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Ruy Cézar Campos Figueiredo

Cinema no Espaço Rural, Hibridez e Sensorialidade: abordagens delicadas do ser


humano na relação com seu entorno.

Fortaleza.
2015.
Sumário

Introdução Geral
Página 01

Capítulo 1
Ferramentas catalisadoras: o audiovisual na etnografia sensorial
Página 02

Capítulo 2
Experiências e formas hibridas de abordagens audiovisuais às relações entre pessoas e
lugares rurais.
Página 11

Capítulo 3.
Quando o vento toca os corpos e quando as ondas os levam e trazem de volta: um
adendo do Nordeste brasileiro.
Página 31

Considerações Finais
Página 37
Introdução Geral.
O texto que serve de base para o presente trabalho foi escrito entre os anos de 2012
e 2013, como atividade para obtenção de nota no componente curricular História do
Audiovisual II, do curso de Audiovisual e Novas Mídias da Universidade de Fortaleza.
O interesse partiu da observação de expressões do cinema contemporâneo que
confundiam se despreocupavam criar trabalhos facilmente definidos em termos de gênero
cinematográfico, que apostavam em temporalidades não apressadas e em ambientes não
urbanos. Em outras palavras, a pesquisa partiu de um interesse por experiências de
hibridização entre gêneros cinematográficos e temporalidades propícias a ambientes
rurais.
A princípio apenas um texto foi criado estudando e analisando quatro filmes.
Posteriormente, julguei mais interessante fragmentar esse texto em dois. Em um texto,
que aqui será o primeiro capitulo, ficou um interesse metodológico de compreender e
estabelecer interseções entre metodologia etnográfica, sensorialidade e cinema. No outro,
direcionei-me mais pelo interesse na relação entre forma e experiência/vivência
cinematográfica, a partir de três filmes latino-americanos: Alamar (2009), de Pedro
Gonzales Rubio; El Vuelco del Cangrejo (2009), de Oscar Ruiz Navia; La Libertad
(2001), de Lisandro Alonso.
Sentia, todavia, a falta de um filme feito no Brasil que compusesse essa seleção.
Nesse sentido, uma expressão muito significativa para a presente pesquisa surgiu em
2014, aqui no Nordeste, com Ventos de Agosto de Gabriel Mascaro. Creio, assim, que a
pesquisa se fecha de maneira interessante.
Considerando isso, o presente escrito se divide em três partes, sendo a terceira
uma espécie de complemento da segunda.
O texto é construído, por vezes, seguindo um desejo de provocar no leitor uma
sensação comum aos filmes em que assistimos, de incerteza diante da natureza ficcional
ou documental dos fatos apresentados. Essa abordagem formal facilitará a compreensão
do objeto de maneira mais interessante, já que são filmes que tratam de uma interseção
interessante entre vivência e forma cinematográfica em espaços não urbanos.

1
Capítulo 1.
Ferramentas catalisadoras: o audiovisual na etnografia sensorial.

RESUMO
Esse primeiro capítulo consiste em uma pesquisa bibliográfica relacionada à etnografia
sensorial, objetivando agregar usos do vídeo e das tecnologias audiovisuais que são
inovadoras como metodologia de pesquisa científica e que, simultaneamente, agregam
conceitos que podem ser usados por cineastas como base metodológica na busca de uma
abordagem multissensorial e ecológica do lugar e dos sujeitos que nele agem.

1. Introdução.

O interesse desse artigo é dar conhecimento de uma abordagem em


desenvolvimento na etnografia, que, dentre outros métodos de pesquisa nesse campo,
utiliza-se de recursos audiovisuais para potencializar o processo de descobrimento e
investigação sobre as relações entre disposições sensoriais e o meio-ambiente vivenciado
por comunidades humanas e não-humanas.
Para isso, resumo mudanças de paradigmas na trajetória do uso das câmeras de
filme e vídeo para a realização das pesquisas etnográficas, exponho alguns conceitos da
etnografia sensorial e me utilizo da análise de cena do documentário Sweetgrass (2009)
e de artigos acadêmicos para descrever a aplicação desses conceitos tanto no fazer da
ciência etnográfica quanto no fazer de experimentações de base etnográfica que
transpõem barreiras acadêmicas.

2. O vídeo como método: tradições e inovações.

O uso de recursos audiovisuais como método de pesquisa para os estudos culturais


passa por diferentes modos, graus de aceitabilidade e abordagens críticas. Estudos como
os de Barbash & Taylor (1997), Pink (2009, 2012), Ruby (1996), Campos (2011), têm
sido produzidos abordando tanto essa trajetória quanto novas perspectivas colocadas pelo
contexto de crescente acessibilidade das tecnologias digitais em pesquisas acadêmicas.

2
Esses estudos contrapõem as possibilidades dadas pelas ferramentas
contemporâneas à um tradicional logocentrismo1 acadêmico,

o logocentrismo da academia tornou difícil a admissão da imagem enquanto


dado científico, fomentando uma disjunção forçada entre o reino da imagética e
da palavra. (...) Neste momento, a utilização dos sistemas visuais e da imagem,
quer para o aperfeiçoamento da pesquisa, quer para a constituição de conteúdos
e textos científicos, parece ter um futuro auspicioso. (CAMPOS, 2011)

Tais estudos contrapõem, também, entendimentos da objetividade positivista a


uma refletividade pós-moderna da imagem e do fazer imagem academicamente. Essa
objetividade tradicional determina que a imagem válida cientificamente seja produzida
por uma câmera na altura do olho, movimentando-se ao mínimo e gravando em tempo
real. Essa forma confia nas tecnologias audiovisuais pressupondo neutralidade,
objetividade e transparência, um entendimento que no decorrer do século XX revelou um
juízo etnocêntrico, empobrecedor da câmera como recurso de método de pesquisa
etnográfico, dialogando com discussões que o próprio cinema também viveu a partir do
cine-transe de Jean Rouch e seu contexto. Sua câmera era uma ferramenta mágica de ação
anticolonialista da tribo Houki em Les Maitres Fous (1954) (SZTUTMAN, 2005), por
exemplo, o que revela um tipo de relacionamento extremamente curioso e interessante
entre sujeitos pesquisados e instrumentos de pesquisa, que no geral passou desapercebido
por críticos, teóricos e até mesmo etnógrafos.
A etnógrafa Sarah Pink, discutindo sobre abordagens contemporâneas sobre o
audiovisual no fazer etnográfico, cita Macdougall (2005) quando esse fala de um cinema
participativo ou cinema intertextual, que envolve um princípio de múltipla autoria, uma
autoria colaborativa entre sujeitos e pesquisadores que desestabiliza relações de poder
entre o acadêmico e os sujeitos. A pesquisa etnográfica passa a ser pensada para ser feita
‘com eles’ e não ‘sobre eles’ apenas.

A ideia de uma etnografia reflexiva que busca ativamente a participação


daqueles que estão sendo estudados e que abertamente dão conhecimento do
papel do etnógrafo na construção da imagem cultural reflete uma preocupação
crescente que é dada voz tanto por documentaristas quanto por antropólogos
sobre as éticas e a política da realização cinematográfica. Através de esforços de
pessoas como Vincent Carelli no Brasil (1980), Eric Michaels na Austrália
(1987), e Terence Turner no Brasil (1992), povos indígenas começaram a

1
O logocentrismo é aqui utilizado, então, como o conhecimento centrado apenas nas palavras e na sua
verbalização.

3
produzir seus próprios vídeos, aumentando assim as possibilidades de tornar
visível novas visões de mundo. (RUBY, 1996; tradução nossa)2

Pink é uma autora que redireciona as questões entre objetividade e refletividade,


propondo uma abordagem intersubjetiva, participatória e multisensorial para a produção
de conhecimento. Assim, o pesquisador se utiliza de métodos que levam em consideração
sua corporificação no ambiente, buscando oportunidades de experimentar, descobrir, ter
compartilhada sensorialmente a corporificação dos sujeitos pesquisados no ambiente que
vivem.
Para se compreender a ‘cultura visual’ nós precisamos entender tanto o que a
visão é em si, e qual o relacionamento dessa com outras modalidades sensoriais.
(...) [a visualidade facilita um] refinamento, disciplinamento e aprimoramento
dos sentidos que acompanham qualquer processo de se tornar o membro de uma
comunidade de práticas. Portanto, por mais lentas ou comuns que sejam as
atividades filmadas ou estudadas, o foco é mudado para a aprendizagem
sensorial, cognitiva e social que é necessária para se apalpar seus significados,
beleza e relevância no contexto social dos seus praticantes. (PINK, 2008)3

Nesse contexto, a visualidade passa a fazer parte da pesquisa a partir de uma


consciência epistemológica de que pesquisador e sujeitos em poder da câmera estão
corporificados em práticas culturais e relacionamentos sociais, uma experiência que não
é puramente visual, mas sensorial, corporificada.

3. A percepção, o lugar e os sentidos: algumas noções da etnografia sensorial.

Pink cita pesquisas ligadas à biologia e à neurociência para fundamentar seus


entendimentos da percepção e dos sentidos, estabelecendo uma rede de conceitos que
guiam o trabalho. Na antropologia, Pink cita Howes como pioneiro na comparação entre
as categorias sensoriais na sociedade ocidental e outras culturas, e já se estuda na

2
The idea of a reflexive ethnography that actively seeks the participation of those who are studied and that
openly acknowledges the role of the ethnographer in the construction of the culture's image reflects a
growing concern voiced by both anthropologists and documentary filmmakers about the ethics and politics
of actuality filmmaking. Through the efforts of such people as Vincente Carelli in Brazil (l980s), Eric
Michaels in Australia (1987), and Terence Turner in Brazil (1992), indigenous people have started
producing their own videotapes, thus raising anew the possibility of making available new visions of the
world.
33
to comprehend ‘visual culture’ we need to understand both what vision itself is, and what its relationship
is to other sensory modalities. (…) [a visualidade facilita um] refinement, disciplining and attuning of the
senses that accompany any process of becoming a member of a community of practice. Hence, however
slow-paced or commonplace the activities studied or filmed, the focus is shifted to the sensory, cognitive
and social apprenticeship that is required in order to grasp their meaning, beauty and relevance to the social
context of the practitioners (PINK, in: cultural studies)

4
contemporaneidade diferenças nessas categorias a partir de diferentes experiências
identitárias. A percepção é parte, aí, de um “complexo relacionamento de co-implicação
entre organismo e ambiente”, um trabalho, uma conquista que não é “de uma mente em
um corpo, mas do organismo em seu próprio movimento exploratório através do mundo”
(PINK, 2009)
Analisar e compreender subjetividades não deve consistir em observar apenas a
construção dos fatos sociais ou signos que as envolvem, mas perceber e analisar em
profundidade as dinâmicas ecológicas através das quais as comunidades compartilham
uma percepção da realidade. O pesquisador deve buscar, então, um conhecimento
intersubjetivo. Sua participação implica em uma co-participação constituinte de um
lugar, uma zona emaranhada de conhecimento multidimensional presente na rede de
possibilidades de relações ambientais, como um conhecimento que se dá no corpo e no
lugar.

Para descrever a realidade ‘fenomenológica’ de estéticas


sociais nós podemos precisar de uma ‘linguagem’ mais
próxima da multidimensionalidade do sujeito em si – isso é,
uma linguagem operando em domínios visuais, aurais, verbais,
temporais e até mesmo táteis. (PINK, 2009)4

O conhecimento, nessa perspectiva, não se encontra nos indivíduos em si mesmos,


Ao invés disso, saber é contigente em sua conectabilidade
tanto historicamente quanto com os outros. Ainda, saber é algo
específico, engajado, ativo e experiencial. (PINK, 2009)5

Utilizar-se do vídeo como ferramenta para gerar esse lugar e facilitar o


conhecimento dessa multisensorialidade é uma das propostas de método da etnografia
sensorial, que não se limita a essa ferramenta e estratégia. A apreensão dessa
multisensorialidade e o acesso a esse lugar, por parte de uma audiência, é facilitada,
conforme citado por Pink, pela “participação sensorial” (Marks 2000) do vídeo e através
do sentido de “intimidade virtual” propiciado pelo meio (Biella 2009).
O fazer de um documentário etnográfico pode ser conceitualizado como o trazer
junto intencional e/ou ao acaso de uma série de eventos interconectados
envolvendo encontros, objetos, emoções, sensações, climas, pessoas e mais, que
juntos constituem o lugar. (...) a visualização do filme (...) engaja o saber e a
experiência cultural, biográfica e acadêmica daquele que vê, possibilitando a ele

4
to describe the “phenomenological” reality of social aesthetics we may need a “language” closer to the
multidimensionality of the subject itself- that is, a language operating in visual, aural, verbal, temporal
and even tactile domains.
5
Rather, knowing is contingent on its connectedness both historically and with others. Yet knowing is
also specific, engaged, active and experiential. (

5
ou ela participar na constituição de um lugar etnográfico renovado, e chegar em
uma forma particular de conhecimento multissensorial. (see pink 2007d) (PINK,
2009)6

O vídeo, deve, portanto, engajar corporalmente, afetivamente e intelectualmente um


espectador em um lugar etnográfico.

4. Meio ambiente, sentidos, audiovisual: arte e ciência etnográfica.

Ilisa Barbash e Castaing-Taylor são um casal de realizadores de filmes ligados ao


laboratório de Etnografia Sensorial da Universidade de Harvard, que em 2009 lançou em
salas comerciais de cinema um documentário chamado Sweetgrass, gravado com uma
câmera de vídeo comum, além de uma exposição de artes visuais em um museu da
Universidade.

Em meados de 2000 o casal pesquisava para um filme que documentaria


transformações sociais relacionadas às questões de direito à terra, meio ambiente e sua
“yuppificação" no estado de Montana, noroeste dos Estados Unidos. Nesse processo,
tomaram conhecimento acerca da família Allestad, descendentes de noruegueses que
eram os últimos a estar conduzindo seu massivo rebanho de ovelhas por entre a cadeia de
montanha Absaroka e Beartooth.

Durante os verões de 2001, 2002 e 2003, o casal viajou com seus filhos até a costa
leste para participar da travessia das montanhas com as ovelhas e para gravar debates
entre ativistas anti-desenvolvimento e fazendeiros locais. Como a jornada era bastante
perigosa para as crianças, elas e a mãe permaneceram na fazenda, registrando o cotidiano
assim como gravando os debates que ocorriam na região. Durante doze semanas,
enquanto isso, Castaing-Taylor percorreu 240km entre montanhas, com um equipamento
de câmera acoplado ao seu corpo a maior parte do dia (sendo carregado com painéis
solares), gravando John Ahern, Pat Connoly e seu imenso rebanho de ovelhas.

6
umthe making of an ethnographic documentary might be conceptualised as the intentional and/or
serendipitous bringing together of a series of interconnected events involving encounters, objects, emotions,
sensations, weather, persons and more, which together constitute place. (…) the viewing of the film (…)
engage the viewer’s own cultural, biographical and scholarly experience and knowing, enabling her or him
to participate in the constitution of a renewed ethnographic place, and to arrive at a particular form of
multisensory knowing (see pink 2007d) (PINK, 2009)

6
Sweetgrass é o título do filme que resultou da relação entre os realizadores, os Allestad,
as ovelhas e as montanhas.

Com Sweetgrass, nós tentamos lhe dar um senso de quase participação


sinestésica, e muito disso vem do som, e de trabalhar com lavs wireless. O
primeiro ano nós usamos apenas quatro, escutando através de uma milha e meia
de distância. O segundo ano eu tinha oito. Na maioria das vezes eu colocava eles
em pessoas, mas ocasionalmente em cachorros, cavalos ou ovelhas. 7
(KUEHNER, 2010)

Para perceber como isso afetou a forma fílmica, analisemos uma de suas cenas.
Depois de 50 minutos de filme, vemos sua primeira sequência noturna. Começamos aqui
vendo um plano geral do cowboy mais velho, John, em cima de seu cavalo, indo na lateral
direita e de baixo para cima do plano. Ele conversa com as ovelhas as chamando de
“garotas” e nós as escutamos berrando. Vemos um plano conjunto do cowboy mais novo,
Pat, andando entre as ovelhas enquanto escutamos John perguntar para “as garotas” como
elas estão, falando para elas “que está tudo bem”. Vemos ovelhas em primeiro plano.
Escutamos as ovelhas, seus sinos e escutamos John continuar a conversar com elas, sobre
o quanto elas já foram longe na jornada. Vemos um cachorro em primeiro plano com
ovelhas passando desfocadas ao fundo e escutamos John cantarolar e falar para uma
ovelha que ela está “looking pretty good tonight”. Escutamos John cantar e vemos um
grande plano geral onde metade da tela está negra e a outra metade no azul de um
crepúsculo, enquanto passa da esquerda para a direita a silhueta do cowboy em cima de
seu cavalo. O plano se estica até um pouco depois que ele passa. O próximo plano é da
sombra do homem vindo com o cavalo e o cachorro de cima para baixo do quadro, ele
cavalga de um plano conjunto para um primeiro plano de sua silhueta western.

É interessante nessa cena como o fato de existirem vários microfones wireless


possibilita que acompanhemos uma situação que está, em termos sonoros, em um mesmo
plano geograficamente vasto, e que nessa vastidão está também a relação entre o humano
e as ovelhas, e nessa relação o humano humaniza as ovelhas para interagir com elas, mas
principalmente para dar sentido a si mesmo e suas próprias emoções. As imagens nos
conduzem a elementos presentes nessa vasta geografia: planos próximos às ovelhas, aos

7
With Sweetgrass, we try to give you a sense of almost synaesthetic participation, and a lot of that comes
from the sound, and from working with wireless lavs. The first year we used only four, listening to them
up to a mile-and-a-half away. The second year I had eight. Mostly I put them on people, but occasionally
I’d mike a horse, a dog, or a sheep.

7
cachorros; é uma sequência que nos traz o humano do longe para próximo, na
proximidade de uma silhueta que evoca a identidade cowboy americana.

Sobre como essa técnica afeta a forma do filme, disse John Seven em resenha
crítica publicada na página oficial do filme.

Você frequentemente tem esses planos bem distantes, bem pitorescos, bem
cênicos junto dessas exclamações bem guturais, exclamações quase não-verbais,
ou então as pessoas estão tossindo ou cuspindo ou rindo ou tentando recitar
pedaços de canções, o que é muito mais próximo da forma como nos
expressamos em nosso cotidiano, quando não estamos sendo entrevistados. 8
(SWEETGRASSTHEMOVIE, 2010)

O audiovisual, como meio e método, tem sido entendido como catalisador de


conhecimento multissensorial sobre experiências e lugares, usado tanto para a produção
de uma arte que transita entre espaços museológicos, cinemáticos e científicos, quanto
para a produção científica. Pink, nesse sentido, cita Macdougall e sua relação com
trabalhos de Ingold, Marleau-Ponty e Sobchack, apontando no audiovisual uma
capacidade sinestésica e metafórica de evocar a interconectividade dos sentidos e entre
estes, o meio-ambiente e as identidades.
Outro trabalho interessante com metodologias da etnografia sensorial é o trabalho
de Cristina Grasseni, que estudou a visão profissionalizada de pecuaristas do norte da
Itália. A câmera não foi usada como instrumento para a observação, mas para a facilitação
do aprendizado da pesquisadora sobre o uso do sentido da visão por essa comunidade. A
câmera auxiliou o processo de afinamento de sua visão, de aproximação do seu ver com
o ver que se dá a partir do trabalho dos pecuaristas. É um processo de desenvolvimento
de habilidade, onde o sujeito revela seus entendimentos sobre o seu ambiente com sons,
gestos e corpo, estabelecendo uma relação de aprendizado entre pesquisado e
pesquisador. Essa revelação se dá para um pesquisador que, para entender o sentido da
visão, precisa posicionar-se como um humilde aprendiz, aprendendo a ver.
Não foi até que o especialista direcionasse minha atenção para os detalhes que
ele estava avaliando que eu comecei a fazer sentido disso tudo, e eu podia filmar
algo mais consistente do que planos vagantes. Direcionar minha atenção era
diferente de simplesmente me dizer o que ele estava fazendo. (...) Como um
resultado de suas instruções, eu comecei a olhar as tetas por baixo, abaixando a
câmera para a altura do joelho. (...) eu também comecei a enquadrar as vacas

8
You often get these very objective, very distant, very picturesque, very scenic shots joined with these very
intimate, guttural, almost non-verbal exclamations, or people are coughing or spitting or laughing or trying
to recite half-remembered snatches of a song, which is much closer to the way we express ourselves in
everyday life when we’re not being interviewed. (Mitchel)

8
principalmente por trás, deixando a câmera um pouco acima de suas costas para
mostrar a linha da espinha e a largura dos ombros. Nesse caso, a câmera
funcionava como catalisadora de minha atenção, aprimorando meus olhos aos
ângulos visuais e as formas de enquadramento através do olhar do inspetor de
vacas. 9 (GRASSENI, 2004)

Sarah Pink também expõe, em diferentes artigos, como usou do vídeo em seus
próprios trabalhos, invocando a sensorialidade tátil, olfativa, emocional. Em um estudo
sobre o ativismo gastronômico Slow Food, ela pesquisou os jardins organizados pelo
movimento em um contexto multisensorial. Os caminhos construídos pelo jardim
evocavam, a partir de sua textura, do seu contato com os pés, memórias e conhecimentos
de um de seus entrevistados. Ela buscou gravar planos que proporcionassem a quem os
assistisse algo da sensação de estar naquele jardim, o pisar naquela terra; planos que
servissem para ela posteriormente usar para si mesma como registro de aspectos de sua
pesquisa, e para possivelmente produzir um texto multimídia para as outras pessoas
acessarem sua pesquisa.
Em outro trabalho, ela menciona um estudo que fez para a Unilever Research, em
que podia trabalhar com temas de seu interesse acadêmico como gênero, a casa e a
experiência sensorial; uma pesquisa voltada para a limpeza e os estilos de vida em espaços
domésticos.
Porque os sentidos são ‘mediados, interpretados, e conceitualizados’, nós não
podemos alegar ter precisamente as mesmas experiências sensoriais que os
outros, mas nós devemos também usar nossa experiência sensorial para
empaticamente e ‘criativamente construir correspondências entre nós mesmos’
(okely 1994: 47). A consciência reflexiva da dimensão sensorial e corporificada
do campo de pesquisa que Okely urge a nós nos engajarmos também destaca o
papel mais amplo que o conhecimento e a experiência sensorial possui na vida
dos informantes. Levanta questões sobre como os informantes podem comunicar
isso para antropólogos, e como nós podemos representar isso
antropologicamente. 10 (PINK, 2006)

9
It wasn’t until the expert started to direct my attention to the traits he was evaluating that I began to make
sense of it all, and I could film something more consistent than wandering shots. Directing my attention
was different from just telling me what he was doing. (…) As a result of his instructions, I started to look
at the udders from underneath, lowering the camera to knee-height. (…) I also began to frame the cows
mainly from behind, keeping the camera high above their back to show the line of the spine and the width
of the shoulders. In this case, the camera functioned as the catalyst of my attention, tuning my eyes to the
visual angles and the ways of framing the cow through the inspector’s gaze.

10
Because the senses are ‘mediated, interpreted and conceptualised’, we cannot claim to have had precisely
the same sensory experiences as others, but we should also use our sensory experience to empathetically
and ‘creatively construct correspondences between’ ourselves (Okely 1994: 47). The reflexive awareness
of the embodied and sensory dimension of fieldwork Okely urges us to engage with also highlights the
broader role sensory knowledge and experience plays in informants’ lives. It raises questions of how
informants might communicate this to anthropologists, and how we might represent this anthropologically.
(Pink, Sarah. Future of visual anthropology.)

9
Parte da pesquisa de Pink consistiu, portanto, em uma “turnê em vídeo” pela casa
dos 40 entrevistados, em que tanto ela apresentava questões guiadas pelos seus objetivos
etnográficos quanto se abria para aspectos julgados importantes pelos que davam
entrevistas. Esse percurso era marcado por sons, cheiros e toques, por todo o corpo
explorando, percorrendo, atuando, representando seu lar.

5. Conclusão.

As inovações tecnológicas implicam, com o tempo, em mudanças que trazem


diferentes possibilidades de experimentação, que podem enriquecer conceitos, pesquisas,
métodos e assim alterar dinâmicas de relações de poder acadêmicas.

Essas possibilidades podem contrapor perspectivas tradicionais de se fazer


pesquisa, e alguns projetos não se coíbem a transpor barreiras científicas para produzirem
um conhecimento que julgam mais potente. Sweetgrass, produzido por um laboratório
etnográfico da Universidade de Harvard, fundamenta-se em conceitos, entendimentos,
abordagens científicas para fazer arte cinematográfica, documentário, experimentação
etnográfica que não satisfaz festivais científicos etnográficos, mas que comunica cine-
etnograficamente a uma audiência frequentadora de salas comerciais de cinema, museus
universitários, festivais de arte.

Estudos interdisciplinares, associados a inovações aos recursos audiovisuais,


demandam que a ciência se abra para uma expressividade de linguagens diversas que
correspondam à possibilidade de um conhecimento multissensorial. Diversos estudos
apontam possibilidades que também não transpõem a fronteira científica, mas inovam
abordagens. O audiovisual é uma ferramenta de acesso a esse conhecimento
multissensorial para pesquisador, sujeito e audiência; é ferramenta para catalisar a
descoberta desse conhecimento que se encontra no encontro entre pessoas, objetos,
animais, climas, ocasiões, equipamentos e linguagem.

10
Capítulo 02.
Experiências e formas hibridas de abordagens audiovisuais às relações
entre pessoas e lugares rurais.

RESUMO
Esse segundo capítulo tem como intenção investigar uma tendência que começa a
ganhar mais destaque no início da década de 2000, de filmes rurais cujos realizadores
se mostram despreocupados com certos antagonismos comuns aos gêneros
documental e ficcional, e cuja despreocupação se reflete de maneira enriquecedora no
processo e resultado final de seus trabalhos. O que é comum aos distintos filmes
selecionados aqui, para além dessa despreocupação com fronteiras de gênero, é o fato
de tais filmes trabalharem com seres humanos em relação com o ambiente rural que
os envolve sensorialmente, aflorando sensibilidades que se demonstram apenas
possíveis como fruto de uma vivência entre personagens, realizadores a natureza e
seu envoltório. Propõe-se aqui destacar fatos da experiência de realização dos filmes
La Libertad (2001), de Lisandro Alonso; El Vuelco del Cangrejo (2009)¸ de Oscar
Ruiz Navia; e Alamar (2009), de Pedro Gonzalez Rubio. A intenção não é promover
algo como uma nova categorização, mas dar visibilidade a certas características e
tendências comuns que diluem pressupostos relacionados ao fazer e definir cinema.

11
1. Introdução.
No primeiro semestre de 2011, o UC Berkeley Art Museum e o Pacific Film
Archive, institucionalmente ligados às artes visuais na Universidade da Califórnia,
organizaram uma mostra titulada First Person Rural: The New Nonfiction, destacando
uma série de filmes que acabam por diluir fronteiras de gênero no cinema e que têm como
característica comum a construção de uma experiência cinematográfica com uma
constituição rica de detalhes sutis, investigando a relação das pessoas com o ambiente
rural que as envolve sensorialmente, transitando entre uma linguagem cinematográfica
que ora invoca o documentário, ora invoca a ficção, ora invoca algo de etnográfico, ora
invoca algo de experimental sem parecer estar se importando com essa transitoriedade,
constituindo na prática de fazer cinema um exercício de imaginação consciente por parte
de um grupo de pessoas em lugares. São trabalhos que acabam criando uma experiência
de intervenção artística rural que é meio “vida real” e meio cinema, aflorando
sensibilidades que se demonstram apenas possíveis como fruto de uma vivência entre
personagens, realizadores a natureza e seu envoltório.
Esse capítulo se propõe a analisar a forma fílmica em diálogo com a experiência
de realização de três peças audiovisuais, mas sem a intenção de seguir o título da mostra
do UC Berkeley Art Museum, ou seja, sem orientar o trabalho num caminho que busca
definir um novo ramo de alguma coisa ou de se estender em discussões relacionadas à
definição de um gênero. O interesse do capítulo é destacar fatos da experiência de
realização e da forma desses filmes; como e se essa experiência é influenciada pelo meio-
ambiente em que foram produzidas e como o meio-ambiente aparece na forma dessas
peças audiovisuais.
Dos filmes selecionados, dois estão presentes na seleção realizada pelo The Film
Archive: La Libertad, de Lisandro Alonso (Argentina, 2001); Alamar, de Pedro Gonzáles-
Rubio (México, 2009o outro filme se chama El Vuelco Del Cangrejo, de Oscar Ruiz
Navia (Colômbia, 2009). Sweetgrass, analisado no artigo anterior, de Lucien Castaing-
Taylor e Ilisa Barbash (EUA, 2010), também fez parte dessa mostra.
Não é em mesmo grau que tais filmes se encontram em termos de diluição de
fronteiras de gênero e tampouco se pode dizer que os filmes são de linguagem
extremamente próxima. As proximidades serão estabelecidas a partir do interesse da
pesquisa, destacando as concepções dos realizadores, os modos e as perspectivas de
produção, a relação que desenvolveram com os sujeitos de seus filmes, além de através

12
da ponderação sobre como as sutilezas das relações entre ser humano e meio ambiente
foram percebidas, gravadas e cinematizadas.

2. Entre ficções e documentários: sobre experiências entre fronteiras.

Um homem é escolhido para representar a si mesmo, fazendo o que na tradição


cultural de sua comunidade se faz e/ou se fazia, nos lugares que sempre se fez, mas com
alguns aspectos forjados para um dado evento específico. Esse evento foi a realização de
um filme que ganhou o título de documento, o primeiro filme de seu gênero (não sem
controvérsias), o documentário.
Allakariallak era um esquimó que caçava na região do Ártico Canadense, e um dia do
ano de 1920 esteve diante da câmera do cineasta Robert Flaherty, caçando focas mais ou
menos como se caçava naquela região, ao lado de duas mulheres que não eram
verdadeiramente as suas esposas, mas que, no filme-documento, saíram como se fossem
(ALLIA E BULL, 2005, Pg 35). Para as filmagens, o esquimó não caçou com armas de
fogo (como já se fazia naquele tempo), mas com arpões (como já não se fazia mais), a
pedido de Flaherty. Allakariallak representou diante da câmera, então, aspectos de sua
vida em uma realidade atemporal e imutável, não afetada e não ameaçada pela
modernidade já presente, apesar da presença consentida e gentilmente aceita (como
afirmam os títulos iniciais) de uma câmera financiada por uma companhia de couro de
focas.
Flaherty nos pede para suspendermos nossa descrença no
aspecto ficcional de sua história ao preço de uma certa
desonestidade no que ele nos revela sobre sua relação com seu
sujeito (NICHOLS, Pg 101).

Nanook do Norte é considerado o precursor de um gênero cinematográfico, o


documentário. Sua forma foi suficientemente particular ao ponto de criar uma nova
fronteira nesse então novo território chamado cinema. Desde seu nascimento essa
fronteira varia, todavia, em graus de nitidez. Conforme João Moreira SALLES,

De modo geral, desde Flaherty podemos dizer que todo documentário encerra
duas naturezas distintas. De um lado, é o registro de algo que aconteceu no
mundo; de outro lado, é narrativa, uma retórica construída a partir do que foi
registrado. (...) A camada retórica que se sobrepõe ao material bruto, esse modo
de contar o material, essa oscilação entre documento e representação constituem
o verdadeiro problema do documentário. (SALLES, 2004)

13
Não muitos anos depois de Nanook, o gênero documentário passou a ser pensado
e produzido como sendo o gênero cinematográfico que porta imagens com status de
realidade, fazendo de Robert Flaherty um exemplo a não ser seguido. John Grierson é o
cineasta que com mais repercussão pensou e difundiu essa noção. Burch aponta que essa
ética de pensar o cinema documentário como registro do real afetou profundamente a
evolução do cinema, criando uma obsessão de responsabilidade social que pesava mais
sobre os cineastas do que sobre outros artistas. Essa perspectiva, ainda conforme Burch
em Práxis de Cinema, trazia uma

ética [que] implicava, no próprio seio do filme de não ficção que defendia, uma
distinção entre mensagem e poesia (BURCH, Pg 186).

Após a Segunda Guerra Mundial, mutações ocorrem de maneira intensa na


linguagem cinematográfica, e Burch aponta o surgimento do que chama de não-ficção,
filmes que não buscam uma objetividade absoluta em relação ao mundo que filmam
(BURCH, Pg 188), mas cuja forma traz uma meditação sobre a realidade, com
argumentos que não são passivos, mas ativos. Essa meditação da realidade traz diversas
experiências de coexistência e interação entre forma documental e forma ficcional, entre
imagens que registram fatos do mundo subjetivamente real e imagens que são forjadas
para o cinema. Jean Rouch é um cineasta e cientista social que contribuiu bastante para
esse processo, fazendo surgir uma forma de cinema que foi chamada de etnoficção; aberto
para a resposta de seus sujeitos, ao engajamento desses no processo de realização e com
a presença de uma câmera que provoca e não que grava passivamente, realizando um

Trabalho [que] contribuiu grandiosamente para a revitalização do cinema que,


estimulado pelas tomadas em locações reais do neorrealismo e os atores ‘já
prontos’, estava acontecendo no fim dos anos 1950. Ele desenvolveu – e
legitimou – um modelo de realização fílmica artesanal, improvisado que
empregava atores não profissionais, câmeras portáteis e som sincronizado, e que
tinha um impacto potencial no cinema francês, especialmente para certos autores
da Nouvelle Vague para os quais Rouch se tornou primeiro uma inspiração e
depois um colega marginal. (LOSADA, 2010)

14
De Jean Rouch, Nouvelle Vague e Neorealismo italiano aos filmes que esse artigo
se trata, o que vemos são diferentes nuances ou graus dessa experiência que hoje já é
bastante comum. Cineastas contemporâneos como Pedro Costa e Abbas Kiarostami são
conhecidos por justaporem e hibridizarem ficção e documentário, um tanto
despreocupados com essas caracterizações. Pedro Costa, por exemplo, afirma que nunca
em sua vida se questiona sobre o gênero de seus trabalhos, sendo ficção e documentário
coisas inexistentes ou irrelevantes para a ação que julga importante realizar: filmar a vida.
(COSTA, 2007, pg. 135). O cinema de Kiarostami, por sua vez, também é reconhecido
nesse aspecto:

Ao realizar filmes para além das categorias ficcional e documental, o cineasta


[Kiarostami] parece professar a crença de que o cinema como um todo ainda
pode se relacionar com a experiência de vida das pessoas. Trabalhando no
terreno do cotidiano, da vida do dia-a-dia, o cineasta aumenta o potencial de seus
filmes produzirem linhas de força que apontam para a realidade vivida pelas
pessoas comuns. (PEREIRA, 2010)

Os seguintes capítulos se dedicarão a explorar filmes que perpassam essa questão,


sem, contudo, fazer com que essa dicotomia seja a questão central de seus trabalhos. São
filmes que de alguma forma trazem essa mesma ideia de Pedro Costa de estar filmando a
vida, poetizando-a, indo para um “depois anterior” à dicotomia inaugurada por Nanook,
com a inicial desleal pretensão que o envolveu, querendo outorgar o status de realidade a
um trabalho de registro e de imaginação ficcionalizante de Flaherty sobre seu objeto.
O interesse aqui, é, portanto, no potencial do cinema como agente e meio de vida,
revelador de possibilidades de realidade e imaginação em nossas relações com as pessoas,
os lugares e seus seres.

2. La Libertad, de Lisandro Alonso. (Argentina, 2001)

Lisandro Alonso é um realizador de cinema, hoje bastante reconhecido, que em


2001 lançou seu primeiro longa-metragem, em suas próprias palavras uma obra
arriscada, radical e extremista porque se propõe ao espectador o desafio de armar seu
próprio filme na cabeça. (LOSANDES.com.ar, 2001). Daí poderia resultar uma das
interpretações para seu nome: La Libertad.

No ano de 2000, na região dos pampas argentinos, Misael Saavedra, lenhador e


protagonista da película, esteve durante 12 dias diante da câmera de Lisandro Alonso. Os

15
dois trabalhavam juntos no sítio do pai do cineasta, e conviveram durante oito meses antes
de Lisandro se sentir à vontade para perguntar a Misael se não concordaria em participar
de um filme (PEREZ, p. 3). Esse concordou e as gravações ocorreram ali mesmo onde
conviviam, em 35mm, com o apoio financeiro da família do cineasta.

Misael trabalha diante da câmera de La Libertad fazendo mais ou menos o que


sempre fez para sobreviver: selecionando, cortando, preparando e vendendo árvores. Foi
a partir de ações comuns ao cotidiano de Misael que o diretor articulou encenações e com
um roteiro de cinco páginas criou sua obra de estreia, com mais de uma hora de duração.

O filme ganhou notoriedade ao ser o único latino-americano selecionado para


Cannes em 2001. Antes da seleção, La Libertad se encontrava pronto e engavetado porque
ninguém estava interessado nele, segundo o próprio autor em entrevista para Demetrios
Mathieou.

Sem o festival de Cannes, eu certamente não existiria como filmmaker. Se esse


homem não tivesse vindo a Buenos Aires, eu não estaria aqui, porque o Instituto
(Instituto Nacional de Cine e Artes Audiovisuales) não gosta dos meus filmes
(MATHIEAU, 2010)

La Libertad tem como premissa o registro de vivências reais e encenadas ao


mesmo tempo, apresentando, conforme Lhahi,

um ‘sujeito documentalizável’ que (Lisandro) indaga com um ‘olhar não


documental’. [...] La forma elíptica y distanciada con que Alonso sigue,
literalmente, a su personaje en ningún momento guarda la intención de generar
una información concreta sobre sus actividades, por lo menos no en la forma en
que lo haría un documental. (LHAHI,, 2003)

Sendo assim, parte da atenção que atraiu na época de seu lançamento estava no
fato de que Lisandro não fixou a forma de La Libertad em um ponto da fronteira entre
documentário e ficção, possibilitando que se interprete o trabalho a partir da própria força
da transitoriedade e da indefinição quanto ao conceito liberdade (La Libertad).

Os acontecimentos do filme podem ser resumidos em dois parágrafos. Após


iniciar com os créditos ao som de uma música eletrônica, deparamo-nos com um plano
médio de Misael jantando de frente para uma fogueira. Entra o título do filme. Após isso,
vemos planos sequência de Misael, agora de dia, trabalhando a madeira de várias formas.
Ele pausa o trabalho para almoçar enquanto escuta um rádio tocar cumbia. Misael
descansa a siesta, e a câmera transita pelo ambiente ao seu redor, pelas árvores.

16
Essas ações já contam meia hora de filme, e só aí nos deparamos com o primeiro
dialogo: é entre Misael e o dono de uma caminhonete, que tomará emprestada para ir
levar a madeira que trabalhou. Ele vende a madeira, vai à vila, abastece a camionete,
compra cigarros, faz uma ligação, e depois retorna para o seu ambiente de trabalho, onde
prepara sua janta e depois a come, no mesmo plano do começo do filme, mas dessa vez
encarando o espectador.

Há uma opção por planos sequência (em sua maioria médios e gerais) porque,
segundo Alonso, assim se deixa que o personagem tenha o poder de narrar uma história
por si mesmo, sem a intervenção obvia e explicita do diretor. (losandes.com.ar). Além
disso, os planos sequência e o ritmo criado por eles determinam uma temporalidade que,
pessoalmente, é de um potencial incrível. Há um contraste bastante significativo entre o
tempo em que vemos Misael trabalhar a madeira e o tempo em que o dinheiro, resultado
desse trabalho, é gasto. Esse tempo enriquece de sentidos o filme.

Não há, em La Libertad, uma prolixa cadeia de causas e efeitos na narrativa, nem
uma super produção estética, nem um discurso pedagógico sobre o sujeito e o seu espaço,
nem tampouco

politicas propias de algun realismo (...), sino que cierta preocupación constante
por sus materiales, inclusive pelo próprio meio mais que pela linguagem (...)”.
(Lhahi, 2003)

O que há em La Libertad é uma situação em que corpos são dramatizados em suas


relações, em temporalidade e espacialidade entre a imaginação episódica e a vivência
cotidiana.

O imaginário do realizador se articula com a dinâmica existente em um ambiente


rural, e cria uma experiência de imersão no percurso do corpo de seus personagens, que
tampouco é a imersão no registro de algo que se pretenda puramente real, mas o forjar de
um “um mundo entremeio” cinematográfico, e aí é interessante invocar a relação dialética
entre lugar e espaço que está presente no cinema, em reflexões de Michael Snow ligadas
ao cinema experimental, citadas por Russo como presentes no cinema de Lisandro
Alonso:

el cine es un artefacto cuyo trabajo consiste en transformar el espacio en lugar.


Mientras que el espacio es un territorio objetivo, mensurable, apto para
cuantificaciones de todo tipo, el lugar es una extensión vital cartografiada por
un sujeto, atravesada por distintas formas de afección. Mientras una casa es una

17
estructura organizada tridimensionalmente en el espacio que puede ser
planificada, construida o eventualmente derrumbada, será un hogar cuando
alguien la designe como tal porque en ella identifica un lugar de refugio y
pertenencia, esto es, será un lugar al convertirse en eso para alguien (RUSSO,
2007)

O autor diz isso para afirmar que o cinema de Lisandro Alonso, mesmo sem se
adequar a categoria de cinema experimental, não está alheio de transformar um espaço
em lugar, tanto para o personagem quanto para o espectador.

Considerando isso, é importante destacar como o trabalho é o motriz da


construção das afeições que dão mais densidade ao drama de La Libertad. A maior parte
dos minutos que os espectadores habitam nesse lugar é presenciando uma grande labuta
de Misael para conseguir alguns poucos trocados que o possibilite comprar produtos e
pagar por serviços privatizados (telefone, gasolina). Esse aspecto do filme foi analisado
em artigo de Andermann (2007), onde é discutida a representação da economia argentina
no filme. Em tal artigo, Misael é colocado como expositor máximo das lógicas
exploradoras de um mercado que já não tem mais uma economia local ou um Estado
como mediador, um mercado que não valoriza “o trabalho (é dizer, o saber encarnado,
a habilidade).”.

Tenho a opinião, todavia, de que o expositor máximo de fato dessa condição criada
pelo mercado explorador no filme é, possivelmente, o meio ambiente, também existente
nesse lugar como protagonista, destacado no trabalho de som e em alguns planos em que
o cineasta transita pelas arvores sem a presença de Misael. Testemunhamos também a
posição de seu corpo na lógica do mercado. Sua condição de mera matéria-prima barata.
Em um lugar onde o trabalho e a lógica de mercado esmagam com sua presença, não há
tanto espaço para a interação entre o humano e a natureza para além da interação de
sobrevivência e exploração, embora o Misael não cinematográfico também tenha essa
outra vivência.

Os filmes curados pela série First Person Rural: The new non-fiction do Museu
de Artes de Berkeley apontam o surgimento de uma nova não-ficção a partir de La
Libertad; são filmes que compartilham certas características como “longas tomadas
observacionais e quietas”; “uma narrativa que se desdobra como um documentário, sem
ser”; “um cinema de e para os sentidos, (...), um cinema pastoral, verdade, mas que
investiga a complicada relação, ou a falta dela, entre a humanidade e o seu ambiente.”
(SANDERS, 2011). Considerando o que foi dito, tal caracterização resume bastante bem

18
o feeling de La Libertad e nos capítulos subsequentes veremos como se dá,
diferentemente, a procedência dessas características em outras experiências que
compartilham semelhanças com essa.

3. ALAMAR, de Pedro Gonzalez Rubio (México, 2009)

Quando o cineasta Pedro Gonzalez Rubio se encontrou com Jorge Machado pela
primeira vez, procurava locações para realizar um filme que mostrasse

um homem indo para o seu lugar de origem, onde através de atividades bem
básicas ele se encontraria com sua natureza ancestral, e então morreria
(PHILONFILM, 2010)

Pedro era formado em cinema em Londres e trabalhava há sete anos na região dos
caribes mexicanos, onde Jorge também trabalhava como guia de passeios ecológicos11. O
cineasta instintivamente viu no guia uma pessoa interessante para cinematizar sua ideia e
passou a conviver e a conhecer mais a vida desse homem. Assim descobriu que Jorge
havia feito um filho com uma italiana, e foi aí que começou

a pensar que essa história de um homem que vai morrer aqui em Banco
Chichorro, bem, esse homem é [esse filho] de cinco anos de idade (...), mas [a
história] é uma jornada de iniciação na vida (...), em vez de falar de morte, nós
estamos falando da vida, um começo. (PARALLAXVIEW, 2010)

O cineasta convidou o pai do garoto, conversou com a mãe, e envolveu todos em


seu projeto.

Alamar, lançado em 2009, passa-se em um exuberante lugar chamado Banco


Chichorro, onde Jorge, um pescador que trabalha com seu pai Matraca, recebe durante
um tempo a visita de seu filho Natan, garoto de cinco anos que mora na Itália com sua
mãe Roberta. Jorge e Roberta viveram uma relação amorosa, ambos se gostam, mas um
não consegue viver no ambiente do outro: Roberta é da cidade, Jorge é da floresta. O
filme mostra a ida de Natan ao ambiente que vive seu pai, onde juntos eles navegam,
nadam, pescam, comem, brincam, limpam um barco, alimentam crocodilos e garças,
especialmente à Blanquita (uma garça que Natan se apega emocionalmente). Essas ações
catalisam uma relação entre pai e filho cuja beleza se expande através da natureza que os
envolve. Fatos das vidas reais de Pedro e Natan se misturam com o imaginário do diretor,

11
http://revistatoma.wordpress.com/2011/10/04/pedro-gonzalez-rubio-zarpa-a-la-mar/).
19
construindo personagens e eventos meio reais e meio fictícios, criando assim uma
experiência cinematográfica bastante interessante em sua simplicidade.

As imagens foram feitas com uma câmera HDV, uma equipe de duas pessoas (o
próprio Pedro e Manuel Carranza, quem gravou o som) e apenas 11 indivíduos listados
em todo o seu processo de realização pelo IMDB. Antes de iniciá-las, a dupla viveu seis
semanas na locação para alimentar intimidade com o local e as pessoas:

eu estava dormindo em minha própria rede e o operador de


som também estava lá, (...), em vez de chegar no lugar e
manipular as coisas para o filme, o caminho era outro, era
como essas coisas iriam afetar o filme e a história.
(PHILONFILM, 2010).

Alamar não tem, assim, forma fixa no gênero de documentário ou ficção. Seu
realizador mesmo diz que “não se sente confortável com a categorização dessa
dualidade”12. Essa despreocupação se reflete no processo de filmagem, onde o foco maior
era na realização de atividades planejadas pelo cineasta que pudessem ajudar: 1. Na
evolução do relacionamento entre Jorge e Natan, fortalecendo laços reais entre um pai e
seu filho, 2. na relação desses com Matraca, quem não é nem avô nem pai de verdade de
Natan e Jorge e 3. na documentação de atividades de trabalho tanto ficcionais quanto de
subsistência das cinco pessoas da “equipe de filmagem” (a pesca, especialmente). Sem
ensaios, mas com preparação: a câmera muitas vezes está um passo à frente dos
personagens, já preparada para a sua planejada presença.

Vemos, nesse método, um engajamento dos corpos de todos os envolvidos na


realização de atividades que tem funções de subsistência e funções cinematográficas, e
de como esse engajamento intencionalmente influencia na estética do filme. Em estudo
sobre a “estética do fluxo” no cinema contemporâneo oriental, Camila Vieira traz algumas
reflexões pertinentes aqui:

Ao apontar corpos em cena que estão em constante relação, Shara, Café


Lumière, Adeus Dragon Inn e Mal dos Trópicos acionam uma “estética do
fluxo”, que não se reporta exatamente à velocidade e aos fluxos de informação
proporcionados pelas novas tecnologias midiáticas, mas diz respeito àquilo que
o crítico da Cahiers du Cinéma, Stéphane Bouquet, compreende como
possibilidade diferente de se pensar a linguagem cinematográfica na
contemporaneidade: um tipo de cinema pleno de sensações, que desencadeiam
uma multiplicidade de estados possíveis, a partir de uma série de procedimentos
(uso da câmeracorpo, investimento em fios narrativos, etc) que exploram a

12
http://parallax-view.org/2010/12/02/at-his-own-pace-a-short-talk-with-pedro-
gonzalez-rubio-director-of-alamar/
20
relação corpo/espaço dentro de uma experiência do tempo como atmosfera.
(SILVA, 2009)

Blanquita é um elemento dessa história que explicita bem a singularidade dessa


perspectiva. A figura da garça em seu ciclo migratório é metáfora orgânica da forma a
qual a história se desenvolve e envolve seus corpos. Observando a trajetória desse
personagem no filme vemos as peculiaridades de sua forma.

Aos 38 minutos da película, somos postos diante de um grande plano geral


composto pelo mar, árvores e galhos secos ao fundo, e uma garça simetricamente
centralizada na composição. Aí Blanquita entra para a história. O plano seguinte é de
Natan abrindo a porta da palafita em que está vivendo e colocando uma pedra para segurar
a porta do vento. Em seguida vemos em primeiro plano uma garça milimetricamente
centralizada, na varanda da palafita. Natan se aproxima dela, mas não a espanta. A garça
entra na casa e passa por Jorge, que estava trabalhando, mas que começa a observar com
atenção o desenrolar da presença da ave. O próximo plano é um close da criança abraçada
com seu pai, quem conta a ela que a garça se chama de “Carrapatera”, que ela vem de
muito longe. Por fim, os dois começam a procurar baratinhas na casa para alimentar o
animal.

Essa é a primeira presença de Blanquita no filme. É uma presença curiosa e


aparentemente despretensiosa, pois surge depois de mais de meia hora de duração. Ao
mesmo tempo que é inesperado, o evento é cinematograficamente representado com
características de ficção: Blanquita está centralizada milimetricamente em seus primeiros
planos no filme, no primeiro mostrando sua presença no exuberante lugar e no segundo
na varanda da casa.; além disso, acompanhamos Natan abrir a porta para encontrá-la,
plano gravado separado do momento em que o pássaro realmente estava. Segundo
Gonzales Rubio, o pássaro apareceu pela primeira vez quando eles já estavam na segunda
viagem de filmagem para o local. O pássaro apareceu um dia, entrou na casa, Natan ficou
curioso e a experiência foi filmada.

Então o inesperado aconteceu: o mesmo pássaro voltou no outro dia.


(CINEMASCOPE, 2010)

Vemos o pássaro passeando pela varanda da casa e até mesmo dentro do barco
quando todos vão pescar.

21
A segunda presença de Blanquita no filme é bastante interessante, pois vemos a
intimidade que Jorge tem com ela, a delicadeza da sua relação com o animal, e vemos a
transmissão dessa intimidade e dessa delicadeza de uma geração para outra. Aos 51
minutos, em um plano longo, Blanquita entra novamente na casa de Jorge e Natan. Os
dois ficam próximos a ela e Natan tenta trazer a garça para si com certo alvoroço. É
quando Jorge dá lição a Natan de como o fazer, e é enfático

Com calma, filho, com calma. Se você fizer assim ela se espanta. Você tem que
ser delicado, é uma ave. È uma ave que é selvagem, ela vive o tempo todo entre
aves, nós somos muito grandes para ela.

A terceira presença de Blanquita no filme é marcada pela sua ausência. Blanquita,


depois de aparecer várias vezes na palafita e conviver com Natan e Jorge, desaparece.
Natan grita seu nome e sai com seu pai percorrendo toda a comunidade a gritar por ela.
A relação que teve início aos 40 minutos de filme atinge uma dramaticidade inesperada e
bastante intensa pouco mais de 10 minutos depois. Natan sobe em uma torre, e escutamos,
vendo em um plongée dessa torre, ele dar um longo grito que atravessa o plano da torre e
vai para um plano panorâmico de um pedaço de terra e o oceano, o horizonte, o além-
mar. Temos aí misturados planos feitos para fortalecer a ficção e planos que registram
uma busca real de Natan. Essa busca catalisa um choro verdadeiro na criança, pois,
segundo o diretor do filme

ele pensa que o pássaro é um animal de estimação, mas ele tem que se dar conta
de que esse pássaro é selvagem. A vida selvagem não pertence a nós, vai para
onde deseja, no seu próprio ritmo, no seu próprio tempo. Quando ela parte, Natan
descobre que a deve deixar ir. E também deve se deixar ir de seu pai.”.
(PARALLAXVIEW, 2010).

Jorge, nesse momento, fala para seu filho que os dois estarão juntos apesar da
distância. Depois dessa cena, não tarda muito ao filme acabar, com o fim da jornada e
Natan retornado a Itália.

O que é interessante destacar, então, é esse jogo entre as relações reais dos
personagens com o meio ambiente e uns com os outros, e a habilidade sensorial do diretor
de ir construindo sua narrativa a partir do inusitado, da colagem de situações e momentos
“documentais” com situações “ficcionais”. Assim como em La Libertad, há a construção
de sujeitos documentalizáveis que são indagados como um olhar não documental, como
Blanquita. Segundo o diretor,

22
quando ela veio o segundo dia eu me dei conta de que ela era um personagem ou
fator importante para o filme. Eu sabia que ela não viria todos os dias, então
quando ela voa embora é como Natan voando embora, e é uma metáfora perfeita
para o próprio destino de Natan”.(PHILONFILM, 2010)

A opção pelos planos gerais nos leva a esse lugar, a Banco Chichorro; os planos
fechados nos personagens nos aproximam deles, e o fato desses planos serem longos
aprofundam nossa presença no tempo desse lugar, dessa relação. Assim como em La
Libertad, em Alamar também há

um drama extraído de uma vigilância permanente do mundo natural e de uma


figura corporalmente encravada dentro dele” (Jay Kuehner), e a “aventura de se
instalar em um tempo e espaço distinto, renovado” (RUSSO, 2007).

Assim como em La Libertad, o trabalho também assume um papel central no


desenvolvimento da narrativa, já que é no seu realizar que a relação entre os personagens
se aprofunda. De qualquer forma, em Alamar não é possível dizer que o tema do filme
seja o trabalho. Há uma forte representação de uma relação entre pai e filho, e a dimensão
da relação entre humano e meio ambiente transcende também a relação de subsistência
para uma relação mais subjetiva, onde a natureza não existe para a exploração apenas,
mas sobretudo para simplesmente existir. Nesse existir, ela é rica de significados para os
humanos que nela vivem. Natan encontra na relação que desenvolve com Blanquita
significados de sua própria vida.

Após o término do filme, há uma breve mensagem textual de preservação de


Banco Chichorro, lugar transformado em patrimônio da UNESCO. Alamar traz,
finalmente, perspicazes idealizações de relacionamento, idealizações que não são só
mentiras para mídia, muito pelo contrário, parte de sua realidade está registrada. A
posição do meio-ambiente no filme é de um lugar que é preservado em parte através do
que Jorge ensina a Natan: a natureza tem seu próprio ritmo, e nós nos aproximamos dela
com cuidado, calma e delicadeza.

3. El Vuelco del Cangrejo, de Oscar Ruiz Navia.

No ano de 2002, o diretor Oscar Ruiz Navia foi à pequena comunidade litorânea
afro-colombiana de La Barra como um turista. Depois de então, voltou recorrentemente
ao lugar, hospedando-se na casa de um homem conhecido como Cérebro. No ano de 2005,
quando estava prestes a concluir seus estudos em Comunicação Visual, chegou em La
Barra para passar as férias e constatou que o local estava sofrendo transformações trazidas

23
pela chegada da energia elétrica. Oscar visualizou esse sofrimento quando certo dia um
homem branco de outra localidade permaneceu o dia inteiro com o som tocando música
alta e vendendo cerveja, irritando a Cérebro. Assim contou o diretor colombiano em
entrevista para Camille Pollas do website Critikat,

Ao viver isso eu disse para mim mesmo que seria interessante fazer um filme
sobre isso, sobre um homem que viaja a esse povoado e que descobre essa
situação. (...) os problemas sociais do povoado me interessavam bastante
também. Eu queria fazer um filme sobe isso, um filme que propusesse um ponto
de vista sobre essa questão. Não necessariamente dar voz a essas pessoas, ou
dizer ‘o mundo é assim’, mas mostrar um ponto de vista, além de que fosse um
filme bem sensorial.13 (POLLAS, 2011)

Oscar perguntou à Cérebro o que ele achava de se fazer um filme ali. Esse levou
a ideia ao Conselho Comunitário de La Barra, e daí em diante se iniciou um processo que
durou anos, envolvendo a realização de oficinas de audiovisual, captação de recursos,
preparação de equipe e, finalmente, filmagem de um longa-metragem na comunidade,
com escassos recursos e uma equipe mínima, expondo problemas e situações vivenciadas
pela comunidade e pelo jovem cineasta nas suas estadias pelo lugar.

E eu tentei também integrar todo o tempo meus colaboradores, chefe de


operação, diretora artística, produtora, não somente que a comunidade
conhecesse a mim mas também a equipe. Nós buscamos muitos financiamentos
mas não conseguimos dinheiro. A tal ponto que um dia, já fazia três anos que
havíamos começado o processo, tomamos uma decisão de começar o filme,
porque a comunidade estava um pouco ansiosa, cansada que as gravações não
ocorressem. 14 (POLLAS, 2011, trad. nossa)

O filme traz como protagonista o jovem Daniel (Rodrigo Velez) que chega em La
Barra um tanto desorientado e com pressa de partir. O jovem acaba permanecendo mais

13
En vivant ça je me suis dit que ce serait intéressant de faire un film là-dessus, sur un homme qui voyage
dans ce village et qui découvre cette situation (...) Les problèmes sociaux du village m’intéressaient aussi
beaucoup. Je voulais faire un film sur ça, un film qui propose un point de vue sur cette question. Pas
nécessairement se faire la voix de ces personnes, ou dire « le monde est ainsi », mais montrer un point de
vue, et que le film soit très sensoriel.

14
Et j’essayais aussi d’intégrer tout le temps mes collaborateurs, la chef opératrice, la directrice artistique,
la productrice, pas seulement que la communauté me connaisse moi mais aussi l’équipe. Nous avons
cherché beaucoup de financements mais on n’a pas trouvé d’argent. À tel point qu’un jour, ça faisait déjà
trois ans qu’on était dans ce processus, on a pris la décision de commencer le film, parce que la communauté
était un peu anxieuse, fatiguée que le tournage ne démarre pas.

24
do que quer, pois precisa de uma lancha para sair do lugar e os pescadores estão pescando
em alto mar, em consequência da falta de peixes que a comunidade passou a enfrentar
nos últimos tempos. Hospedado, a pagar com trabalho, na casa de Cerebro, que interpreta
a si mesmo, o rapaz permanece por um tempo e se envolve com o cotidiano e os problemas
do local. Há um processo de resignificação de fatos da vida da comunidade e de vivências
do diretor e sua equipe no local, construindo personagens e eventos meio reais e meio
fictícios, interagindo três atores com a atuação de vários personagens da comunidade ou
de redondezas.

El Vuelco Del Cangrejo foi o filme indicado pela Colômbia para concorrer a uma
vaga no Oscar em 2009 e recebeu, dentre outras premiações, o da Federação Internacional
dos Críticos (Fipresci) no Festival de Berlim do mesmo ano e o prêmio especial de Obra
Prima no Festival de Habana, além de ter participado de outros diversos festivais e tido a
bilheteria de 24.185 pessoas em seu país. (proimagenescolombia, 2011.)

O filme tem uma forma que traz bastante do documental. Questionado em


entrevista do porquê de não ter optado por um “documentário puro”, Oscar Ruiz Navia
diz que

O documentário não faz realmente o real. Eu penso que a ficção pode


perfeitamente o fazer melhor e de maneira mais interessante.15 (POLLAS, 2011)

Tampouco julga o diretor que adote políticas próprias de algum realismo,

Há o real e o realismo, para mim o real é mais interessante mas não para fazer
realismo, mas para o poetizar. Não uma poesia carregada de informação, mas
uma poesia bastante elementar. 16 (POLLAS, 2011)

Esse pensamento influenciou no método de realização ao flexibilizar o que, por razões


técnicas, estava bastante planificado.
Eu dizia então que não seria como filmar uma peça de teatro, mas como um
momento de verdade a ser registrada. Apesar de tudo que fizemos com os atores,
não repetíamos jamais as cenas. Tínhamos o lugar e a câmera, o que restava a
construir, se construía no momento com eles. 17 (POLLAS, 2011)

15
le documentaire ne rend pas forcément très bien le réel. Je pense que la fiction peut parfois le rendre
mieux et de manière plus interessante”.

16
Il y a le réel et le réalisme, moi le réel m’intéresse mais pas pour faire du réalisme, plus pour le poétiser.
Pas une poésie chargée d’informations, plutôt une poésie très élémentaire.

17
Je disais souvent que cela n’était pas comme filmer une pièce de théâtre, mais comme un moment de
vérité à enregistrer. Malgré tout ce qu’on avait fait avec les acteurs on n’avait jamais répété les scènes. On
avait le lieu et la caméra, ce qu’il restait à construire, c’était ce moment avec eux.

25
Vejamos como isso se traduz em algumas cenas do filme. Por volta dos 23 minutos
de duração, tem início uma sequência noturna onde há uma celebração na beira de uma
fogueira dedicada aos pescadores que estão em alto mar, “para que cheguem
carregados”. Podemos dividir a sequência em duas partes. A primeira tem início com um
plano médio de duas senhoras explicando a ocasião e os tambores começando a tocar, nos
levando a ver os tambores e instrumentos musicais em primeiro plano e em planos
detalhes. Vemos Cérebro tocar ao lado de outras pessoas, ele puxando o coro da música
e o coro respondendo. Vemos primeiros planos dos tocadores e planos conjunto de
mulheres dançando. A segunda parte da sequência ocorre depois que a música se encerra,
e vemos, em três planos, Daniel compartilhar a bebida e conversar com Cerebro na beira
da fogueira. Cerebro compartilha com Daniel a história de seu apelido, e parte de sua
história de vida. Também fala o quanto as coisas estão mudando, que poucas pessoas se
importam com essa comunidade. Daniel escuta tudo e apenas fala a Cerebro que “precisa
ir”.

A primeira parte dessa cena é o registro de uma manifestação cultural da


comunidade. Mesmo que esse não seja o registro de um momento que ocorreu
naturalmente, e sim um registro em função de si mesmo, ele antecipa um aprofundamento
da tensão entre o status ficcional e o status documental da imagem que assistimos. O
segundo momento da cena nos traz primeiramente o depoimento de Cerebro acerca da
origem de seu apelido e em seguida conversa com o outro personagem sobre sua situação
e o adverte da impossibilidade dele partir no momento. Cerebro, um personagem que
interpreta a si mesmo, compartilha a sua história real de vida enquanto contracena com
Daniel, que é ficcional.

Pouco depois de uma hora de filme, tem início uma sequência em que Daniel e
Cerebro vão juntos em busca de troncos de madeira, adentrando com uma canoa pelo
interior da floresta que rodeia a praia. O primeiro plano dessa sequência traz um plano
geral de Cerebro no centro da tela tirando água de dentro da canoa e Daniel o observando
na lateral direita da tela. Esse plano dura cerca de 40 segundos. Em seguida temos um
plano de dentro da canoa, da altura de seu piso, que mostra as pernas de Cérebro e Daniel
entrando na canoa. Escutamos, em meio ao som da floresta, Cérebro ensinar a Daniel
como se manter na canoa sem virar. Vemos um plano geral de um rio e a mata ao fundo,

26
a canoa entra do lado esquerdo do quadro e a vemos cruzar a tela. Com a canoa em
movimento, tem início um contracampo de Daniel e Cerebro com planos intercalados de
imagens da floresta e do rio que estão cruzando rodeados de mata por todos os lados.
Escutamos Cerebro contar a história da comunidade:

Acabaram -se os peixes de La Barra. Foi castigo da natureza. Gente de fora fez
pesca indiscriminada, e o pessoal daqui pesca o ano todo e mata machos,
fêmeas, os pequenos... Se você tira e não repõe, não volta a produzir. Quando
eu era pequeno, tinha muitos peixes: corvinas, pargo, bagre, peixe-espada,
camarão, marisco, tudo isso. Nasci em uma quebrada chamada Barradentro e
fui criado lá e em San Juan. Mas, quando o mar levou a praia de San Juan, as
pessoas começaram a vir para cá. (...) Era só mato, por isso esta terra é dos
negros.

Vemos os dois descerem da canoa, Cerebro cortar um coco, os dois colocarem alguns
troncos na canoa, e em seguida pararem a canoa para continuar a conversa enquanto
fumam um cigarro de maconha. Cerebro fala

Escute, se ficar em silêncio 5 minutos fica louco. Olhe esse pássaro. O nome
dele é Chicão.(transcrição e tradução nossa)

Enquanto isso, a câmera vai circulando os personagens em primeiro plano,


escutamos no primeiro plano sonoro o som da floresta, de pássaros. Daniel diz não ver o
pássaro, e Cerebro pergunta se ele está cego e a sequência chega ao fim com um plano
geral da floresta.

Nessa cena, em particular, a natureza do lugar tem espaço para falar e ser
apreciada, já que tão sufocada pelo som do homem branco na comunidade. Destacamos
essa cena porque ela traz a experiência de sensorialidade que é bem comum com os outros
filmes, e porque ela reflete sobre a própria interação entre a pessoa/personagem e o seu
entorno. Cerebro pertence ao lugar em que estamos falando, ele compartilha sua própria
sensorialidade conosco, espectadores, através do personagem Daniel. Daniel é um
personagem que durante a maior parte da história se envolve com a comunidade, percebe
seus problemas e em troca da sua estadia trabalha para diminuí-los, mas permanece
imerso principalmente em si mesmo, em seus desejos e em memórias que diminuem a
disposição de seus sentidos para aquele momento e para aquele lugar. Através da
sensorialidade, de uma brincadeira com o som e com o espaço em que estamos imersos,
com o afeto ou não que sentimos com o som do pássaro Chicão nessa cena, podemos ter
uma análise tanto do personagem quanto de como nossa sensorialidade nos lugares, sejam
eles reais ou cinematográficos, é pautada na experiência cultural.

27
Autores como Ihde (2007) e Nancy (2002) já nos mostraram como, em uma
análise fenomenológica, o som inscreve-se em um espaço omnidirecional. Ele
seria, por natureza e de antemão, imersivo. O espaço entre os corpos,
preenchido pela reverberação do som em seu processo de expansão, é dotado
de informações que pertencem não a um objeto emissor ou a um receptor, mas
a ambos. Tais possibilidades da propagação sonora certamente interessaram a
muitos dos artistas e pensadores desde as investigações sobre um ou vários
“cinemas sensoriais” possíveis. Não se trata aqui, porém, de opormos visão a
audição, como se estas apresentassem características essencialmente díspares.
[...] Aprendemos a ver ou ouvir (tocar, sentir gostos e cheiros) em um processo
que envolve não aspectos biológicos, mas também relações
tecnossocioculturais. (ERTHAL e CASTANHEIRA, 2010)

Ambas as cenas destacadas não são um reflexo de uma forma contínua do filme,
mas fragmentos que potencializam algumas características que em outros momentos estão
presentes com menos força. A maior parte da película tem uma forma que está mais em
função dos dramas da comunidade e de Daniel: o som do homem branco nas alturas o dia
inteiro, a falta de peixes e escassez de comida, a condição da mulher e o uso do seu corpo
em negociações do cotidiano, as memórias nebulosas do passado de Daniel que não nos
são reveladas em nenhum momento.

Essas duas cenas estudadas são cenas em que Daniel e Cerebro se apartam um
pouco desse contexto, e na primeira cena se entregam ao som da ancestralidade africana
da comunidade e na segunda ao som da natureza que os envolve. Também são cenas em
que Cerebro compartilha a trajetória de sua pessoa e da comunidade com Daniel, e esse
compartilhamento se dá no tensionamento entre a forma da ficção, marcada, por exemplo,
pela presença da câmera antecipada nos lugares em que os personagens transitam, e pela
entrevista. Cerebro tem consciência de que sua fala é o registro da história de sua vida e
da história de sua comunidade, e isso é bastante importante para o filme em seu passado,
presente e futuro.

Entre os quatro filmes possivelmente esse seja o que menos tenha o trabalho como
tema, apesar dele estar presente na história como a própria forma que Daniel encontra
para permanecer ali sem estar trocando dinheiro com Cerebro, ou seja, sem estar pagando
com dinheiro pela sua hospedagem. O trabalho também catalisa a relação de Daniel com
alguns personagens, mas esse não se fixa como um tema forte do filme.

28
Por fim, a forma que El Vuelco del Cangrejo traz do meio ambiente realça quase
o inverso de Alamar. Banco Chichorro em Alamar é a idealização de um lugar e da relação
de pessoas com ele, com a intenção proclamada ao final do filme de não o deixar chegar
ao tempo e estado em que a La Barra representada por Oscar e sua equipe chegou. A
sensorialidade, de qualquer forma, invoca a natureza para trazer uma mensagem de
atenção, percepção e resistência: a última cena do filme é dos membros do conselho
comunitário empunhando facões, a cantar músicas de sua tradição para finalmente
enfrentar o homem branco com suas cercas, sua intransigência e o barulho de suas
máquinas.

4. Conclusão

Com a reflexão apresentada acima os objetivos da pesquisa se encontram


contemplados, porém distante de estarem esgotados. Existem várias nuances que
poderiam ser aprofundadas, personagens que poderiam trazer novos detalhes e enriquecer
mais o texto, conceitos que poderiam ser mais profundamente destrinchados.

Quanto ao aspecto das experiências de realização, as entrevistas possibilitam que


certos aspectos da trajetória de relações e intenções os realizadores tiveram, como seus
corpos se inscreveram e se engajaram nessa experiência e de como estavam atentos ao
que estavam fazendo, com quem estavam convivendo e o lugar em que estavam.

A análise da cena e/ou métodos de filmagem possibilitou invocar o que poderiam


ser essas delicadezas que estão presentes nessa relação e as cenas selecionadas traduzem
bem os conceitos. Não tentei trabalhar os conceitos todos juntos ou anterior às análises,
mas eles estão difusos e cada filme traz algum conceito que de alguma forma também diz
respeito ao outro. Não se trata de dizer que esses filmes compõem um gênero ou filão do
cinema, mas de estabelecer um link entre certas coisas que existem de comum. Poderia
igualmente escrever um artigo destacando sobre aspectos que eles não têm em comum e
desfazer intenções generalizantes.

Apesar de não buscar a categorização, também não creio que haja faltado
pontuações sistemáticas sobre essa questão, sobre de como elementos de diferentes
perspectivas históricas de se fazer cinema se envolvem, e de como essa tensão entre ficção
e documentário é invocada para o processo de racionalização sobre o conteúdo.

29
Capítulo 03.

Quando o vento toca os corpos e quando as ondas os levam e trazem de volta:


um adendo do Nordeste brasileiro.

Quando o cineasta Gabriel Mascaro se dispôs a viajar pela costa do Nordeste do


Brasil em busca de um filme, já possuía em seu currículo trabalhos relevantes e
interessantes no cinema documental e nas artes visuais. Diferente dos diretores e filmes
analisados no capítulo anterior, Mascaro, ao realizar o filme aqui apresentado, não havia
saído recentemente da faculdade, nem estava realizando seu primeiro filme (apesar de ser
o seu primeiro longa “ficcional”). Em vários outros aspectos, todavia, o trabalho do
diretor em Ventos de Agosto se aproxima e pode estabelecer diálogos interessantes com
os primeiros longas de Pedro Gonzales Rubio, Oscar Ruiz Navia e Lisandro Alonso.
Pode-se dizer que é um filme que também dilui e problematiza fronteiras de gênero no
cinema e constrói uma experiência audiovisual com ricos e sutis detalhes que investigam
a relação das pessoas com o ambiente rural que as envolve sensorialmente, aflorando
sensibilidades que se demonstram apenas possíveis como fruto de uma vivência entre
personagens, realizadores e a natureza como envoltório.

O ponto de partida do projeto Ventos de Agosto foi o encontro de Mascaro, na


costa do Nordeste brasileiro, com materialidades relacionadas ao abandono, a água, o sol,
o sal, o cimento e o vento. Particularmente inspiradores ao roteiro foram, segundo o
cineasta, um cemitério à beira mar onde restam corpos de uma comunidade pesqueira e
as mansões em ruínas que se estendem pela costa. Ambos os lugares de matérias em
desintegração e de memória restando acumulada; lugares sendo enfrentados pelo mar que
se eleva não só especificamente aí, mas em todo o mundo, como uma consequência do
aquecimento global. Vemos aí um tipo de tentativa de análise e compreensão das
subjetividades que envolvem um lugar não se limitando aos fatos sociais ou aos signos
envolvidos, mas inserido um pouco mais fundo na dinâmica ecológica através da qual a
comunidade compartilha uma percepção de uma realidade que afeta o globo.

O cemitério onde descansam corpos historicamente marginalizados e as mansões


abandonadas de ricos das cidades grandes sofrendo com o avanço do mar foram, portanto,
um interessante ponto de partida para o diretor. Segundo Mascaro

O cemitério no filme é real e as pessoas ainda tem essa conexão com os ossos
que algumas vezes vem do mar. Eu entrevistei pessoas e escutei histórias de

30
pescadores que ocasionalmente pegavam ossos quando estavam pescando com
suas redes. Então o cemitério proveu uma estrutura ficcional para lidar e interagir
com esse background, essa situação real. Quando a maré está alta, você não pode
andar para a água por conta das mansões. Essa costa inteira é como uma luta
entre natureza e mansões. Isso me pegou fortemente, a forma que essa pequena
vila se tornou coexistente com essas mansões grandes na costa. Ao mesmo
tempo, os residentes têm essa conexão em termos de mentalidade sobre como o
mar está destruindo uma parte de suas vidas. Tanto os pobres quanto os muito
ricos estão sendo engolidos. 18 (BOMBMAGAZINE, 2015)

Nessa perspectiva, o filme ganha o nome de Ventos de Agosto pela relação que
Mascaro estabelece entre a força “incontornável e extemporal da natureza sobre os
corpos” e os Ventos de Agosto na Zona Intertropical, num gesto que demonstra um desejo
de filmar não exatamente uma narrativa entre pessoas em um lugar, mas as relações entre
corpos e a materialidade da natureza sobre a qual estão sujeitos, mesmo que essa
materialidade seja sutil ou até mesmo invisível.

Ventos de Agosto, lançado em 2014, participou de algumas dezenas de festivais e


recebeu, dentre outros prêmios, Menção Especial no Festival de Locarno, melhor
fotografia e melhor atriz no Festival de Brasília e Melhor e Direção e Melhor Som na VII
Janela Internacional de Cinema do Recife.

As personagens que protagonizam a estória são Shirley, interpretada pela atriz


profissional Dandara de Morais, e Jeison, interpretado pelo morador local Geová Manoel
dos Santos. Além desses, passam pelas imagens outros moradores da comunidade e o
próprio diretor, interpretando um pesquisador que captura sons do vento, em um gesto de

18
The cemetery in the film is real and the people still have this connection with bones that sometime come
in from the sea. I interviewed people and heard stories of fishermen who would occasionally catch bones
when they were fishing with their nets. So the cemetery provided a fictional structure to deal and interact
with this background, this real situation. When the sea is at high tide, you can’t walk down to water because
of the mansions. The whole coast is like a fight between nature and big mansions. It struck me so strongly,
the way this small village has become coexistent with these big mansions on the seacoast. At the same time,
the residents have this connection in terms of their mindset about how the sea is destroying some part of
their lives. Both poor people and very rich people are being swept away.

31
auto-reflexão sobre o trabalho do documentarista, sobre seu próprio trabalho, conforme
discutiremos em parágrafos seguintes.

Mascaro acumulou, portanto, as funções de diretor, fotógrafo e ator no processo


de filmagem que ocorreu com uma equipe de apenas 5 pessoas em engajamento corporal
exaustivo. Asssim como Pedro Gonzales Rubio em Alamar, as edições iam ocorrendo no
fim dos dias de gravação, em avaliações sobre o que já estava filmado, determinantes dos
rumos do que ainda viria a ser, em um processo de criação um tanto quanto aberto ao
acaso, mesmo que tenha existido um roteiro ficcional.
O diretor dá privilegio, portanto, a meu ver, a uma poesia que envolve memória
social, sensorialidade e cognição de maneira a tornar para a própria equipe mais apalpável
a beleza do contexto social em que estão inseridos em suas práticas audiovisuais. Nesse
contexto, a audiovisualidade em projetos como esse pode ser vista a partir de uma
consciência epistemológica de que pesquisador e sujeitos em poder da câmera estão
corporificados em práticas culturais e relacionamentos sociais, uma experiência que não
é puramente visual, mas sensorial, corporificada, por vezes de caráter real e por vezes
esse real está impregnado de imaginação. Destacamos uma cena em que isso ocorre de
maneira curiosa.

Em torno dos 25 minutos de filme surge uma sequencia de ações subaquáticas,


ações de pesca (que, no contexto da presente pesquisa, lembram bastante cenas de
Alamar) em que Jeison encontra, entre corais, o crânio de um ser-humano.
Posteriormente, a equipe de filmagem uniu a esse crânio um dente de ouro. Shirley e
Jeison, curiosos com o achado, retornam de ônibus para a comunidade e questionam a
avó de Shirley sobre a origem daquele crânio. Ela desconhece. A curiosidade é saciada
de maneira surpreendente por Seu José, antigo pescador da comunidade que diz
reconhecer naquele crânio, a partir do dente de ouro, a figura de Zé Pereira, um pescador
que desapreceu quando Seu José ainda era uma criança.

Nós encontramos uma caveira mas nós colocamos nela um dente de ouro. Essa
adição foi ficcional, mas ele reconheceu a caveira de qualquer forma: “eu
conheci essa cara 40 anos atrás, ele tinha o mesmo dente de ouro”. Eu não sei se
ele estava mentindo para meu benefício ou não, mas esse é o ponto: mesmo eu
não sei onde a ficção começa e onde a realidade termina. As fronteiras estão
completamente misturadas. O que é ficção floresce no que é real, e o que foi real
se torna ficcional. Ao mesmo tempo, nós começamos a editar durante a produção

32
19
para que pudéssemos mudar de direção enquanto gravávamos.
(BOMBMAGAZINE, 2015)

Uma experiência tão delicada, provocada em torno de um processo de filmagem,


tem sua potência nessa despretensão de definir fronteiras entre registro do real e a
imaginação desse real, interferindo no avivamento da memória comunitária, de sujeitos
documentalizáveis em uma abordagem ficcional.

Assim como Oscar Ruiz e Pedro Gonzales, Gabriel Mascaro evita distinções entre
ficção e documentário, mesmo que seu filme seja circulado como ficcional, e constrói
experiências ricas e curiosas não só do ponto de vista cinematográfico, mas também
sócio-antropológico. Essa delicadeza peculiar do processo despreocupado com gênero
cinematográfico de Mascaro é bem perceptível na metáfora que a metéria de seu interesse
torna expressível:

Todos os meus trabalhos prévios como documentarista e como artista visual


foram contaminados por idéias e abordagens que talvez outros podem considerar
como se dando no campo da ficção. Por mais que eu reconheça Ventos de Agosto
como ficção, eu também reconheço que numerosos momentos do filme se
baseiam na minha experiência com documentário, em pessoas e encontros reais.
No núcleo de Ventos de Agosto estão ideias sobre como o vento transita pelo
espaço e pelo tempo de uma forma que comunica a própria natureza do filme.
Eu gosto de pensar no vento como soprando a nós em direções e ideias e
considerações que não esperamos. 20

19
We found a skull but we put in the golden teeth. That addition was fictional, but he recognized the skull
anyway: “I met this guy 40 years ago, he had the same two golden teeth.” I don’t know if he was lying for
my benefit or not, but that’s the point: even I don’t know where the fiction starts and the reality finishes.
The boundaries are completely mixed. What is fiction flourished into real, and what was real became
fictional. At the same time, we started editing during production so that we could change directions while
shooting

20
All of my previous work as a documentary filmmaker and as a visual artist has been contaminated by
ideas and approaches that others may consider as within the realm of fiction. Whilst I recognize August
Winds as a fiction, I also recognize the numerous moments that the film draws on my documentary
experience, on real people and encounters. At the core of August Winds are ideas about the wind that transit
time and space in a way that contaminates the very nature of the film. I like to think of the wind blowing
us in directions and towards ideas and considerations that we don’t expect it to.

33
Comparando novamente com os filmes estudados no capítulo anterior, pode-se
dizer que Mascaro problematiza essa fronteira entre documentário e ficção de uma
maneira bastante própria e perspicaz, como vimos com o caso da caveira. Questões que
envolvem o fazer documental são problematizadas pela própria presença do diretor em
Ventos de Agosto, em um gesto de auto-reflexão e de crítica conforme seus interesses.
Mascaro afirma que se esforça para problematizar a relação entre ética e alteridade no
fazer documental como um gesto de violência e violação da realidade.

As pessoas tem uma ideia muito ingenua de os documentários são uma estratégia
positiva para descrever a realidade, por mostrar e representar as pessoas e a
alteridade. Nesse filme, eu estava tentando dizer que esse relacionamento
também pode ser bem violento, bem tenso. É uma problematização das relações
éticas dentro desses mundos assimétricos. 21 (HAMPTONSFILMFEST, 2014)

Mascaro criou, então, estruturas ficcionais e as foi incorporando a momentos e


situações que se colocaram ao acaso no processo de filmagem. A personagem Shirley,
por exemplo, que é central no filme, surge a partir do relacionamento real estabelecido
entre a atriz e a senhora idosa que interpreta sua avó, no filme. O papel de avó de Shirley
foi tomado pela própria senhora, que na convivência prévia às gravações com a atriz
passou a chama-la de “minha netinha” pelo fato dela ter a ajudado de diversas formas em
seu cotidiano como cadeirante. Conforme o diretor, esse fato provocou a reescrita do
roteiro e assim o filme começa.

Esse tipo de projeto cinematográfico, que o percebe enquanto associado a


vivências comunitárias e locais, foi o interesse da pesquisa que iniciei em 2012 e que
concluo agora analisando Ventos de Agosto, um ótimo exemplo dessa perspectiva.
Certamente não é um trabalho etnográfico, nem posso afirmar que o diretor tenha
interesse ou conhecimento sobre abordagens etnográficas sensoriais, mas, assim como
em certos documentários etnográficos, o trabalho de Mascaro aqui traz junto
intencionalmente e ao acaso uma série de eventos interconectados envolvendo encontros,

21
People have a very naïve idea of documentaries as a very positive strategy for describing reality, for
showing and representing people and otherness. In this film, I was trying to say that this relationship can
also be very violent, very tense. It’s a problematization of the ethical relationships within these asymmetric
worlds.

34
objetos, emoções, sensações, climas, pessoas e nesse processo se constituir um lugar
através de práticas audiovisuais, tornando a visualização do filme um engajamento em
saber e experiência cultural e biográfica, certamente não academicamente mas facilmente
aproximável ou que pode estabelecer um diálogo interessante com a academia.
Certamente é uma forma de conhecimento sobre um lugar e a sensorialidade aí envolvida,
e daí podemos dizer que, dado o direcionamento dado pela pesquisa, dialoga de forma
interessante com os outros filmes aqui apresentados, mesmo que vários aspectos os
diferenciem.

35
Considerações Finais.

Como dito anteriormente, o presente trabalho foi escrito e reescrito em tempos


diferentes. O projeto teve início na graduação e se conclui pouco após o seu final.
Nesse processo de retomada da escrita, pude adicionar comentários sobre mais um
filme que inserem uma realidade mais próxima geograficamente a mim na análise.

Também pude revisar alguns detalhes que nos artigos fragmentados estavam
problemáticos, em termos de revisão e adequação normativa.

De certa forma, essa pesquisa tem o objetivo de agregar conhecimento em torno de


uma abordagem que, em algum momento, pode me servir de base para
experimentações em linguagem artística, e talvez, nesse processo, revisitar esse texto
e encontrar problemas ou questões a serem melhoradas ou aprofundadas pode ser uma
possibilidade interessante.

36
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FICHA TÈCNICA DOS FILMES ESTUDADOS

ALAMAR (2009)

País: México

Diretor: Pedro González-Rubio

Duração: 73 min

Elenco: Jorge Machado, Natan Machad Palombini, Roberta Palombini, Néstor Marín
“Matraca”

Roteiro: Pedro González-Rubio

Fotografia: Pedro González-Rubio

Montagem: Pedro González-Rubio

Produção: Jaime Romandía, Pedro González-Rubio

EL VUELCO DEL CANGREJO (2009)

FICHA TÉCNICA

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País: Colômbia

Diretor: Oscar Ruiz Navia

Duração: 95 min.

Elenco: Rodrigo Vélez, Arnobio Salazar, Jaime Andres Castaño, Yisela Alvarez,
Miguel Valoy, Israel Rivas, Karent Hinestroza

Produção: Diana Bustamante, Guillaume de Seille, Oscar Ruíz Navia, Gerylee Polanco

Roteiro: Oscar Ruíz Navia

Fotografia: Sofía Oggioni Hatty, Andrés Pineda

Estúdio: Arizona Films / Diana Bustamante / Contravia Films

LA LIBERTAD (2001)

País: Argentina

Diretor: Lisandro Alonso

Duração: 73min

Elenco: Józsefné Rácz, Ferenc Nagy, Mihályné Király, Attila Kaszás, Szimonetta Koncz

Roteiro: Lisandro Alonso

Fotografia: Cobi MIgliora

Montagem: Misael Saavedra, Humberto Estrada, Rafael Estrada, Omar Didino y Javier
Didino.

Produção: Hugo Alonso

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SWEETGRASS (2009)

País: Estados Unidos

Diretor: Ilisa Barbash y Lucien Castaing-Taylor

Duração: 101min

Fotografia: Lucien Castaing- Taylor

VENTOS DE AGOSTO (2014)

País: Brasil

Realização: Gabriel Mascaro

Duração: 77 minutos

Elenco: Dandara de Morais e Geová Manoel dos Santos

Produção: Rachel Elis

Roteiro: Gabriel Mascaro e Rachel Elis

Fotografia: Gabriel Mascaro

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