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DIREITO À EDUCAÇÃO E A DISCORDÂNCIA DAS ESCOLAS

PARTICULARES COM A IMPLANTAÇÃO DO ESTATUTO DA PESSOA


COM DEFICIÊNCIA: UM OLHAR À LUZ DA ADI 5357.
Thiago Silva Cruz e Cunha1

Márcia Haydée Pôrto de Carvalho2

RESUMO
O artigo discorre sobre a discordância das escolas particulares a respeito da implantação
do Estatuto da Pessoa com Deficiência a partir da Ação Direta de Inconstitucionalidade
5357. Neste passo, por meio de pesquisa bibliográfica sobre a temática e análise da
própria ADI, o artigo busca apresentar uma reflexão dialética sobre a inclusão da pessoa
com deficiência no sistema educacional.
Palavras-chave: Estatuto da Pessoa com Deficiência. Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Inclusão da pessoa com deficiência.
ABSTRACT
This paper discuss about the private’s schools against to the Disabled’s Person Statute
according to the Direct Action of Unconstitutionality 5357. By the way, using
bibliographic research and legal analysis of the constitutional proceeding, that papers
aims to show dialectic thoughts about the educational system of the disabled people
inclusion.
Key-words: Disabled’s Person Statute. Direct action of unconstitutionality. Disabled
person’s inclusion.

1
Graduando do 6° período do curso de Direito da Universidade do Ceuma. Bolsista da Universidade
Ceuma pelo Núcleo de Estudos em Violência e Cidadania – NEVIC.
2
Doutora em Direito do Estado pela PUC/SP. Professora adjunta I da UFMA, lecionando na graduação
em Direito e no Mestrado em Direito e Instituições do Sistema de Justiça, professora pesquisadora do
Centro Universitário do Maranhão e promotora de Justiça, titular da 21ª Promotoria Especializada na
Defesa da Mulher da capital.
1

INTRODUÇÃO

O presente artigo analisa a ADI 5357 no tocante ao debate suscitado pelos


dispositivos 28, §1°, e 30 da Lei 13.146, publicada em 6 de julho de 2015 e que entrou
em vigor 6 (seis) meses após a sua publicação – Lei essa denominada Estatuto da
Pessoa com Deficiência. Para que se compreenda a discussão presente na ADI sob
estudo, é salutar que o artigo seja dividido em três momentos.
No primeiro momento, analisa-se o objeto de tutela da Lei 13.146/15, isto é, a
pessoa com deficiência e, para tanto, faz-se necessária uma digressão sobre o conceito
desse grupo de indivíduos vulneráveis – pessoas com deficiência – na legislação pátria;
no segundo momento, é levantada a seguinte questão: a Lei 13.146/15 seria uma forma
de discriminação? Nessa toada, busca-se responder tal pergunta através do debate
doutrinário sobre o princípio da igualdade; e, no terceiro momento, lança-se um olhar
dialético sobre a tese defendida pela entidade autora da ADI 5337, a CONFENEN –
Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino – e o seu contraponto, o voto
do ministro relator da ADI, Edson Fachin – que indeferiu a cautelar constante da ADI, o
qual serviu de base para o julgamento definitivo do mérito, pela improcedência da ação
direta de inconstitucionalidade.
Nessa linha de raciocínio, insta repisar que esse estudo se propõe a traçar uma
análise concisa, porém não menos acertada sobre o debate oriundo da ADI 5357, a fim
de compreender as nuances dos diferentes discursos sobre o ensino inclusivo de pessoas
com deficiência nas escolas particulares, conceituando o que se entende por pessoa com
deficiência à luz do estatuto protetivo e verificando se a Lei 13.146/15 estaria a ferir de
morte o princípio constitucional da igualdade ou apenas estaria a buscar a igualdade
material. Todas essas questões serão debatidas nas seções subsequentes.

2 A PESSOA COM DEFICIENCIA E AS MUTAÇÕES NA CONCEITUAÇÃO


DO OBJETO DE TUTELA DA LEI 13.146/153.
Há uma lição proveniente da linguística, de que o léxico é dinâmico, e em
decorrência disso estaria em transformação conforme a volubilidade da cultura em que
fosse originado (AZEREDO, 2012, p. 393-394).
No caso deste trabalho, cabe perscrutar o sentido que o objeto de tutela da Lei

3
Essa seção possui inspiração nos capítulos iniciais do livro: ARAÚJO, Luiz Alberto David. A proteção
constitucional das pessoas com deficiência. 4 ed. rev. amp. Brasília: Secretaria de Estado dos Direitos
Humanos, Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - CORDE, 2011.
2

13.146/15 – Estatuto da Pessoa com Deficiência4 – assumiu com o passar do tempo.


Dito de outro modo, é importante investigar como a legislação pátria tratou o grupo
vulnerável das pessoas com deficiência a partir de um olhar de como estas eram
conceituadas, isto é, de inicialmente pessoas tidas como “excepcionais”, para depois
serem denominadas de “deficientes”, na sequência, de “pessoas portadoras de
deficiência”, até que se chegasse a denominação atual – oriunda do art. 1° da
Convenção Internacional das Pessoas com Deficiência, e reproduzida inteiramente pelo
Estatuto no seu art. 2° – de “pessoas com deficiência”.

2.1 Tentativas iniciais de conceituação.

Conforme anota o Luiz Alberto David Araújo (2011, p. 14), na vanguarda dos
estudos sobre as pessoas com deficiência, no âmbito da doutrina pátria, coube a Nair
Lemos Gonçalves5 as primeiras noções conceituais sobre as pessoas com deficiência, a
priori como modo de defesa dos direitos desse grupo vulnerabilizado – no caso em
questão, em artigo publicado em periódico da seara justrabalhista.
Nesse passo, em trabalho em que buscou fazer uma análise da pessoa
excepcional6 na legislação brasileira, Nair Lemos Gonçalves, fez um mural das diversas
nomenclaturas nacionais e estrangeiras sobre o tema das pessoas com deficiência,
consoante o seguinte trecho:

São múltiplas as denominações adotadas para indicar as pessoas


excepcionais infradotadas, bastando lembrar: “indivíduos de
capacidade reduzida”, “indivíduos de capacidade limitada”,
“minorados”, “impedidos”, “minusválidos”, “disabled persons”,
“handicapped persons”, “unusual persons”, “special people”,
“schwerbehinderter” (GONÇALVES, 1977, p.126).

Nota-se, assim, que tal rol externa uma interpretação bastante variada da ideia
que era projetada sobre esse grupo, porquanto haviam palavras que enfatizavam mais a
“incapacidade”, enquanto outras mais o sentido de “deficiência” e outras utilizariam
eufemismos sem adentrar no cerne da questão, conforme lembra (ARAÚJO, 2011, p.
15).

4
BRASIL. Lei n° 13.146, de 06 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com
Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm. Acesso em: 21-08-17.
5
GONÇALVES, Nair Lemos. A pessoa excepcional e a legislação brasileira. Rev. de inf. Legisl., v. 14,
n. 56, p.125-138, out. /dez. 1977. Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/181038.
Acessado em: 20 de Julho de 2017.
6
À época, era como se denominavam as pessoas com deficiência – conforme será melhor explanado mais
à frente.
3

No entanto, a própria adoção do termo “pessoas excepcionais”, revela como a


conceituação da mencionada autora, ainda que na vanguarda dos estudos sobre esse
segmento da população, é fruto de sua época7, haja vista que tal denominação fora
utilizada pela Emenda Constitucional de 19698.
Portanto, seguindo essa linha de raciocínio sobre a conceituação do objeto de
estudo, no subtópico subsequente, analisa-se as conceituações mais comuns até o
advento do termo “pessoas com deficiência” – utilizada após a Convenção sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência ter sido inserida no ordenamento jurídico pátrio.

2.2 As vicissitudes na conceituação da pessoa com deficiência na legislação pátria.

Conforme dito alhures, o termo “excepcional” foi primeiramente utilizado na


Emenda Constitucional de 1969. Tal termo possuía um significado demasiado restrito,
porquanto se coadunava mais adequadamente com indivíduos acometidos de
enfermidades mentais.
Demais disso, anote-se, ainda, que se lançou mão da denominação “deficiente”
para referir-se aos integrantes desse grupo vulnerável. Tal termo possui um caráter mais
incisivo, uma vez que atinge o cerne do objeto de estudo, ou seja, trata da deficiência do
indivíduo. Entretanto, conforme aponta Rulli Neto (2002, p. 28), o termo “deficiente”
enfatiza mais as diferenças do indivíduo do que suas similaridades com o intitulado
“grupo normal”, portanto, segundo o autor, seria desaconselhável o uso das expressões
“deficiente físico” e “deficiente mental”.
Não obstante, foi a denominação “pessoas portadoras de deficiência”, que,
dentre as três utilizadas inicialmente possuiu um sentido mais acertado, por assim dizer,
porquanto mitigou o estigma da deficiência e trouxe o conceito de pessoa; assim como,
“é mais leve, mais elegante, e diminui a situação de desvantagem que caracteriza esse
grupo de indivíduos”(ARAUJO, 2011, p.15).
Por outro lado, consoante alerta Gurgel (2006, p. 33), que utilizar o termo
“pessoa portadora de necessidades especiais”, expressão esta oriunda da seara
educacional, mais especificamente da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB),

7
Ademais, seguindo o tratamento constitucional dado a proteção das pessoas com deficiência no Brasil,
frise-se, ainda que, este teve seu marco inicial a partir de 1978, com a Emenda Constitucional 12/78, que,
“muito embora apresentasse uma larga abrangência, acabou tendo sua eficácia comprometida, durante o
regime ditatorial, que veio limitar direitos e garantias individuais” (ROSTELATO, 2009, p.69).
8
A EC/69, acrescentou ao §4° a educação de “excepcionais”, termo que abrangia as pessoas que, por
faltas ou defeitos físicos ou psíquicos, ou procedência anormal, como, p. ex., os nascidos em meio social
perigoso, necessitavam de assistência (MOREIRA, 2008, p. 28).
4

que designaria, de modo amplo, não só as pessoas com deficiência, mas também os
superdotados, obesos, idosos, autistas, pessoas com distúrbio de atenção etc., seria um
uso equivocado.
Assim, chega-se a ilação de que o termo “pessoa portadoras de deficiência” é o
mais adequado, ao contrário dos termos “excepcional” ou “deficiente”, pois enquanto os
dois últimos apresentam uma tônica estigmatizada, o primeiro, por ser uma junção de
pessoa e portador, confere uma maior humanidade a denominação de um grupo
específico de indivíduos.

2.3 Uma definição mais adequada com a atual quadra histórica.

Hodiernamente adota-se a expressão oriunda da Convenção sobre os Direitos


das Pessoas com Deficiência, que teve seu Protocolo Facultativo assinado em Nova
Iorque, em março de 2007, tendo sido aprovada pelo Congresso Nacional, por meio do
Decreto Legislativo n° 186, de 9 de julho de 2008, e do Decreto de Promulgação n°
6.949 de 25 de agosto de 20099, que, por força da do §3° do art. 5° da Constituição
Federal, goza de status de emenda constitucional10.
A adoção do termo pessoa com deficiência, conforme supracitado, prevaleceu
no ordenamento jurídico em sede constitucional para, posteriormente, espraiar-se na
legislação infraconstitucional, consolidando-se na redação do art. 2° da Lei 13.146/15 –
EPCD11. Contudo, há que se ressaltar qual o critério para definir o indivíduo como
pessoa com deficiência.
À guisa de conclusão, no que concerne a conceituação e definição, é salutar
ressaltar o sempre oportuno magistério de Araújo (2011, p. 20).
Assim, segundo o referido autor, a definição usualmente adotada pelos
dicionários para conceituar as pessoas com deficiência orbita em torno da ideia de falta,
de carência e falha.
Diante disso, percebe-se a necessidade de se adotar uma definição mais
precisa, ou melhor, que seja mais apta a denominar o que realmente é a pessoa com

9
BRASIL. Decreto n° 6.949, 25 de agosto de 2009. Promulga a Convenção Internacional sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de
março de 2007. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
2010/2009/decreto/d6949.htm. Acesso em: 21-08-17.
10
Há que se dizer a contribuição deste tratado internacional, que, nas palavras de (RIBEIRO, 2010, p.
112), seria a mudança de paradigma na visão da deficiência no mundo, ou seja, saindo do modelo médico
e assistencialista, no qual a deficiência seria tratada como problema de saúde, para o modelo social de
direitos humanos, no qual a deficiência seria resultante da equação: interação da limitação funcional com
o meio.
11
Doravante, como será abreviado o “Estatuto da Pessoa com Deficiência”.
5

deficiência, pois, caso contrário, estar-se-ia a cometer um erro ao definir uma pessoa
como deficiente apenas por critérios de apresentação de falhas sensoriais, motoras,
mentais ou faltas, olvidando o fato de que um indivíduo “superdotado”, a título
ilustrativo, poderia sofrer igualmente uma deficiência de adaptação, nada obstante a
ausência de uma falta – pelo contrário, haveria no caso uma inteligência acima da média
do homem comum – mas que o configuraria como pessoa com deficiência (ARAÚJO,
2011, p. 19).
Nessa toada é que se torna perceptível que, a partir de premissas como a
“falta”, “carência” ou “falha” não estariam no indivíduo, mas sim no seu
relacionamento com a sociedade, conforme a tese defendida por Araújo (2011, p.20),
porquanto, a tônica na definição da pessoa com deficiência não consistiria na falta de
um membro, nem na falha de algum dos sentidos, mas sim na sua dificuldade de se
relacionar socialmente.
Portanto, infere-se que “o grau de dificuldade para a inclusão social é que
definirá quem é ou não pessoa com deficiência”(ARAÚJO, 2011, p. 20).

3 A LEI 13.146/15 E O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA IGUALDADE

Tratar do princípio da “igualdade, isonomia, equiparação ou paridade,


consiste em aquinhoar os iguais igualmente e os desiguais na medida de suas
desigualdades” (BULOS, 2015, p. 554), e, consoante uma análise constitucionalista, é
buscar compreendê-lo enquanto corolário do princípio cardeal da República Federativa
do Brasil, isto é, do princípio da dignidade da pessoa humana (art.1°, III, CF/88).
Demais disso, tal mandamento constitucional da isonomia, gravado de modo indelével
no caput do art. 5° da Constituição Federal, é um direito fundamental do cidadão que
“ao se cumprir uma lei, todos os abrangidos por ela hão de receber tratamento
parificado, sendo certo que, ainda, que ao próprio ditame legal é interdito deferir
disciplinas diversas para situações equivalentes” (BANDEIRA DE MELLO, 2003, p.
10).
Portanto, infere-se, na esteira do pensamento de Bandeira de Mello, que o
princípio da igualdade é uma clara limitação destinada ao Estado-legislador, haja vista
que a Lei nunca poderá prescrever privilégios ou perseguições aos indivíduos –
dimensão formal ou, melhor dito, igualdade “perante a lei”12.

12
Nesse sentido: “A igualdade perante a lei é um valor constitucional e indica que não haverá qualquer
tipo de discriminação” (GUGEL, 2006, p. 45).
6

Em sentido diverso, segundo Robert Alexy (2017, p. 304), tratar do direito de


igualdade implicaria em dizer que esta, sob a expressão jurídica de que “todos são
iguais perante a lei”, geraria um dever (dever-ser) de obedecer às normas, que vincularia
apenas os órgãos de aplicação do direito às normas criadas pelo legislador, sem
estabelecer, no entanto, qualquer requisito substancial (ou vínculo) para essas normas
quanto ao próprio legislador, ficando este com uma maior liberdade para discriminar
como bem lhe aprouvesse13.
Conforme supracitado, percebe-se que o princípio da igualdade é inerente aos
ordenamentos jurídicos modernos – leia-se Estado Democrático de Direito14– ,
porquanto tal princípio de conteúdo político-ideológico, segundo lição de Bandeira de
Mello (2003, p. 35), é um óbice a possíveis privilégios ou perseguições que possam ser
capitaneadas pelo Estado, assim como também possibilita que faticamente a lei
desequipare pessoas e situações quando nelas se encontrem fatores desiguais – o que
também pode ser entendido como persecução à igualdade material.
Ora, no caso da tutela legislativa diferenciada conferida as pessoas com
deficiência, o princípio da igualdade calça como uma luva, visto que, por meio do
reconhecimento das peculiaridades15 dos destinatários da norma jurídica – no caso, o
grupo vulnerável das pessoas com deficiência –, percebe-se a necessidade de um
tratamento diferenciado para que se perpetre a justiça, e não apenas a simples aplicação
da norma por esta ser válida16.

13
Em capítulo específico sobre o tema, Alexy (2017, p. 408) aborda que a igualdade, sob a dimensão
material – isto é, sob o postulado de um “dever de tratamento desigual” conforme a demanda da situação
fática –, necessitaria da existência de uma razão suficiente que justificasse tal tratamento diferenciado, o
que também resultaria num problema de valoração, pois, se não houvesse “razão suficiente para a
permissibilidade de um tratamento desigual, então, o tratamento igual é obrigatório”.
14
Conforme anota (SARLET, 2017, p. 575) “a igualdade passou a constituir valor central para o direito
constitucional contemporâneo, representando verdadeira “pedra angular” do constitucionalismo moderno
[...]”.
15
É interessante o ensinamento de Arendt (2017, p. 10) a respeito da peculiaridade enquanto traço
marcante da condição humana, uma vez que “somos todos iguais, isto é, humanos, de um modo tal que
ninguém jamais é igual a qualquer outro que viveu, vive ou viverá”.
16
A bem da verdade, questões como justiça, validade e eficácia, são três critérios valorativos que incidem
sobre a norma jurídica, segundo magistério de Bobbio (2010, p. 37). Nesse tom, nota-se que uma norma
pode ser válida no ordenamento em que está inserida por ter seguido regularmente o processo legislativo,
p. ex., mas, em contrapartida, pode ser injusta quanto aos seus destinatários, haja vista que os três critérios
valorativos são independentes entre si. No caso das pessoas com deficiência, uma norma que assegure
uma igualdade estritamente formal, é tecnicamente válida, porém não implica em dizer que a mesma será
justa para com os seus destinatários, além de também negligenciar a eficácia, haja vista que sua
prescrição pode não ser seguida pelos destinatários, por desconsiderar as condições sociológicas e
históricas em que os seus destinatários estão inseridos.
7

3.1 Breve digressão histórica sobre o princípio da igualdade.

No livro A Era dos Direitos, Norberto Bobbio (2004, p.13) ensinou que os
direitos do homem estão vinculados a um determinado momento histórico; portanto,
estariam condicionados a circunstâncias, como: carecimentos e interesses das classes no
poder, meios disponíveis para realizar tais direitos, transformações técnicas etc.
Nesse diapasão, infere-se que os direitos humanos seriam relativos, suscetíveis
a historicidade e, por conseguinte, não absolutos, pois:

Não é difícil prever que, no futuro, poderão emergir novas pretensões


que no momento nem sequer podemos imaginar [...] O que parece
fundamental numa época histórica e numa determinada civilização,
não é fundamental em outras épocas e em outras culturas (BOBBIO,
2004, p. 13).

Logo, chega-se à ilação de que os direitos fundamentais, os mesmos direitos


humanos desde que previstos na Constituição de um Estado – como o direito à
igualdade – estão condicionados às contingências do momento histórico, das demandas
sociais.
No caso do direito à igualdade, tal direito tem registro no primeiro documento
público da famigerada Era das Revoluções17, mais especificamente em 1776, na
Declaração de Independência dos Estados Unidos.
Nessa esteira, em 1789, com a Revolução Francesa, novamente o direito da
igualdade – sob seu viés formal – é positivado num documento político, simbolizando
um momento de ruptura (ROSTELATO, 2009, p.77).
Contudo, ainda no âmbito internacional, o direito à igualdade só assumiria um
caráter mais adequado às circunstâncias fáticas, ou melhor dizendo, reconhecendo que
há situações concretas que demandam um tratamento diferenciado, com a Constituição
de Weimar, em 1919, Carta Política que consagrou os direitos sociais e, no tocante a
esse estudo, trouxe à baila a igualdade material (BULOS, 2015, p. 529).
Lado outro, no âmbito nacional, a Constituição do Império (1824) já prescrevia
a igualdade de todos perante a lei, contudo olvidava aos indivíduos escravizados esse
direito. Tal princípio só assumiria o viés da igualdade material com a Constituição de

17
Expressão oriunda da célebre obra que trata das duas grandes revoluções liberais burguesas do
séc.XVIII – revolução americana e revolução francesa cf.: (HOBSBAWM, 2010).
8

1934 (cf. art.138), que além de buscar instaurar um Estado Social, também dava um
tratamento especial aos ‘desvalidos’18.
Portanto, ainda que de modo conciso – como é o escopo desse trabalho –, nota-
se a trajetória histórica que o princípio da igualdade passou até ser positivado na Norma
Fundamental de 1988.

4 ANÁLISE DIALÉTICA DA ADI 5357/DF

Nessa seção utiliza-se o método hegeliano da dialética19 como modo de


perscrutar o real através da tensão dos opostos ou, melhor dito no caso, o teor dos
discursos encabeçados pela entidade autora da ADI 5357/DF20 – CONFENEN – e o
voto do Ministro Relator Edson Fachin – exitoso em sua tese no julgamento do mérito
da ADI21 pelo STF – , que podem ser sintetizados na consecução, ao final, de uma nova
realidade no ensino inclusivo das pessoas com deficiência, atribuindo-se também ao
setor privado de ensino o papel de acolher o diferente, porquanto, nas palavras do
Ministro Edson Fachin: “à escola não é dado escolher, segregar, separar, mas é seu
dever ensinar, incluir, conviver”.

18
“Incumbindo à União, aos Estados e aos Municípios, nos termos das leis respectivas, assegurar amparo,
criar serviços especializados e animar os serviços sociais, cuja orientação deveriam coordenar. O
fundamento para esse tratamento, no entanto, detinha-se no “amparo” e na “assistência” (GURGEL,
2006, p. 49).
19
A palavra “dialética”, muito antes de Hegel utilizá-la, segundo lembra Arendt (2017, p. 32), possuía a
conotação de ser “a arte do discurso filosófico”, em contraposição a retórica, “a arte de falar em público”.
20
O debate suscitado pela ADI 5357 consistiu na obrigatoriedade das escolas particulares de oferecer
atendimento adequado e inclusivo às pessoas com deficiência. Assim, grosso modo, a entidade autora
afirmou que a Lei 13.146/15 estaria a estabelecer medidas demasiado dispendiosas para as escolas
particulares, violando dispositivos constitucionais, como, p. ex.: o princípio da igualdade (caput do art.5°
da CF/88, o direito à propriedade privada e sua função social (XXII e XXIII do art. 5°, CF/88) etc.
Referida ADI foi julgada em 18/11/2015 e teve seu acórdão publicado 20/11/2015.
21
A aplicação da Lei 13.146/15 também já foi objeto de discussão no âmbito do TJMA, em que foi
proposta ADI contra lei estadual que vedava o aumento de taxas de matrícula para alunos com
deficiência, conforme acórdão assim ementado: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.
LEI ESTADUAL QUE VEDA O PAGAMENTO DE VALOR ADICIONAL PARA MATRÍCULA,
RENOVAÇÃO DE MATRÍCULA E MENSALIDADE PARA ESTUDANTES PORTADORES DE
NECESSIDADES ESPECIAIS. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL. AUSÊNCIA.
AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. I – Lei estadual que determina a proibição de cobrança de taxa de
reserva, sobretaxa ou qualquer valor adicional para a realização de matrícula, renovação de matrícula e
mensalidade de alunos portadores de necessidades especiais não viola a Constituição Estadual, ao
contrário, reafirma o compromisso do Estado Brasileiro com as políticas de inclusão social das pessoas
deficientes. 2. Insere-se na competência legislativa concorrente da União, dos Estados e do Distrito
Federal a proteção e integração social da pessoa portadora de deficiência. 3. Ação Direta julgada
improcedente, com efeitos ex nunc. Unanimidade”. Tal ADI não foi julgada improcedente por contrariar
jurisprudência já sedimentada do STF, mas o Agravo interposto contra a decisão que negou seguimento
ao Recurso Extraordinário apresentado em face da referida ADI foi improvido sob o fundamento de que o
acórdão atacado estava alinhado à jurisprudência do STF (STF, ARE 1083828 MA, Decisão monocrática,
Rel. Min. Roberto Barroso. j. 18/09/2017. p.21/09/2017)
9

Diante disso, resta escrever que “conhecer a gênese, o processo de constituição


pelas mediações contraditórias, é conhecer o real” (ARANHA, 2003, p.143) – e aqui,
por “real”, entende-se a síntese oriunda da tensão dos opostos proveniente do diálogo
democrático em sede de controle de constitucionalidade, uma vez que este possui o
condão de ventilar temas sensíveis aos destinatários finais da Constituição, pois,
segundo tese de Konrad Hesse, as constituições serviriam para criar fundamentos e
normatizar princípios cardeais da unidade política do Estado, portanto, deveriam estar
ligadas a realidade histórica (BULOS, 2015, p. 109).

4.1 Tese: o que foi alegado pela requerente – Confederação Nacional dos
Estabelecimentos de Ensino – CONFENEN

Consta na petição inicial22 ajuizada pela entidade autora da ADI 5357/DF,


CONFENEN, que a Lei n° 13.146, de 06 de julho de 2015 – EPCD –, no seu §1° do
artigos 28 e 30 “(especialmente pela presença neles do adjetivo “PRIVADAS”)”, entrou
em conflito com “as determinações constitucionais, contidas em artigos da Carta
Magna” (CONFENEN, 2015, p.1).
Tais dispositivos teriam entrado em conflito com o princípio da razoabilidade –
art. 5°, LIV, CF/88 –, porquanto obrigariam a escola comum, sendo esta regular ou
privada, não especializada e despreparada, a tomar o “fardo” de receber qualquer
indivíduo com deficiência, independente do grau de sua deficiência, sem que, na
realidade, as escolas tivessem capacidade de recepcioná-los.
Destarte:

Jogam o ônus dos sobrecustos para a escola particular e para todos


seus demais alunos, alterando injustamente o orçamento familiar, com
verdadeira expropriação; frustram e desequilibram emocionalmente os
professores e pessoal da escola comum regular, por não possuírem a
capacitação e especialização [...] causarão o desemprego e o
fechamento de escolas particulares [...] (CONFENEN, 2015, p. 3).

Nessa toada, os dispositivos sob comento também atentariam contra o ensino


da livre inciativa23 – art. 209, CF/88, “liberdade de ensino à livre inciativa” –, ao impelir

22
Peça processual disponível na homepage do site da CONFENEN:
<https://docs.wixstatic.com/ugd/38d9a9_8c8706fcd5ca4a028b304e6c382a713d.pdf>. Acesso em 29 de
Maio de 2017.
23
A CONFENEN também alegou que, a função social da propriedade, consoante prescrito no art. 186 da
CF, era cumprida no momento em que educação escolar privada concedia empregos, com observância a
legislação trabalhista, com o pagamento de tributos regularmente ao Estado etc.; fatores estes
determinantes para a consecução do bem comum – inciso IV, do mesmo dispositivo constitucional –, no
10

24
a iniciativa privada a desempenhar uma responsabilidade típica, constitucionalmente,
do Poder Público.
Logo, o §1º do artigo 28 e o caput do art. 30, da Lei ora impugnada, atingiriam
diretamente mais de 45.000 instituições privadas de educação, refletindo em alterações
nos seus planejamentos pedagógicos e financeiros, tornando onerosa demais a prestação
dos serviços educacionais, haja vista que, seus planejamentos deveriam agora prever
todos os meios e recursos necessários para receber as pessoas com os mais diversos
graus de deficiência, sob pena de responderem na seara criminal por possíveis
descumprimentos. (CONFENEN, 2015, p. 6).
Nessa linha de raciocínio, a interferência Estatal seria extremamente gravosa
na gestão da livre iniciativa – leia-se escolas particulares, pois, tratando-se do ensino de
livre inciativa, o particular estaria vinculado a Lei Geral de Educação – Lei 9.394/96 –,
que, ao seu turno, não obriga a rede particular de ensino ao atendimento à educação
especial/inclusiva, mas tão somente àquelas que teriam optado pela prestação de tais
serviços. “Dessa forma, não pode a Lei impor algo que a Constituição não faz ao
particular” (CONFENEN, 2015, p. 13).
Assim sendo, conforme tudo o que foi exposto pela entidade autora da ADI
5357/DF, é salutar que se passe agora para as razões do acordão peremptório sobre o
caso em questão.

4.2 Antítese: As razões do voto do Ministro Relator Edson Fachin

Não obstante tenha entendido que a requerente apresentasse legitimidade para a


propositura da ADI 5357/DF, o Ministro Edson Fachin indeferiu monocraticamente a
medida cautelar pleiteada em juízo, fundamentado sua decisão na constatação de
inexistir 25o periculum in mora invocado pela requerente, porquanto “não se pode dizer
que os estabelecimentos de ensino privados tenham sido surpreendidos por
normatividade inconstitucional estabelecida sobre o tema pela lei impugnada”
(BRASIL, 2016, p. 9).

qual estaria incluído igualmente o proprietário, haja vista que seria vedado a legislação impor risco às
propriedades que cumprem esses dispositivos”(CONFENEN, 2015, p. 29).
24
Demais disso, também feriria o “direito de propriedade privada (usar, gozar, dispor) – caput do art. 5°
da Constituição Republicana de 1988 –, que está à disposição do serviço social [...] bem como na
liberdade assegurada à livre inciativa descrita no art. 209, I e II” (CONFENEN, 2015, p. 7).
25
Frise-se, ainda, que, “o fato de a própria Lei 13.146/2015 – publicada em 07.07.2015 – ter estabelecido
prazo de vacatio de 180 (cento e oitenta) dias (art.127) por si só igualmente afasta a pretensão
acautelatória”(BRASIL, 2016, p. 10).
11

Diante disso, passou-se, conforme consta no inteiro teor do acórdão, o Ministro


passou a rebater sistematicamente os argumentos expostos pela entidade autora da ADI.
Primeiramente, expôs que a Lei atacada atendeu a um compromisso
internacional do qual o Brasil havia se incumbido de ampliar e proteger,
progressivamente, os direitos fundamentais e humanos das pessoas com deficiência;
compromisso esse decorrente da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência – incorporada à legislação brasileira em 2008, gozando de status
constitucional, consoante o §3° do art. 5°, da Constituição Federal.
Portanto, a ratificação da Convenção, com seu consequente status de Emenda
Constitucional, estabeleceu metas de inclusão plena das pessoas com deficiência no
sistema educacional regular, sendo tais metas de inclusão para uma maior eficácia do
sistema educacional, conforme anotou o Ministro, uma via de mão dupla, porquanto
além do já citado processo de inclusão, acarretaria, por consequência, no direito de
todos os demais cidadãos participar de uma arena democrática – comungando da
pluralidade pessoas, credos e ideologias (BRASIL, 2016, p. 1-2).
De outro canto, a requerente havia alegado o direito de propriedade – com sua
função social –, e livre-inciativa como ditames constitucionais violados pela Lei
13.146/16. Contudo, rebatendo essas alegações, ressaltou o Ministro que, “não obstante
o serviço público de educação ser livre à inciativa privada [...], isso não significa que os
agentes econômicos que o prestam possam fazê-lo ilimitadamente ou sem
responsabilidade” (BRASIL, 2016, p. 6).
Nesse tom, as escolas particulares não estariam incumbidas de seguir apenas a
Lei n° 9.394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação – , conforme pretendeu a
autora da ADI 5357/DF, assim como também não coadunaria invocar a função social da
propriedade para se negar a cumprir obrigações de funcionalização previstas
constitucionalmente, limitando-se à geração de empregos e à observância da legislação
trabalhista, nem apenas citar a dignidade da pessoa humana como fundamento para o
fardo psíquico que os educadores poderiam ter ao acolher pessoas com diversos graus
de deficiência (BRASIL, 2016, p. 6).
Cumpre salientar, em apertada síntese, como o voto do Ministro Relator
também enfatizou a alteridade, isto é, a importância de lidar com o outro, com o
diferente; experiência que só seria plenamente alcançada com um ensino inclusivo,
como é teor da Lei impugnada – daí a necessidade, conforme requerido pelo Ministro
12

Edson Fachin de analisar ad referendum26 o pedido de concessão de liminar, dado a


necessidade do tema e da demanda por uma resposta da Suprema Corte.

4.3 Síntese: a necessidade de um ensino inclusivo como corolário de uma sociedade


pluralista.
As pessoas com deficiência foram tratadas ao longo do tempo de modo
excludente, o que ocasionou na sua precária inserção no âmbito social, conforme lembra
(RIBEIRO, 2010, p. 22).
Assim sendo, somente com o advento de uma legislação internacional 27houve
uma real preocupação no processo de inclusão desse grupo; portanto, quando o Ministro
Relator da ADI 5357/DF ressaltou que a Lei 13.146/15 era, por assim dizer, um
consectário do compromisso ético de acolhimento e pluralidade democrática adotados
pela Constituição a respeito do direito fundamental à educação (BRASIL, 2016, p. 3),
conclui-se que a exigência de uma educação inclusiva deve ser aplicada não somente
nas escolas públicas, mas também nas escolas particulares28, sob pena de se estar a
legitimar exclusões nas escolas a uma minoria já segregada socialmente por sua
deficiência.
E é no tocante a inclusão da pessoa com deficiência que surgiu o modelo
inclusivo “mainstream”, ou seja, um modelo capaz de conceder iguais oportunidades
para o exercício de atividades diversas como ir à escola, lazer, se deslocar etc. – sempre
considerando as limitações e diferenças individuais, segundo anota (ROSTELATO,
2009, p. 62).
Nesse mesmo passo, ressalte-se que, na seara educacional, o modelo
“mainstream” tem o escopo de adaptar o aluno com deficiência às classes comuns, isto

26
Conforme as atribuições do Relator, segundo o art.21, incisos IV e V, do Regimento Interno do
Supremo Tribunal Federal.
27
Na esfera internacional, dois documentos foram marcos sobre o tema, sendo estes: a Declaração de
Direitos do Deficiente Mental, proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de dezembro
de 1971, e a Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes (Resolução aprovada pela Assembleia geral
da Organização das Nações Unidas em 9 de dezembro de 1975), conforme observa (RULLI NETO, 2002,
p. 42).
28
Cumpre salientar, entretanto, que apesar da discussão presente neste artigo enfatizar mais o ensino
escolar (fundamental), a questão também é pertinente ao Ensino superior, como é o caso do seguinte
julgado, assim ementado: “Apelação – prestação deficitária de serviços educacionais – Deficiente
auditivo – Intérprete de sinais – Dano moral. O acesso à educação em condições de igualdade, visando à
inclusão social e cidadania é direito das pessoas com deficiência, assegurado pela Lei n.° 13.146/15, o
Estatuto da Pessoa com Deficiência – A disponibilização deficitária de intérprete de sinais dificultou o
acompanhamento das aulas e não possibilitou a integral absorção do conteúdo programático, causando
inegável prejuízo ao desempenho acadêmico da autora e isolamento em relação aos colegas de sala,
gerando ofensa à sua integridade mental e moral. Apelação desprovida com observação”. (Apelação nº
1006555-51.2016.8.26.2003. TJSP, 30ª Câmara de Direito Privado.. Rel. Lino Machado. j. 03/05/2017. p.
09/05/2017).
13

é, “preconiza que o professor procure realçar as semelhanças entre as crianças


deficientes e as normais, minimizando as diferenças entre elas”(MPES, 2003, p. 146).
Ora, adotando-se a tese formulada pela entidade autora da ADI 5357/DF, estar-
se-ia a homologar às escâncaras um retrocesso quanto aos direitos conquistados já no
cenário internacional no que diz respeito a uma minoria historicamente segredada.
A esse propósito, em sede de desfecho, leciona (AGUIAR, 2016, p. 18729)
sobre a noção de alteridade (mencionada pelo Ministro Edson Fachin em seu voto na
ADI 5357/DF), que ainda deve ser alcançada por todos, visto que há grande dificuldade
na nossa cultura de se adotarem ações que envolvam um olhar para o “outro” como um
semelhante, pois “com efeito, quando for possível ao ‘normal’ colocar-se no lugar da
pessoa com deficiência, será consequência natural atitudes inclusivas”.

CONCLUSÃO

Assim sendo, conforme dito alhures, este trabalhou buscou fazer uma análise
sobre o grupo vulnerabilizado das pessoas com deficiência a partir do debate oriundo da
ADI 5357/DF sobre a implantação de um ensino inclusivo pelas escolas privadas.
Diante disso, o presente artigo trouxe à tona a necessidade de se conferir
eficácia aos direitos fundamentais, pois, o que a Lei 13.146/15 (EPCD) fez foi nada
mais do que aplicar, no plano infraconstitucional, um mandamento de sede
constitucional de tutela das pessoas com deficiência – compromisso decorrente do fato
de o Brasil ser signatário da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoa com
Deficiência (2007).
Nessa linha, traçou-se uma das tônicas do artigo, isto é, se a Lei 13.146/15, que
foi impugnada via ADI pela CONFENEM, estaria a lesar o princípio da igualdade e ao
mesmo tempo estaria incumbindo o setor de ensino privado de cumprir um dever do
Estado, no que concerne ao ensino inclusivo.
Contudo, conforme o desenvolvimento do trabalho, através de pesquisas
bibliográficas e jurisprudenciais, constatou-se que tais alegações oriundas da tese da
entidade autora da ADI, estavam apenas no campo retórico; alegando-se questões
eminentemente formais e econômicas em detrimento do cerne da questão, que seria o
fato de que também o setor privado estaria responsável por um ensino inclusivo, não se

29
AGUIAR, Mônica. “Um olhar do Supremo Tribunal Federal para a pessoa com deficiência”. In: DE
CARVALHO, Márcia Haydée Pôrto (Org.). Pluralismo, democracia e direitos fundamentais. São Luís:
EDUFMA, 2016.
14

restringindo o papel das escolas particulares apenas a geração de empregos,


cumprimento de legislação trabalhista e tributária.
Em sede de desfecho, através da tensão de opostos oriunda da ADI, chegou-se
à conclusão de que o ensino inclusivo, em especial através do método “mainstream”–
que enfatiza as diferenças através da valorização da alteridade –, está em consonância
com os valores da Constituição Federal, principalmente no tocante ao princípio da
igualdade, sob seu viés substancial, sendo este totalmente aplicável as pessoas com
deficiência, assim como também com o princípio magno da dignidade da pessoa
humana, escopo maior e no qual milita todo o ordenamento jurídico democrático.
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