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Ano 26 • N° 14

julho/dezembro 2019 ISSN 2238-6807

Elo entre
dificuldades
e soluções
Catadores mostram
potencial da
Política Nacional de
Resíduos Sólidos
E ainda:
Sítio Burle Marx
Sistemas
Agroflorestais
Senac – Serviço Nacional
de Aprendizagem Comercial
Departamento Nacional
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José Roberto Tadros
Presidente

foto de capa: Cristina Ávila


Departamento Nacional
Sidney Cunha
Diretor-Geral

A revista Senac Ambiental é uma publicação semestral


produzida pela Assessoria de Comunicação do
Senac Nacional. Os artigos assinados são de inteira
responsabilidade de seus autores. Sua reprodução em
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consulta aos editores.
Contato: ambiental@senac.br
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E xpediente
Editor
Fausto Rêgo
Colaboraram nesta edição
Ana Mendes, Cristina Ávila, Elias Fajardo, Francisco
Luiz Noel e Lena Trindade
Editoração
Assessoria de Comunicação
Projeto gráfico e diagramação
Cynthia Carvalho

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação


(Maria Auxiliadora Nogueira - CRB-7/3773)

Senac ambiental / Senac, Departamento Nacional. – n. 1 (1992)- . – Rio de Janeiro:


Senac/Departamento Nacional/Assessoria de Comunicação, 1992- .
v. : il.

Semestral.
Absorveu: Senac e Educação Ambiental.
A partir do n. 8 (2016) passou a ser disponibilizada no endereço:
www.dn.senac.br/senacambiental.
ISSN 2238-6807.

1. Educação ambiental – Periódicos. 2. Ecologia – Periódicos. 3. Meio ambiente –


Periódicos. I. Senac. Departamento Nacional.

CDD 574.505
E ditorial

Reciclar,
reutilizar,
reviver
A Política Nacional de Resíduos Sólidos
completa dez anos em 2020, mas ainda não
é cumprida integralmente. Quase metade
da produção de lixo vai para lixões e o país
perde anualmente cerca de R$ 8 bilhões que
poderiam ser gerados com reciclagem – sem
mencionar o prejuízo para catadores e suas
famílias. É deles que falamos na reportagem
de capa desta edição.
O ano que chega traz ainda a expectativa
pela confirmação do título de Patrimônio da
Humanidade para o Sítio Burle Marx, no Rio
de Janeiro. Lar de um dos maiores nomes do
paisagismo mundial, o espaço abriga mais
de 3,5 mil espécies de plantas.
Mostramos também o sistema de reúso de
águas cinzas (aquelas usadas no banho e na
lavagem de roupas) em uma região que so-
fre com a escassez desse recurso: o sertão
pernambucano. A iniciativa “estica” o ciclo
da água e permite investir em sistemas agro-
florestais para criação de rebanhos.
Falamos mais sobre os sistemas agroflores-
tais em outra reportagem. Você vai saber
como eles contribuem para a recuperação
do solo, o controle da erosão, o combate
às ervas daninhas e a recuperação de áreas
degradadas.
Por fim, retratamos a Festa da Boa Morte,
tradição do recôncavo baiano que remonta
ao ano de 1820, valorizando a cultura, o tu-
rismo e o cuidado com o meio ambiente.

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S umário

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Recursos Hídricos Turismo
Do cinza ao verde Festa da Boa Morte
Sistema de reúso das águas de Cerimônia popular do Recôncavo
banho e lavagem de roupas irriga Baiano mistura o sagrado e o
plantações e mantém criação de profano, valoriza a cultura e a
animais natureza
Ana Mendes Lena Trindade

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24
Capa
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Agroecologia
Catadores são parte da Plantando, colhendo e
solução preservando
Política Nacional de Resíduos Sistemas agroflorestais ajudam a
Sólidos completa dez anos e reduzir e recuperar áreas degradadas
país ainda perde R$ 8 bilhões e beneficiam agricultores, permitindo
que poderiam ser gerados com colheitas sucessivas
reciclagem Elias Fajardo
Cristina Ávila

34 46
Paisagismo
Notas
Patrimônio que floresce
Sítio onde viveu Roberto Burle
Marx reúne cerca de 3,5 mil
espécies de plantas e pode ser
reconhecido pela Unesco
Francisco Luiz Noel

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Estante Ambiental

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Ivone Pereira (Nona) e Evanice
Pereira (Nice) regam as plantas do
viveiro. São 25 espécies frutíferas e
ornamentais
R ecursos H ídricos

Verde que
nasce
da água
cinza
Em Pernambuco, sistemas de
reúso das águas de banho
e lavagem de roupas irrigam
plantações e mantêm criação
de animais
Ana Mendes
(texto e fotos)
Um oásis de plantas verdes e ali-
mento farto para os bichos: esta
é uma das imagens, não tão raras
hoje em dia, no semiárido brasi-
leiro. Associada quase sempre às
agruras do período de estiagem, a
região, que abrange dez estados, é,
ao contrário, riquíssima e dona de
um patrimônio vegetal único.
Composta por espécies de plan-
tas que não são encontradas em
nenhuma outra parte do mundo,
tais como o umbuzeiro, a Caatinga,
bioma exclusivamente brasileiro,
é sinônimo de resistência. Tanto
a flora quanto o povo que ali vive
fazem jus a essa característica.
Para não morrer, um umbuzeiro
pode guardar até 1.500 litros de
água em suas raízes. “A pessoa
aprende muito com a natureza
daqui. Quando se pensa que ela
está morta, começa a ficar tudo
verde com a primeira chuva. A
gente tem de aprender com a

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Na página seguinte, natureza pra seguir em frente”, con- rios, poços e olhos d’água é mais
moradores na barragem do ta Nice, sertaneja da comunidade salinizada, portanto é usada para
rio Pajeú, na comunidade Gameleira, localizada no município outros fins, como banhos e limpe-
de Poço Grande de Itatim, no Sertão do Pajeú, em za. A que é capturada pelas cister-
Pernambuco – quase divisa com o nas-calçadão, que coletam água da
estado da Paraíba. chuva de uma grande calçada de
concreto, mata a sede dos bichos
Nice e sua irmã, Nona, têm um vi-
e molha as plantas. Nem todas as
veiro com cerca de 25 espécies de
famílias têm acesso a toda varieda-
plantas, entre frutíferas e ornamen-
de de água, mas a maioria tem pelo
tais, que verdejam em meio aos ga-
menos as duas primeiras.
lhos secos de árvores nativas que
esperam, do lado de fora do vivei- Implementado pelo Centro de De-
ro, a estação das chuvas, que dura senvolvimento Agroecológico Sa-
de novembro a maio, para renascer biá e pelo Centro de Assessoria e
outra vez mais. As duas irmãs fa- Apoio a Trabalhadores e Institui-
zem parte do grupo de 100 famílias ções Não Governamentais Alterna-
do Sertão do Araripe e do Pajeú tivos (Caatinga), em parceria com
selecionadas para a implementa- a Universidade Federal Rural de
ção do sistema de reutilização de Pernambuco (UFRPE) e a Empresa
águas cinzas. O RAC, como é cha- Brasileira de Pesquisa Agropecu-
mado, reaproveita as águas usadas ária (Embrapa), o RAC está sendo
no banho, na lavagem de roupas e usado para irrigação de plantas
louça das casas de famílias que vi- forrageiras que servem para ali-
vem da agricultura e da criação de mentação de animais de pequeno
animais. “Antes essa água era des- porte. A palma, a gliricídia, a leu-
perdiçada, totalmente descartada. cena e a moringa são plantadas em
Descia aí num córrego e só juntava sistemas agroflorestais (os chama-
sapo e muita muriçoca. E hoje não, dos SAFs), combinadas com plan-
hoje eu consigo levar pra roça atra- tas nativas da Caatinga e algumas
vés do gotejamento”, conta Déa árvores frutíferas. “O RAC tem esse
Solange, moradora da Comunidade desenho. Ele é desafiador porque
Sítio Poço Grande, em Flores. exige diversos aspectos da tecno-
logia”, conta Rivaneide Almeida,
Assim como o umbuzeiro, os
assessora técnica do Centro Sabiá,
sertanejos homens e mulheres
que acompanha as famílias que vi-
que vivem no semiárido também
vem no Sertão do Pajeú. “Além do
aprenderam a armazenar água para
sistema de reúso de águas cinzas,
atravessar os momentos de estia-
o sistema de filtros, a gente ainda
gem. Com a colaboração de po-
tem o desafio de fazer a implanta-
líticas públicas conhecidas como
ção dos sistemas agroflorestais”,
tecnologias sociais de convivência
complementa.
com o semiárido, eles ainda con-
trolam todas as entradas e saídas A reutilização de águas cinzas não
e coordenam os tipos de uso de é inédita na região, outras iniciati-
cada água. vas pequenas, tocadas por organi-
zações da sociedade civil e órgãos
Diferentemente de outros lugares,
governamentais, se repetem pelo
as fontes de água de uma casa
semiárido na tentativa de amenizar
sertaneja são diversas e cada uma
a perda de cerca de 53 mil litros
serve a finalidades distintas. A
de água por família ao ano. A es-
água das chuvas capturada dos te-
timativa foi calculada a partir das
lhados, limpa e potável, é utilizada
medições feitas por Genival Barros
para beber e cozinhar. A água de

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O Sítio Poço Grande fica no município Junior, professor de Agronomia da bão, óleo, sódio e outras impure-
de Flores, no Sertão do Pajeú. Cerca UFRPE de Serra Talhada, respon- zas. “Tinha planta que até morria,
de 30 famílias vivem na localidade. sável por avaliar a eficiência do porque a gente tirava da pia e usa-
Quase todas têm cisternas. Já a água
do rio Pajeú é puxada com bomba ou
sistema de irrigação e a perfor- va direto nas plantas”, conta Nice.
transportada em carroças. Durante mance das culturas que estão re- Além disso, a água do semiárido
parte do ano, o rio seca parcialmente. cebendo as águas cinzas. Genival é muito salina, por conta das
Uma barragem construída em 1982 calcula que, por semana, a coleta formações rochosas da região, e
deveria solucionar o problema, mas há de água cinza de uma família seja os solos ou as culturas não são
conflitos: moradores da parte de baixo de 1.100 litros. “Isso é uma média, tolerantes a grande quantidade
do rio reclamam que os da parte de cima porque tem família que passa 11 de sais. Para se livrar de parte
não querem que a barragem seja aberta dias pra juntar esse volume de dessas substâncias, portanto, o
nos períodos mais secos água”, explica. RAC é composto por duas eta-
pas de filtragem. Primeiro, uma
Filtragem em duas pequena caixa de gordura onde
o óleo e a água são separados.
etapas Restos de alimento também fi-
De maneira improvisada, as famí- cam retidos ali. Depois, uma cai-
lias sempre tentaram reaproveitar xa d’água com camadas de brita,
parte desse montante de água co- areia e carvão, na qual as outras
locando pequenos potes nas saí- substâncias são filtradas. Entre-
das dos canos, que normalmente tanto testes preliminares, feitos
escoavam direto nos quintais. por Genival e sua equipe, apon-
Mas o procedimento de recolher tam que o PH está entre 6 e 7, o
a água manualmente não era mui- que indica uma água ainda bas-
to eficaz, porque ela continha sa- tante salina.

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O RAC está em funcionamento há exposta às águas cinzas por um
quase dois anos e foi construído período maior. Tampouco a análise
de modo que a sua eficácia seja biológica das águas foi divulgada.
analisada e os possíveis impactos
Para aferir o desenvolvimen-
minimizados. Genival conta que a
to agrológico e biológico das
baixa dispersão de água, que cai
plantas que estão recebendo
em gotas, combinada à orientação
as águas cinzas foi necessário
de colocação de matéria orgânica
que duas áreas idênticas fossem
nos pés das plantas, ameniza os
plantadas paralelamente – uma
efeitos do sal no solo. “Diferen-
recebendo água e a outra não.
temente se eu despejasse a água
“Nós fizemos duas áreas paralelas,
concentrada, porque aí estaria le-
1.250 m² irrigados e 1.250 m² em
vando uma grande quantidade de
sequeiro, sem aplicação de água
sal pra um mesmo lugar”.
alguma, exatamente pra gente ter a
Genival lembra ainda as águas das certeza de que a entrada da água
chuvas, que voltam a cair no inver- no sistema estava fazendo diferen-
no e neutralizam o sal dispersado ça”, explica Genival. As plantas no
no solo. A Embrapa está respon- sequeiro ficam à mercê do tempo
sável por fazer a análise física dos e as outras recebem água a cada
solos, entretanto ainda não lançou sete dias, tal como recomendara
dados, devido ao pouco tempo de o agrônomo. “Da dó de ver umas
implementação do sistema. Esse plantas murchando e as outras re-
tipo de avaliação exige uma amos- cebendo água, mas a gente sabe
tragem de terra que tenha sido que tem que ser assim”, conta Cida,

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de algumas frutíferas e forrageiras
apontam aumento no índice de
sobrevivência: nas áreas irrigadas,
sete a cada dez sobrevivem; nas
áreas de sequeiro, a metade morre.
Mas o que chama a atenção mes-
mo é o desenvolvimento das plan-
tas. “Nós tivemos taxas de cresci-
mento idênticas como se estivesse
em uma área convencional de irri-
gação com água de qualidade. Isso
demonstra que, metabolicamen-
te, essas plantas responderam à
água”, afirma Genival.
Uma delas, porém, apresentou re-
ações distintas. “A palma teve o
mesmo índice de sobrevivência
tanto na área de sequeiro como
na área irrigada, porém nesta ela
tem taxa de crescimento positiva,
ao passo que na área do sequeiro
a taxa é negativa”, diz o agrônomo,
explicando o ponto em que a plan-
ta murcha e começa a diminuir de
tamanho.
A palma é uma das forrageiras mais
importantes dos sertanejos. Exis-
tem ao menos seis variedades dela,
Acima, Maria Uliane Alves da Silva, moradora da Comunidade Sítio La- todas altamente resistentes ao pe-
24 anos, dá banho em Emanuele goa de Dentro.
Beatriz, de 1 ano e 6 meses. A ríodo de estiagem, pois armaze-
água usada no banho vai irrigar as Genival denomina o seu trabalho nam muita água. A espécie é uma
plantações de forragem que servem de como uma pesquisa-ação, pois a das prediletas dos animais, devido
alimento aos animais (foto à direita) colaboração das famílias – princi- ao seu valor nutritivo. “Parece que
palmente das mulheres, que são as a vaca dá até mais leite quando ali-
maiores responsáveis pelos quin- mentada com a palma”, conta Tei-
tais produtivos e pela alimentação xeira, um sertanejo de Poço Gran-
dos animais – é fundamental para de que também está irrigando sua
o resultado das suas avaliações. A plantação de palma com o RAC. A
água deve ser bombeada conforme palma cumpre, portanto, um papel
suas recomendações e a quantida- fundamental na segurança alimen-
de é controlada por um hidrômetro tar sertaneja para atravessar o pe-
e anotada em uma planilha, que ríodo de estiagem “A criação dos
posteriormente é recolhida e ava- pequenos animais é estratégica
liada. As famílias devem manter o para a agricultura familiar aqui no
sistema limpo para evitar entupi- semiárido. O desafio era como ali-
mento. Cada planta recebe sema- mentar essas criações no período
nalmente 1,3 litro de água. Uma de estiagem”, observa Rivaneide.
quantidade bastante tímida, dados Quando o verão chegava, os supor-
o intenso calor e a baixa umidade tes forrageiros eram os primeiros a
dos períodos de estiagem. No en- deixarem de ser irrigados. Toda a
tanto as observações preliminares água armazenada durante o inver-

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no era priorizada para consumo anos de dificuldades na região.
humano e uso doméstico. Esse período, contudo, não dei-
xou os sinais dramáticos de outras
Cisternas épocas da história recente, como
mortalidade infantil e fome, tão
Os sertanejos costumam poupar comuns há cerca de 20 anos. Os
ao máximo às águas armazena- problemas eram então enfrentados
das, pois grandes estiagens são com o que se chamou de “indústria
comuns no semiárido. “Nesse úl- da seca”, que estimulava a migra-
timo período de seca, vivemos a ção como saída para a miséria e a
reafirmação da importância de ino- fome, levando o sertanejo a morar
vações que permitam sobretudo à perto de grandes centros urbanos
população da zona rural ter acesso em desenvolvimento, onde se tor-
à água por meio das tecnologias nava mão de obra barata.
sociais de captação e armazena-
mento das chuvas”, enfatiza o bi- Parte de um conjunto de iniciativas
ólogo Alexandre Henrique Bezerra que mudaram a vida dos serta-
Pires, especialista em extensão nejos, as cisternas são o símbolo
rural e desenvolvimento local, co- da qualidade de vida conquistada
ordenador geral do Centro Sabiá e nos últimos 20 anos no Sertão.
coordenador executivo da Articula- “Temos mais de 1 milhão de cis-
ção do Semiárido Brasileiro (ASA) ternas construídas com base em
em Pernambuco. processos de formação e mobili-
zação para a convivência com o
A ASA reúne mais de 3 mil orga- semiárido, o que permite às famí-
nizações populares do Nordeste. lias reconstruir práticas de armaze-
Alexandre se refere à seca de 2011 namento de águas, sementes, ali-
a 2017, que marcou quase sete

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Déa Solange: antes do RAC, a água era descartada e só “juntava sapo e muriçoca”

mentos para pessoas e animais, de


modo a garantir que a água dispo-
nibilizada seja utilizada da melhor
forma e com o máximo possível de
aproveitamento”, relata Alexandre
Henrique.
As cisternas foram construídas
para famílias rurais de baixa renda
– populações tradicionais (indíge-
nas e quilombolas), agricultores e
agricultoras familiares – com o pro-
O sertanejo Teixeira mostra como funciona o sistema pósito de guardar a água das chu-
vas. Os próprios usuários são trei-
nados para a construção de placas
de cimento que formam paredes
redondas com apoio de arame
galvanizado. Dois terços da cons-
trução ficam enterrados, e apenas
um reboco é necessário para lhes
garantir a sustentação. Essas tec-
nologias sociais têm tamanhos que
variam conforme o uso: doméstico,
em escolas ou para produtores ru-
rais.
“Nestes últimos 20 anos, foram
construídos marcos legais que
asseguraram recursos para a im-

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O que é a ASA
A Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA) é uma
rede de organizações que atua nos dez estados que
compõem o semiárido (os nove do Nordeste e Mi-
nas Gerais). Suas ações se pautam no estoque de
água e também de sementes crioulas, com base em
preceitos como agroecologia, economia popular e
solidária, educação contextualizada, comunicação
popular, segurança alimentar e nutricional, entre ou-
tros temas. Para isso, a ASA integra espaços como o
Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar e o Fórum
de Mudanças Climáticas, bem como quase todas as
instâncias nacionais que debatem temas como es-
ses. O programa de estocagem de sementes crioulas
foi lançado pela ASA em 2015 e valorizou famílias
guardiãs de importante patrimônio genético, com
o resgate de costumes que já existiam por gerações
em comunidades tradicionais. Uma riqueza alimen-
tar, com nutrientes não modificados, como é usual
nos mercados das grandes cidades do mundo. Al-
plementação de iniciativas que guns grupos comunitários criaram bancos ou casa
contribuíram efetivamente para as de sementes coletivas para resguardar e difundir es-
políticas que estamos desenvol- ses alimentos.
vendo”, comenta o biólogo. Ele, no
entanto, lamenta que a região se
ressinta de alguns retrocessos nas
políticas públicas que inquietam
as famílias agricultoras e os profis-
sionais envolvidos com os progra-
mas de atendimento popular. “Há
cortes de recursos que transfor-
mam muitas ações em letra morta.
Embora o povo tenha capacidade
de resistência e solidariedade por
meio do diálogo com setores em-
presariais sensíveis, fóruns de se-
cretários da agricultura familiar, o
consórcio de governadores do Nor-
deste e agências multilaterais, por
exemplo, temos de garantir o que
conquistamos com tanta luta. Não
podemos voltar a figurar no mapa
da fome. Vamos buscar formas
para estarmos juntos em defesa do
território, da água, da alimentação
e dos bens comuns”, conclui Ale-
xandre Henrique.

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14 Senac Ambiental n.13
Turismo

Boa
Morte
vive
Com sua natureza religiosa e
pagã, a Festa da Boa Morte
é ponto alto no calendário
turístico baiano
Lena Trindade
(texto e fotos)
Durante três dias do mês de agosto,
todos os anos, a atenção de milha-
res de brasileiros de todas as partes
do país e também de milhares de tu-
ristas de vários cantos do mundo se
voltam para um grupo de mulheres
negras, pobres e idosas que reveren-
ciam Nossa Senhora da Boa Morte.
A cidade de Cachoeira, no Recônca-
vo Baiano, fica pequena para a mul-
tidão que chega curiosa para partici-
par do evento.
Ainda hoje, as pessoas aplaudem
e se perguntam: quem são essas
mulheres tão altivas e cobertas de
joias? De onde surgiram? E por quê?
Que força misteriosa é essa que se
mantém por mais de 200 anos, pas-
sando de geração a geração?
Sim, a Irmandade da Boa Morte
existe desde 1780! Foi fundada em
Salvador e depois transferida para o
Recôncavo, mais precisamente para
a histórica cidade de Cachoeira, em
1820. Neste agosto de 2019, a Irman-
dade completou 239 anos e se garan-
te como uma das mais importantes
e antigas celebrações no calendário

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Durante o período de festa, tradicional religioso – e também pro- país e até hoje são referências no
a alegria do típico samba de fano – do país. meio científico, chegaram a São Felix
roda baiano toma conta da (cidade ligada a Cachoeira pela Pon-
cidade por dias
Mas pode a morte ser boa? Quando? te do Imperador) em abril de 1818.
Para quem vive escravizado, talvez a De Cachoeira a expedição seguiu em
morte pareça libertação. canoas para Maragogipe e Salvador.
No começo do século 18, Cachoeira “Esta vila estende-se pela margem
era a segunda maior cidade em im- do Rio ao sopé de verdes colinas,
portância econômica da Bahia, de- cobertas com plantações de cana-
pois da capital, Salvador, quando era -de-açúcar e tabaco. É sem dúvida a
maciça a importação de escravos da mais rica, populosa e uma das mais
costa africana para o Recôncavo. Era agradáveis vilas de todo o Brasil. A
o período do ciclo canavieiro e Ca- maior fonte de renda é a cultura do
choeira vivia seu apogeu econômico fumo, que é exportado para a Euro-
e político. Em 1819, foi inaugurada a pa”, escreveu então Von Martius.
primeira embarcação a vapor do Bra-
sil – o Vapor de Cachoeira, que ligava Em depoimento à pesquisadora Fran-
Salvador (no litoral) ao município (no cisca Marques, Dona Estelita, juíza
Sertão) pelo rio Paraguaçu, levando perpétua da Irmandade da Boa Mor-
gente, mercadorias e notícias do Bra- te, revela a origem do grupo: “Foi uma
sil Colonial. promessa que os escravos fizeram na
luta, no sofrimento, para que alcan-
Os famosos naturalistas Spix e Von çassem a liberdade. E assim a morte
Martius, que viajaram por todo o desapareceria, pois a morte é o sofri-

16 Senac Ambiental n.13


mento e a vida é a glória. E a glória é em Portugal muito antes (século 13) A jovem sulista viajou
para sempre”. para dar assistência às pessoas que quilômetros para conferir
Em Salvador, a devoção a Nossa Se- atravessavam momentos difíceis na de perto a beleza da Festa
vida. Havia a Irmandade dos Pretos, da Boa Morte
nhora da Boa Morte é exclusivamen-
te feminina, registrada desde o início dos Pobres, dos Ricos, dos Brancos,
do século 19 e localizada na Igreja da dos Músicos etc. Sempre comanda-
Barroquinha. As integrantes queriam das por homens.
comprar a liberdade de pessoas es- “Para que uma Irmandade existisse
cravizadas, organizar funerais dignos legalmente”, diz o historiador José
e ainda ajudar na fuga para quilom- Reis, “era preciso encontrar uma
bos da região. Para isso, as mulhe- igreja que a acolhesse e ter apro-
res trabalhavam durante todo o ano vados seus estatutos por uma au-
e compravam colares em forma de toridade eclesiástica”. A Igreja do
elos de ouro, prata ou bronze. Cada Rosário da Barroquinha acolheu a
elo significava o montante arrecada- Irmandade da Boa Morte e manteve
do para a festa, funeral ou troca dos sempre estreita ligação com o povo
escravos. De acordo com o valor pe- do candomblé. Com a expansão da
dido pelo senhor, o escravo era tro- cidade de Salvador, nessa época,
cado por um elo, que seria de ouro, houve muitas perseguições aos ne-
prata ou bronze. gros e aos cultos e rituais africanos.
Nessa época, no Brasil Colônia e A cidade crescia e era preciso criar
até mesmo após a abolição, prolife- uma urbanidade que não podia co-
raram as Irmandades, que surgiram existir com terreiros de candomblé.

julho/dezembro 2019 17
negras e descendentes de escra-
vos. Até então, e mesmo depois,
não existiam irmandades religiosas
formadas e comandadas por mulhe-
res. As mulheres participavam quase
sempre caladas, como companhei-
ras dependentes dos maridos. Não
tinham voz. A sociedade era coman-
dada sobretudo por homens – em
sua maioria, brancos. Uma irmanda-
de composta somente por mulheres
é caso único.
De acordo com a maioria dos histo-
riadores, as mulheres que formavam
a Irmandade da Boa Morte tinham
grande poder de liderança, eram
empreendedoras, empoderadas e
possuidoras de bens materiais. Cui-
davam desde a organização e do
comando até as festividades. Eram
chamadas de Negras do Partido
Alto.
Segundo pesquisa do historiador
Luis Cláudio Nascimento, “alguns
autores acham que essa irmandade
era formada por africanos nagôs e
outros pensam que eram africanos
jejes. O que se sabe de concreto é
que ela se destacava na Igreja da
Irmandade de Nossa Senhora do
Rosário dos Pretos das Portas do
Carmo, no Pelourinho, formada por
africanos angolanos. Para Moraes
Babado, figura popular, Talvez essa tenha sido a razão da Ribeiro, “a Irmandade da Boa Morte
acompanha todas as festas transferência da irmandade para Ca- é o mais representativo documento
religiosas da cidade choeira, onde a presença negra era vivo da religiosidade brasileira, bar-
imensa, mas não havia essa perse- roca e ibero-africana”.
guição.
Formação da
Ao se transferir para Cachoeira, a
irmandade se desvinculou do ca- irmandade
tolicismo. Fixou-se na Casa Estrela, Nos primeiros anos de sua existên-
na Rua Ana Néry, 41 – conhecida cia, a irmandade contava com cen-
por manter vínculos com sacerdoti- tenas de mulheres. Hoje não passam
sas africanas. Este foi o local onde de 25, mas o grupo preserva sua
aconteceram as primeiras reuniões força e originalidade. Ainda hoje, é
das irmãs. Segundo contam os his- preciso ter entre 40 e 70 anos, ser
toriadores, era a casa de Dona Júlia descendente de antigos escravos e
Gomes, a primeira provedora. pertencer a um culto afro-brasileiro
A singularidade da Irmandade da para ingressar nessa antiga confraria
Boa Morte é que, desde o início, ela afrocatólica que nos seus primórdios
é formada somente por mulheres obtinha a carta de alforria de muitos
escravos. Para isso as mulheres ven-
diam iguarias durante todo o ano,
arrecadavam dinheiro com os nego-
ciantes locais e produziam sob en-
comenda para as festas da elite.
Um ano antes da festa, as irmãs se
reúnem, sempre no mês de fevereiro,
para a escolha da comissão do ano
seguinte. Elegem, ainda hoje com
caroços de milho e feijão, as irmãs
que ocuparão os cargos de provedo-
ra, procuradora, tesoureira e escrivã
por um ano. As candidatas prestam
juramento de fidelidade, que, entre
outras coisas, consiste em guardar
os segredos e mistérios da corpora-
ção. A provedora é o cargo máximo,
com a responsabilidade de cuidar da
programação da festa e organizar os
diversos grupos de trabalho, como de darem continuidade aos antigos A tradicional fábrica de
os que se encarregam de pedir con- ritos afro-brasileiros. charutos de Cachoeira
tribuições nas ruas. A procuradora Nos anos 1980, em consequência é um dos pilares da
geral é assessora direta da provedora economia da região
de um movimento liderado pelos
e deve cuidar para que tudo ocorra escritores Jorge Amado e João Ubal-
de modo satisfatório, tal como pla- do Ribeiro, juntamente com outros
nejado pela provedora. A tesoureira intelectuais, artistas e membros do
não é, como se pensa, a responsável governo da Bahia, a Irmandade ad-
pelas finanças, mas sim pela lavagem quiriu dois imóveis – onde hoje es-
das roupas. Também é ela quem ves- tão situados a sede da Irmandade,
te as imagens nos dias de procissão. uma capela e um espaço expositivo.
A escrivã fica submetida às ordens da Para isso foram reformados pelo go-
provedora e da procuradora. verno do estado três casarões que
Com o tempo, muitas mudanças estavam em ruínas.
ocorreram, mas os cargos e o tempo Hoje o ritual de saírem às ruas para
que ocupam continuam os mesmos. recolhimento de esmolas ainda exis-
Atualmente, os governos estadual e te, mas sem a conotação e a necessi-
municipal entram com apoio, pois a dade de antigamente. O evento, um
festa alcançou um enorme prestígio dos mais fortes no calendário turís-
e é responsável pela movimentação tico baiano, atrai aproximadamente
de hotéis, comércio e restaurantes 80 mil pessoas à cidade de Cachoei-
da cidade. Até a década de 1970, ra. Todos querem ver e participar das
ainda havia grupos de mulheres ne- procissões, dos cortejos, missas,
gras que, para arrecadarem dinheiro ceias, cânticos, danças e silêncios
para a grande festa, confeccionavam místicos, assim como das algazar-
doces, bolos e demais iguarias que ras do samba de roda. Nem sempre
vendiam em tabuleiros pelas ruas de foi assim, no entanto. Não foi nada
Cachoeira e arredores, cumprindo o fácil atravessar séculos lutando con-
ritual de “esmola geral”, como é co- tra muitos preconceitos – de cor,
nhecido. Nessa época, a irmandade gênero, classe social, econômico e
passava por grandes dificuldades religioso. Impressiona tamanha for-
financeiras. Não tinha sede, nem ça dessas ex-escravas, que até hoje
despertava o desejo dos mais jovens desfilam como rainhas negras.

julho/dezembro 2019 19
O rio Paraguaçu Por toda essa força que atravessa sé- sincretismo religioso.
separa as cidades culos e constitui um evento único no
de Cachoeira e Na situação de dominação pelos
mundo, a Irmandade da Boa Morte
São Félix brancos, os negros “fingiam” acei-
é uma instituição que sem dúvida
tar os símbolos religiosos do catoli-
ajudou a preservar não só o mara-
cismo, sem nunca deixar de cultuar
vilhoso patrimônio arquitetônico da
seus orixás. Essa adaptação foi a
cidade como vários outros segmen-
forma encontrada para amenizarem
tos da cultura – a culinária, o turis-
o conflito social e perpetuarem seus
mo, a indumentária, o artesanato, o
santos. Segundo Carlos Nascimento,
folclore, a gastronomia, a música, a
“a Irmandade da Boa Morte talvez
dança e até o respeito ao meio am-
seja a única instituição religiosa ne-
biente, que é uma forte característica
gra que permite fornecer subsídios à
do povo do candomblé. E isso não é
história, pois preserva o modelo, a
pouca coisa.
forma, a organização e o rigor das ir-
A tradição se manteve graças a gran- mandades católicas negras da Bahia
des nomes da cultura baiana, como oitocentista”. Respeitadas mulheres
Dorival Caymmi e Carybé, além dos que passaram a ser símbolos da re-
já citados, entre outros que enten- sistência cultural negra.
deram a importância dessas negras
baianas do vatapá, do acarajé, do Como é a festa
abará, do caruru e da lavagem do
Desde sua criação, o roteiro da Festa
Senhor do Bonfim, das negras dos
da Boa Morte mudou muito pouco.
balangandãs, dos torsos brancos,
Seu impacto, assim como o fascínio
das saias plissadas e dos panos da
que exerce, sempre foi grande. São
costa, que nunca deixaram seus ori-
muitos dias de festa, mas alguns são
xás esquecidos, mesmo que pra isso
reservados somente para o povo do
tivessem de aderir ao culto católico
candomblé. Para a população em
dos brancos, fazendo nascer assim o
geral, são três dias de festejos – de

20 Senac Ambiental n.13


13 a 15 de agosto. O primeiro é de- música se encarrega dos hinos reli-
dicado às irmãs falecidas. A roupa é giosos cantados por todos, o que dá
toda branca, como é o luto na cul- um clima de maior devoção. A juíza
tura africana. Não carregam joias. Às perpétua atual tem 98 anos e, em
18h30 dá-se o traslado do esquife muitos momentos, precisou ser am-
com o corpo de Nossa Senhora da parada pelas irmãs mais novas.
Boa Morte da Capela da Ajuda para
Dia 15, às 5 horas, alvorada com fo-
a capela da própria irmandade (nos
gos. Às 10 horas, missa solene em
primórdios, ia rumo à Igreja Matriz de
Cachoeira). homenagem à assunção de Nossa
Senhora, seguida de procissão festi-
Esse cortejo pelas ruas do Centro va durante a qual as irmãs carregam
é silencioso e à luz de velas (anti- flores e cantam, agora com uma fi-
gamente se ouvia apenas o arrastar sionomia alegre e descontraída. É
de suas sandálias brancas nas ruas; o fim do recolhimento. Nesse dia, é
hoje, devido à multidão que acom- feita ainda a transferência dos car-
panha curiosa e à presença da mídia, gos para a comissão encarregada da
não há mais silêncio nem escuro). Às festa do próximo ano.
19h30, missa-velório pelas almas Dona Cadu, de
das irmãs já falecidas. Às 21 horas, Após a procissão, e já na sede da Coqueiros. Aos
ceia branca, comida sem carne nem irmandade, dançam valsa e samba quase 100 anos,
pratos feitos com azeite de dendê. de roda, marcando bem a passagem é a mais famosa
para a fase profana da festa. Este ano ceramista da região
Apenas pão, vinho, frutas e frutos
a música que deu entrada na fase do Recôncavo
do mar.
profana foi Cordeiro de Nanã, dos
Dia 14 de agosto, às 19h30, é cele- Tincoãs, grupo de músicos negros
brada missa de corpo presente. Em de Cachoeira, famoso nos anos 1960
seguida, a procissão do enterro de e 1970 pelos lindos cantos africanos.
Nossa Senhora. O traje usado é de Em seguida, um farto almoço para
gala: sandálias brancas, saias pretas convidados e pessoas da comunida-
plissadas, pano da costa, um lado de. À tarde, no Largo d’Ajuda, sem
preto e outro de cetim vermelho, hora pra acabar, começa o samba de
blusa branca do mais puro linho e roda. A alegria e a irreverência dão o
torso branco bordado. Originalmen- tom. Na roda, unicamente mulheres
te, o traje vinha da Europa (provavel- dançam com batas brancas e saias
mente de Portugal), o que mostrava coloridas, conhecidas como saias
a autoridade e a distinção dessa cor- de crioula. Agora é o momento em
poração de mulheres. E joias, muitas que todos são convidados a comer,
joias: colares de elos de ouro, brin- cantar e dançar. Festa de todas as
cos e anéis que até a construção da alforriadas.
própria sede ficavam guardados no
Museu das Alfaias. Esse cortejo é A irmandade, na sociedade de hoje,
vivamente acompanhado por uma tem a função de levar cultura e edu-
multidão de fiéis e curiosos de todas cação para a comunidade. Para isso,
as partes do Brasil, além de muitos em sua sede, no Centro de Cachoei-
turistas africanos e afrodescenden- ra, são oferecidas várias oficinas.
tes que chegam dos Estados Unidos,
Canadá, Portugal etc. Cachoeira ontem e hoje
Momento de grande emoção é ver Durante os séculos 17, 18 e 19, o mu-
essas mulheres idosas, depois de nicípio de Cachoeira foi destaque na
um dia anterior exaustivo, subirem e economia e na cultura da Bahia. Era a
descerem as velhas ladeiras da cida- segunda em importância, depois de
de em seus pesados trajes de muitas Salvador. A cana-de-açúcar e, mais
saias e pesadas joias. A banda de tarde, o fumo foram os responsáveis

julho/dezembro 2019 21
As Irmãs da Boa Morte pela importância econômica, pelo neoclássico. Infelizmente, preciosas
no importante ritual desenvolvimento social e arquitetô- construções desse período glorio-
de preparo da comida nico da cidade. Nos séculos 16 e 17, so se encontram em ruínas e muito
que será ofertada à Cachoeira é considerada a vila mais pouco é feito com empenho por
população rica de Portugal fora da Europa. Isso parte das autoridades governamen-
por causa do alto preço do açúcar, tais para sua preservação – mesmo
que a grande massa de escravos em Cachoeira tendo sido tombada, em
Cachoeira e São Félix produzia sem 1971, pela beleza e importância da
Ao centro: a baiana parar, gerando poder e prestígio. O sua arquitetura. É pena, pois cidades
tem saia florida, movimento no porto às margens do como Ouro Preto, Mariana e Paraty
guias, colares e muitos rio Paraguaçu era intenso de gente e já mostraram que o turismo pode ser
balangandãs mercadorias. alavancado apenas pelo patrimônio
arquitetônico.
Mais tarde, já nos séculos 18 e 19, foi
a vez de o fumo acelerar a economia No Recôncavo Baiano, além da
e atrair grandes nomes do cenário arquitetura, temos grandes mani-
cultural para o Recôncavo, sobretu- festações culturais que fortalecem
do a cidade de São Félix. Sob o co- ainda mais o apelo turístico, como a
mando de Dom Pedro II, o governo Festa da Boa Morte, a gastronomia,
constrói em 1885 a ponte que une os inúmeros terreiros e a música, o
essas duas cidades, para presente- samba de roda. Talvez se alguns dos
ar a bravura do povo baiano. Toda importantes intelectuais brasileiros
a estrutura metálica da Ponte do não tivessem alertado para a impor-
Imperador, que tem 365 metros, foi tância da preservação da Irmandade
importada da Inglaterra e até hoje é da Boa Morte, todos esses outros
atração turística para os visitantes patrimônios (arquitetura, festas re-
das duas cidades. Grandes fábricas ligiosas e juninas, samba de roda e
da indústria fumageira ali se instala- terreiros) já tivessem acabado e terí-
ram (Dannemann, Suerdieck, Vieira amos agora somente o passado em
de Melo, Pimentel e outras), produ- ruínas para visitar.
zindo charutos de altíssima qualida-
de que eram exportados pra todo o Cachoeira, hoje
continente europeu. Cachoeira é hoje uma cidade histó-
A arquitetura refletia toda essa ri- rica reconhecida não só pelas suas
queza, e tanto Cachoeira como São belas casas, igrejas, conventos e
Félix possuem um rico patrimônio demais peças da arquitetura de in-
arquitetônico em estilos barroco e fluência barroca, como pelo alto

22 Senac Ambiental n.13


valor de suas manifestações cultu- ção do programa Monumenta, que Laís, integrante do grupo
rais. Mas nem sempre foi assim. Ca- vem valorizar e restaurar o patrimô- A Corda Samba de Roda,
choeira e São Félix viveram realmen- nio arquitetônico do município. Im- dança na Praça d’Ajuda
te um grande apogeu econômico e portante também foi a implantação
cultural até a metade do século 19, do campus da Universidade Federal
quando o porto era conectado à fer- do Recôncavo Baiano (UFRB), que
rovia que fazia a ligação de Salvador trouxe um novo tipo de consumidor
à Região Sudeste do país, irrigando à cidade e assim impulsionou o co-
a comunicação de várias localidades mércio local, além de trazer moder-
ao longo desse trajeto. Esse intenso nização e um público jovem.
movimento teve enorme importân-
É bom lembrar que, durante todo o
cia na construção da urbanidade do
período de decadência econômica
Recôncavo.
que viveu o Recôncavo, os terreiros
Mas na segunda metade do século de candomblé permaneceram ativos
20 conheceu a decadência. Em par- e unidos.
te, pela expansão da rede rodoviária
Hoje a Irmandade da Boa Morte já
nacional, mas sobretudo, segundo
não tem as funções que teve origi-
o historiador Santos, “o início da
nalmente, claro. Por isso oferece à
exploração petrolífera causou forte
população uma série de oficinas e
impacto sobre aquela velha região
outras atividades culturais na sua
de origem colonial e território de
sede, na Rua 13 de Maio, 32. Essa
produções fumageira e açucareira de
sede é formada por um conjunto de
teor tradicional”.
três sobrados do século 18 restau-
Cachoeira e São Félix não fazem par- rados pelo Instituto do Patrimônio
te do grupo de municípios produto- Cultural. Lá há uma exposição per-
res de petróleo do Recôncavo. Inicia- manente de vestes, objetos e até da
-se intensa migração para Salvador imagem de N. S. da Boa Morte. A vi-
ou para os municípios que tinham sitação ocorre durante o ano inteiro,
petróleo. Esse período foi de desem- mas é muito intensa nos meses de
prego e empobrecimento geral. junho e agosto, época das festas de
Somente no fim do século 20 e início São João e de N. S. da Boa Morte.
do 21 tem início a retomada do cres- De um grande sofrimento do tempo
cimento econômico, já não mais ba- da escravidão herdamos a memória
seado na indústria, mas no turismo viva de um povo que transformou
cultural, sobretudo após a implanta- dor em força e alegria.

julho/dezembro 2019 23
No galpão da Cooperativa
Viamonense de Catadores, um C apa
acervo digno de museu com
objetos achados no lixo
Elo entre
dificuldades
e soluções
Atuação de catadores mostra
potencial da Política Nacional
de Resíduos Sólidos, que
chega aos dez anos ainda com
muitos desafios
Cristina Ávila
(texto e fotos)
A Vila Pinto é uma comunidade de
11 mil pessoas trabalhadoras po-
bres situada entre zonas nobres
de Porto Alegre. Tem todos os pro-
blemas das periferias, o que inclui
crianças na prostituição e jovens
dependentes do tráfico e do con-
sumo de drogas. Mas uma espé-
cie de salva-vidas torna este lugar
especial: o Centro de Educação
Ambiental (CEA), associação de
catadores constituída por um gal-
pão de triagem de 130 toneladas
de materiais recicláveis por mês,
uma creche e um centro cultural
que atendem 500 famílias. Esse
complexo é exemplo do potencial
estimulado pela Política Nacional
de Resíduos Sólidos (PNRS), que
em dez anos de criação tem mui-
tos excelentes resultados, mas está
longe de terminar a tarefa que se
propõe.
Catadores e catadoras de mate-
riais recicláveis estão no centro
da PNRS, estabelecido pela Lei
12.305, homologada em 2010, que
prevê entre seus princípios básicos
o que se chama de logística rever-
sa, idealizada não apenas como
julho/dezembro 2019 25
entidades de produtores, impor-
tadores, usuários e comerciantes
apoiadas pela Confederação Na-
cional do Comércio de Bens, Ser-
viços e Turismo (CNC) e pela Con-
federação Nacional das Indústrias
(CNI). Elas recebem assessoria
técnica da associação Compromis-
so Empresarial para a Reciclagem
Ana Paula Medeiros (de blusa (Cempre), outra organização criada
rosa, ao centro) é presidente do meio de proteção ambiental, mas pelo setor empresarial em 1992, em
Centro de Triagem Vila Pinto. de desenvolvimento econômico e consonância com a Conferência
O espaço mantém um centro social, na medida em que os ma- das Nações Unidas sobre o Meio
cultural que oferece uma série teriais descartados após consu- Ambiente e Desenvolvimento (Rio
de atividades. Muitas crianças
mo voltam como matéria-prima 92).
e adolescentes participam
para a industrialização de novos
O Cempre Review 2019, estudo so-
produtos. Para isso, a legislação
bre resultados do acordo setorial
criou como instrumento jurídico a
[disponível em http://cempre.org.br/
formalização de acordos setoriais
upload/CEMPRE-Review2019.pdf],
entre poder público, empresas e
relata que hoje 65,3% das embala-
cidadãos, distribuindo a cada um o
gens são recicladas no Brasil, em
que se chama de responsabilidade
732 municípios, abrangendo 63%
compartilhada.
da população, especialmente em
O CEA Vila Pinto faz parte do gru- regiões metropolitanas – resultado
po de 802 organizações de catado- da primeira fase de implantação e
res e catadoras de materiais reci- desenvolvimento da logística re-
cláveis no Brasil que receberam, de versa, entre novembro de 2015 e
2012 a 2017, o apoio de alguma das novembro de 2017, com R$ 2,8 bi-
4.487 ações realizadas no âmbito lhões de investimentos em 858 in-
do acordo setorial criado em 2015 dústrias recicladoras, 802 coopera-
pela Coalizão Embalagens. Trata- tivas de catadores e na criação de
-se de uma aliança formada por 22 2.082 estações de coleta.

26 Senac Ambiental n.13


Nascido em Alegrete, no interior
gaúcho, Luiz Henrique foi para
Porto Alegre trabalhar como
garçom. Hoje é catador

Tudo isso representou 26,8% de do. Era o lixão da Cidade Estru-


aumento na recuperação de em- tural, um dos maiores do mundo,
balagens. Entretanto, embora os nascido junto com o Distrito Fe-
municípios brasileiros com coleta deral, nos anos 1960, cerca de 15
Segundo o estudo
seletiva de resíduos tenham passa- quilômetros distante do Palácio da Cempre Review,
do de 81 (1994) para 1.227 (2018), do Planalto e na divisa com o Par- 65,3% das
apenas 17% do povo ainda tem que Nacional de Brasília, unidade embalagens são
esse benefício, de acordo com le- de conservação ambiental federal. recicladas no Brasil
vantamento feito até o ano passa- Alcançava então 40 milhões de to-
do. E o Brasil perde muito dinheiro neladas de detritos, com 55 metros
pelo descarte incorreto. de maciço, a parte central mais
alta. E havia decisão do Tribunal
“A logística reversa teria potencial de Justiça para que fosse aterrado
de gerar benefícios econômicos desde 2007.
da ordem de R$ 1,1 milhão por dia
(dados de 2014), caso 90% da po- Mas a história do CEA é anterior
pulação fosse atendida por coleta mesmo à homologação da PNRS.
seletiva de resíduos nas cidades- “Tudo isso foi inventado”, resume
-alvos das ações”, ressalta o Cem- a presidente do Centro de Triagem
pre Review, dando como exemplo Vila Pinto, Ana Paula Medeiros, que
um estudo do Instituto de Pes- também é secretária do Fórum de
quisa Econômica Aplicada (Ipea) Unidades de Triagem e Catadores
sobre perdas no Brasil de aproxi- de Porto Alegre. Com 43 anos, ela
madamente R$ 8 bilhões por ano mora na Vila Pinto desde os seis
ao enterrar materiais que poderiam meses de vida, em uma casa até
ser reciclados. hoje em construção, mas que tem
quatro andares – um para a famí-
Existem ainda 3 mil lixões no país, lia dela e os outros para cada uma
com sérias contaminações de solo das famílias de seus irmãos. A obra
e lençóis freáticos. Já deveriam inacabada foi feita pela mãe, Marli
ter sido aterrados quando a PNRS Medeiros, que morreu aos 65 anos,
completasse cinco anos. O maior em 2018, e foi responsável – com
deles teve solução no ano passa- outras lideranças do bairro – por

julho/dezembro 2019 27
asfalto e organização popular. E o
CEA nasceu e cresceu. “Tivemos
derrotas e conquistas. Por isso
pertencemos tanto a este espaço.
É um lugar de transformações e
oportunidades. Somos um elo en-
tre as dificuldades e as soluções”.
Ana Paula conta que muita gente
chega sem ter rumo, em busca de
alternativa de vida, e encontra sa-
ídas.
A estimativa é que 70% das famí-
foto: 123RF

lias da Vila Pinto vivam em situação


de risco social e garantam minima-
mente o sustento com venda de
material reciclável. Inclusive crian-
ças e adolescentes. O crescimento
da prostituição infantil é acelerado,
como também o índice de conta-
minação por HIV é superior ao
restante da população de Porto
Alegre. O Rio Grande do Sul ocupa
hoje o segundo lugar nas estatísti-
cas de casos de Aids no Brasil, com
uma verdadeira revolução. A famí- 32,8 para cada 100 mil habitantes.
lia teve bom padrão de vida, com O Centro de Triagem é tocado por
loja no centro da cidade, mas faliu 45 associados, que recebem um
com o Plano Collor, nos anos 1990. salário mínimo mensal por carga
“Marli era uma líder”, diz Ana Pau- de oito horas diárias e processa-
la. “Na luta comunitária, criou-se mento das 130 toneladas por mês
a ideia de geração de renda para de resíduos sólidos. O Centro
as mulheres, que na época eram Cultural James Kuliz, com 40 fun-
ainda mais vítimas do machismo, cionários, foi fundado em 2002,
principalmente dos homens do faz 2.500 atendimentos por mês e
tráfico”, conta. “Hoje a vila ainda oferece 200 refeições por dia. Tem
tem problemas, mas nem se com- quadra de esportes e, por meio
para. Esse lugar era de desova do de 12 diferentes projetos, oferece
crime. Carros roubados, cadáveres, cultura, lazer, educação ambiental,
tudo...” assistência jurídica e psicológica a
uma população que vai de crian-
A família Medeiros tinha chegado ças a idosos. Foi criado a partir da
de Alegrete, oeste do estado, e necessidade das associadas com
Marli acabou descobrindo, com o os filhos que ficavam sozinhos,
curta-metragem Ilha das Flores, de expostos aos riscos que a rua ofe-
Jorge Furtado, que do lixo também recia. E tem ainda creche para 120
se podia tirar renda. bebês e crianças menores de 6
Uma coisa veio atrás da outra. anos, com 15 funcionários. A ins-
Marli passaria a ter uma cadeira tituição se mantém desde 2008 em
nas reuniões do orçamento parti- convênio com a Secretaria Munici-
cipativo da Prefeitura. Começariam pal de Educação e foi construída
então a chegar água encanada, luz, com a colaboração de uma empre-
sa de engenharia.
28 Senac Ambiental n.13
Linha
do tempo
2002
Categoria de catadores de
materiais recicláveis é reco-
nhecida como profissão.

As perspectivas, porém, são pre- lamento essas mudanças. Para nós 2006
ocupantes. “Hoje somos mais um é um desafio. Mas uma das unida- Decreto 5.940 implementa a
negócio social do que uma or- des de reciclagem aqui na capital coleta seletiva solidária em
ganização social”, ressalta Ana já fechou e duas estão quase fe- órgãos federais, com des-
Paula. “Entramos em uma época chando. É desumano, visto que tinação de resíduos para
diferente no relacionamento com são unidades muito pobres, tem cooperativas e associações.
a gestão pública com relação a de- uma que funciona embaixo da pon-
veres e cumprimento de regras. É te do [lago] Guaíba. É um trabalho 2007
um momento de muitas mudanças social que míngua”, observa Ana Lei 11.445 permite ao poder
jurídicas às quais precisamos nos Paula. Além disso, há ações que público a contratação sem
ajustar”. o movimento nacional de catado- licitação de cooperativas e
res classifica como “higienização” associações de catadores
Ela diz que, após 20 anos de tra-
e que envolvem a destruição das nos serviços de coleta sele-
balho baseado em convênios, as
moradias dos catadores para tirar tiva nos municípios.
relações com o município passam
do cenário urbano as “cenas que
a ocorrer por contratos. As prefei- 2010
incomodam”.
turas pagam valores muito altos
para empresas privadas fazerem a Abrem-se, assim, brechas no país Decreto 7.217 considera
coleta seletiva e entregarem nos para empresas que estão de olho cooperativas e associa-
galpões de reciclagem, ao passo nesse mercado há bastante tempo. ções como prestadoras de
que os catadores fazem esse traba- Deixar organizações de trabalha- serviço público de manejo
lho de graça. “É injusto, e tende a dores à míngua pode dar margem de resíduos sólidos.
piorar. Agora a tendência em todo a justificativas para a incineração Lei 12.305 institui a PNRS,
o Brasil é que os convênios entre como solução para os problemas que inclui catadores como
prefeituras, cooperativas e asso- do lixo. O próprio Ministério do agentes essenciais no trata-
ciações de catadores sejam trans- Meio Ambiente dá indícios de ex- mento de resíduos sólidos.
formados em contratos”, sobre os clusão do trabalho de catadores.
quais incidem tributos como ISS e Em Porto Alegre já houve tentati- Decreto 7.404 regulamenta
INSS. É uma agressão aos serviços vas de incluir na pauta da Câmara a PNRS.
sociais e ambientais dos trabalha- Municipal e da Assembleia Legisla- Decreto 7.405 institui o
dores”, reclama. tiva projetos para abertura à quei- Programa Pró-Catador e
ma desses resíduos, descaracteri- um comitê interministerial
São 16 unidades de reciclagem
zando os objetivos da PNRS, que para inclusão social e eco-
em Porto Alegre, cidade que já foi
foi homologada pela luta de cata- nômica dos catadores.
referência em reciclagem para o
dores e ambientalistas, depois de
país, seguindo os passos de capi-
tramitar por cerca de 20 anos no
tais como Belo Horizonte, que tem
Congresso Nacional.
longo histórico de sucesso. “Não

julho/dezembro 2019 29
Perfil dos catadores
Adão Baltezam (acima)
trabalha no Ecoponto, onde
o técnico em eletrônica
Elson Marques (ao centro)
faz velhos equipamentos O Movimento Nacional de Catado- paralelas. Há uma grande parcela
voltarem a funcionar res de Materiais Recicláveis estima que também não está nas estatísti-
que existam atualmente de 800 mil cas por morar nas ruas, sem ende-
a 1 milhão de pessoas nessa ati- reço fixo, o que pode modificar ou-
vidade. “Somos 70% da categoria. tras características do perfil, como
Somos negras e chefes de família”, nível de escolaridade e rendimen-
enfatizou a catadora Marilza Apa- tos. O próprio Ipea reconhece essa
recia de Lima, com base nas esta- diferença.
tísticas das instâncias de debate
O anuário da Ancat chama a aten-
dos trabalhadores, contestando
ção ainda para outra particularida-
dados oficiais, em 2013.
de: a necessidade de mudança nos
O Anuário da Reciclagem 2017- hábitos de consumo, para evitar
2018, publicado em 2019 pela As- materiais jogados no lixo. Antes
sociação Nacional dos Catadores da reciclagem, deve-se pensar no
e Catadoras de Materiais (Ancat), reúso, como recomenda a pró-
inclui estudo realizado pelo Ipea pria Política Nacional de Resíduos
que informa a existência de 388 Sólidos. Ou seja, não é preciso
mil catadores no Brasil, a maio- transformar materiais em novas
ria homens (72%), pretos, pardos matérias-primas para a indústria.
ou indígenas (74%), distribuídos Antes, é preciso cuidar do reapro-
principalmente no Sudeste (40%) veitamento.
e Nordeste (30%), 47% com idade
A relação descomprometida das
média de 43 anos, mas com 24%
pessoas com o consumo provocou
entre 50 e 60 anos, com renda de
uma importante iniciativa em rea-
um salário mínimo e escolaridade
ção da Cooperativa Viamonense de
máxima de ensino fundamental.
Catadores e Recicladores (Coovir),
Esses dados têm base na Pesquisa na avenida mais movimentada de
Nacional por Amostra de Domicí- Viamão, município da Grande Por-
lios (PNAD 2017/2018). A diferença to Alegre, com 260 mil habitantes.
para as estimativas do MNRS se Um enorme galpão locado pela
justifica porque o levantamento entidade surpreende os visitantes
leva em conta a autodeclaração com o monte de coisas curiosas e
das pessoas, que muitas vezes chamativas que saem do lixo. Um
exercem atividades profissionais bote emborrachado de quase dois

30 Senac Ambiental n.13


A bióloga Michelli
Vargas: “Sempre
quis trabalhar com
reciclagem”
metros sobressai ao lado de ele- Em setembro, o espaço Sala Verde
troeletrônicos, bonecas, roupas, que também funciona ali, ganhou
bicicletas, impressoras, rádios e reforço com a contratação da bió-
vitrolas antigas. loga Michelli Vargas, que trabalhou
três anos no Museu de Ciências e
“Isto aqui não é um brique”, adver-
Tecnologia da Pontifícia Universi-
te Joaquim Reis, um dos respon-
dade Católica, no laboratório de
sáveis pelo espaço, com o termo
botânica e no atendimento a es-
consagrado pelos gaúchos para
tudantes. “Sempre quis trabalhar
denominar as lojas de antiguida-
com reciclagem”, explica. O local
des ou usados. Ele se refere ao
tem uma biblioteca ambiental den-
Ecoponto criado pelos catadores
tro de uma sala feita com reciclá-
para expor o ideal de um mundo
veis e recebe adultos, crianças e
mais sustentável, onde o reúso e a
adolescentes. Em novembro, a
não geração de resíduos são tam-
bióloga estava em campo, em um
bém prioridade, como recomenda
evento no Parque Estadual de Ita-
a própria PNRS.
puã, localizado no município, para
Junto ao Ecoponto eles criaram incentivar e orientar escolas sobre
uma área de integração, educa- a destinação correta dos resíduos
ção e conscientização ambiental, orgânicos.
inaugurada em novembro de 2019:
A Coovir tem duas unidades de
o Multiespaço, que se integra a di-
triagem que juntas reciclam 120
versas propostas, como os micro-
toneladas de resíduos mensais,
-ondas consertados, campeões
além do Ecoponto e do Multiespa-
nas prateleiras. Todo dia chega
ço, que funciona em parceria com
um. “Aqui morrem oito e nascem
a Associação dos Recicladores.
seis por dia”, brinca o técnico em
Viamão tem 100% de cobertura do
eletrônica Elson Marques, respon-
serviço de coleta seletiva, com 85%
sável por “ressuscitar” os equipa-
dos bairros da zona urbana aten-
mentos. “Às vezes só falta ligar um
didos pela cooperativa em sistema
fiozinho”, conta Adão Baltezam,
de coleta porta-a-porta, por esfor-
que trabalha no local ajudando a
ço e iniciativa dos catadores des-
organizar e reparar eletrônicos,
de 2016. São 117 cooperados, com
móveis e bicicletas.
uma média de 46 famílias ativas

julho/dezembro 2019 31
trabalhando efetivamente, forne- proteção individual, recolhimen-
cendo até mesmo certificação de to de contribuição à Previdência
destinação de resíduos ambiental- Social, seguro de vida, descanso
mente adequada a empreendimen- remunerado, prevenção de saúde,
tos. controle de vacinação e treina-
mento. Ninguém ganha menos do
São seis anos de trabalho de uma
que um salário mínimo. O resulta-
entidade de catadores que trans-
do da reciclagem organizada pro-
formou Viamão em um município
move, além do protagonismo dos
de referência para reciclagem po-
catadores, a geração de renda e a
pular no Rio Grande do Sul. Ao
preservação ambiental. “Viamão é
chegarem ao trabalho, todos os as-
uma cidade onde os catadores or-
sociados da Coovir têm garantidas
ganizados lutam e demostram que
as refeições do dia na mesa, além
a PNRS pode dar certo”, enfatiza
de uniformes, equipamentos de
Joaquim Reis.

Neusa Teresinha,
microempresaria da
reciclagem

Microempresária
na Vila Planetário
“Fui bater na lixeira louca de vergonha. Naquele
tempo, não era profissão. Pra ninguém me reco-
nhecer, eu me vestia de homem. Tinha sido de-
mitida grávida, já com três filhos”, conta Neusa
Teresinha Machado, 59 anos, moradora da Vila
Planetário, em Porto Alegre. Passados quase 20
anos, ela inventou para si um novo elo na cadeia
da reciclagem. Compra de catadores e revende
para uma empresa de reciclagem em Canoas, na
região metropolitana. “Abri minha microempresa.
Faço tudo. Contabilidade, anotações de forne-
cedores e de clientes. Separo material e arrasto
bag”, diz ela, referindo-se às grandes sacolas que
ficam na porta de casa e no corredor por onde
passam vizinhos.

32 Senac Ambiental n.13


Desafios:
erradicação
da pobreza
e novos
padrões
O sucesso da gestão integrada
dos resíduos urbanos, que inclui
a logística reversa das embala-
gens, representa oportunidades
na economia verde. Segundo o
Cempre Review 2019, o desafio
requer políticas públicas, justiça
Acordo setorial de lâmpadas tributária e segurança jurídica
para novos investimentos em
Lojas, supermercados e comércio em geral destinaram pelo menos 6,5 mi- inovação e na infraestrutura do
lhões de lâmpadas à reciclagem nos últimos quatro anos. “Mensalmente, co- parque reciclador, ao mesmo
letamos aproximadamente 900 unidades”, revela Everton Barros, coordenador tempo que são necessárias mu-
de Vendas da Realcenter Materiais e Equipamentos Elétricos, situada em um danças nos padrões de produ-
bairro referência em materiais de iluminação na capital gaúcha. ção e consumo.

Para se encaixar na logística reversa, Everton conta com a Associação Brasi- Segundo o Cempre 2019, o de-
leira para a Gestão da Logística Reversa (Reciclus), que tem 1.724 pontos de senvolvimento do modelo bra-
coleta em 26 estados e no Distrito Federal. O agendamento do recolhimento sileiro de reciclagem está de
é feito via internet. Em até 24 horas, a transportadora licenciada está em sua acordo com os Objetivos de
porta, com todos os cuidados necessários, pois as lâmpadas fluorescentes Desenvolvimento Sustentável,
são consideradas produtos perigosos pela constituição por mercúrio, metal lançados pela Organização das
que pode contaminar solo e água, com riscos à saúde. Nações Unidas, com metas am-
bientais, sociais e econômicas
A Reciclus foi criada pelo setor empresarial para cumprimento da logística para 2030 – uma agenda que se
reversa de lâmpadas domésticas fluorescentes compactas e tubulares, de integra ao planejamento e às es-
vapor de mercúrio, sódio ou metálico, e as de luz mista. A primeira revisão tratégias empresariais.
desse acordo está prevista para 2020. O principal ponto será a adequação ao
crescimento do consumo de lâmpadas de tecnologia LED (Diodo Emissor de O documento aponta como me-
Luz, em português). Assim como este, a Política Nacional de Resíduos Sólidos tas a erradicação da pobreza, a
prevê acordos setoriais também para pilhas, baterias, óleos lubrificantes para igualdade de gênero, a redução
veículos, pneus etc. das desigualdades, água potável
e saneamento, trabalho decente
O acordo setorial das lâmpadas foi desenhado em um grupo de trabalho for- com crescimento econômico,
mado pela CNC, pela Associação Brasileira da Indústria da Iluminação, 24 em- cidades e comunidades sus-
presas fabricantes, importadoras, comerciantes e distribuidoras, Ministérios tentáveis, consumo e produção
da Indústria e Comércio (Mdic) e do Meio Ambiente (MMA), Associação Brasi- responsáveis, ação contra a mu-
leira de Importadores de Produtos de Iluminação e Instituto Nacional de Me- dança global do clima e parce-
trologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro). O resultado foi uma minuta levada rias para implementação dessas
à consulta pública e aprovada pelo Comitê Orientador liderado pelo MMA e novas realidades.
constituído também pelos Ministérios da Agricultura, Fazenda e Saúde.

julho/dezembro 2019 33
N otas

Mais preocupação no ar
foto: Pixabay

Principal causador do efeito estufa, gundo os cientistas, o índice regis- Tallas, em comunicado à imprensa,
o dióxido de carbono alcançou um trado foi de 407,8 partes por milhão, a última concentração de dióxido de
nível recorde de concentração na quase 150% maior do que o do perío- carbono semelhante ocorreu entre 3
atmosfera em 2018, segundo a Or- do pré-industrial e sem sinais de de- e 5 milhões de anos atrás, quando a
ganização Meteorológica Mundial saceleração. China e Estados Unidos temperatura média do planeta era de
(OMM), agência especializada da são os principais emissores. Para o 2ºC a 3ºC superior à atual.
Organização das Nações Unidas. Se- secretário-geral da OMM, Petteri

COP-25:
clima
péssimo

A Conferência das Nações Unidas carbono e, na prática, postergaram o pela organização não governamental
sobre o Clima (COP-25), realizada problema para a próxima conferên- Climate Action Network (CAN) com
em Madri, Espanha, em dezembro, cia, em Glasgow, Escócia, em 2020. o objetivo de atrair atenção mundial
foi frustrante. Segundo o secretário- para quem permanece na contramão
A participação do Brasil foi consi-
-geral da ONU, António Guterres, da sustentabilidade. Na justificativa,
derada decepcionante por grande
perdeu-se uma grande oportunidade a CAN menciona o desmatamento e
parte da comunidade internacional
para demonstrar maior ambição no as queimadas, lembrando também
(ouça o comentário do jornalista es-
enfrentamento da crise climática. Os que o governo brasileiro tem trata-
pecializado em meio ambiente André
países não chegaram a um acordo do organizações da sociedade civil
Trigueiro em: www.bit.ly/andretrigueiro).
sólido. Mantiveram apenas um ape- como “bodes expiatórios” da des-
O país ainda recebeu o “prêmio” Fós-
lo vago sobre a necessidade de es- truição da floresta amazônica.
sil do Dia. É uma brincadeira criada
forços de redução das emissões de

34 Senac Ambiental n.13


N otas

O campus da Universidade Federal


agricultores, quilombolas, movi- Antonio Nobre, o arqueólogo Edu-
do Pará em Altamira sediou, nos
mentos sociais, ativistas ambientais ardo Neves, o engenheiro florestal
dias 17 a 19 de novembro, o evento
e cientistas. Tasso Azevedo e as antropólogas
Amazônia Centro do Mundo. Mais
de 300 pessoas participaram de de- O encontro reuniu líderes indígenas, Manuela Carneiro da Cunha e Tânia
bates, atividades culturais e rodas ribeirinhas e quilombolas como Davi Stolze.
de conversa. O evento foi realizado Kopenawa, Socorro de Barcarena, Foi produzido um manifesto que
pelo Instituto Ibirapitanga, pelo Ins- Raoni e Chico Caititu, além de ati- pretende mobilizar a sociedade em
tituto Socioambiental, pela Asso- vistas dos movimentos internacio- torno da luta pela floresta e contra a
ciação dos Moradores da Reserva nais Fridays for Future, Extinction extinção das vidas no planeta. Para
Extrativista Rio Iriri e pela jornalista Rebellion e Pussy Riot. Eles se jun- ler e assinar, acesse www.abaixoassina-
Eliane Brum. Indígenas, ribeirinhos, taram a intelectuais como o cientista do.org/abaixoassinados/48467.

Rastro da mancha
Três meses após seu primeiro registro, a mancha de pe-
tróleo cru que se espalhou por todo o litoral nordestino
e já começava a alcançar o Sudeste permanecia com
origem não identificada pelas autoridades brasileiras. Re-
portagem da Agência Pública (www.apublica.org) publi-
foto: Lilo Clareto - Instituto Socioambiental

cada em 3 de dezembro mostrou ainda outro problema:


a destinação dos resíduos coletados nas praias era, em
muitos casos, inadequada, o que pode provocar novos
impactos ambientais.
Segundo a Pública, a desarticulação das ações – que
acabaram executadas isoladamente por cada estado
– levou a situações como a que ocorre na Bahia. Nos
municípios de Canavieiras e Maraú, por exemplo, o óleo
estava sendo depositado em locais impróprios, como
um lixão a céu aberto e uma escola abandonada.

julho/dezembro 2019 35
O SAF do Sítio Semente, em
Sobradinho (DF), tem árvores,
abóbora e milho

36 Senac Ambiental n.13


A groecologia

Plantando,
colhendo e
preservando
Sistemas agroflorestais vêm
sendo ampliados. Seus
defensores garantem que a
prática beneficia agricultores
e o meio ambiente
Elias Fajardo
(texto e fotos)
Os sistemas agroflorestais (conheci-
dos como SAFs) são formas de uso
ou manejo da terra que combinam
árvores frutíferas ou madeireiras
com cultivos agrícolas ou criação
de animais e ajudam na redução da
erosão e na recuperação de áreas
degradadas. É uma forma de produ-
ção que imita o que a natureza faz,
com o solo sempre coberto pela
vegetação e técnicas naturais que
evitam pragas e doenças, dispen-
sando o uso de aditivos químicos.
Eles favorecem a diversificação da
produção, permitindo colheitas su-
cessivas ao longo do ano.
Espécies diferentes são plantadas
na mesma área: árvores junto com
roça. As culturas de ciclo curto
(milho, abóbora, mandioca e ou-
tras) preparam o ambiente para
bananeiras, palmeiras e árvores.
As plantas são cultivadas em con-
sórcio e dispostas em linhas pa-
ralelas, intercalando espécies de
portes e características diferentes
para aproveitar ao máximo o ter-
reno e favorecer a manutenção e
a introdução de espécies nativas.

julho/dezembro 2019 37
Um pioneiro na implantação da
agrofloresta no país é o suíço Ernst
Götsch, que veio para o Brasil na
década de 1980 e se estabeleceu no
sul da Bahia. Comprou uma fazen-
da degradada que rebatizou como
Olhos d’Água. Quando chegou, a
propriedade tinha três nascentes.
Atualmente tem 17, graças às técni-
cas de conservação que emprega. E
os riachos que costumavam desa-
parecer nos períodos de seca hoje
correm o ano inteiro. “Água se plan-
ta”, afirma Ernst sorrindo. Segundo
ele, todas as noites, as árvores go-
tejam e, mesmo sem chover, a ser-
rapilheira (uma camada de restos de
folhas, caules, ramos, flores, frutos
e sementes) que cobre o solo per-
manece úmida.
Ernst introduziu entre nós a agricul-
tura sintrópica, que investe no uso
de dinâmicas naturais para enrique-
cer e recuperar o solo. O conceito
de sintropia envolve a organiza-
ção, o equilíbrio e a preservação
da energia no ambiente. “É preciso
constituir sistemas de integração
permanente, que permitam ao agri-
cultor produzir melhorando o solo e
criando um ecossistema mais prós-
pero”, afirma.

No coração do Brasil
No Núcleo Rural Lago Oeste, em
Sobradinho, Distrito Federal, o Sítio
Semente tornou-se uma referência
em agrofloresta, com cultivos per-
Com cursos e palestras, o O material gerado pela poda de manentes, palestras, aulas e visitas
Sítio Semente tornou-se árvores e arbustos retorna ao solo guiadas sobre o tema. Visto de cima,
uma referência em como adubo.
sistemas agroflorestais lembra um oásis no meio da aridez
Os SAFs vêm sendo praticados há da seca. A região fica no Planalto
décadas no Brasil, mas nos últi- Central e tem suaves ondulações
mos anos sua implantação vem se de terreno com algumas montanhas
ampliando em diferentes ecossiste- altas bem no fundo. Nas bordas do
mas. Eles exigem mais mão de obra planalto podem ser encontrados
e um número maior de processos vales profundos. A vegetação é de
do que a agricultura convencional, Cerrado, segundo maior bioma bra-
mas seus defensores afirmam que sileiro e um dos mais ameaçados
beneficiam os produtores rurais, a pela ocupação intensiva e pela mo-
região onde se situam e o meio am- nocultura. Apresenta árvores bai-
biente como um todo. xas, esparsas, de troncos retorcidos

38 Senac Ambiental n.13


e casca e folhas grossas para resis- mente: “A gente tende a classificar
tir às queimadas, além de arbustos as coisas em boas e ruins, mas na
e gramíneas. As raízes das árvores natureza não existe isso. Precisa-
são profundas para captar a água, mos romper com a monocultura da
o que leva alguns estudiosos a di- mente, com toda essa lei da escas-
zerem que o Cerrado é uma floresta sez e do medo, e trazer à prática
de cabeça para baixo. propostas que levem em conta que
a natureza é holística, integrada,
O proprietário do Sítio Semente é
circular, biodiversa. E nós, huma-
o biólogo Juã Pereira, que fez um
nos, devemos nos inspirar em seus
curso com Ernst em 2004 e ficou
processos”.
encantado com a possibilidade
“de plantar florestas de comida”. Dentro desta compreensão, ela
Tornou-se produtor orgânico cer- acha que as chamadas doenças
tificado e o sítio participa hoje de das plantas ajudam a mostrar al- Nathalia Mughet: a
11 feiras em Brasília. O Semente floresta é uma mestra
começou suas atividades em 2006
e tem seis hectares de SAFs, onde
são cultivados de 30 a 40 produ-
tos agrícolas. “Uma das vantagens”,
continua Juã, “é que não lidamos
com pragas e ervas daninhas. Isto
não existe aqui, é algo criado na
monocultura. Elas são chamadas de
daninhas, mas só estão cumprindo
seu papel na natureza”.
O biólogo afirma também que “a
agricultura convencional deixa
como resultados o deserto, a falên-
cia e a morte. Os venenos usados
nas plantações vão para a água,
contaminam o solo e o lençol fre- Visita guiada a um SAF
ático. Já os SAFs deixam como re-
sultados as florestas. Parte delas
é derrubada, utilizada e depois re-
plantada. A mata não é um museu
de ambientalistas, é algo que se
pode usar harmoniosamente”.
A etnobotânica Nathalia Mughet,
companheira de Juã, considera a
floresta uma grande mestra. “Ela
é uma professora que nos ensina
como captar a vida. Os processos
e dinâmicas que estão nela já exis-
tiam antes e vão continuar muito
depois de nós. Por meio da fotos-
síntese, a floresta sintetiza a energia
de fora do sistema, transforma a luz
em vida e em matéria – as plantas,
que são a base da cadeia alimentar”.
Nathalia é crítica com relação ao
que chama de monocultura da

julho/dezembro 2019 39
guma coisa errada que o produtor sempre e não queimando. Devemos
rural estaria fazendo. “Se surge um procurar a cura na própria natureza
bicho, ele indica um desequilíbrio e não nos produtos químicos”.
na plantação. Devemos, então, ir
Eric Lassmann, administrador e
mais fundo para descobrir a origem
mestrando em meio ambiente e de-
desse desequilíbrio e tratar suas
senvolvimento rural na Universida-
causas. O que se considera erva da-
de de Brasília, faz parte da equipe
ninha, na verdade, são plantas que
do Sítio Semente e tem uma visão
vão cuidar para que o sistema de ra-
muito particular sobre a agroflores-
ízes aumente, trazendo mais bacté-
ta: “A gente aprende que a natureza
rias para ter mais vida. São plantas
funciona por meio do amor condi-
enfermeiras que vêm curar o meio
cional, um amor por tudo, sem exi-
ambiente, entre elas podemos citar
gir algo em troca, respeitando os
o capim, a lobeira (também chama-
princípios naturais, dos quais um
da de fruta-de-lobo) e o barbatimão
dos mais importantes é a colabora-
(usado para tratar feridas, queima-
ção. As plantas não competem, elas
duras e lesões na pele). A gente ten-
colaboram entre si. A gente trabalha
de a importar plantas curativas de
a abundância e todos os vegetais
outros países, mas esquece que no
vão crescendo juntos”.
nosso próprio ambiente temos ve-
getais nativos que nos curam”. Uma postura importante, segundo
Eric, é respeitar as necessidades
Num galpão no Sítio Semente, Na-
de sol de cada planta e pensar a
thalia e algumas moças estão sepa-
agricultura como atividade holísti-
rando folhas de oliveira para serem
ca. “O que vemos nos SAFs é uma
usadas como remédios. Entre elas
mudança de paradigma. Estamos
está Mayara Côrtes, que considera
evoluindo, procurando entender
este trabalho uma forma de apren-
o meio ambiente sob outro olhar,
dizagem. “Me sinto feliz em traba-
perceber que somos parte dele, não
lhar nisto. O conhecimento de ervas
superiores. A natureza é um siste-
medicinais é muito importante para
ma inteligente e complexo que tem
todos nós. Vivemos da natureza e
muito a ensinar. Em vez de destruir,
temos de cuidar dela, plantando
Plantação de alho- precisamos manejar os elementos
poró, aipim e banana

40 Senac Ambiental n.13


naturais para plantar, colher, vender O que um SAF faz, segundo Rômu-
e conservar”. lo, é mimetizar esse processo, ou
melhor, fazer parte dele: “O dese-
A experiência de nho agroflorestal está sempre mu-
dando, estamos sempre pensando
Rômulo e Sofia em como garantir os princípios bá-
O agrônomo Rômulo Araújo, a agro- sicos que devemos seguir”.
ecóloga e produtora rural Sofia Car- Os princípios básicos presentes
valho e sua filha, a pequena Maria, num SAF são a sucessão natural
vivem no Sítio Raiz, vizinho ao Sítio (em que uma comunidade vegetal
Semente. O SAF do Raiz começou a se transforma com o decorrer do
ser implantado em 2013 e tem dois tempo), a estratificação (distribui-
hectares com hortaliças e árvores. ção dos vegetais desde o solo até
Segundo Rômulo, o distúrbio e a os que alcançam maior altura) e a
transformação estão associados à retroalimentação (em que a área
floresta, ocorrem naturalmente pela plantada produz seu próprio ali-
ação de seres não biológicos. Os mento). Segundo Rômulo, se um
ventos e as tempestades derrubam desses princípios falha, a área plan-
uma árvore, cria-se uma clareira e tada vai apresentar problemas. Ele
começa um processo de sucessão mantém uma postura crítica com
natural, o que também acontece relação aos resultados de um SAF:
com os animais. “Temos colhido muitos erros, al-
guns acertos e, acima de tudo, mui-
“Também somos animais”, explica o ta reflexão. Nossas áreas de plantio
agrônomo, “e estamos inseridos em interagem com a questão econômi-
sistemas florestais. Então precisa- ca local, o tamanho dos imóveis e
mos atender nossas necessidades tudo o que temos aqui. Não gosto Ao centro, o agrônomo
seguindo a dinâmica dos ecossis- de fazer alarde nem oba-oba com Rômulo, a agroecóloga Sofia
temas. Nisto está incluído derru- relação à agrofloresta. Há uma sé- e a filha do casal
bar uma área de floresta, e nela há rie de dificuldades para adotar esse
muitas sementes que vão reiniciar o sistema e as áreas têm relação com
processo com um patamar de ferti- todas as operações que são neces-
lidade sempre superior”. Alho-poró e morangos
plantados em consórcio

julho/dezembro 2019 41
sárias e acabam encarecendo nos- contextos às vezes áridos. Então,
sos produtos”. ao estudar a floresta, entendemos
como funciona a vida”.
Ele considera a mão de obra a maior
dificuldade, pois um SAF precisa Quanto aos resultados da expe-
constantemente de poda, cobertu- riência, ela afirma que o solo are-
ra do solo com matéria orgânica e noso do Sítio Raiz está se trans-
outras atividades que exigem muito formando em terra preta e fértil,
trabalho: “A agricultura convencio- ajudando os ciclos de água a se
nal busca obter um produto com manterem. “Estamos produzin-
menor valor e menos mão de obra. do alimento enquanto as árvores
Para conseguir tais objetivos, cria que plantamos se desenvolvem.
erosão e salinização do solo pelo Quando chegamos aqui, gastamos
uso intenso de adubos químicos muita energia combatendo o fogo
que prejudicam o lençol freático e na época da seca. Agora o fogo já
provocam assoreamento dos rios. não é tão constante, a água que as
Tais prejuízos são compartilhados plantas acumulam faz com que o
com toda a sociedade. O contrário fogo tenha menos facilidade de se
acontece com quem faz a agroflo- expandir. Além disso, temos me-
resta: temos um custo maior e uma nos problemas com insetos e pató-
lucratividade menor, mas criamos genos do que a agricultura conven-
benefícios para o produtor e toda cional. No ano passado tivemos
a sociedade. Hoje muitos produto- um ataque de lesmas nos brócolis,
res acham bonito filosoficamente mas acabamos entendendo que a
foto: Nednapa Chumjumpa/Stock Photo

criar um SAF, mas, quando vão bo- presença delas nos mostrava onde
tar tudo na ponta do lápis, acabam o trabalho estava equivocado e fo-
vendo que os custos são altos, daí mos mudando”.
desanimam”.
O maior desafio, segundo Sofia, é
Apesar das dificuldades, Rômu- continuar plantando e lutar para
lo acha que vale a pena trabalhar que o poder público apoie os SAFs
com a agroflorestal. “Nosso ob- como uma iniciativa capaz de pro-
jetivo nunca foi simplesmente ter duzir alimentos e, ao mesmo tem-
Batatas
orgânicas
uma atividade econômica, ganhar po, preservar os recursos naturais.
dinheiro e depois ir gastar em ou-
tro lugar. O que estamos fazendo Elias e Yolanda nos
é refletir, buscando respostas para
um problema muito complexo na assentamentos
nossa sociedade: o habitar, ou Elias de Souza Pereira trabalha no
seja, o que vamos fazer no local sítio de sua família no Assenta-
onde estamos inseridos”. mento da Chapadinha, onde está
Sofia também desenvolve suas implantando um SAF há quatro
próprias reflexões, enquanto a pe- anos. O assentamento tem 42 fa-
quena Maria dirige à mãe um olhar mílias numa área da União ocu-
curioso: “Trabalhar com agroflo- pada por um fazendeiro que fazia
resta acrescenta muito à minha monocultura com uso intensivo de
perspectiva pessoal e me leva a aditivos químicos. As famílias de
indagar qual função tenho a cum- sem-terra acamparam em barra-
prir no planeta. É preciso estudar cas no local e iniciaram uma luta
como funciona a floresta, como que durou anos, até que o Insti-
a vida se organiza para ir criando tuto Nacional de Reforma Agrária
condições de abundância a partir (Incra) lhes desse a posse. Ele re-
de situações muito simples e de sume assim sua experiência: “Se a
gente fizesse plantio convencional

42 Senac Ambiental n.13


e viesse uma praga, morria tudo.
Mas plantando vários produtos
juntos, se morrer um, ficam ou-
tros. No SAF não temos muita per-
da. Na linha da banana, fazemos
outras culturas que vêm mais rá-
pido, como mandioca e couve. Na
medida em que se vai manejando,
temos sempre vários produtos di-
ferentes. E com a vantagem de não
usar adubos químicos. Adubamos
com cama de frango, farinha de
osso e calcário, e os restos das
plantações vão sendo colocados
nos canteiros. Para mim está dan-
do muito certo. Vou continuar com
SAF e aumentar cada vez mais
nossa produção”.
Yolanda Landim é produtora rural
no Assentamento Betel, no Lago A produtora
Oeste, nos arredores de Brasília. produtos para vender em feiras de rural Yolanda
Seu SAF de um hectare produz 15 Brasília. Landim exibe seus
hortaliças, além de banana e li- produtos
O vento sacode as folhas das ba-
mão. Dos seus quatro filhos, três naneiras e Yolanda, mais uma vez,
trabalham na roça com ela. sorri ao declarar: “A gente, como
“Eu queria produzir e, ao mesmo mulher e mãe, vê a terra também
tempo, ajudar a terra”, diz sorrin- como uma mãe e percebe essa
do. Ela fez um curso de controle necessidade da terra de não estar
biológico para lidar com as pragas. nua, mas estar coberta e bem cui-
“Na época de seca tem muito pul- dada”.
gão na couve. Então a gente dá um
banho de sabão neutro e algumas O hotel e a horta de
gotas de água sanitária nos pés de
couve. Elas reagem bem”.
Anelize
Anelize Regina Schuler é produtora
O trabalho é duro e as dificuldades rural, panificadora artesanal e dona
são muitas, mas Yolanda é otimista: de um eco-hostel no seu Sítio Pé no
“O dinheiro que se usaria pra com- Chão, no Núcleo Rural Lago Oeste,
prar veneno e adubo químico pra em Sobradinho, Distrito Federal.
botar na roça você investe em mu- Seu SAF tem um quarto de hectare.
das de árvores como o eucalipto, Aos 14 anos, começou a participar
que é podado, volta pra terra e vira de uma ONG no Rio Grande do Sul,
adubo. E quando precisa de madei- onde morava, e desde então tem
ra, a gente corta e replanta o euca- desenvolvido seu conhecimento so-
lipto. É possível ter renda com a con- bre questões ambientais.
servação do meio ambiente”, atesta.
“Vim morar aqui para tentar mi-
Na chácara de Yolanda, além de nimizar meu impacto no planeta.
seus filhos, trabalham também sua Depois vi que dava para comercia-
mãe, uma filha e uma sobrinha. As lizar o excedente da horta com os
mulheres se ocupam da produção, vizinhos, fazendo trocas. Troco ce-
higienização e comercialização. bola por tomate, batata por outros
Duas vezes por semana, levam os produtos, e hoje temos mais de 20

julho/dezembro 2019 43
agradável e com sombra. Por isso
ter árvores frutíferas é importante”.
A casa foi construída com a técni-
ca do superadobe, utilizando terra
e materiais do próprio local. Foram
empregados muito pouca madeira e
vidros reutilizados, que valorizam a
iluminação natural e economizam
energia elétrica.

Um SAF no sul de
Minas
Biólogo, mestrando em Desenvolvi-
mento Sustentável e Extensão pela
Universidade Federal de Lavras,
agricultor orgânico e secretário da
Rede de Agroecologia e Economia
Solidária do Sul de Minas, Rubens
do Monte Silva Scatolino está im-
plantando um SAF na propriedade
Anelize Schuler agricultores trabalhando com SAFs de sua família, a Fazenda dos Co-
colhe cebolas, nesta região”. xos, em Varginha, com quatro mó-
batatas ervas e dulos: café, horta, reflorestamento
feijão Segundo ela, o primeiro beneficia-
do com a agroecologia é o solo, que e frutíferas. A experiência começou
vai recuperando sua biodiversidade. em janeiro de 2017, seguindo o mo-
O segundo ganho é a produção de delo praticado no Sítio Semente,
água limpa. “A produção agroecoló- após Rubens ter feito um curso com
gica economiza água, usa irrigação Juã Pereira.
por gotejamento ou aspersão. O O SAF é direcionado para gerar ren-
terceiro ganho é evitar o desperdí- da em intervalos regulares. A horta
cio, pois os resíduos, como ramos, dá renda mais rápido, mas precisa
palha e folhas, são reincorporados de muita mão de obra. O café de-
ao terreno. Eu ponho no meu mi- mora três a quatro anos, mas seus
nhocário, mas pode-se ainda abrir rendimentos são mais expressivos
buracos no chão e colocar as so- que os da horta. O SAF da fazen-
bras da agricultura em volta das ár- da tem dois hectares de café, meio
vores, pois viram adubo orgânico”. hectare de fruticultura, 0,3 de reflo-
Duas coisas chamam atenção na restamento e 0,2 de horta. A planta-
propriedade de Anelize: a horta ção de eucalipto é consorciada com
circular, em forma de mandala, e a abacate, banana, mandioca e feijão-
casa de adobe. Ela se entusiasma -de-porco, uma leguminosa usada
ao explicar: “Aproveitar o desenho para fazer adubação verde.
original do terreno é uma técnica Segundo Rubens, mesmo sendo um
muito antiga e faz a energia circular. SAF novo, já é visível uma melhoria
A horta não deve ser só produtiva, no solo, o que gerou uma mudança
precisa ser bonita e agradável. O na cor da terra: formou-se uma fina
produtor não é uma máquina que camada escura acima da superfície.
produz comida e despeja na ci- “Dá pra ver também”, acrescenta,
dade. Ele tem de ter qualidade de “que o local tem atraído a fauna.
vida, trabalhar num ambiente limpo, Aves como jacus e saracuras e ma-

44 Senac Ambiental n.13


míferos como saguis vêm para cá e do Sul de Minas tem 14 associações
se abrigam por perto”. de produtores filiadas. A maior difi-
culdade tem sido harmonizar o mo-
A fazenda, anteriormente muito de-
delo SAF às condições da região.
gradada pelo plantio do café, teve
“Precisei estudar a agrofloresta
sua biodiversidade melhorada. E a
para tentar adaptá-la à produção de
cada ano aumentam o plantio e a
café. A segunda dificuldade é con-
produção de café orgânico. “Na re-
seguir mudas e insumos orgânicos.
gião, o plantio alternativo ainda é
A terceira, fazer o novo sistema ser
incipiente”, continua Rubens, “pois
aceito. No início, muita gente acha-
o agronegócio é muito forte aqui”.
va que não ia dar certo, mas essa
Ele afirma também que há uma mentalidade começa a mudar com
grande procura de saídas para a cri- os resultados obtidos”.
se do café, pois o preço está baixo
“E a minha maior alegria”, confessa
e os insumos são caros. “Por outro
Rubens, sorrindo, “é quando rece-
lado, na agrofloresta, é a lavoura
bo uma visita de um produtor rural
que produz os próprios insumos.
que deseja plantar agrofloresta. Se
Gasta-se menos. Além disso, usa-
o preço de uma plantação estiver
mos um biofertilizante líquido à
baixo, o outro pode não estar. Não
base de esterco e açúcar”.
é como na monocultura, em que
Rubens trabalha com certificação quando o produto principal baixa
orgânica participante, fazendo visi- todo o sistema produtivo sente”.
tas aos produtores e estimulando a
Rubens sempre contou com o apoio
responsabilidade compartilhada. “A

foto:Raul Reis Assunção


familiar. “Meu pai acredita nas mi-
gente visita, garante a fiscalização e
nhas propostas e ajuda a investir Rubens Scatolino:
todos se mantêm no mesmo barco”.
nelas. Ele está pagando pra ver e implantando um SAF
O Sistema de Participação Orgânica
dando apoio aos novos plantios”. na fazenda da família

julho/dezembro 2019 45
46 Senac Ambiental n.13
Paisagismo

Patrimônio
que ainda
floresce
Sítio onde viveu o paisagista
Roberto Burle Marx reúne
cerca de 3,5 mil espécies
e pode ganhar título de
patrimônio mundial
Francisco Luiz Noel
Fotos: Iphan/SRBM
Ao pé do Maciço da Pedra Branca,
remanescente da Mata Atlântica
na zona oeste da cidade do Rio de
Janeiro, o paisagista Roberto Bur-
le Marx se dedicou por mais de 40
anos ao manejo da flora de diversas
regiões do Brasil e do exterior. De
uma área rural com 405 mil metros
o artista fez um laboratório de ex-
periências e uma linha de produ-
ção de mudas para seus projetos,
estrelados por espécies nacionais a
que o paisagismo nunca dera valor.
Fruto dessa dedicação de uma vida
inteira é um acervo de jardins e vi-
veiros com 3,5 mil espécies – parte
de um patrimônio nacional que pode
tornar-se também mundial em 2020.
O Centro Cultural Sítio Roberto Burle
Marx (SRBM), no bairro de Barra de
Guaratiba, é bem público dos brasi-
leiros desde 1985, quando foi doado
pelo paisagista à Fundação Nacional
Pró-Memória, precursora do Institu-
to do Patrimônio Histórico e Artísti-
co Nacional (Iphan). Sua coleção de
espécies tropicais e semitropicais,
uma das mais importantes do pla-
neta, está disposta em jardins ao ar

julho/dezembro 2019 47
Casa principal do
sítio e lagos (à direita)

Capela Santo Antônio da Bica


livre e viveiros cobertos, a que se so- plantas iniciada em sua chácara, no
mam obras arquitetônicas, coleções Leme, zona sul do Rio, o paisagis-
de arte e biblioteca. O paisagista vi- ta agregou ao sítio duas áreas vizi-
veu no lugar até a morte, em 1994. nhas e formou um acervo paisagís-
Seis anos depois, todo o conjunto tico-botânico em que se destacam
foi protegido por tombamento pelo exemplares raros de famílias como
instituto. Araceae, Bromeliaceae, Cycadaceae,
Heliconiaceae, Marantaceae, Palmae
A elevação do SRBM à condição de
e Velloziaceae. Pelo menos 65 espé-
patrimônio mundial na categoria
cies, coletadas em expedições país
cultural é a grande expectativa bra-
afora, estão sob ameaça de extinção
sileira para o próximo encontro da
em seus habitats.
Agência das Nações Unidas para a
Educação, Ciência e Cultura (Unes- A diretora do SRBM, Claudia Storino,
co), na cidade chinesa de Fuzhou, assinala que a atividade do paisagis-
em 2020. No evento, o Comitê do ta na propriedade teve papel decisi-
Patrimônio Mundial da agência vai vo em sua trajetória criativa. “O fio
dar a chancela, em sua 44ª reunião, condutor da candidatura à Unesco é
a novos bens culturais e naturais de o fato de o sítio ter sido o local onde
importância global, que vão aumen- Burle Marx reuniu sua coleção de
tar uma lista que já inclui 1,1 mil relí- plantas e realizou experimentos que
quias de várias partes do mundo. No lhe deram base para criar o jardim
Brasil estão 22, como as fluminenses tropical moderno”, diz. Essa criação,
Paraty e Ilha Grande, eleitas em julho ela sublinha, foi uma mudança de
de 2019, no Azerbaijão. paradigma no paisagismo mundial,
singularizada pela interação com a
Antigo Sítio de Santo Antônio da
arquitetura moderna em projetos de
Bica, a 50 quilômetros do Centro
parques e jardins, públicos e priva-
carioca, o lugar abrigava bananais,
dos, realizados no país e no exterior.
casa-grande e uma capela histórica
quando foi adquirido por Burle Marx, A candidatura a Patrimônio Mundial
em 1949. Assentada a coleção de foi apresentada à agência da ONU

48 Senac Ambiental n.13


em janeiro, com a entrega de dossiê paisagista, além de cerâmicas, car-
elaborado pelo Iphan. O SRBM vi- rancas e imagens barrocas.
nha sendo preparado para o pleito Como requisito para a titulação, o Sí-
desde 2015, ano em que foi apresen- tio Roberto Burle Marx está forman-
tado pelo país à Unesco, numa lista do um comitê gestor integrado por
indicativa de vários bens culturais e instituições com atuação ambiental
naturais com potencial para a con- na região e personalidades, visando
quista do título global. Por conta à formulação e execução de um pla-
dessa preparação, o sítio recebeu R$ no de gestão do lugar e de seu entor-
5,4 milhões do Banco Nacional de no. Limítrofe ao Parque Estadual do
Desenvolvimento Econômico e So- Maciço da Pedra Branca, com 12,5
cial (BNDES), via Lei Rouanet, para mil hectares de serras formadas por
melhoria das instalações e projetos morros e costões rochosos, gerido
de museologia, sustentabilidade e pelo Instituto Estadual do Ambiente
comunicação. (Inea), o SRBM também é vizinho da
Passo decisivo rumo ao esperado Reserva Biológica Estadual de Gua-
título da Unesco foi, em setembro, ratiba, outra unidade do instituto,
a visita de missão técnica do Con- que protege, em 3,3 mil hectares,
selho Internacional de Monumentos remanescentes de manguezais da
e Sítios (Icomos) ao SRBM, que re- parte leste da Baía de Sepetiba.
sultará na elaboração de relatório a
ser apreciado pelo Comitê de Patri- Artista plural
mônio Mundial, na China. Além dos Roberto Burle Marx foi o quarto dos
jardins, viveiros, casa de fazenda e seis filhos do judeu alemão Wilhelm
capela, dedicada a Santo Antônio, Marx, comerciante de couros, e da
o sítio abriga riacho, cinco espelhos pernambucana de origem francesa
d’água construídos por Burle Marx e Cecília Burle. Nascido em 4 de agos-
acervo museológico e artístico com to de 1909, em uma casa na Aveni-
mais de três mil itens. Entre eles, da Paulista, na cidade de São Paulo,
obras de artes plásticas criadas pelo Roberto mudou-se com a família aos

julho/dezembro 2019 49
coleção tropical do Jardim e Museu
Botânico de Dahlem, no subúrbio de
Lichterfelde. Recolhidas em expedi-
ções de naturalistas desde o século
19, as amostras da flora estrangeira
haviam sido agrupadas por região
geográfica pelo diretor da institui-
ção, Heinrich Gustav Adolph Engler.
Dahlem é um santuário ecológico
de 43 hectares, com mais de 22 mil
espécies de várias partes do mundo.
Mais de seis décadas depois, Burle
Marx recordaria como foi marcante
o contato com as plantas brasileiras
em solo alemão. “Foi ali que pude
apreciar pela primeira vez, de for-
ma sistemática, muitos exemplares
da flora típica do Brasil. Eram espé-
cies belíssimas quase nunca usadas
em nossos jardins”, ele contaria,
em 1992, à paisagista Ana Rosa de
Oliveira, que o entrevistou para sua
tese de doutorado. Antes dos jar-
dins de Burle Marx, o paisagismo
praticado no país desdenhava a flora
nacional em favor de concepções e
plantas europeias.
Nos 18 meses vividos em Berlim,
Burle Marx também foi presença as-
sídua nas salas de concerto e expo-
sições de arte, além de ter estudado
canto e pintura. Na música, impres-
sionou-se com óperas em cenários
luxuosos, ouviu sinfonias de Ludwig
van Beethoven e Richard Wagner e
conheceu o vanguardismo atonal
Fachada da loggia de Alban Berg, Arnold Schoenberg e
(galeria coberta e 4 anos para um casarão no Leme, Paul Hindemith. Nas artes plásticas,
vazada para uma zona sul do Rio, onde passou a se encantou-se em mostras de contem-
área exterior) interessar por plantas, influenciado porâneos como Pablo Picasso e Paul
pela mãe. A família, que convivia Klee e de nomes consagrados como
com as artes por iniciativa de Wi- Vincent van Gogh.
lhelm e Cecília, viajou a Berlim em
1928 para uma estada de ano e meio O interesse pelas artes e a ideia de
durante a qual o futuro paisagista que o paisagismo deve dialogar com
despertou para a riqueza plástica da outras formas de expressão foram
flora de seu país. resumidos por Marx na entrevista a
Ana Rosa de Oliveira, publicada na
A descoberta da diversidade exube- revista eletrônica de arquitetura Vi-
rante das plantas do Brasil brotou truvius. “Detesto essa ideia de que o
em Roberto Burle Marx ao frequen- paisagista só deva conhecer plantas.
tar, na cidade alemã, as estufas da Ele tem que saber o que é um Piero

50 Senac Ambiental n.13


de la Francesca, mas também com-
preender o que é um Miró, um Mi-
chelangelo, um Picasso, um Braque,
um Léger, um Karl Hofer, um Renoir,
um Delaunay”, disse, em reverência a
mestres da pintura europeia.
De volta ao Brasil, Burle Marx ma-
triculou-se no curso de pintura da
Escola Nacional de Belas Artes, no
Rio, e estreou no paisagismo, inte-
grado à arquitetura moderna. Em
1932, criou um jardim no terraço da
primeira casa modernista da cidade,
pertencente à família Schwartz, em
Copacabana, convidado pelo co-
autor do projeto, o amigo arquiteto
Lucio Costa, que mais de duas dé-
cadas depois projetaria Brasília. O
segundo jardim, em 1933, também
foi criado para uma residência con-
cebida por Costa, já demolida, como
a dos Schwartz.
As primeiras criações públicas de
Burle Marx, incorporando plantas
brasileiras, tiveram lugar no Reci-
fe, onde ele foi diretor de Parques
e Jardins da Prefeitura de 1934 a
1937. Alternando estadas na capital
pernambucana e viagens ao Rio, o
paisagista projetou jardins para 19
praças recifenses, dos quais 15 são
preservados pela Prefeitura, incluí-
dos seis que foram tombados pelo
Iphan em 2015. Um dos mais famo-
sos – o primeiro, em 1935 – é o da em 2016, como Paisagem Cultural do Acima, a sala de
Patrimônio Moderno. música; abaixo, a sala
Praça de Casa Forte, no bairro ho- de cerâmicas
mônimo, na zona norte da cidade. Burle Marx era artista renomado, por
Em 1938, no Centro do Rio, Burle conta de seus jardins tropicais e mo-
Marx iniciou a criação dos jardins do dernos, quando adquiriu com o ir-
Palácio Gustavo Capanema, tendo mão mais novo, Guilherme Siegfried,
auxiliado também o pintor Cândi- o Sítio Santo Antônio da Bica, em
do Portinari na execução do grande Barra de Guaratiba, no ano de 1949.
mural de azulejos desse marco mo- A fartura de água e a vizinhança com
dernista – projeto coordenado por a floresta do Maciço da Pedra Bran-
Lúcio Costa, com Oscar Niemeyer na ca, que seria protegida como parque
equipe de arquitetos. Cada vez mais estadual em 1974, foram determi-
requisitado, Marx também concebeu nantes para a escolha da área. Mon-
para Niemeyer, em 1940, na capital tanhosa, cultivada com lavouras de
mineira, o cenário verde do Conjun- banana, típicas na região, a proprie-
to Moderno da Pampulha, tombado dade era abrigo ideal para as plantas
pelo Iphan e titulado pela Unesco, nacionais e estrangeiras que o novo
dono colecionava havia anos.

julho/dezembro 2019 51
linha de reprodução de espécies de
seu acervo, além de ter promovido a
reforma da casa-grande e o restauro
da capela, do século 17. Lançou-se
também à ampliação da coleção, por
meio de viagens que passou a fazer
a várias regiões do Brasil, acompa-
nhado por botânicos, para coletar e
catalogar plantas que fariam de seu
trabalho uma amostra da riqueza
florística do país. Para ter espécies
de outros países, Marx permutava
mudas com produtores estrangeiros
e jardins botânicos da Inglaterra e
Estados Unidos.
De arbustos do Cerrado a cactos da
Caatinga, de árvores da Amazônia
a folhagens da Mata Atlântica, a di-
versidade da flora brasileira era dis-
posta nos projetos de Burle Marx em
grupos por espécie, para realce de
cores e tons conforme as estações
do ano. Embora não fosse botâni-
co, ele estudava as características
de cada espécie que utilizava, a fim
de compor os jogos de massas com
verdes variados – marca nos mais de
dois mil jardins e parques que levam
a assinatura do paisagista, da déca-
da de 1930 à de 1980.
No legado de Burle Marx, que abran-
ge jardins particulares em diversos
lugares do país, os destaques são as
Acima, quarto de Burle Marx, “O terreno foi escolhido depois de criações públicas. Esse acervo incluí
com itens pessoais dele. Abaixo, uma busca relativamente longa, feita projetos paisagísticos como os do
varanda da casa do sítio Eixo Monumental de Brasília, do Mu-
por ele e pelo irmão. Tinha que ser
como ele queria, para que pudesse seu de Arte Moderna do Rio de Ja-
fazer o que pretendia, com topogra- neiro e do Parque do Flamengo. Este
fia acidentada, rochas e muita água. e outros trabalhos entre 1955 e 1964
O primeiro objetivo era colocar a co- tiveram colaboração dos arquitetos
leção de plantas e começar a usá-la, Maurício Monte, Júlio Pessolani, Fer-
aprendendo com botânicos como nando Tábora e John Stoddart, na
elas se associavam na natureza”, diz Burle Marx & Arquitetos Associados,
a diretora do SRBM, Claudia Storino. formada para fazer frente ao volume
“A coleção era a palheta dele, que crescente de encomendas.
começa a formar grupos de plantas Desfeita a sociedade, o paisagis-
aproveitando as rochas, desníveis ta criou o escritório Burle Marx &
do terreno e cursos d’água e fazen- Cia. Ltda., com o irmão. Guilherme
do lagos”. Siegfried cuidando da execução e
Para criar seus jardins tropicais, Bur- manutenção de jardins e parques,
le Marx organizou no sítio uma ativa valendo-se também da multiplica-

52 Senac Ambiental n.13


ção de plantas da coleção cultivada
no sítio de Guaratiba. O calçadão
de Copacabana, com seu ondulado
em pedras portuguesas e canteiro
central, construído nos anos 1970, é
um dos cartões-postais da empresa.
Na década de 1990, após a morte de
Burle Marx, ela foi legada a seu par-
ceiro criativo de quase 40 anos, o ar-
quiteto e paisagista Haruyoshi Ono.
Com seu falecimento, em 2017, o es-
critório passou à direção dos filhos.
Em muitas obras paisagísticas de
Burle Marx, os aglomerados de plan-
tas da mesma espécie – ora dese-
nhados com traços sinuosos, ora
com contornos geométricos – com-
partilham o espaço com painéis de
azulejos e mosaicos, pedras e areias
de diversos tons e peças arquite-
tônicas resgatadas em demolições
de prédios antigos, como colunas e
pórticos. O sítio preservado em Bar-
ra de Guaratiba abriga vários exem-
plos, com destaque para muros de
pedras de cantaria e a reconstrução
parcial de um antigo armazém de
café.
Burle Marx passou a morar no sítio
em 1973. No lugar, entre a casa e o
ateliê, deu asas à criação de forma
intensa, indo muito além do pai-
sagismo e levando ao pé da letra a
ideia de que o artista deve ser plural. espaço para estudos de paisagismo Ateliê em duas imagens:
“O que eu acho muito importante na foi uma das condições impostas por acima, a fachada;
vida é não se circunscrever a uma ele para a doação, junto com outras abaixo, o salão
coisa só”, diria na entrevista de 1992 duas: a manutenção do emprego de
a Ana Rosa de Oliveira. Respeitado colaboradores dedicados e o direito
também como pintor, escultor, cera- de residir na propriedade até falecer.
mista e tapeceiro, foi serígrafo e litó- Roberto Burle Marx morreu em 4 de
grafo, desenhista de joias e vasos de junho de 1994, dois meses antes de
cristal, criador de ambientes e peças completar 85 anos.
de luminária, além de cantor lírico e
pianista. Sítio
O sítio tornou-se patrimônio públi- Da coleção de plantas preservada no
co, doado em março de 1985, por- SRBM, o arquiteto e paisagista Jose
que Roberto Burle Marx sonhava ter Tabacow, que trabalhou 18 anos
preservados o lugar e seus jardins, com Burle Marx, destaca a famílias
acervos botânicos e artísticos, a fim das aráceas, que inclui filodendros e
de que pudessem servir ao aprendi- antúrios, e a das velosiáceas, repre-
zado das novas gerações. O uso do sentadas por espécies coletadas em

julho/dezembro 2019 53
incursões a matas de estados como po em que não havia estudos nem
Bahia, Goiás, Minas Gerais e Rio de ações para mitigação do impacto
Janeiro. “São pelo menos 150 espé- ambiental de grandes empreendi-
cies de velosiáceas”, diz Tabacow, mentos. “A técnica de construção da
acrescentando desconhecer o cul- rodovia foi altamente predatória do
tivo dessas plantas em outras cole- meio ambiente. Fizemos diversas ex-
ções privadas. pedições ali, tirando e levando para
o sítio muitas plantas arrastadas
O paisagista salienta a importância
pelas lâminas dos tratores ou joga-
do sítio para a sobrevivência de es-
das nas praias que eram aterradas”,
pécies ameaçadas na natureza. “O
conta.
lugar é a representação concreta
do esforço de uma vida inteira, fei- Nas muitas viagens a biomas como a
to por Burle Marx, para aproveitar Mata Atlântica, Cerrado e Amazônia,
a flora autóctone em paisagismo e Burle Marx, seus auxiliares e botâni-
preservar espécies brasileiras, indo cos encontraram mais de 30 plantas
buscá-las, muitas vezes, em locais nunca antes catalogadas. Descritas
que estavam sendo devastados”, por ele e por botânicos, essas espé-
afirma Tabacow, que participou de cies ganharam denominações alusi-
várias incursões lideradas por Marx vas ao paisagista, incorporando as
em busca de espécies com potencial expressões burle-marxii, robertiana
paisagístico. ou burleana, ao passo que um gêne-
ro foi nomeado como Burlemarxia.
Algumas dessas viagens, recorda,
Algumas plantas tiveram nomes in-
possibilitaram o salvamento de plan-
dicados por ele, como a Pleurosty-
tas durante a construção, na déca-
ma fannyi e a Heliconia adeliana, em
da de 1970, da rodovia Rio-Santos
Lago sob pergolado homenagem à cunhada Fanny e ao
e espelho d’água da – obra da ditadura militar num tem-
cozinha de pedra

54 Senac Ambiental n.13


motorista Adélio da Rocha, partici- lembra o movimento até meados
pante de várias expedições. dos anos 1980. “Muita gente por aqui
que nem conheceu Burle Marx tira
O jardineiro Sinval Augusto Pereira
das plantas o sustento da família”.
Filho, 54 anos, que trabalha no sítio
Como parte dessa mudança, a Es-
desde 1985 e cuida do viveiro de ará-
trada de Barra de Guaratiba ganhou
ceas, participou de expedições com
o nome de Roberto Burle Marx, em
Burle Marx a matas da Bahia, Espí-
honra do antigo morador do número
rito Santo e Goiás. “Muitas bromé-
2.019.
lias que temos aqui vieram de Porto
Seguro”, diz. Nessas incursões, ele O Sítio Roberto Burle Marx, com 80
relata, as plantas eram coletadas por empregados e terceirizados, recebe
ele e outros jardineiros e levadas ao em torno de 11 mil visitantes por
paisagista e aos botânicos, que as ano, incluído o público de visitas
examinavam antes de serem coloca- guiadas, mediante agendamento.
das em um caminhão. “Enquanto ele Como centro cultural do Iphan, pro-
não estava cheio, a gente não vinha move também concertos musicais,
embora”, recorda. exposições e cursos, nos jardins e
no ateliê que Burle Marx usava. Em
O cultivo de plantas no SRBM mu-
13 de junho, Dia de Santo Antônio,
dou o perfil econômico de Barra de
o lugar é palco de procissão religio-
Guaratiba, onde muitos agricultores
sa em que moradores de Guaratiba
aderiram ao plantio de espécies or-
sobem pela alameda principal até a
namentais. “O sítio ficava lotado de
capela, onde uma missa é celebrada
caminhões, que saíam carregados
e as crianças representam a coroa-
com mudas. Aqui trabalhavam qua-
ção do santo, mantendo uma tradi- Ao centro: loggia onde
se 80 pessoas”, o jardineiro Elias Burle Marx fazia pinturas
ção local.
Verdan Moreira, 67 anos, 45 de casa, de grande escala. Abaixo,
detalhe dos jardins

julho/dezembro 2019 55
E stante A mbiental

Ideias para adiar o fim do mundo


Ailton Krenak
Companhia das Letras, 64 páginas
O líder indígena Ailton Krenak critica a ideia de humanidade como
algo separado da natureza. Essa premissa estaria na origem do de-
sastre socioambiental de nossa era. Daí que a resistência indígena
se dê pela não aceitação da ideia de que somos todos iguais. Re-
conhecer a diversidade e recusar a ideia do humano como superior
aos demais seres podem ressignificar nossas existências e refrear a
marcha em direção ao abismo.

Sustentabilidade: a legitimação de um novo valor


(3ª edição)
José Eli da Veiga
Editora Senac SP, 164 páginas
Como definir o que é sustentabilidade e favorecer a prevenção de
crimes contra o meio ambiente? São muitas as variáveis em jogo,
e sempre haverá uma brecha em que se apoiar para cometer atos
ilícitos. Nesta obra, o autor afirma que a falta de uma definição clara
não pode – e nem deve – impedir a adoção de medidas restritivas
por parte do poder público.

Amazônia – por uma economia


do conhecimento da natureza
Ricardo Abramovay
Editora Elefante, 112 páginas
O autor contesta a visão frequente de que o crescimento econô-
mico na Amazônia supõe a substituição de áreas florestais (em
geral ocupadas por populações indígenas e ribeirinhas) por ativi-
dades agropecuárias tradicionais. Mostra ainda que a destruição
florestal priva o Brasil e o mundo de serviços ecossistêmicos in-
dispensáveis à vida, apoia-se em atividades ilegais e, com frequ-
ência, no banditismo.

Cercos e resistências:
povos indígenas isolados na Amazônia
Fany Ricardo e Majoí Gongora (organizadores)
Instituto Socioambiental, 254 páginas
A publicação traça um panorama abrangente dos povos isolados de
diversos territórios e regiões do Brasil. Além de artigos de pesqui-
sadores, conta com a perspectiva dos indígenas contatados de ou-
tras etnias que compartilham o território com os grupos isolados.
O objetivo é sensibilizar o poder público para conter a invasão e o
desmatamento nesses territórios.

56 Senac Ambiental n.13


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