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de 4 a 10 de abril de 2013 3

instantâneo Paulo Kliass

Dilma, inflação
e crescimento
BASTOU UMA DECLARAÇÃO da Presidenta Dilma, profe-
rida em sua recente viagem à reunião dos Brics na África do
Sul, para que os representantes do financismo já começas-
sem a levantar suas armas contra o uso de políticas alter-
nativas para a manutenção do equilíbrio macroeconômico.
A maior parte das colunas de economia dos grandes meios
de comunicação não perdeu a oportunidade de tentar des-
classificar o discurso da primeira mandatária, argumentan-
do sua suposta incompetência para gerenciar a política eco-
nômica de seu governo.
O foco da polêmica é a próxima reunião do Comitê de Po-
lítica Monetária (Copom), a ser realizada em meados de
abril, quando os interesses da banca privada já pressionam
por uma retomada da alta da taxa de juros oficial, a Selic.
Como Dilma já havia manifestado sua discordância com re-
lação às soluções conservadoras para a crise financeira in-
ternacional, os economistas da ortodoxia passaram a afiar
suas armas, exigindo que aqui também fosse adotado o ca-
minho que tem inspirado a chamada “troika”, nos casos re-
petitivos de países afetados pela crise na zona do euro. As-
sim, o Banco Central Europeu, o FMI e a Comissão Euro-
péia não têm hesitado em recomendar o aprofundamento

La
tuf
de medidas recessivas para Espanha, Portugal, Itália, Gré-

f
cia, Irlanda e Chipre, entre outros casos.
Ora, criticar a solução conservadora em termos de políti-
ca econômica não significa, necessariamente, que se tenha
uma postura irresponsável no que se refere ao acompanha-
mento do crescimento dos preços. Há um amplo consenso
entre os especialistas a respeito do esgotamento das medi-
das inspiradas nas recomendações do arcabouço neoliberal.
Mesmo os economistas que chegaram a confiar nas solu-
ções “mágicas” do mercado até pouco tempo atrás, hoje em
Beto Almeida dia reconhecem a necessidade de se adotar caminhos que
incorporem a retomada da demanda efetiva como saída pa-
ra a crise. Nesse sentido, apenas o uso do cardápio de aper-

A estratégia venezuelana to monetário, alta de juros e cortes orçamentários não con-


tribui para atenuar a crise e muito menos para abrir cami-
nhos de retomada do crescimento da economia.

NO DIA 26 DE MARÇO foi divulgada a Declaração da Apesar de alguns intelectuais confusos que chegaram
X Reunião da Rede de Intelectuais, Artistas e Lutadores
Sociais em Defesa da Humanidade, ocorrida em Caracas,
a desorientação de apoiar a suposta “Guerra Humanitá-
ria” da Otan contra a Líbia, transformando-a em base de
Os maiores prejudicados com
e que tomou por base o documento Plano Pátria, elabo-
rado de próprio punho pelo Comandante Hugo Chávez
apoio do terrorismo patrocinado pelo império contra a Sí-
ria agora, ou de outros que sugerem que apenas a Alba é
os processos inflacionários
antes de se submeter às cirurgias que não evitaram sua
morte prematura. O documento tem uma visão estratégi-
confiável e por isso é preciso afastar-se do Brasil, da Ar-
gentina, da Rússia e da China, pois seriam “neoliberais
tendem a ser mesmo os
ca clara. A Venezuela e sua Revolução Bolivariana devem com retórica desenvolvimentista”, o presidente Nicolas trabalhadores e os setores de
construir alianças estratégicas com os países dos Brics Maduro, presente no Encontro, deixou clara sua lealda-
(Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), deve pro- de a Chávez. Assumiu publicamente o compromisso com renda mais baixa da sociedade
curar uma coordenação ampla com o Irã (país que presi- aquela estratégia, priorizando a integração latino-ameri-
de o Movimento dos Não Alinhados), deve reforçar uma cana e a continuação da obra deixada, em especial a po-
cooperação destes blocos com o Mercosul, a Unasul, a Al- lítica social bolivariana, de atendimento às necessidades
ba e a Celac (Comunidade de Estados Latino-americanos das massas mais pobres, da presença do Estado na plani- Alguns representantes do saudosismo da época da hege-
e Caribenhos). ficação e condução do país rumo ao socialismo. monia financista não medem palavras para afirmar aquilo
A lucidez com que governou o presidente Chávez refle- Não por acaso a Venezuela de hoje não tem mais anal- que realmente pensam. Além de pressionar para elevar a ta-
te-se madura neste documento. Afinal, para que a Vene- fabetos, paga o maior salário mínimo da America Latina e xa de juros, propõem que o caminho do “ajuste” passa ne-
zuela possa deixar de ser uma colônia petroleira, para que é o pais menos desigual da região. A Venezuela tem uma cessariamente pelas medidas recessivas. “Não tem jeito, vai
possa se industrializar, passar a ter economia agrícola, estratégia que deve ser referendada pelo voto popular no ter que demitir!” passou a ser um bordão que se mantém
desenvolver-se tecnologicamente, ser um país com satéli- dia 14 de abril. Este será o 17º pleito eleitoral em 14 anos na boca de parte dos consultores de bancos e demais insti-
tes, capacidade de defesa sem qualquer dependência dos de chavismo. Uma overdose de democracia e participação tuições do capital financeiro. O detalhe é que nenhum de-
EUA, é indispensável sim consolidar e aprofundar estas popular, o que nunca é demais. Mas tem também capaci- les coloca o seu cargo à disposição, como seria de se espe-
estratégias desenhadas no documento Plano Pátria. dade de defesa, afinal, o mundo não é para meigos. rar de quem deve oferecer o bom exemplo do caminho a ser
seguido. O sacrifício é sempre apresentado como uma me-
dida necessária e uma boa solução, desde que adotado pe-
Silvio Mieli lo seu vizinho.
A orientação da política monetária tem como referência
evitar o descontrole da inflação. Até aí, nada demais. Afi-

Humor fascista nal, os maiores prejudicados com os processos inflacioná-


rios tendem a ser mesmo os trabalhadores e os setores de
renda mais baixa da sociedade, que não possuem meios de
se proteger da perda de valor da moeda. Para isso o sistema
O EPISÓDIO DA UTILIZAÇÃO de um menor de idade descendência para com a manutenção das diferenças so- de metas prevê a faixa flexível entre o centro da meta de in-
como isca para obrigar o deputado federal José Genoíno ciais, a reafirmação dos preconceitos e o elogio da bur- flação anual (atualmente em 4,5%), com uma banda supe-
(PT-SP) a falar para o programa CQC, apresentado pela rice humana. rior de 2% para cima e 2% para baixo. Ou seja, se a inflação
TV Bandeirantes, é exemplo irretocável de humor fascis- O semiólogo Roland Barhes dizia que “o fascismo não estiver entre 2,5% e 6,5% ao ano, ela pode ser considerada
ta, que transforma o que há de revolucionário no riso em está no impedimento de se dizer, mas na obrigação de di- como estando sob controle para a atual conjuntura brasilei-
puro autoritarismo. zer”. Do ponto de vista jornalístico, o CQC, assim como ra. Esse, aliás, é o quadro atual.
No exato momento em que precisamos de uma outra outros programas do gênero, opera exatamente nessa fre- Mas o discurso obscurantista não se conforma com uma
estética, mais sensível e com um pouco de graça, um es- quência. Coage os seus entrevistados a falarem. Ao invés Presidenta que interprete de forma distinta o fenômeno
paço desproporcional é concedido ao pior do jornalismo de usar o humor para desconstruir o poder inerente à pró- econômico. E Dilma sabe muito bem que há meios alter-
casado com um humor despotencializado — o que só vem pria relação entre repórter e entrevistado, faz exatamen- nativos, que não sejam apenas a recessão e o desemprego,
a confirmar a necessidade urgente de um marco regulató- te o contrário: aprofunda essa distância, aumenta ainda para superar as dificuldades econômicas. Como ousou afir-
rio na mídia para equilibrar as forças. mais o fosso entre quem pergunta e quem se vê constran- mar que não se deve mais adotar as receitas do passado, on-
Graça não é só qualidade do que é engraçado, cômico gido a falar. Nesse sentido Altamiro Borges foi direto ao de a terapia de cura matava o doente, foi duramente criti-
ou divertido. É também elegância e leveza de formas, do ponto, ao dizer que o CQC submeteu Genoino a torturas cada. Ora, mas ela apenas disse o óbvio: temer as propos-
porte e dos movimentos, dentre outros significados. No psicológicas. tas que estrangulem o crescimento, em nome do estabele-
caso específico do CQC, os apresentadores carecem des- Se o Big Brother era a metáfora do neoliberalismo es- cimento da ordem. Em geral, se os banqueiros são dos pou-
se tipo de leveza. Aquelas figuras vestidas de preto e com petacular, os programas de humor inspirados no CQC são cos a reclamar, a proposta então talvez não seja assim tão
óculos escuros parecem mais os seguranças, os vigilan- a marca de um desespero midiático que domestica até o equivocada.
tes do discurso do poder midiático de plantão, do que humor a serviço do próprio poder que finge combater. E
os críticos ou os parodistas do comportamento humano pensar que Marcelo Tas, atual líder da banda do CQC, aju- Paulo Kliass é doutor em economia pela Universidade
(papel que caberia a verdadeiros humoristas). Através dou a revolucionar a linguagem do vídeo no Brasil, encar- de Paris 10 (Nanterre) e integrante da carreira
de sua truculência verbal reafirmam o poder no que ele nou o genial repórter Ernesto Varela, além de interpretar de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão
tem de mais sórdido: a violência, o desrespeito, a con- tantos personagens de programas infantis. Governamental, do governo federal.

fatos em foco
da Redação
Declaração final do FSM denuncia povos do mundo padecem dos efeitos do das perdas sofridas pelos palestinos em
guerras e ocupações militares agravamento de uma profunda crise do decorrência das demolições em Jerusalém
Na declaração final do Fórum Social capitalismo, em que os bancos, transnacio- chegou a três milhões de dólares.
Mundial (FSM), celebrado na Tunísia, os nais, conglomerados midiáticos e governos
participantes do encontro anual do mo- buscam benefícios à custa de uma política As autoridades demoliram cerca de
vimento anticapitalista denunciaram as intervencionista. 25 mil casas na Palestina
guerras, ocupações militares e tratados De acordo com dados de organizações
neoliberais de livre comércio que afetam As violações israelenses contra o israelitas de direitos humanos, as autorida-
os povos do mundo. Pelo menos 4600 or- povo palestino nos últimos anos des da ocupação demoliram cerca de 25 mil
ganizações sociais, políticas e alternativas Um relatório de monitoramento divulga- casas na Palestina desde 1967, alertando
de 127 países participaram do FSM Tunísia do pelo Escritório Central de Estatísticas, para um aumento da frequência de “auto-
2013, que encerrou com a denúncia da no dia 28 de março, às vésperas do Dia demolições” de casas desde 2000, período
privatização dos bens sociais, redução dos da Terra, revela a lista de violações israe- em que 303 cidadãos foram obrigados a
direitos e agressões ao meio ambiente. No lenses contra o povo palestino e sua terra demolir as suas casas por conta própria,
documento, publicado dia 1º de abril, os nos últimos anos. O relatório apontou que assumindo, inclusive, os gastos para a
participantes do encontro destacaram que a ocupação israelense, de acordo com a execução. No ano de 2010, houve o maior
“os povos de todos os continentes trava- Fundação Almaqdisi, demoliu, de 2000 a percentual de “auto-demolição”, alcançan-
ram lutas em que fizeram oposição com 2012, cerca de 1.124 edifícios em Jerusa- do o número de 70 casos. No ano de 2009,
grande energia à dominação do capital, lém Oriental, o que resultou no desloca- houve 49 casos de demolição, e no ano de
que se esconde atrás da promessa de pro- mento de cerca de 4.966 civis da cidade, 2011, foram registrados 20 casos de auto-
gresso econômico e da suposta estabilidade incluindo 2586 crianças e 1.311 mulheres. demolição, enquanto no mesmo período,
política.” De acordo com a conclusão, os A pesquisa apontou também que o total em 2012, houve mais 14 casos.

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