à carreira artística. Ligou-se a um
grupo de jovens compositores e músicos,
como Fagner, Ednardo, Rodger Rogério, Teti, Cirino entre
outros, conhecidos como o Pessoal do Ceará.
Belchior morreu em 30 de abril de 2017, aos 70 anos, na
cidade de Santa Cruz do Sul e o governo do Ceará emitiu
uma nota de pesar. A causa da morte foi um aneurisma
da aorta, a principal artéria do corpo humano. O
governador do Ceará, Camilo Santana, decretou luto oficial
de três dias, providenciando o traslado do corpo,
garantindo assim, o desejo do cantor de ser enterrado no
Estado do Ceará, sendo velado em Sobral, sua cidade
natal, e sepultado em Fortaleza.
Grávido

Ah meu amor
Eu estava grávido de você
Mas você não teve sensibilidade
De perceber
De ver
Minha barriga
Crescida
O sorriso de minha barriga
De sonho

Eu estava grávido de você


E ultrassom algum poderia revelar
O sexo da felicidade
Pois ela era múltipla, varia

Eu estava grávido
E sentia dores
Medos
Homem sente do mesmo jeito
Só expressa diferente
Muitos nem conseguem expressar
Eu estava grávido de você
E fazia planos
E sonhava com o rostinho
A primeira roupa
Minha alma fazia pré-natal
E eu preocupado

Eu estava grávido de você


Eu estava grávido com você
Cada pessoa tem seu ritmo
Tem seu tempo….
Mas hoje
Eu sangro
A parte que já não existe
Triste
De não querer viver
Pois morri
E parti junto com o bebê
Liquidez

Bebo tudo que tenho em casa


Agua
Sopa
Cerveja
Gasolina

Eu bebo
Detergente
Suco
Chá
Remédio é tão amargo
Tão ruim

De mime não adoeço


Brisa

Em Paraty eu não encontrei a "Brisa"


Não essa que sopra solta
Pelas ruas do centro histórico
Na beira da praia
Em todos os cantos
Em Paraty eu não encontrei a brisa
Não essa brisa, mas outra
Onde será que ela pousa
Com seus óculos e encantos
Cólica

Estou com cólica de mim mesmo


Amanheci com a calcinha da alma
Encharcada de sangue
E não há poesia absorvente
Que estanque.
Opção

Queria almoçar amor


Carinho
Beijos de perder o folego
Abraços de parar o tempo
Olhares de matar a sede
Mas hoje só tem mamite e saudade
Versos Só Para Dani

Dani,
Não se dane comigo
O amor não é coisa tão urgente assim
Não entre em pane
Não bata panelas
Não chore por mim

Dani,
O amor não é coisa pré feita
Coisa que está na prateleira
Não se inflame
Não acumule sequelas
"é dia de feira"

Dani,
Quem tem pressa demais
Sai na frente, passa do ponto
E não adianta tanto avexa-me
Primaveras, são primaveras
E pronto.
Cordel de Conversa

Eu não sei andar de salto


Nunca usei sapato bom
Sou simples moça caipira
Escrever é o meu dom
Sou poeta cordelista
Porém não sou repentista
Pois não acerto o tom

Amanda eu te convido
Para você e eu juntos
Elaborar um folheto
Escolhendo o assunto
E imprimir em papel
Nossa rima de cordel
Que está rendendo muito

Eu penso numa opção


Para eu e tu falar
Eu cantava teu São Paulo
E eu cantava o Ceará
Olha o tanto de cultura
Em nossa literatura
Nós podemos abordar
São uma boa opção
Está escolhido o tema
Aí a gente desenvolve
Se houver algum problema
São só tirá-lo da frente
Está plantada a semente
Pode crer agora chove

Eu daqui você daí


Podemos nos reunir
Para fazer verso bonito
E muito nos divertir
Eu não acho má ideia
Sem precisar de plateia
Essa rima garantir

Olha que gostei demais


Desse início Amanda
Para mim foi um prazer
Mas é você que comanda
Tenho que reconhecer
Pois o seu verso é perfeito
Sou aqui o sujeito
Com muito a aprender.

Amanda Vieira e Carlos Galdino (Em conversa)


No Dia Que Eu For Prefeito

No dia que eu for prefeito


Mudo o nome da cidade
Tiro estatua boto flores
Proponho a felicidade
A placa indica na seta
O nome de um poeta:
Carlos Drummond de Andrade

Eis a simplicidade
Da campanha eleitoral:
Na sede da prefeitura
Vai ser dentro de um sarau
Meu vice vai ser o povo
Para construir tudo novo
Numa mudança geral

“Menos gente em hospital


Mais gente em biblioteca
Acura está no saber”
Já dizia meu vô Zeca
Pense num home sabido
Pois um home prevenido
Faz um nada virar meca
Um dia pensei: heureca...
A poesia vai mudar
A vida da nossa gente
Pois a arte de educar
São um trabalho eterno
Feito o amor materno
Para a cidade prosperar

Uma coisa que vou mudar


É a escola “quadrada”
Que por ela aluno passa
Sem aprender quase nada
Paulo Freire já dizia
Espaço sem harmonia
A mente fica trancada

A aula vai ser dada


Na sombra do jatobá
Em meio a natureza
Onde sempre a paz está
Mudanças na saúde
Educação e atitude
Até as ruas “vai muda”

A tal rua do paxá


Vai ser rua do arco-íris
A duque de Caxias
Vai ser rua dos felizes
Vou tirar os marechais
E também as generais
Que causaram cicatrizes

Mudarei as diretrizes:
Ao invés de muitos carros
Espaço para a bicicleta
Os terrenos bizarros
Vão virar belas praças
Com mil cores e graças
Igual Manuel de barros

As bitucas de cigarros
Vão dar lugar a sementes
Vou mudar nome de praças
Serão todos diferentes
Para combinar com as ruas
Minhas lutas e as tuas
Em prol de vidas carentes

Seremos bem coerentes


Caso eu venha me eleger
Tendo o povo como vice
Nada eu irei temer
Vamos fazer transformação
Pois uma real nação
Só avança com saber

Tudo que eu prometer


Será cumprido de fato
E caso eu esqueça algo
Entrego meu mandato
Torno o povo prefeito
Para fazer direito
A moldura do retrato

Carlos Galdino e Jefferson Messias


Manuel de Barros e Manoel Bandeira
Manuel contra Manoel
Vou pegar uma peleja
Com o amigo Messias
Para falar da beleza
Dos mestres das fantasias...
Quem vai sair na carreira,
Manoel de barro ‘ou bandeira;
Dois gênios das poesias?!

Caro Galdino, vou dizer


A vida dum escritor.
Ninguém se iguala ele;
Um poeta de valor.
Ele foi inspiração,
Literato e tradutor!

Manoel de Barros, amigo


Agora vou defender
Navegador do silêncio
Onde a infância faz nascer
Esticador de horizontes;
Leveza do amanhecer.

Bandeira é nordestino;
Daí vem a primazia...
É poeta-revolução
Da moderna poesia.
Seu poema “os sapos”
É o cerne da ironia!

Idioleto Manuela
A língua dos bocós
De quem olha para o chão
Essa desnatação de nós
Com olhos do coração
Pintando de brilho a voz

Solidão é alimento
Do mais lírico poeta...
A mágoa; a melancolia
Uma à outra completa.
A saudade doce e só
São abstrata e concreta!
Fazedor de desenho
Da paisagem verbal.
Os poemas-gorjeios
Do menino do pantanal
São ‘memórias inventadas’
No voo das passaradas
E nas pedras do quintal.

“Cinza das horas”, de fato,


Mostra a sina ‘Poética’
- Com ar de ‘Libertinagem’ -
(Com zelo e dialética) ...
Com ‘Cartas de meu avô’
A rima livre da métrica!

Mas esses dois ‘Manuais’


São frutos da pureza
Que toda poesia tem
No leito de sua nobreza.
Um Barros outro Bandeira
Dois geniais de primeira
Resumidos em grandeza!

Carlos Galdino e Jefferson Messias


Recado Sincero

Não coloque em minhas mãos sua felicidade, ou a


possibilidade dela.

Não coloque em minhas costas o peso de ter que te fazer


feliz.

Não atribua a mim tal responsabilidade.

Sou irresponsável nesse sentido, e coisas valiosas


escapam feito areia de minhas mãos.

Primeiro estou buscando me fazer feliz, sem me atribuir


responsabilidades ou pesos, simplesmente fazendo as
coisas que gosto, coisas simples, sem títulos, sem cargos,
sem marcas, sem status.

Agora estou muito ocupado vendo o nascer do sol, ouvindo


o silencio, observando as estrelas, sentindo o cheiro do
café que eu mesmo faço, lembrando de um abraço.

Agora estou mesmo muito ocupado, desculpe! Não se


culpe não me culpe...

Não me ocupo com enfados de sentimentos, estou muito


ocupado com minha desocupação de sorrir, fazer sorrir,
sentir, olhar e ver. Até mais ou até menos, nós veremos...
Às Vezes

As vezes meu silencio, sou só eu em meu quarto


Comigo mesmo e só,
As vezes meu silencio é uma corda
As vezes meu silencio é um nó
As vezes meu silencio me acorda
As vezes meu silencio me acode
As vezes meu silencio me sacode
As vazes meu silencio é pior...
As vezes meu silencio é uma carta
As vezes meu silencio é um livro
As vezes meu silencio é um olhar
As vezes meu silencio é um aviso
As vezes meu silencio é só palavra
As vezes meu silencio é um prédio
As vezes meu silencio é uma bomba
As vezes meu silencio é só tédio
As vezes meu silencio é um leão, uma cobra
As vezes meu silencio é uma formiga
Uma amizade comigo
Uma intriga
Um trago
Um treco
Uma transa
Um transito
Um ego
As vezes meu silencio é tudo isso
As vezes meu silencio é nada disso
As vezes meu silencio é explosão.
Um Grito

As vezes meu silencio é só um grito


As vezes meu silencio é um grão
As vezes meu silencio é um trem inteiro
As vezes meu silencio é um vagão
As vezes meu silencio é só vazio
As vezes meu silencio é estação
As vezes meu silencio é um rio
As vezes meu silencio é oração
As vezes meu silencio... semáforo!
As vezes meu silencio é decisão
As meu silencio é um sozinho
As vezes meu silencio, nação
As vezes meu silencio é só a porta
As vezes meu silencio é parte
As vezes meu silencio é uma horta
As vezes meu silencio é arte
As vezes meu silencio é tudo vivo
As vezes meu silencio, um amém
As vezes meu silencio, todos sabem
As vezes meu silencio é além.
Que Poema Escrever Agora?

Que poema escrever agora


Agora que todas as palavras
Fugiram e os dicionários não sabem
O que quero dizer
Que poema escrever agora
Agora que a ortografia me cerca
E eu não sei, nem quero saber
Para que servem as regras, vírgulas, pontos

Ora digam-me
Que poema escrever agora
Agora que todas as mulheres se foram
Deixaram-me e continuam
Em seu devido lugar
Dentro de mim

Que poema escrever agora


Agora que morei em tantas casas
Que nem lembro o endereço
Ou a cor da parede
Que poema escrever agora
Agora que meus amigos de infância
Cresceram, mudaram-se e mudaram
Já nem sei onde moram

Que poema escrever agora


Que não sei o que é o amor
Se amo e talvez não saiba
Ou talvez nunca tenha amado

Que poema escrever agora


Agora que as horas passaram
Os anos passaram e não encontrei
A única mulher que talvez
Eu amasse e pudesse me amar
Dentro de Mim

E dentro de mim
Tudo continua,
Dentro de mim essa guerra
E quem tem razão?

Dentro de mim,
Tudo continua,
Dentro de mim essa dor
Qual é o remédio?

Dentro de mim
Essa noite,
O sol que se foi
A madrugada, e amanhã
Como será o dia,
Dentro de mim?

Dentro de mim
Tudo continua,
O que sei e o que
Não quero saber,
Como apagar?
Como reviver?
Dentro de mim
Esse mistério,
Essa verdade,
Essa mentira,
Esse amor,
Essa ira.
Um Menino

Existe um menino
Pois é acreditem
Existe um menino
Por trás deste homem
Amargo triste

Menino de sorriso largo


Que não sabe o que é a tristeza
Que acorda cedo para brincar
Com os raios de sol
Qual uma planta
Em sua viçosa pureza

Existe um menino
Sem traumas sem medos
Que joga bolinhas de gude
Toma banhos de açude
Brinca de esconde-esconde

Menino
Alicerce desse homem cansado
Menino que sai de manha
Para comer gogoia
E beber orvalho
Menino que não envelhece
Apesar do tempo passado.
Canção em Silêncio

Vou fazer uma canção


Leve, que fale dos silêncios,
De quando quis te falar
E foi tudo em vão

Vou fazer uma canção


Que fale por onde andei
E as ruas sem nome
Que aprendi,

Vou fazer uma canção


Sem datas, sem dias
Mas com sons de tardes
E noites nuas

Vou fazer uma canção


Sem refrão barato
Sem coro, para que possa
Ser ouvida no silêncio de um livro
Meio Hoje

Hoje estou meio assim


Meio sem mim
Meio sem tudo

Meio mudo
Meio tudo
Meio nada

Hoje estou em casa


Na estrada
Meio hoje
Meio ontem

Eu estou meio
Cheio de tanto
Tudo
Tanto nada

Eu meio
Estou ligado
Desligado
E meio

Meio amanha
Meio nunca mais
Meio ainda que vazio
Meio mar
Mesmo rio

Meio seco
Mesmo inundado
Meio o mesmo
Mesmo mudado
Preta

É preta a saudade é branca


É branca a saudade é preta

A saudade tem cor?

A saudade tem a cor dos teus olhos


Dos teus cabelos

A saudade tem cheiro


Tem a tua pele

A saudade tem cor?

Saudade se revele
Se rebele
Saudade rebelião.
O Meu Poema Novo

O meu poema novo não tem novidade


A minha idade
Não é nunca a mesma
O que é bom passa a gente quase nem vê
Que é ruim tem passos de lesma

O meu poema novo


Quem dera fosse mesmo um poema
E falasse de amor
E de flores

O meu poema novo


É assim: já velho
Breve
Nasce morrendo sem
Ainda sem ser lido

O meu poema novo?


Ora!
Não leiam
A novidade está nas páginas dos jornais
Quem sabe?
Em meu poema novo
Não cabe!
Não cabe!
Tanto coração partido
E tanta gente na rua
A mulher nua
A dama e seu luxuoso vestido
Não cabem os classificados
Nem os desclassificados
Não cabem horóscopos
Nem a queda do helicóptero
Não cabe o sorteio da sena
(Nunca vi quem tenha ganhado)
Não cabe a cena da novela
Nem a vela para o defunto
Nem tudo junto
Nem separado
O meu poema novo é assim: rasgado
Os Documentos

Ora! Para que servem os documentos?


Não dizem nada sobre mim,
Não rezam meus medos
Nem meus segredos dizem de mim

Ah! Os documentos
Não sabem nada de minha alma
Nem de meu grito calado
Em horas e noites desesperadas

Nos números dos meus documentos


Não consta quantas vezes
Me perdi, ou me encontrei

Esqueçam os meus documentos


Verdade mesmo, só em rascunhos
Que ousei derramar em papéis
Esse sim, dizem mais
Sobre mim.
Chega a Tarde

E chega a tarde
Com cara de quem chegou
Para partir,
De quem já tem que ir

E chega a tarde
Com seu sol mergulhado
Por trás das coisas
Escondendo-se

E chega a tarde
E é muito mais tarde
Dentro de mim.
Arvore Torta

No meio da rua
Ou é avenida?
No meio
Enfrente a porta
Aquela arvore era perfeita
Estou triste
Puseram a arvore morta
Ela resiste
Hoje é uma porta
Ninguém entra
Nem sai
Se não por ela
Inventando Coisas.

Seguimos inventando coisas


Que nos consomem
Que tomam nosso tempo,
E não nos deixa tempo
...para o amor
Para o pensar livre
Para o fim da tarde

Seguimos inventando dores


Amores
Mares
Ares
E áreas

Seguimos inventado os prazeres


Os dizeres
E os silêncios
Seguimos inventando, inventando...
Máquinas e mundos
Mas pelo lado de dentro
O homem não muda.
Não Gosto de Quem Cria Pássaros em Gaiola.

Quando eu era criança no sítio campo do gavião zona rural


de frei Miguelinho cidade do agreste de Pernambuco onde
fui criado, via os vizinhos criarem pássaros presos em
gaiolas, via os vizinhos se exibirem com “seus” pássaros
como se eles fossem troféus, coisas, objetos sem querer
próprio, sem vida, sem direitos.
Na inocência de criança e guiado pelo costume do que via
certa vez, pedi para minha vó: - mãe eu quero criar um
passarinho! E a velha Judite do alto de sua sabedoria disse
não! E eu teimoso insisti! - eu quero mãe eles cantam tão
bonito! E aí ela me deu uma lição que carrego a vida inteira:
Meu filho, eles cantam de tristeza, cantam de saudade,
saudade dos seus companheiros, saudade de voar livre,
imagine um seu azul, lindo desse; ele não pode voar…
A velha sabia bem do que falava, durante anos de sua
infância, foi interna de um convento onde foi privada de sua
liberdade.
A partir desse ensinamento minha vó passou a ter
problemas com seus vizinhos, pois passei a escondido
quebrar as gaiolas dos vizinhos e soltar as aves, e cheguei
a sonhar em escrever um livro cujo título seria “advogado
dos pássaros” o livro não saiu do sonho, mas uma certeza
eu tenho, não crio pássaros em gaiola e não gosto de quem
cria.
Meu Caos

Entra e rasga tudo


Parte e pira meu mundo
Quebra e corta profundo

...você é meu caos


Sem hora
Sem tempo
Sem dia
Sem roupa
Com muita roupa
Só de touca

Você é meu caos


Minha loucura e sanidade
Minha idade avançada
Meu nada de experiência alguma

Você me desarruma
E me deixa sem rumo
No seu rumo
Recado Sincero.

Não coloque em minhas mãos sua felicidade, ou a


possibilidade dela.
Não coloque em minhas costas o peso de ter que te fazer
feliz.
Não atribua a mim tal responsabilidade.
Sou irresponsável nesse sentido, e coisas valiosas
escapam feito areia de minhas mãos.
Primeiro estou buscando me fazer feliz, sem me atribuir
responsabilidades ou pesos, simplesmente fazendo as
coisas que gosto, coisas simples, sem títulos, sem cargos,
sem marcas, sem status.
Agora estou muito ocupado vendo o nascer do sol, ouvindo
o silencio, observando as estrelas, sentindo o cheiro do
café que eu mesmo faço, lembrando de um abraço.
Agora estou mesmo muito ocupado, desculpe! Não se
culpe não me culpe...
Não me ocupo com enfados de sentimentos, estou muito
ocupado com minha desocupação de sorrir, fazer sorrir,
sentir, olhar e ver.
Até mais ou até menos, nós veremos...
Tudo em Mim te Procura

Agora eu vou
Vou pela rua
Meus olhos a procura dos teus

Meu sorriso
... que só se abre em flor por ti
Procura...

Agora eu vou
Eu não sei bem para onde
Mas sei que vou
Coisas do amor
Não sei se tem tem cura
Tudo em mim te procura
Carteiro

Carteiro carteiro
Que notícias trazes
Cartas de amor
Para a alegria dos rapazes

Para quem ausente


Se encontra da sua terra natal
Um cartão postal

Para quem a muito não via


Fotografias

Para mim carteiro


Dizes ligeiro
Para acabar com meu drama
Trazes ao menos um telegrama
O Treze do Largo

O treze do largo
Do largo que é treze
Treze!
Azar ou sorte?
Vida ou morte?
Treze!
Apenas um número?
Vinte menos setes
Cinco mais oitos
Superstição
Ilusão
O que há?
A quem compete explicar?
Tanta gente...
Gente!
Em um só lugar
Tanta coisa para vender
E comprar
Novo nordeste de casas do Norte
Nordestinos em busca de trabalho
Sonhos e sorte
Plantas, raízes de mandacaru
(Até pensei está em caruaru)
Sorte de quem?
Azar de quem?
Aquele é treze!
A placa indica:
Aqui é treze
E largo
São fáceis de se perder
Ou se encontrar.
Via largo treze
Terminal bandeira via largo treze
Terminal varginha via largo treze
Jd Ângela
capelinha
e outras linhas
dos sonhos
trabalhos
filhos
feiras
festas
bilhte unico afinal !
via largo treze
de terminal a terminal.
santo amaro
amaro !
olha o largo !
amaro !
o largo amaro!
o largo
amaros amargos, andam pelas ruas
e são tantos
brancos
pretos
marias
Joaquins
Severino
E outros tantos
De todos os cantos
Cabrobó
Cabaceiras
Jequié
Frei Miguelinho
Surubim
Via largo
Todos os dias a cidade é atravessada.
Você Arde em Mim

Boa
Tarde
Arde em mim
O que sinto
Por ti
Boa tarde
Arde em mim
O que não sentes
Por mim...

Boa tarde
Arde em mim
Arde em mim
Confissão Muito Séria

Confissão muito séria


A respeito de meus sentimentos:

Há muito tempo te engano,


Eu não gosto de você...

Eu te amo!...
Definição Defeituosa a Meu Respeito.

Sou geminiano, cheio de defeitos e qualidades, não gosto


de cozinhar, improviso de vez enquanto, escovo os dentes
enquanto tomo banho. Não gosto de salsicha nem carne
moída, asa de frango passe longe de mim.
Bebo cerveja e pouca água, adoro café.
Nunca fui a um estádio assistir um jogo, torço para um time
que nunca ganhou.
Como rápido, não gosto de comida quente, tenho preguiça
de ler longas historias, não tenho carro, tenho mania de
guardar papeis e livros. Sou tímido, porém comunicativo.
Quando gosto vou até o fim, quando não gosto se afaste
de mim.
Gosto de escrever e fotografar.
Não gosto do frio, nem de suco de melancia.
Sou péssimo em matemática, não sei lidar com dinheiro,
nem dinheiro gosta de mim. Tenho paixão por crianças,
não sei se ronco, nunca me ouvi nem me falaram, dizem
que beijo bem.
Ouço a voz do brasil, não vou a missa faz tempo, não falo
inglês, só a língua do amor, tenho sotaque pernambucano
do sertão. Sou feio, mas me acho gostoso.
Não sou filiado a partido político, nem por isso fico encima
do muro, não vou a igreja, mas acredito em Deus.
Desci a Teodoro e Só

Desci a Teodoro
No largo da batata
Não vi batatas,
...não vi feira,
Não vi ninguém,
Não vi nada,
Um largo deserto,
Vazio, sem cor,
Só uma estação de metrô
Fechada.
Viaduto do Chá

No viaduto
Vi adultos
Vi adultos
Vi assaltos
Ouvi assuntos
... gente separada
Gente junto
Via
De mão dupla
Que ia
Que vinha
Vi gente querendo sair
Vi gente querendo ficar
Gente a sorrir
Gente querendo pular
No viaduto do chá
CARLOS GALDINO

Nascido em São Paulo,


no ano de 1978, foi
levado já no ano
seguinte a morar com
sua avó, Judite, em Frei
Miguelinho, no estado
de Pernambuco. Em
1986, por influência de
sua avó, começa a escrever suas primeiras poesias.

Filho do agreste pernambucano foi moldado no sertão


por toda sua infância e pré-adolescência. Em 1994, após
a morte de sua avó, retornou em definitivo à São Paulo
e passou a dividir seu tempo entre a formação técnica
de profissionais no varejo, a escrita de poemas e a
participação no cenário literário e cultural da cidade.

Como poeta, participou de dezesseis coletâneas de


poesias e já se apresentou em grande parte dos saraus
da cidade de São Paulo, além daqueles que produziu
como SENAC, SESC, Memorial da América Latina,
dentre outros. Na rádio divulga a poesia e a música
independente. Também integrou a Comitiva de Saraus
que representou o Brasil na Feira Internacional do Livro
de Buenos Aires e também ministra oficinas de cultura
popular e cordel.
Outros Livros do Autor

Achados & Perdidos Poesias

De Tudo Que Não Foi Dito

É Amô ou é Besteira

Amor é Sapato que Escorrega

Contatos

gallldino@hotmail.com

http://gallldino.wix.com/galdino

Você também pode gostar