A PRESENÇA DAS LITERATURAS AFRICANAS DE LÍNGUA PORTUGUESA NO
CURSO DE LETRAS E NO COLÉGIO DE APLICAÇÃO DA UFAC
THE PRESENCE OF AFRICAN LITERATURES OF PORTUGUESE LANGUAGE IN THE
COURSE OF LETTERS AND APPLICATION COLLEGE OF UFAC
Amilton José Freire de Queiroz1, Simone de Souza Lima2
1. Doutor em Letras. Docente do Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Acre. Líder do
Grupo Amazônico de Estudos da Linguagem (GAEL) e pesquisador do Grupo de Pesquisa de Estudos da Educação, Cultura, Arte e Linguagem (GECAL).
2. Doutora em Letras (Teoria Literária e Literatura Comparada). Docente do Curso de Letras da
Universidade Federal do Acre. Pesquisadora do CNPq e líder do Grupo Amazônico de Estudos da Linguagem (GAEL).
Afrontar fronteiras, redefinir horizontes africanos de língua portuguesa e suas
epistemológicos e trançar outros olhares convergências com a produção literária prospectivos – esses têm sido os lugares de brasileira. errância para quais convergem os percursos do Expandir as redes de solidariedade dentro e de fora da experiência interdisciplinar. entre os mundos de linguagem Ademais, exercitar o movimento da interação latinoamericanos e africanos contribui de saberes firma-se, portanto, como um ponto significativamente para estreitar os diálogos da de sustentação sine qua non para ampliar o Educação Básica e Ensino Superior, espectro da solidariedade das literaturas de fortalecendo o espectro da prática pedagógica língua portuguesa, mapeando o traço da para além do mero contato com as marcas e percepção intercultural entre Moçambique, marcos da diferença cultural latente na Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e memória coletiva dos educandos acreanos. Príncipe, Brasil e Portugal. A sala de aula, nesse sentido, torna-se Inserida nesse contexto de imbricações uma região cultural propícia para a conjugação múltiplas, a atuação de alguns professores de de práticas que veiculam imagens da geografia Língua Portuguesa, Teoria da Literatura e da diferença. Desse modo, as repactualizações Literatura Comparada do Curso de Letras e do das experiências para dentro e fora do contato Colégio de Aplicação da Universidade Federal com o outro da relação disseminam a do Acre tem permitido interligar os fios do possibilidade de dirimir as dúvidas sobre o trabalho com o texto literário dos países papel das culturas indígenas, africanas e negras na formação da heterogênea pátria às marcas do diálogo estabelecidos entre brasileira. América, África e Europa. Assim, guiados pelo exercício contínuo É dentro desse contexto de abertura ao da desterritorialização dos saberes, os olhares outro que o trabalho com as literaturas dos docentes, para além do mero contato com africanas de língua tem se mostrado bastante as marcas do passado, impulsionam a fecundo no sentido de ampliar os olhares sobre dinâmica da reterritorialização do saber dos a paisagem do texto literário lido, analisado e discentes na trama das aprendizagens interpretado na sala de aula. Como lugar de significativas projetadas na paisagem de textos produção, recepção e circulação de culturas que apostam na divulgação de alteridades plurais, a obra literária acessada pelos alunos plurais. mostra-se como ponte de travessia para a As práticas de leituras desses compreensão dos imaginários contemporâneos itinerários textuais furtam-se ao projeto de flagrados pela escrita literária. celebração da guinada eurocêntrica, ao Portador de singularidades que contrário, fertilizam (re)descoberta de outros escapam o limite do olhar fechado, o percursos para o reestabelecimento de imaginário apresentado em poemas, contos e epistemologias calcadas na projeção da romances africanos desloca o aluno leitor para mobilidade dos saberes. Concretizar esse outras camadas de significação sobre os projeto significa levar em consideração a processos de formação das mentalidades e oralidade, a escrita e a performance, tornando- culturas transatlânticas. Esse reposicionamento os célula mater do processo de ensino- das percepções em outro espaço literário aprendizagem visto como ponte de acesso ao direciona o educando para a descoberta de imaginário da diferença. vários destinos da representação do encontro Por isso, é de fundamental importância entre culturas errantes. apostar nessa zona de mediação que dinamiza Dessa forma, torna-se ímpar a o aprendizado das confluências culturais necessidade de costurar propostas de leitura transatlânticas, sinalizando para a interligação amparadas da interação entre texto e contexto dos campos simbólicos de literaturas, culturas trabalhado em sala de aula. Colocar o discente e sociedades planetárias contemporâneas. em contato com outros textos que figuram o Posicionados no limiar desse pensamento movimento de ressemantização dos encontros sempre em devir, logo, destituído de uma pós-coloniais é um dos caminhos possíveis pretensa verdade absoluta, os fazeres para redimensionar a importância da releitura pedagógicos dos docentes buscam erradicar a e reescrita da geografia do diálogo entre a densidade do silêncio imputado aos trânsitos e literatura brasileira e comarcas culturais africanas. mostrar como a obra de alguns autores A leitura do texto literário, sob essa mergulham no imaginário do imperialismo, égide crítica, permite conjugar esforços para colonialismo e patriarcalismo, deixando de operacionalizar a desestabilização da lado uma gama infinidade de leitores; 3) perspectiva binária sobre a qual se solidificara mapear na ficção a ambiguidade que atravessa a retórica colonialista, rompendo com os o perfil das personagens, sejam elas olhares hiantes que celebram a hierarquização masculinas ou femininas; 4) investigar o e subordinação do outro em detrimento da aprisionamento do espaço colonial e pós- focalização do mesmo. Colhendo os resíduos colonial pelo texto e pela teoria literária dos embates travados no campo das oriundos da metrópoles renascentistas ou representações da língua, cultura, ética e modernas. política, o estudo das literaturas africanas de Nesse sentido, para empreender a língua portuguesa abaliza a abertura de cartografia dos (des)encontros das vidas em estratégias para analisar a obra literária do trânsito, a saber: refugiados, expatriados, sem ponto de vista pós-colonial. lugar, migrantes, imigrantes, exilados, urge ter Essa prática de leitura encontra-se em mente o uso de conceitos-chave como sedimentada numa moldura que explora as hibridismo, interstício, liminaridade, tangências/assimetrias dos dizeres da História, entrelugar, agência e negociação. Com os pés Antropologia, Psicanálise, Geografia, fincados nesse território movediço, abre-se a Literatura, Etnografia, Filosofia, descortinando possibilidade descosturar os nós discursivos as fronteiras de saberes para interconectá-los, a feitos sobre as zonas de conflito, as interações, tal ponto de construir pontes cujo trânsito as assimilações recíprocas, as assimetrias e os contribui para destacar a troca produtiva conglomerados de diferenças culturais postos realizada entre o exercício da crítica literária e para baixo do tapete da narração da nação. suas imbricações com as práticas cotidianas do Resulta disso uma flexibilização estético- local da cultura. crítica para figurar as deformidades produzidas Assim, a introdução do estudo das pelo olhar etnocêntrico, despindo-o dos graus literaturas africanas no curso de Letras e de uma única interpretação para potencializar Colégio de Aplicação da UFAC contribui, e desvelar lugares onde se dão os trânsitos singularmente, nas seguintes zonas de contato: ambíguos das práticas discursivas e políticas 1) ultrapassar uma atitude que ratifica a da(s) cultura(s). literatura enaltecedora e transcendente, A presença das literaturas africanas de gestando uma visão de literatura inserida no língua portuguesa no curso de Letras e do contexto histórico e no espaço geopolítico; 2) Colégio de Aplicação obedece à premissa de que o outro é parte indissociável do processo Europa, África e América no contexto de de reconhecimento da diferença interna que recortes plurais, reconstruindo rastros, destinos sustenta a formação do imaginário de e pertenças perenes de fronteiras alteridades cruzadas para além do simples (des)marcadas entre o Atlântico e Índico. fortalecimento do ciclo do mesmo. Ligar esses Outrossim, a presença do estudo das lugares permite perceber que o diálogo entre a literaturas africanas de língua portuguesa no Educação Básica e o Superior fortalece as curso de Letras e Colégio de Aplicação da redes de trocas plurais. Nessa relação UFAC converge para a inovação e utilidade de intercultural, identifica-se como cada sua agenda teórica, a transitividade e momento da relação entre docente e discente transversalidade de saberes, a expressão de produz realinhamentos capazes de ler as uma inquietante responsabilidade do incompletudes que atravessam a cadeia das intelectual, a análise das formas de formações culturais que o indagam recrudescimento das novas formas de constantemente na trama do cotidiano marginalização, a batalha sobre significação e educacional acreano. valor; o estudo dos movimentos migratórios e A interligação desse movimento suas redes de trocas/assimetrias. Com isso, contínuo consigna o exame de encontros entre exercita-se, portanto, o trânsito entre diferentes fazeres, dizeres e saberes de múltiplas práticas olhares críticos que se abrem para dialogar culturais, ampliando o lastro da elaboração de entre si, sem sectarismos e exclusivismos (geo)grafias de alteridades em devir. A estanques que obstaculizam a transumância projeção dessas linhas figuracionais autoriza a teórica e prática do fazer pedagógico no abertura de um colóquio sobre a topografia dos contemporâneo. deslocamentos pedagógicos que aproximam